Gestão Educacional: amigos da escola em ação



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Transcrição:

Introdução O lançamento do Projeto Amigos da Escola, em 1999, pela Rede Globo de Televisão, como parte do Projeto Brasil 500 anos 1, em parceria com a Comunidade Solidária 2, destacou-se pela magnitude da campanha televisiva, incluindo também outros veículos de comunicação vinculados a essa emissora, como o Portal Globo, jornais e revistas. 1. O Projeto Brasil 500 Anos, de 1998, nasceu com o duplo objetivo de comemorar os 500 anos do Descobrimento e de contribuir para a construção de um país melhor, por meio de ações voltadas para mostrar os talentos, as qualidades e a diversidade dos brasileiros, bem como mobilizar a sociedade para sua atuação na melhoria da educação (Ribeiro, 2002). 2. O Conselho da Comunidade Solidária, presidido pela então primeira-dama do país, Dra. Ruth Cardoso, tornou-se um espaço de diálogo entre o Governo e as organizações da sociedade civil na busca de formas inovadoras para enfrentar a pobreza e a exclusão social no Brasil. O Conselho teve as seguintes funções: a) promover projetos inovadores para atender grupos que não eram beneficiados pelas ações sociais do Governo; b) construir um espaço de interlocução política sobre os principais assuntos da agenda social; c) fortalecer a sociedade civil por meio do apoio às organizações sem fins lucrativos o chamado Terceiro Setor e do estímulo ao seu engajamento no combate à pobreza e exclusão social (Disponível em: <http://www.mre.gov.br>. Acesso em: 01 fev. 2005).

18 Introdução Esse Projeto constituiu-se numa grande convocação da sociedade brasileira e numa ação de incentivo para o desenvolvimento de ações de voluntariado individual e de parcerias com a escola, realizadas no auge da expansão, por todo o país, de um grande movimento chamado de Terceiro Setor. Existem diversas formas de se definir o Terceiro Setor. Entretanto, não há, entre os estudiosos das Ciências Sociais, consenso em torno de uma única ou melhor definição. No pensamento hegemônico, o Primeiro Setor corresponderia ao Estado, o Segundo, ao Mercado e o Terceiro, às organizações não governamentais sem fins lucrativos. Sob essa ótica, conforme Fernandes (1997), entende-se por Terceiro Setor o conjunto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato, expandindo o seu sentido para outros domínios, graças sobretudo à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil (p. 27). Numa perspectiva crítica, para Demo (2003, p. 308-309), a noção do terceiro setor é inventada, além de deter sabor inequivocamente neoliberal. Para esse autor, não há como se estar fora do Estado, bem como do mercado, afinal, em qualquer circunstância todos estamos vinculados a tais entidades, em termos de acesso às infraestruturas materiais e à gestão da sociedade. Para Demo, não é possível encontrar na sociedade alguma esfera onde não se note a presença, ostensiva ou sub-reptícia, do Estado/Governo e do mercado. Não nascemos, enfim, num terceiro setor, mesmo que seja no fim do mundo, mas, sim, em espaço já regulado pelo Estado e pelo mercado. No presente estudo, abordamos o Terceiro Setor como um movimento ideológico que defende a corresponsabilidade entre Estado e

