III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 321 Diversidade de Ephemeroptera (Insecta) na Bacia do Rio São Mateus, Espírito Santo E. M. Rozario 1*, K. B. Angeli² & F. F. Salles 3 ¹ Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Universidade Federal do Espírito Santo ² Pós-graduação em Ciências Biológicas (Biologia Animal), Laboratório de Sistemática e Ecologia de Insetos, Universidade Federal do Espírito Santo ³Professor Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, CEUNES-UFES *Email para correspondência: ezinete.rm@gmail.com Introdução Os insetos aquáticos compõem um dos principais grupos da fauna de macro invertebrados bentônicos. Eles apresentam grande importância ecológica, participando de cadeias alimentares e sendo um dos principais elos das estruturas tróficas do ecossistema (Abílio et al. 2007, Waltz & Burian 2008). Além do estudo desses insetos contribuírem para a compreensão da dinâmica dos ecossistemas aquáticos, ainda pode-se destacar o uso ou maior potencial de sua utilização como bioindicadores em programas de monitoramento de ecossistemas aquáticos (Buss et al. 2003, Cummins et al. 2005). A ordem Ephemeroptera Hyatt & Arms, 1891 possui cerca de 4000 espécies descritas e constitui um grupo de insetos aquáticos que possuem integrantes obrigatoriamente anfibióticos, com imaturos aquáticos e adultos terrestres. Durante o estágio imaturo apresentam grande diversidade de estratégias alimentares, podem ser filtradores, raspadores, fragmentadores, coletores e até mesmo predadores (Salles 2006). Ao contrário das ninfas, os adultos são terrestres e a maioria das espécies vive poucas horas a alguns dias. O Rio São Mateus representa o principal manancial de abastecimento para vários municípios, como Nova Venécia e Boa Esperança, bem como fornecer água para diversos projetos de irrigação, mas também vem sendo usado como receptor dos efluentes domésticos e industriais destas e de outras localidades. O conhecimento da biota aquática dessa região é reduzido, sobretudo no que diz respeito à fauna de macroinvertebrados. A necessidade de estudos a respeito desses organismos é importante pelo reduzido conhecimento da entomofauna na Bacia do Rio São Mateus, incluído a ordem 321
322 ROZARIO ET AL.: DIVERSIDADE DE EPHEMEROPTERA DO SÃO MATEUS Ephemeroptera, e da reconhecida importância ecológica desses organismos, principalmente no que diz respeito a questões relacionadas ao biomonitoramento de ecossistemas aquáticos. O objetivo desse trabalho foi verificar a variação espacial e temporal da diversidade de Ephemeroptera na Bacia do Rio São Mateus, inventariar a fauna, caracterizar a estrutura e analisar os padrões de distribuição nos pontos amostrais ao longo do Rio. Material e Métodos A área estudada foi uma fração da Bacia do Rio São Mateus (Figura 1), que incluiu parte do Rio Cotaxé (Pontos P1, P2 e P3), parte do Rio Cricaré (Pontos P4, P5 e P6), e Rio São Mateus a montante e jusante da área urbana de São Mateus (P7 e P8), até seu deságue no Oceano Atlântico, através de suas duas fozes, incluindo os dois estuários contíguos; um em Conceição da Barra (Ponto P9) e outro em Barra Nova (Ponto P10). Foram feitas quatro campanhas que resultaram em duas coletas na estação seca e duas na estação chuvosa, com os 10 pontos amostrais em cada uma. Figura 1. Pontos de coleta ao longo do Rio São Mateus. A fauna foi avaliada segundo riqueza, abundância e a composição das espécies, estrutura e padrões de distribuição espacial, a partir de amostragens quantitativas de indivíduos adultos, com armadilha luminosa do tipo Pensilvânia (Frost 1957). Em laboratório, as
III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 323 amostras foram triadas ao nível taxonômico mais baixo possível, fixadas em álcool a 80% e depositadas na Coleção Zoológica Norte Capixaba. Para verificar se a abundância e a riqueza da ordem variaram ao longo dos pontos foi feita análise de regressão linear através do programa R 2.14.2 (R Development Core Team 2011). Para analisar se a abundância e a riqueza são distintas nas diferentes estações (seca e chuvosa) foi utilizado o Teste t de Hutcheson (Zar, 1999) no programa PAST 2.7b (Hammer et al. 2001). A variação na composição da fauna de Ephemeroptera em relação às diferentes estações do ano foi avaliada através de análise de ordenação pelo método de Escalonamento Multidimensional Não-Métrico (NMDS) (Clarke & Warwick 2001). Resultados e Discusssão Foram encontradas 49 espécies de Ephemeroptera, 19 espécies nominais e 30 morfoespécies, totalizando 21.132 indivíduos. Um novo gênero e três novas espécies foram amostradas. A abundância de Ephemeroptera manteve-se homogênea no sentido nascente-foz, não havendo variação (p=0,129) e a riqueza de foi maior nos pontos de cabeceira reduzindo em sentido à foz (p= 0,0015) (Figura 2). A abundância (p= 0,406) (Figura 3) e a riqueza (p= 0,816) (Figura 4) não se distinguiram entre as duas estações. Figura 2. Regressão linear entre a riqueza de espécies de Ephemeroptera e a distância dos pontos coletados da nascente à foz. 323
