O Movimento Moderno e a Arquitetura Residencial de Florianópolis



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Transcrição:

O Movimento Moderno e a Arquitetura Residencial de Florianópolis Josicler Orbem Alberton Aluna do curso de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo- PósARQ - UFSC arqjosi@yahoo.com.br Carolina Palermo Szücs Professora do Departamento de Arquitetura/ UFSC e do PósARQ- UFSC carolps@arq.ufsc.br Passadas algumas décadas, é possível afirmar que o Movimento Moderno marcou de fato a história da arquitetura e que tal influência tem importância inquestionável. As primeiras discussões modernistas tratavam da questão habitacional e já na década de 20, chegou-se a padrões de moradia que visavam novos processos construtivos, voltados à realidade industrial da época. Este novo modo de ver a habitação chegou rápido ao Brasil e teve boa aceitação entre os profissionais da época que passaram a aplicar preceitos da arquitetura modernista que surgia na Europa. A nova arquitetura, em poucas décadas, estava presente em muitos lugares do Brasil e não tardou a chegar a Florianópolis, onde foram construídos, já na década de cinqüenta, importantes prédios públicos cujos projetos apresentavam muitos princípios modernistas. Ainda nesta década apareceram os primeiros projetos residenciais que buscavam os conceitos da casa funcional e que na Ilha 1 foram aplicados na arquitetura intimista das residências dos mais abastados, que eram as pessoas voltadas a tudo que havia de moderno da época. O presente trabalho procura destacar alguns exemplares de residências unifamiliares, localizados na área central de Florianópolis, cujos projetos foram construídos nas décadas de 50, 60 e 70 e que retratam a arquitetura modernista residencial que foi realizada na cidade. O objetivo é resgatar a importância destes projetos para Florianópolis não só pelo que representam historicamente, mas também por constituir um registro importante que retrata a difusão da arquitetura modernista no país, feita da forma possível e não da maneira que se pretendia. Palavras-chaves: Movimento Moderno, arquitetura residencial, Florianópolis. A few decades after the Modern Moviment, we can assure it has been extremely remarkable to the history of architecture, and the importance of such influence is unarguable. 1 Ilha de Santa Catarina, onde se desenvolveu a primeira ocupação da cidade de Florianópolis e onde hoje está situado cerca de 90% do território do município.

The first discussions about modernism focused on the matter of habitation, which, during the 1920s, reached standards based on new construction techniques, concerning the industrial situation of that period. The new way of looking at habitation arrived early in Brasil and found good acceptance among the professionals, who started to apply here the concepts of the modernist architecture that was raising in Europe at the time. The new architecture, in just a few decades, became present in a great deal of places in Brazil and it did not take too long before it arrived in Florianopolis, where, in the 1950s, important public buildings, whose design contained many characteristics of modernism, were built. That same decade brought the first house plans focusing the concepts of the functional housing, employed in Florianopolis through the introspective architecture of houses of the wealthiest inhabitants, influenced thoroughly by whatever was modern then. This paper intends to appoint and enfatize a certain number of private houses, located in the central area of Florianopolis, built during the 1950s, 60s and 70s, illustrating precisely the private architecture that took place in Florianopolis in the times of modernism. The objective is to rescue the importance of these designs to the architecure in Florianopolis, not only for their historic significance, but also because they represent a register of great importance, picturing the spreading of the modernist architechure in Brazil, which occured as it was possible, and not how it had been intended. 1 Introdução O modo de morar, segundo os pensadores modernistas, precisava ser revisto e em conseqüência disto surgiram inovadoras propostas habitacionais, buscando a racionalização do projeto. Acreditava-se que era possível resolver alguns problemas sociais, como a falta de moradia, através da arquitetura. Os valores estritamente estéticos foram ultrapassados, a nova casa deveria ser pensada como uma máquina, segundo suas funções. Os ornamentos foram extintos e a forma passou a ser conseqüência da disposição dos espaços internos. No Brasil, as idéias de vanguarda que surgiam na Europa tiveram grande repercussão entre os profissionais da época. É importante destacar que a arquitetura Moderna no Brasil garantiu seu lugar de destaque no quadro internacional e que arquitetos como Lúcio Costa, Gregori Warchavchik, Rino Levi, Vilanova Artigas, Lina Bo Bardi, Reidy e Oscar Niemeyer, adequaram muito bem os princípios modernistas à realidade nacional. A questão

