EFEITO DO TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR DA DEFORMIDADE DENTOFACIAL NA FORÇA DE MORDIDA: SEIS MESES DE SEGUIMENTO Palavras chave: força de mordida, deformidade, cirurgia, tratamento TRAWITZKI, L.V.V; SILVA, J.B.; GIGLIO, L.D.; GRECHI, T.H.; REGALO, S.C.H.; VASCONCELOS, P.B.; MELLO-FILHO, F.V. INTRODUÇÃO Pacientes com deformidades dentofaciais apresentam alterações musculares e funcionais orofaciais. Quando comparados a indivíduos com oclusão dentária normal, observa-se que esses pacientes apresentam valores menores na atividade eletromiográfica nos músculos da mastigação (TRAWITZKI, 2004; TRAWITZKI et al., 2006a), poucos contatos oclusais (IWASE et al., 2006; NAKATA et al., 2007), menor eficiência mastigatória (KOBAYASHI et al., 1993), valores menores de espessura do músculo masseter (TRAWITZKI et al., 2006b) e valores menores de força de mordida (TATE et al., 1994; IWASE et al., 2006; NAKATA et al., 2007). A força de mordida é um dos componentes da função mastigatória e é exercida pelos músculos elevadores da mandíbula e regulada pelos nervos, músculos e dentes (OW et al., 1989). A mensuração da força de mordida pode ser um método adicional útil para entender a função mastigatória em indivíduos com distúrbios orofaciais (KOBAYASHI et al, 1993). O tratamento da deformidade dentofacial é feito pela cirurgia ortognática, ortodontia e terapia miofuncional orofacial, com a correção da desproporção maxilomandibular, alinhamento dentário e melhora dos aspectos miofuncionais orofacias (TRAWITZKI et al., 2006b; TRAWITZKI et al., 2006b). As modificações na função mastigatória ou em seus componentes, após a correção de deformidades dentofaciais, por meio da cirurgia ortognática, são evidentes, porém, o período em que isso ocorre é controverso e pode estar relacionado às diferenças nos métodos de avaliações e tratamentos (TRAWITZKI et al., 2009). OBJETIVO O objetivo do trabalho foi investigar a influência do tratamento interdisciplinar, em casos de deformidades dentofaciais, na força de mordida isométrica máxima, comparativamente a um grupo controle, em ambos os gêneros.
MÉTODO O estudo teve aprovação do comitê de ética em pesquisa da Instituição envolvida (processo nº 2506/2006) e os participantes concordaram em participar do trabalho. Participaram do estudo, voluntariamente, 71 pacientes, adultos, atendidos em um hospital terciário, 27 deles com o diagnóstico confirmado, em prontuário médico, de classe II esquelética (11 homens e 16 mulheres), nomeados de GII, e 44 pacientes classe III esquelética (19 homens e 25 mulheres), nomeados de GIII. Todos com indicação de cirurgia ortognática. Também participaram do trabalho 49 voluntários adultos (16 homens e 33 mulheres), sem alterações na oclusão dentária e sem sinais clínicos de disfunção na articulação temporomandibular, formando o grupo controle (GC). Os participantes foram submetidos a uma entrevista com as seguintes questões: cirurgias anteriores, tempo de uso do aparelho, falhas dentárias, dificuldade de mastigação, tipo de alimentação ingerida, preferência mastigatória, dores na articulação temporomandibular, uso de prótese dentária total ou parcial. Uma avaliação da morfologia orofacial foi realizada e foram investigados: presença de edema, alterações da sensibilidade e motora, medidas de movimentos mandibulares máximos, mobilidade e tonicidade de língua e lábios, avaliação das funções de respiração, mastigação, deglutição e fala. A avaliação e o diagnóstico oclusal foi realizada pela equipe de Ortodontia do serviço. As medidas de força de mordida isométrica máxima (FMIM) foram feitas por meio de um dinamômetro eletrônico (transdutor de força de mordida), posicionado na região dos dentes molares dos indivíduos (Figura 1), nos dois lados da arcada dentária, alternadamente, e os indivíduos foram instruídos a mordê-lo o mais forte possível, sendo o valor registrado em kgf. Figura 1 Equipamento usado para captação da Força de Mordida Isométrica Máxima (FMIM) e voluntário sendo submetido ao exame.