Gestão Educacional: amigos da escola em ação 19 Sociedade Civil em nome do equacionamento dos principais problemas sociais. Trata-se de uma reação da sociedade diante de um cenário marcado pela exclusão social de milhões de seres humanos que não conseguem se inserir no mercado de trabalho. Com o devido suporte teórico-ideológico e com o investimento de grandes somas de recursos financeiros dos que o apoiam, o Terceiro Setor conseguiu aparentemente congregar os mais diversos e heterogêneos atores sociais que sonham e desejam uma sociedade mais justa. É um movimento que, para alguns entusiastas, representaria o fim da luta de classes ou do conflito social, uma luz no final do túnel, na medida em que seria o fio condutor para tornar realidade o que, para muitos, seria um sonho impossível, isto é, o encontro e o estabelecimento de laços de pertencimento entre as empresas e os cidadãos (Caetano, 1997, p. 33). Diante do exposto, convém questionar: qual é a grande novidade ou inovação desse movimento? Sem dúvida alguma, não foi a criação de entidades assistencialistas que desenvolvem ações em parceria com o poder público, pois elas já existiam; nem a criação de ONGs político-mobilizadoras, as quais se destacaram no processo de democratização, uma vez que já atuavam e contribuíram para a abertura política. A grande novidade do Terceiro Setor, conforme afirmamos em outros trabalhos (Calderón; Marim, 2003), é a enorme visibilidade que ganhou a partir de cinco fatos concretos: a) o surgimento da responsabilidade social como novo código ético que deveria nortear as ações dos empresários; b) a emergência de empresas ou organizações a elas vinculadas, como, por exemplo, suas fundações, enquanto agentes financiadores ou dinamizadores de projetos sociais; c) a eufórica expansão da responsabilidade social como uma nova tendência de mercado, definindo as estratégias de publicidade, marketing e propaganda;

20 Introdução d) o investimento do governo do ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, por meio do Conselho da Comunidade Solidária, na criação de um ambiente jurídico- institucional favorável à institucionalização da atuação do Terceiro Setor; e) a ampla e irrestrita adesão por parte da maior rede de televisão do país e da mídia em geral, estimulando e promovendo ações voltadas ao desenvolvimento do voluntariado. Falar do Terceiro Setor, enfim, é fazer referência a um movimento alicerçado teoricamente na defesa de novas formas de interação social, visando à integração e coesão da sociedade, distante de qualquer tipo de conflito e polarização. Dessa forma, categorias analíticas chaves, como, por exemplo, a sociedade civil organizada que, no âmbito das ciências sociais, contribuem muito bem para a análise e compreensão do chamado Terceiro Setor, são deixadas para trás por não serem funcionais ao sistema. De acordo com Fernandes (1994), tais categorias analíticas têm implícita uma oposição complementar e sistêmica ao Estado, em vez de orientar para outras direções sem fronteiras definidas. O Terceiro Setor é um movimento que possibilita a convergência de dois grandes paradigmas das esferas política e econômica que possuem diferentes aspirações, trajetórias históricas e embasamentos teóricos. Por um lado, revitaliza o paradigma democrático-participacionista, quando, no dizer de Ruth Cardoso (1997), contribui com o processo de consolidação da democracia e do desenvolvimento social. Isso significa que o Terceiro Setor seria um caminho para a consolidação da democracia, a mudança social e a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Por outro, contribui para consolidar o paradigma econômico- liberal, que sustenta a expansão do neoliberalismo em âmbito global, considerado por muitos autores como um remédio milagroso para se

Adolfo I. Calderón, Elza M. T. Silva, Maria A. Batista e Neusa H. S. Gritti 21 conseguir o desenvolvimento social e econômico dos países, apesar do elevado saldo social. Sob essa ótica, o Terceiro Setor seria o caminho para a construção de um Estado Eficiente por meio da transferência, para a comunidade, da implantação e gestão de programas sociais desenvolvidos pelo Estado. Nas discussões sobre o Terceiro Setor, é fundamental atentar para o fato de que ele surge como uma reação diante da crise fiscal do Estado e do colapso do Estado de Bem-Estar. A corresponsabilidade entre o Estado e a Sociedade Civil propagada pelo Terceiro Setor, ao mesmo tempo que assinala o desenvolvimento da cidadania, enquadra-se, em tempos de hegemonia neoliberal, como elemento complementar às novas funções do Estado. Uma voz em defesa do neoliberalismo De fato, no liberalismo, quando são adotadas políticas de livre mercado, corte de gastos públicos, privatização de empresas [...] essas medidas funcionam como um remédio milagroso, mostrando que esse modelo, pelo menos até agora, tem funcionado. Só que isso não ocorre sem um altíssimo grau de desemprego e um crescimento considerável da exclusão social. A experiência nos mostra que esse sistema não terá sucesso sem a participação da sociedade civil e esta não poderá participar só por meio da filantropia para auxiliar aos menos favorecidos. A execução dos programas de bem-estar social deve ser entregue às organizações da sociedade civil, não governamentais, como solução viável. É aí que entra o Terceiro Setor, para realmente conquistarmos uma sociedade socialmente mais justa, ambientalmente saudável e economicamente viável. O Terceiro Setor representaria a transformação estrutural profunda da sociedade civil (Domeneghetti, 2001, p. 28). Numa perspectiva oposta, para Montaño (2002), o debate do terceiro setor desenvolve um papel ideológico claramente funcional aos interesses do capital no processo de