habitacional também foi tratada por estes arquitetos que projetaram casas, edifícios residenciais e conjuntos habitacionais, sendo algumas destas obras referenciais arquitetônicos da época. Em Florianópolis, como em quase todo Brasil, a arquitetura Moderna apareceu ligada ao ciclo desenvolvimentista da década de 50. A nova arquitetura era sinônimo de moderno, significava progresso e era o caminho para o novo homem, de um novo Brasil que almejava sair da estagnação e voltava-se a um futuro promissor. A partir desta mesma década o centro da capital catarinense passa a ser salpicado de edificações, cujos projetos, sob preceitos modernistas, marcaram o início do renascimento da cidade, que até então, caracterizava-se pela estagnação econômica e cultural. A produção habitacional representativa dessa época, no centro de Florianópolis é expressiva, sendo possível, ainda hoje, encontrar exemplos remanescentes de casas, cujos projetos confirmam a presença modernista na Ilha. O registro destas obras é de fundamental importância, haja vista que o alto ritmo de renovação urbana, presente na cidade, tem sido responsável pela substituição gradativa de tais unidades por edifícios multifamiliares. 2 Florianópolis: primeira metade do século XX No início do século XX Florianópolis era uma cidade pequena. Sua forte ligação com o mar a identificava como cidade portuária de fortes tradições e costumes. Isolada territorialmente, era uma cidade pacata e singular. (...) Alcanço a Rua Felipe Schmidt, a rua dos cafés e confeitarias, o fogofátuo das nossas pretensões à cidade grande! É a rua dos footings, das conversas fiadas! (SILVA apud CASTRO, 2002:37). (...) O ônibus arranca, enquanto uma tristeza mansa me segreda que Florianópolis está distante, muito distante do progresso que se alardeia por aí! É quando muito, uma caricatura..., uma pálida caricatura de cidade grande! (SILVA apud CASTRO, 2002:38).

Figura 1 e 2: fotos de Florianópolis, início do século XX Fonte: http://www.arq.ufsc.br/~soniaa O ritmo da cidade precisava mudar, assim, a cidade começou aos poucos a se transformar. Muitas obras, principalmente de infra-estrutura urbana, foram realizadas naquele início de século. Os primeiros trinta anos deste século foram, portanto, marcados por diversos momentos de modernização, traduzidos na adoção de vários serviços urbanos, considerados avançados não só para Florianópolis, como para outras capitais brasileiras. O desejo de conforto urbano se traduziu na implantação dos serviços de telefone, água encanada, luz elétrica, esgoto sanitário, linhas de bonde e novas opções de moradia e de lazer (VEIGA, 1993:149). Embora tenha havido muitas mudanças voltadas a reafirmar o lugar de Florianópolis como capital do Estado entre estas a construção da Ponte Hercílio Luz, imagem símbolo da cidade a cidade ainda se encontrava isolada, economicamente e culturalmente. Os esforços a partir daí se direcionaram a reinventar a cidade como pólo turístico, progressista e desenvolvimentista. Políticos, artistas e intelectuais abraçaram a causa e se mobilizaram em prol do progresso que faria de Florianópolis moderna e com ares de cidade grande. (CASTRO, 2002). Em 1952 o primeiro Plano Diretor de Florianópolis representou um grande passo para o progresso e em 1955 a cidade já tinha seu primeiro código de obras. O Plano foi feito por profissionais de Porto Alegre, inspirados no urbanismo proposto pelo CIAM de 1933, que tinha como base a Carta de Atenas e que dividia a cidade funcional em zonas de concentração, articuladas por amplas vias de circulação (CASTRO, 2002).