Foram selecionados indivíduos com boa compreensão da linguagem oral, sem déficits cognitivos e neuromusculares. Todos os pacientes foram submetidos ao tratamento ortodôntico, antes e após a cirurgia, e ao acompanhamento fonoaudiológico, fazendo parte da rotina do serviço de Cirurgia Craniomaxilofacial. Os procedimentos cirúrgicos realizados e a distribuição quanto ao gênero podem ser observados na Tabela 1. Tabela 1 - Distribuição dos pacientes de acordo com o procedimento cirúrgico realizado e gênero. Pacientes Cirurgia GII GIII Homens Mulheres Homens Mulheres Total Combinada (Le Fort I e sagital ou 6 10 5 4 25 vertical de mandíbula bilateral) Avanço maxilar (Le Fort I) 1 1 6 10 18 Avanço mandibular (Sagital do ramo 3 4 2 0 9 bilateral) Recuo mandibular (sagital do ramo 0 0 0 2 2 bilateral) Recuo mandibular (vertical do ramo 1 1 6 9 17 bilateral) e FMM* Total 11 16 19 25 71 *FMM = Fixação maxilomandibular O procedimento de avaliação da FMIM foi realizado antes da cirurgia (P1) e repetido nos pacientes seis meses após a cirurgia (P2), estando os mesmos em acompanhamento interdisciplinar de rotina do serviço. Os valores individuais de FMIM de cada grupo (GC, P1, P2) foram tabulados e calculadas as diferenças estatisticamente entre os grupos, por meio da Análise de variância (ANOVA). Foi usado o Programa Graph Pad InStat versão 3.0 for Windows 95, considerando as diferenças significativas P < 0,05. RESULTADOS Os valores de FMIM foram maiores no GC comparado aos valores dos pacientes, tanto antes, quanto seis meses após o tratamento integrado. Apenas no GC foi encontrada uma diferença estatisticamente significativa (P<0,05) da FMIM entre homens e mulheres. No grupo classe III, houve um discreto aumento nos valores de FMIM antes e após os tratamentos, já no grupo classe II houve um decréscimo, embora sem
diferença significativa (P>0,05). Esses dados podem ser visualizados na Tabela 2, Figura 2. Tabela 2 - Valores médios e desvio padrão da força de mordida isométrica máxima (FMIM), em Kgf, bilateralmente dos grupos controle (GC), classe II (GII) e classe III (GIII) -P1 (antes da cirurgia) e P2 (6 meses após a cirurgia), para ambos os gêneros. Masculino Feminino Lado Direito Lado Esquerdo Lado Direito Lado Esquerdo GC 52,82 ± 26,14 54,18 ± 27,37 28,27 ± 12,06 30,52 ± 13,90 GII GIII P1 19,51 ± 8,94 20,07 ± 12,38 12,44 ± 6,68 15,42 ± 8,59 P2 16,65 ± 9,87 15,33 ± 12,06 10,79 ± 6,14 11,21 ± 5,69 P1 18,45 ± 13,61 17,68 ± 15,74 9,93 ± 3,59 11,13 ± 5,56 P2 18,75 ± 14,16 17,84 ± 13,32 11,88 ± 7,28 13,00 ± 7,46 GC (Homens: n = 16; Mulheres: n = 33) GII (Homens: n = 11; Mulheres: n = 16) GIII (Homens: n = 19; Mulheres: n = 25) Figura 2 Valores médios da força de mordida isométrica máxima (FMIM), em Kgf, bilateralmente dos grupos controle (GC), classe II (GII) e classe III (GIII) -P1 (antes da cirurgia) e P2 (6 meses após a cirurgia), para ambos os gêneros. DISCUSSÃO Um dos propósitos do tratamento interdisciplinar na deformidade dentofacial é a melhora da função mastigatória. Em 1998, Tsuga et al. declararam ser a função mastigatória um parâmetro objetivo no nível de capacidade mastigatória, sendo a força de mordida um fator relevante para esta função e relacionada à saúde do sistema mastigatório.
Em nosso estudo os valores de FMIM foram maiores no grupo controle comparado aos valores dos pacientes, tanto antes, quanto seis meses após o tratamento integrado. A força de mordida diminui significantemente devido ao tratamento ortodôntico a que esses pacientes são submetidos. Antes da cirurgia há um aumento na severidade da má oclusão apresentada por esses pacientes (TATE et al., 1994). Alterações oclusais e adaptações à nova oclusão podem influenciar a FMIM, o que justificaria os baixos valores após a cirurgia (OHKURA et al., 2001). Diferenças na força de mordida entre os gêneros são resultantes de diferenças anatômicas. Nos homens o músculo masseter é constituído por fibras tipo II, apresenta um maior diâmetro e maior espessura do que as mulheres (TUXEN; BAKKE; PINHOLT, 1999). Algumas investigações mostraram que a diferença na força de mordida entre os gêneros inicia-se na puberdade: Shiau e Wang (1993) encontraram que os meninos apresentam maiores forças do que as meninas após os 13 anos de idade. No presente estudo observamos diferenças entre os gêneros apenas no grupo controle, sendo os maiores valores para os homens. No entanto nos grupos de deformidades dentofaciais, GII e GIII, não foram observadas essas diferenças. Nas