22 Introdução reestruturação neoliberal, no caso, promovendo a reversão dos direitos de cidadania por serviços e políticas sociais e assistenciais universais, não contratuais e de qualidade, desenvolvidas pelo Estado e financiadas num sistema de solidariedade universal compulsória (p. 19). De acordo com o relatório O Estado num mundo em transformação, produzido por funcionários do Banco Mundial (1997), os governos devem apostar na construção de um Estado Eficiente, vital para a provisão de bens e serviços que permitam que os mercados floresçam e que as pessoas tenham uma vida mais saudável e feliz, por meio da redefinição de suas funções, ajustando-as a sua real capacidade de execução. Na área da educação, nesse relatório, recomenda-se que: a) a utilização habilidosa dos mercados privados competitivos e da atividade voluntária pode apoiar o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, reduzir o ônus que recai sobre Estados com escassa capacidade institucional (p. 63). b) a participação dos interessados na preparação e implementação de serviços ou programas públicos pode melhorar tanto a taxa de rentabilidade como a sustentabilidade dessas atividades (p. 124). Seguindo essas orientações, muitos países conseguiram envolver pais e comunidade, por meio de Conselhos de Desenvolvimento Escolar. A partir dessa experiência, o relatório salienta que as comunidades participantes desses conselhos são mais propensas a colaborar para o financiamento das escolas. Daí, depreende-se que o Conselho de Escola uma importante bandeira de setores progressistas (Calderón; Marim, 2002) foi apropriado pelo Banco Mundial, tornando-se um mecanismo fundamental na consolidação do Estado Eficiente, por meio da transferência para a sociedade civil da gestão e supervisão do funcionamento da escola. É precisamente no contexto do Terceiro Setor e da convergência de paradigmas que deve ser compreendido o Projeto Amigos da Escola.

Gestão Educacional: amigos da escola em ação 23 Trata-se, pois, de um projeto de responsabilidade social corporativa que, além de assumir um papel complementar ao Estado, sob a hegemonia neoliberal, também contribui para fortalecer processos voltados para o desenvolvimento da cidadania. Devemos lembrar que o projeto foi lançado no auge das ações de estímulo ao voluntariado. Foi uma iniciativa que fortaleceu o cenário favorável a esse tipo de ação e estreitou os vínculos com o poder do Estado ao contribuir para a disseminação de uma prática impulsionada pela Comunidade Solidária, na segunda metade da década de noventa. 3 O Projeto Amigos da Escola caracteriza-se pela tentativa de sensibilizar as pessoas a agirem voluntariamente em benefício das escolas. Diferenciou-se, entre outras coisas, por conclamar ajuda a um serviço público estatal. Até então, os meios de comunicação estimulavam, de forma não estruturada, a ação voluntária em benefício de projetos voltados para as pessoas em situação de exclusão social ou em defesa do meio ambiente, promovidos, principalmente, por ONGs. Convém ressaltar que, por lei, o trabalho voluntário sustenta-se na livre- iniciativa dos indivíduos, sem vínculo empregatício, visando realizar atividades não remuneradas, em organizações públicas ou privadas que não possuem fins lucrativos. Na ocasião, aproximadamente 60 mil escolas públicas que tinham Associação de Pais e Mestres (APM) ou Caixa Escolar receberam um kit informativo (folhetos explicativos com ficha de inscrição) com 3. Convém registrar alguns fatos importantes da década de noventa: a) em 1996, a Comunidade Solidária lançou o Programa Voluntários, um dos cinco grandes programas voltados à articulação de esforços de Estado, mercado e sociedade civil: Alfabetização Solidária, Universidade Solidária, Capacitação Solidária e Artesanato Solidário; b) em 1997, o Programa Voluntários veiculou em nível nacional campanha publicitária estimulando o serviço voluntário; c) em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso promulgou a Lei 9.608, regulamentando o serviço voluntário a partir de esforços da Comunidade Solidária; d) em 2001, um ano e meio depois do lançamento do Projeto Amigos da Escola, comemorou-se o Ano Internacional do Voluntariado, cujo saldo, de acordo com o Comitê Brasileiro para o Ano Internacional do Voluntariado, foi de 30 milhões de brasileiros integrados em algum tipo de trabalho voluntário (Moraes, 2002; Marques da Cruz, 2002).