Os intelectuais buscavam também uma inserção no movimento de modernidade que acontecia na Ilha. Em 47 fundaram o Círculo de Arte Moderna, CAM, ligado às idéias das vanguardas modernistas nas artes plásticas, no teatro e na poesia; e que em 1948 publicaria o primeiro número da Revista Sul, editada até 1957. Esta revista inseriu a produção local no circuito nacional e internacional de informação e divulgação (CASTRO, 2002). A proposta estética do Grupo Sul que se dizia herdeiro do movimento modernista de 22 bem como as discussões divulgadas na revista sobre arquitetura e sobre os rumos da cidade, inserem-se num quadro onde a vontade de modernizar, de progredir e de se desenvolver é a mesma vontade de que a cidade supere seu isolamento político, cultural e econômico, e forte o suficiente para promover negociações, articulações sem aventar qualquer ruptura radical, estética ou política. (...) (CASTRO, 2002: 10). O setor da construção civil sempre esteve diretamente ligado às mudanças que a capital vinha sofrendo. Na década de 50 havia uma efervescência entre os profissionais locais, impulsionada pela Associação Catarinense de Engenheiros, ACE, que promovia discussões profissionais, incentivando o desenvolvimento técnico e científico. As revistas especializadas em arquitetura eram lidas por engenheiros, arquitetos e construtores e traziam a arquitetura funcional modernista como o que havia de mais moderno (CASTRO, 2002). Na Revista Sul número 13 de 1951, um artigo com o nome Função Social do Arquiteto, escrito pelo arquiteto Carlos Henrique Bahiana, dizia: Assim assistimos à grande transformação. Os casarões cheios de artificialismo e preconceitos, dando lugar às residências despretensiosas onde tudo é luz e natureza. Os grandes vãos envidraçados iluminando os interiores (...) A arquitetura moderna nada esconde. Não há compartimentos mais dignos e menos dignos. A continuidade espacial prepondera sobre as antecâmaras, corredores de serviço, vestíbulos e toda sorte de escondeesconde... (BAHIANA, 1951 apud CASTRO, 2002). Os princípios modernistas para construção repercutiam em todo país, principalmente pela construção de Brasília, iniciada em 1956, cujo projeto piloto ia ao encontro das idéias funcionalistas da Carta de Atenas. A arquitetura Moderna no Brasil estava fortemente vinculada à questão da imagem, era sinônimo de progresso, do que havia de mais novo. Em Florianópolis o quadro era o mesmo. Os edifícios que surgiam, sob influência da linguagem

funcionalista, se tornavam símbolos de desenvolvimento. Projetos como o edifício das Diretorias, o Instituto Estadual da Educação, o Clube Penhasco, marcam este período na cidade. Figura 3 e 4: à esquerda Clube Penhasco; à direita IEE; ambos em Florianópolis Fonte: www.ufsc.br/~esilva/fotosilha/album004i e arquivo pessoal Segundo Wolfgang Ráu, construtor e projetista na cidade desde 1948, Florianópolis era uma cidade provinciana, ainda isolada e de comércio modesto. A maioria dos materiais para construção vinha de outros lugares e a técnica do concreto armado não era de fácil operação, sendo comum o superdimensionamento da estrutura que tornava a construção mais cara e pesada. (CASTRO, 2002). Figura 5: edifício residencial projetado por Moellmann & Ráu em Florianópolis, 1957 Fonte: arquivo pessoal O que acabava acontecendo na prática era uma arquitetura que mesclava técnicas e elementos de composição que CASTRO, 2002, conceitua como híbrida, que não podia ser pura, plenamente industrializada e funcional, segundo a matriz Corbusiana, devido a limitações e condições presentes na cidade.

A influência modernista não tardou a chegar ao ramo habitacional. Ainda na década de 50 apareceram os primeiros projetos de casas no centro da cidade, com uma linguagem racionalizada. Estas residências concentravam-se em certas zonas urbanas e pertenciam geralmente à classe média ou alta, que tinha mais acesso à literatura e às questões discutidas no país. Ainda hoje é possível encontrar exemplares remanescentes no centro de Florianópolis e que serão apresentados na seqüência deste trabalho. 3 Morando No Centro O centro de Florianópolis é limitado fisicamente pelo mar e pelo Morro da Cruz. Embora tendo sua área restrita geograficamente, no início do século XX já incluía grandes vazios urbanos. O maior adensamento ocupacional acontecia no entorno do centro histórico e nas proximidades do Mercado Público. Grandes chácaras ajudavam a conformar estes vazios, pois ocupavam a área central. Dentre os bairros da época formados por chácaras se destacavam o bairro da Praia de Fora e do Mato Grosso (VEIGA, 1993). Bairro 04 Praia de Fora Antigo limite com o mar 02 Bairro Mato Grosso 01 03 Centro Histórico 01- R. Presidente Coutinho 02- Av. Rio Branco 03- Av. Mauro Ramos 04- R. Esteves Junior Figura 6: malha urbana de Florianópolis em 1921 destacada em cinza sobre malha atual Fonte: DA VEIGA, 1993; adaptado para este trabalho