deformidades dentofaciais são vistas severas alterações na oclusão, afetando assim à força exercida pela musculatura, em ambos os gêneros. Há uma melhora na atividade eletromiográfica do músculo masseter após 3 anos de correção cirúrgica, para as técnicas de avanço maxilar, recuo mandibular e combinada (TRAWITZKI et al., 2009; ZARRINKELK et al., 1996). Vários estudos verificaram que a FMIM alcança os níveis do pré-operatório 6 meses após a cirurgia (IWASE et al., 2006; KIM et al, 1997; OHKURA et al., 2001). Van den Brader et al., 2006, no entanto, não observaram alteração nos valores da força de mordida antes ou após a cirurgia nos indivíduos com deformidade dentofacial. Os autores não encontraram diferença nos valores da força de mordida obtidos antes da cirurgia e os obtidos 1 ano e 5 anos após a cirurgia. No grupo GIII, houve um discreto aumento nos valores de força de mordida isométrica máxima, já no grupo GII houve um decréscimo, embora não houve diferença significativa em nenhum dos casos entre os pacientes antes e após os tratamentos. CONCLUSÃO
O tratamento integrado não influenciou na força de mordida isométrica máxima no período analisado. REFERÊNCIAS 1. IWASE, M.; OHASHI, M.; TACHIBANA, H.; TOYOSHIMA, T.; NAGUMO, M. Bite force, occlusal contact área and masticatory efficiency before and after orthognathic surgical correction of mandibular prognathism. In J Oral Maxillofac Surg. Cidade, v.35, p. 1102-1107. 2006. 2. KIM YG, HWAN SOH. Effect of Mandibular Setback Surgery on Occlusal Force. J Oral Maxillofac Surg, v 55, p.121-128, 1997. 3. KOBAYASHI, T.; HONMA, K.; NAKAJIMA, T.; HANADA, K. Masticatory function in patients with mandibular prognathism before and after orthognathic surgery. J Oral Maxillofac Surg, v.51, n.9, p.997-1001, 1993. 4. NAKATA, Y.; UEDA, H.M.; KATO, M.; TABE, H.; SHIKATA-WAKISAKA, N.; MATSUMOTO, E., et al. Changes in stomatognathic function induced by orthognathic surgery in patients with mandibular prognathism. J Oral Maxillofac Surg, v.65, n.3, p.444-51, 2007. 5. OHKURA, K.; HARADA, K.; MORISHIMA, S.; ENOMOTO, S. Changes in bite force and occlusal contact área after orthognathic surgery for correction of mandibular prognathism. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod, v.91, n.2, p.141-45, 2001. 6. OW, R.K.; CARLSSON, G.E.; JEMT, T. Biting force in patients with craniomandibular disorders. Cranio, v. 7, n. 2, p. 119-25, 1989. 7. SHIAU, Y.Y.; WANG, J.S.; the effects of dental condition on hand strength and maximum bite force. J Cran Pract. V. 11, n.1, p.49-54, 1993. 8. TATE, G.S.; THROCKMORTON, G.S.; ELLIS III, E.; SINN, D.P.; BLACKWOOD, M.S. Estimated mastigatory forces in patients before orthognathic surgery. J Oral Maxillofac Surg, v.52, n.2, p.130-36, 1994. 9. TRAWITZKI, L.V.V. Efeito do tratamento da deformidade dentofacial na função mastigatória, atividade eletromiográfica e espessura dos músculos da mastigação Tese (Doutorado em Ciências) Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2004.
10. TRAWITZKI, L.V.V.; DANTAS, R.O.; MELLO-FILHO, F.V.; MARQUES, W. Effect of treatment of dentofacial deformities on the electromyographic activity of masticatory muscles. Int J Oral Maxillofac Surg, v.35, n.1, p.170-3, 2006a 11. TRAWITZKI, L.V.V.; DANTAS, R.O.; MELLO-FILHO, F.V.; ELIAS-JÚNIOR, J. Effect of treatment of dentofacial deformity on masseter muscle thickness. Arch. Oral Biol., v.51, n.12, p.1086-92. 2006b. 12. TRAWITZKI, L.V.V; DANTAS, R.O.; MELLO-FILHO, F.V.; MARQUESJR, W. Masticatory muscle function three years ofter surgical correction of class III dentofacial deformity. Int J Oral Maxillofac Sur., 2009 (in press). 13. TSUGA, K.; CARLSON, G.E.; OSTERBERG, T.; KARLSSON, S.Self-assessed mastigatory ability in relation to maximal bite force and dental state in 80-yearold subjects. J Oral Rehab, v.25, p.117-124, 1998. 14. TUXEN, A.; BAKKE, M.; PINHOLT, E.M. Comparative data from young men and women on masseter muscle fibres, function and facial morphology. Arch Oral Biol, v. 44, n. 6, p. 509-18, 1999. 15. VAN DEN BRADER, W.; VAN DER BILT, A.; VAN DER GLAS, H.; ROSENBERG, T.; KOOLE, R.; The influence of mandibular advancement surgery on oral function in retrognathic patients: a 5-year follow-up study. J Oral Maxillofac Surg. V 64, p 1237-1240, 2006. 16. ZARRINKELK, H.M.; THROCKMORTON, G.S.; ELLIS III E.; SINN, D.P. Functional and morphologic changes after combined maxillary intrusion and mandibular advancement surgery. J Oral Maxillofac Surg, v.54, n.7, p.828-37, 1996.