324 ROZARIO ET AL.: DIVERSIDADE DE EPHEMEROPTERA DO SÃO MATEUS Figura 3. Riqueza de Ephemeroptera nas estações seca e chuvosa de 2012, Bacia do Rio São Mateus, ES. Figura 4. Abundância de Ephemeroptera nas estações seca e chuvosa de 2012, Bacia do Rio São Mateus, ES. No que diz respeito à estrutura, foi observado um agrupamento na estação seca (Figura 5) entre os pontos P3, P4, P6 e P7 em função dos táxons Campsurus cf. segnis, Farrodes carioca Domínguez, Molineri & Peters, 1996 e Tricorythodes aff. santarita. Na estação chuvosa (Figura 6) um agrupamento foi observado entre P3, P4 e P6, seguido de P8 e P9. Figura 5. Gráfico da análise de ordenação por escalonamento multidimensional nãométrico (NMDS) na estação seca. Os táxons semelhantes entre os pontos P3, P6 e P4 foram: Campsurus cf. segnis, Farrodes carioca, Latineosus cf. cayo, Simothraulopsis sp. 2, Tortopus harrisi Traver, 1950, Traverhyphes (Mocoihyphes) yuati Molineri, 2004, Traverhyphes (Traverhyphes) pirai Molineri, 2001, Tricorythodes aff. santarita, Tricorythodes mirca Molineri, 2002 e Ulmeritoides cf. uruguayensis. P8 e P9 foram agrupados pela ausência de táxons.
III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 325 A abundância de Ephemeroptera ao longo dos pontos não variou. Nos pontos onde o ambiente é considerado íntegro (P1, P2 P3) possui valor de abundância parecida com os ambientes não-íntegros (P5 e P8). O fato é que nos pontos íntegros a abundância esta distribuída no maior número de espécies enquanto que nos ambientes não-íntegros a abundância está distribuída no número menor de espécies. Figura 6. Análise de ordenação por escalonamento multimensional não-métrico (NMDS) na estação chuvosa. Dentre as medidas de diversidade avaliadas, a riqueza de Ephemeroptera diminuiu significativamente à medida que o curso da calha central da Bacia do Rio São Mateus se aproxima da foz. Este fato pode estar relacionado às mudanças nas características físicas dos pontos e a presença de cidades ao longo do curso do rio. Durante a estação chuvosa, com o aumento do volume de água e consequentemente da sua velocidade e vazão, os ambientes aquáticos tendem a se tornar menos estáveis (Yokoyama et al. 2012). Contudo, para os parâmetros estudados, abundância e riqueza, não diferiram entre as estações. Os pontos que apresentaram maior abundância foram os mesmos nas duas estações, os quais são caracterizados por apresentar a vegetação bastante preservada, com presença de trechos encachoeirados e onde a desestabilização do sistema lótico é pouca significativo. A composição de Ephemeroptera foi distinta entre as estações seca e chuvosa. Isso pode ser explicado pelo fato de que em ecossistemas aquáticos os padrões de composição são resultantes da interação entre o hábito das espécies, condições físicas dos habitats e parâmetros da água (Cummins et al.2008). Essa distinção na composição pode ser explicada pela maior estabilidade do ambiente no período seco, e consequente melhor estruturação nas comunidades (Bispo et al, 2001), enquanto a instabilidade na estação 325
326 ROZARIO ET AL.: DIVERSIDADE DE EPHEMEROPTERA DO SÃO MATEUS chuvosa pode ter forçado a emergência de imagos de espécies fossoriais, o que explicaria a elevada abundância de Polymitarcyidae neste período (1.179 indivíduos). Os pontos a montante e a jusante do Rio ficaram nitidamente separados no resultado da análise de ordenação (Figura 5 e 6). As características físicas das áreas a montante são bem diferentes das áreas a jusante, pois elas apresentam corredeiras e pequenas cachoeiras, com maior velocidade de corrente e mais diversidade de mesohábitats disponíveis. Dentre os pontos a montante destacam-se P2 e P5, que formaram um grupo separado das demais áreas a montante. Ambos possuem pequenas cachoeiras e correnteza forte, são correspondentes nos Braços Norte e Sul do Rio São Mateus, apresentando distância semelhante da foz. O ponto P8, que localiza-se a jusante, possui aproximadamente 120 metros (área com maior largura para o Rio São Mateus), apresenta poucos