O aparecimento de novas técnicas construtivas favoreceu a urbanização destes lugares, também impulsionada pelo aumento da população urbana. A abertura de novos eixos viários e também o prolongamento de alguns já existentes possibilitou a expansão do centro urbano, que cresceu em direção a estas áreas pouco ocupadas e que passaram a ser valorizadas (VEIGA, 1993). Ao mesmo tempo em que o centro urbano foi se alongando e adensando nos sentidos Leste e Oeste, outros vetores do crescimento da cidade se irradiaram em direções diferentes, preenchendo as áreas do centro do polígono, até então ocupadas por extensas chácaras (VEIGA, 1993: 327). A abertura da Avenida Rio Branco, na metade do século XX, marcou o início da modernização da região central do polígono urbano. A declividade e as áreas alagadiças foram os principais motivos desta abertura tardia (VEIGA, 1993). Nestas áreas, foram criados loteamentos. As novas casas reforçavam os ares de modernidade que se queria dar à cidade. (...) De modo geral a população mais favorecida habita o triângulo insular, circunscrito pela Avenida Mauro Ramos. Dentro dessa área salientaram-se como zonas residenciais mais finas, as avenidas Trompowsky e Rio Branco, e as ruas Esteves Junior, Alves de Brito e Nereu Ramos, cujas moradias, de grande testada e bastante espaçamento, se apresentam cercadas de aprazíveis jardins e parques privados. Novas áreas recém-loteadas, como a conhecida Chácara da Espanha, apresentam também feição moderna, muito embora a especulação não controlada tenha determinado um fracionamento excessivo de terra (WILMAR, 1948 apud VEIGA, 1993:116). Muitas casas dessa época ainda podem ser encontradas no tecido urbano, algumas em bom estado de conservação, sendo caracterizadas ainda pelo uso familiar. Um grupo expressivo pode ser encontrado em ruas transversais à Presidente Coutinho, área que antes pertencia a Chácara do Molenda, antigo bairro do Mato Grosso. A área em estudo abrange uma porção do centro muito valorizada financeiramente, porém, mesmo com a especulação imobiliária intensa, o lugar ainda conserva ares de bairro residencial.

Figura 7: área de estudo em vermelho, onde estão localizadas as casas apresentadas na seqüência deste trabalho, localizadas na antiga Chácara do Molenda Fonte: DA VEIGA, 1993; adaptado para este trabalho Os lotes, na sua maioria, apresentam testada pequena e intensa ocupação, refletindo a especulação buscada na época do loteamento. Em conversas com moradores locais, fica evidente a satisfação quanto à localização da área na cidade, fato este percebido pela resistência manifesta em vender suas propriedades, embora as ofertas sejam tentadoras. Figura 8 e 9: fachadas da rua Barão de Batovi, rua transversal à Presidente Coutinho Fonte: arquivo pessoal 4 O Modernismo em Florianópolis: uma pequena amostra Um simples passeio pelo bairro permitiu o desenvolvimento de um levantamento preliminar de casas, apresentado abaixo. Uma pesquisa no arquivo municipal está sendo desenvolvida

com o objetivo de resgatar a documentação gráfica referente a estes projetos, construídos nas décadas de 50, 60 e 70. Figura 10: localização das casas na área em estudo Fonte: DIAS, 2004; adaptado para este trabalho INVENTÁRIO PRELIMINAR: FACHADA FRONTAL PRINCIPAIS ELEMENTOS MODERNISTAS CARACTERIZADORES - Jogo de volumes simples possível pelo uso de estrutura de concreto, propiciando liberdade na composição da fachada; - busca no projeto pelas formas puras; - aproveitamento da laje para jardim. - Volume simples retangular; - laje na cobertura. ENDEREÇO E OUTRAS REFERÊNCIAS Casa 01 Rua: Barão de Batovy, nº123 Casa 02 Rua: Barão de Batovy, nº527

- Volume simples retangular; - uso de laje na cobertura; - fachada horizontal com aberturas que buscam continuidade e integração com o exterior. Casa 03 Rua: Barão de Batovy, nº587 Uso atual: educacional Data de construção: 1959 - Volume simples retangular; - uso de laje na cobertura; -fachada horizontal com aberturas que buscam continuidade e integração com o exterior; - adaptação às características locais através do uso da madeira. - Jogo de volumes simples possível pelo uso de estrutura de concreto, propiciando liberdade na composição da fachada; - aberturas que buscam continuidade e integração com o exterior. - Volume simples retangular; - uso de laje na cobertura; - fachadas que buscam a horizontalidade. Casa 04 Foto: julho / 2004 Rua: Barão de Batovy, nº627 Data de construção: 1959 Arquiteto: Hans Broos Casa 05 Rua: Irmã Benvarda, nº113 Data de construção: 1966 Casa 06 Rua: Presidente Coutinho, nº27 - Volume simples retangular; - laje na cobertura; - janela em fita, - integração com o exterior através do uso do vidro. Casa 07 Rua: Presidente Coutinho, nº297 - Volume simples retangular; - fachadas originais em concreto aparente; - uso de laje na cobertura; - janelas em fita; - integração com o exterior através do uso do vidro; - uso de estrutura de concreto propiciando grandes balanços. Casa 08 Av. Rio Branco, nº Uso atual: educacional Data de construção: 1959 Arquiteta: Carmem Cassol