24 Introdução as orientações para o cadastramento no Projeto. As escolas que se inscreveram receberam os sete fascículos da Coleção Amigos da Escola para que norteassem suas ações junto aos voluntários. Como parte do Projeto, previa-se que os interessados em atuar como voluntários se dirigiriam às escolas cadastradas e seriam acolhidos pela comunidade escolar. Contabilizaram-se, então, mais de 27 mil escolas cadastradas. Além disso, previa-se a formação de Núcleos Locais a partir de um trabalho de articulação desencadeado pelas emissoras afiliadas à Rede Globo em todo o país. Os núcleos seriam formados por organizações da sociedade civil e do poder público (Secretarias da Educação, universidades, sindicatos, clubes de serviço, ONGs, centros de voluntariado etc.), com o objetivo de desenvolver um trabalho de permanente apoio às escolas, planejar ações em conjunto com elas, ajudá-las na busca de soluções e monitorar suas ações com o intuito de corrigir possíveis desvios. O Projeto também contemplava oficinas periódicas de gestão e de avaliação, visando a sistematização de ações locais, divulgando conquistas e reorientando rumos de atuação, quando necessário. O presente estudo, pois, surgiu com o intuito de procurar caminhos e alternativas para aprimorar a gestão da escola pública. Nosso objetivo é analisar o Projeto Amigos da Escola, compreendê-lo, estudar suas repercussões e fragilidades na perspectiva da viabilização da gestão democrática no cotidiano escolar, focando o percurso realizado desde seu lançamento, em 1999. Acreditamos que a convocação de voluntários e da população em geral contribui no desencadeamento de processos que podem ser orientados para viabilizar a gestão democrática da escola, ultrapassando meras ações direcionadas a suprir suas deficiências em termos de infraestrutura e recursos humanos. Os voluntários interagem num cenário no qual suas tarefas devem ser definidas pela direção da escola e pelos colegiados de professores. Ou seja, os voluntários não podem fazer o que quiserem. Assim, a direção

Adolfo I. Calderón, Elza M. T. Silva, Maria A. Batista e Neusa H. S. Gritti 25 da escola pode estimular o desencadeamento de processos distantes de meras ações instrumentais e assistencialistas, como, por exemplo, o fortalecimento de espaços de participação democrática. Entendemos a gestão democrática como um método gerencial e como um ideal almejado, difícil de se concretizar no cotidiano da escola, apesar de ter sustentação legal na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996. Por meio dela, a comunidade escolar participaria ativamente na definição e construção da escola que se almeja para as crianças, os jovens e a população do seu entorno territorial. Para alcançar seus objetivos, enfim, este estudo contou com três fontes distintas de informações. O elemento comum entre todas elas é a forma como retratam o Projeto Amigos da Escola. Envolvem desde fontes teóricas até uma pesquisa de campo realizada em escolas que aderiram a esse Projeto. A seguir, apresentamos as três fontes e, logo em seguida, caracterizamos o perfil geral dos municípios cujas escolas serviram de base para uma parte de nossa coleta de dados. Em resumo, as fontes são: a) textos, artigos e documentos divulgados na Internet, em sites institucionais ou alternativos à grande imprensa, em revistas científicas na área das Ciências Humanas ou em eventos de natureza científico-acadêmica, a respeito do Projeto Amigos da Escola, elaborados por estudantes universitários, sindicatos e associações de professores, professores universitários e pesquisadores, jornalistas, cronistas e cidadãos comuns que expressaram sua opinião a respeito do Projeto; b) pesquisas acadêmicas focadas no Projeto, apresentadas em forma de dissertações de mestrado e monografias resultantes de trabalhos de conclusão de curso, em nível de graduação, e de estudos de iniciação científica; c) pesquisa realizada por nossa equipe a partir de entrevistas com 15 representantes do total de 17 escolas da rede estadual de ensino do Estado de São Paulo cadastradas no site do