mesohábitats e não possui corredeiras. Segundo Juén (2007) com o aumento da largura, grandes rios funcionariam como sistemas lênticos, visto que grandes volumes de água acabam homogeneizando o sistema reduzindo o número de mesohábitats. O isolamento dos pontos P9 e P10 se dá pela proximidade com a foz onde a concentração de salinidade é maior. Conclusão O presente trabalho contribui para o conhecimento da fauna de Ephemeroptera na Bacia do Rio São Mateus. Os registros de táxons que antes não eram registrados para a região sudeste e nem para o Espírito Santo além da descoberta de novas espécies e novo gênero ressalta a importância dessa pesquisa. Outro aspecto interessante é a utilização da fase adulta do ciclo de vida desses organismos, que permitiu a ampliação do conhecimento a respeito da biodiversidade de diversos táxons, cujas ninfas dificilmente são coletadas. Além disso, ressalta-se a necessidade de maior desenvolvimento de estudos em rios de maior porte, por conta da composição faunística da calha central da Bacia do Rio São Mateus ter diferido consideravelmente da composição dos rios de menor porte da mesma região. Agradecimentos Agradecemos ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e IEMA (Instituto Estadual de Meio Ambiente) pelas licenças de coleta; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processo 558246/2009-5, 402939/2012 3, 245924/2012 4) e Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (FAPES, processo 54689627/2011, 511187434/2010) pelo
III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 327 apoio financeiro; À Coordenação de Aperfeiçoamento e Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida ao segundo autor durante a execução do trabalho e ao Centro Universitário Norte do Espírito Santo (CEUNES/UFES) pelo apoio ao desenvolvimento dessa pesquisa. Literatura Citada Abílio, F. J. P.; Ruffo, T. L. M.; Souza, A. H. F. F.; Florentino, H. S.; Junior, E. T. O.; Meireles, B. N. & Santana, A. C. D. 2007. Macroinvertebrados bentônicos como bioindicadores de qualidade ambiental de corpos aquáticos da caatinga. Oecologia brasiliensis, 3: 397-409. Bispo, P. C.; Oliveira, L. G.; Crisci, V. L. & Silva, M. M. 2001. A pluviosidade como fator de alteração da entomofauna Bêntonica (Ephemeroptera, Plecoptera e Trichoptera) em córregos do Planalto Central do Brasil. Acta Limnologica Brasileira, 13: 1-9. Buss, D. F.; Baptista, D. F.; Nessimian, J. L. 2003. Bases conceituais para aplicação de biomonitoramento em programas de avaliação de qualidade de água de rios. Cadernos de Saúde Pública, 19: 465-473. Clarke, K. R & Warwick, R. M. 2001. Change in marine communities: an approach to statistical analysis and interpretation. Plymouth: Plymouth Marine Laboratory. Cummins, K. W. & Merrit, R. W. 2008. Ecology and distribution of aquactic insect. p.105-122. In: Merrit, R.W. & Cummins, K.W. An introduction to the aquatic insects of North America, 4rd Edition, Dubuque. Cummins, K. W.; Merrit, R. W.; Andrade, P. C. N. 2005. The use of invertebrate functional groups to characterize ecosystem attributes in selected streams and Rivers in southeast Brazil. Studies on Neotropical Fauna and Environment, 4: 69-90. Frost, S. W. 1957. The Pennsylvania Insect Light Trap. Journal of Economic Entomology, 50,( 3): 287-292. Hammer, O.; Harper, D. A. T. & Ryan, P. D. 2001 Past: Paleontological statistics. Paleontologia Eletronica, v.4, n.1. Disponível em: http://palaeoelectronica.org/2001_1/past/issue_1.html. Juen, L.; Cabette, H. S. R. & De Marco Jr. 2007. Odonate assemblage structure in relation to basin and aquatic habitat structure in Pantanal wetlands. Hydrobiologia, 579:125-134. 327
328 ROZARIO ET AL.: DIVERSIDADE DE EPHEMEROPTERA DO SÃO MATEUS R Development Core Team. 2011. R: A language and environment for statistical computing. Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria. ISBN 3-900051-07-0. Disponível em: www.r-project.org (05/12/ 2012). Salles, F. F. 2006. A ordem Ephemeroptera (Insecta) no Brasil: Taxonomia e Diversidade. Tese. Viçosa-UFV. 300p. Waltz, R. D. & Burian, S. K. 2008. Ephemeroptera. p. 181-236 In: Merrit, R.W., Cummis, K.W. (Eds). An introduction to the aquatic insects of North America, 4rd edition. Kendall/Hunt Publishing Company. Yokoyama, E.; Paciência, G. P.; Bispo, P.C.; Oliveira,L.G.; Bispo, P.C. 2012. A sazonalidade ambiental afeta a composição faunística de Ephemeroptera e Trichoptera em um riacho de Cerrado do Sudeste do Brasil?. Ambiência, 8, 73-84. Zar, J. H. 1999. Bioestatiscal analysis. Englewood Cliffs: Prentice-Hall.