- Busca no projeto pelas formas puras; - aproveitamento da laje para jardim. Casa 09 Rua: Sto. Inácio de Loyola, nº21 - Volume simples retangular; - laje na cobertura; - aberturas contínuas reforçando o traçado horizontal da casa. - Volume simples buscando as formas puras; - laje de cobertura borboleta; - poucos ornamentos. Casa 10 Rua: Sto. Inácio de Loyola, nº163 Data de construção: 1964 Construtor: Boris Tertschitsch Casa 11 Rua: Sto. Inácio de Loyola, nº177 Uso atual: serviço As casas se enquadram no que CASTRO, 2002, definiu como arquitetura híbrida. A importância do conjunto de obras é inquestionável: além de marcar um período da história de Florianópolis, os projetos seguiram muitos preceitos modernistas. Há nestes projetos uma busca pela abolição do antigo ritmo de paredes internas. Os cômodos são distribuídos conforme suas funções. Busca-se a integração dos espaços internos e destes com o exterior através da transparência do vidro. A casa modernista aqui também foi pensada racionalmente, como uma máquina. Porém, se torna concreta através de um modernismo possível e não pretendido. Aos poucos o uso das estruturas de concreto foi se tornando comum também entre estas edificações, libertando as paredes de sua antiga função estrutural. Assim, o uso da planta livre, citada por Le Corbusier, garantiu aos projetos maior flexibilidade na disposição dos cômodos. As paredes externas ganham liberdade, já que não precisam estar amarradas à estrutura e o fachadismo torna-se decadente porque a importância plástica dada à construção passa a abranger o volume como um todo.

5 Conclusão Em Florianópolis, bem como no Brasil, a arquitetura modernista era sinônimo de desenvolvimento, do que tinha de mais moderno para época, fato este refletido também na arquitetura intimista de residências. As casas destacadas neste trabalho apresentam muitos princípios modernistas, uns aplicados racionalmente, outros, por mimetismo, afinal, estavam na moda. Fazia-se o que era possível devido a razões técnicas: falta de mão de obra especializada, de materiais adequados e de domínio das novas técnicas. Independentemente da forma como o modernismo foi impresso na arquitetura local, a importância destas obras na cidade é inegável, tanto por razões históricas, pela memória urbana, quanto por razões estéticas. É importante destacar que o trabalho de construtores, engenheiros e arquitetos da época foi louvável. Eles conseguiram, da maneira possível, adequar muitos dos preceitos modernistas às condições locais, fazendo uma arquitetura residencial que embora híbrida, expressam os ideais da nova casa, pensada como uma máquina, para funcionar segundo o novo modo de morar. Referências AFONSO, Sônia. Fotos de Florianópolis. Florianópolis: UFSC, 2005. Disponível em: <http://www.arq.ufsc.br/~soniaa> Acesso em 30 maio 2005, 16:00. AYMONINO, Carlo. La vivienda racional. Barcelona: Gustavo Gilli, 1973. BENEVOLO, Leonardo. História da Arquitetura Moderna. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976. BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil. Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Estação Liberdade/ FAPESP, 1998. CASTRO, Eloah Rocha Monteiro de. Jogo de Formas Híbridas: Florianópolis dec 50. Tese de Doutorado. Florianópolis: UFSC, 2000. DA VEIGA, Eliane Veras. Florianópolis: Memória Urbana. Florianópolis: Editora da UFSC, 1993. DIAS, Adriana Fabre. Arquivo digitalizado do centro de Florianópolis. Acesso restrito. Florianópolis, 2005. LE CORBUSIER. A Célula Comanda. Texto traduzido para uso em aulas do 2º ano- 1970. São Paulo: Laboratório de Artes Gráficas/ FAU-USP, 1970. LE CORBUSIER. Por uma Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1973. MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. 2ª edição. Rio de janeiro: Aeroplano Editora/ IPHAN, 2000. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. 2ª edição. São Paulo: Editora da USP, 2002. SILVA, Edson Luiz. Fotos de Florianópolis. Florianópolis: UFSC, 2005. Disponível em: <http://www. ufsc.br/~esilva> Acesso em 31 maio 2005, 10:00. WESTON, Richard. A Casa no Século Vinte. Lisboa: Editorial Blau, 2002.