26 Introdução Projeto Amigos da Escola, pertencentes aos municípios de Biritiba Mirim, Mogi das Cruzes e Salesópolis. 4 Por meio desse estudo, tentamos compreender, a partir da identificação da percepção dos dirigentes escolares, como foi o processo de implantação do Projeto Amigos da Escola, as expectativas iniciais, as dificuldades encontradas, os aspectos positivos e negativos que podem ser resgatados dessa experiência. Convém mencionar, ainda, que, além do apoio da Fapesp, foi decisiva a parceria com a Diretoria de Ensino Região Mogi das Cruzes, doravante DER, órgão da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que engloba os municípios de Biritiba Mirim, Mogi das Cruzes e Salesópolis, localizados na Região Metropolitana de São Paulo, a uma distância da capital paulista de 73, 54 e 96 quilômetros, respectivamente. Trata-se de três municípios que, pela sua heterogeneidade, reúnem algumas características semelhantes à realidade de muitas cidades do Estado de São Paulo. 5 Este estudo, enfim, está dividido em cinco capítulos. O primeiro analisa o movimento contra-hegemônico despertado pelo Projeto Amigos da Escola, a partir do posicionamento de quatro grupos de opinião: estudantes universitários, sindicatos e associações de professores, mídia alternativa e professores universitários. 4. Deve-se registrar que, no lançamento do Projeto, nos três municípios citados, havia um total de 70 escolas estaduais, das quais somente 17 se cadastraram. Para efeito de nossa pesquisa, conseguimos localizar representantes de 15 das 17 escolas, sendo quase a totalidade diretores de escola. 5. Se tomarmos como referência os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), pode- se constatar que dois desses municípios possuem níveis de IDH considerado médio Salesópolis (0,748) e Biritiba Mirim (0,75) e um deles encontra-se entre aqueles que possuem nível de desenvolvimento humano considerado alto Mogi das Cruzes (0,801). Deve-se atentar para o fato de que, comparativamente aos outros estados do Brasil, em São Paulo não existem municípios com IDH considerado baixo. Aproximadamente 56,4% dos municípios da Região Metropolitana de São Paulo apresentam índice de desenvolvimento médio e 43,6%, índice alto. No Estado de São Paulo, aproximadamente 27% dos municípios apresentam índice de desenvolvimento alto e 73%, índice médio.

Gestão Educacional: amigos da escola em ação 27 O segundo, por sua vez, foca o modo como o Projeto Amigos da Escola foi abordado pelas produções acadêmicas, principalmente por artigos acadêmicos, pesquisas de iniciação científica e dissertações de mestrado. O terceiro capítulo aponta pistas para se compreender o processo de adesão das escolas públicas ao Projeto, ressaltando diversos aspectos, tais como motivações, expectativas e grau de satisfação com os resultados. Já o quarto capítulo analisa a atuação dos voluntários no cotidiano escolar, sob a ótica dos diretores de escola. O quinto, por sua vez, enfoca as contradições e os conflitos existentes nas mensagens enviadas pelo Projeto aos diversos atores participantes e salienta as contribuições dos sete fascículos da Coleção Amigos da Escola. Após as considerações finais, publicamos como apêndice a postura da equipe da Rede Globo de Televisão em relação aos resultados da presente pesquisa. Esse texto, afinal, permite ao leitor ter maiores elementos para se compreender o Projeto Amigos da escola enquanto ação na área da responsabilidade social corporativa da maior rede de televisão do país.