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ConScientiae Saúde ISSN: 1677-1028 conscientiaesaude@uninove.br Universidade Nove de Julho Brasil Tavares dos Reis, Daniele; de Lira Eiras, Daniela; Jacóia, Stéphanie Caroline; Silva, Lucía; Szylit Bousso, Regina Quem são os cuidadores de idosos em situação de final de vida atendidos pela Estratégia Saúde da Família? ConScientiae Saúde, vol. 10, núm. 4, 2011, pp. 682-688 Universidade Nove de Julho São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=92921260011 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

DOI:10.5585/ConsSaude.v10i4.2585 Recebido em 11 fev. 2011. Aprovado em 6 set. 2011 Quem são os cuidadores de idosos em situação de final de vida atendidos pela Estratégia Saúde da Família? Who are the caregivers of elderly at the end of life attended at Family Health Strategy? Daniele Tavares dos Reis 1 ; Daniela de Lira Eiras 2 ; Stéphanie Caroline Jacóia 3 ; Lucía Silva 4 ; Regina Szylit Bousso 5 1 Enfermeira FMR/Uninove, Pós-graduanda em Saúde da Família Unifesp. São Paulo, SP Brasil. 2 Enfermeira FMR/Uninove, Aprimoranda UPECLIN/UNESP. Botucatu, SP Brasil. 3 Enfermeira FMR/Uninove. São Manuel, SP Brasil. 4 Enfermeira, Professora do curso de graduação em Enfermagem FMR/Uninove, Doutora em Enfermagem Escola de Enfermagem/ USP, Membro do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto (NIPPEL/USP). São Paulo, SP Brasil. 5 Enfermeira, Professora Livre-docente do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquiátrica Escola de Enfermagem/ USP, SP. Líder do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Perdas e Luto (NIPPEL/USP), Membro da Association for Death Education and Counseling (ADEC). São Paulo, SP Brasil. Endereço para correspondência Vicinal Dr Nilo Lisboa Chavasco, 5000 CEP 18650-000 - São Manuel, SP, Brasil luciasilva@usp.br Resumo Introdução: A situação de final de vida impõe maior dependência ao idoso, podendo acarretar impacto na família e sobrecarga para o cuidador. Objetivo: Identificar o perfil de cuidadores de idosos em situação de final de vida atendidos pela Estratégia Saúde da Família (ESF) de município do interior paulista. Métodos: Realizou-se uma pesquisa do tipo descritivo-exploratória de abordagem quantitativa, em unidades da ESF, em Botucatu/SP, por meio de consulta a prontuários. Os dados foram organizados e analisados utilizando-se estatística descritiva. Resultados: Dos 54 cuidadores, 83,3% eram familiares; 70,4%, mulheres; 20,3%, aposentados; 22,2% tinham entre 40 e 50 anos; e 42,6%, de quatro a oito anos de aprovação escolar. Conclusões: Os cuidadores de idosos são predominantemente mulheres de meia idade, sendo na maioria familiares do idoso. Conhecer melhor o perfil desses cuidadores pode contribuir para direcionar ações de cuidados profissionais, sobretudo, para amenizar o desgaste que acarreta o papel de único cuidador. Descritores: Família; Idoso; Morte; Programa saúde da família. Abstract Introduction: End of life cause dependence on the elderly, causing impact on family and caregiver burden. Objective: To identify the profile of caregivers of patients at end of life attended at Family Health Strategy of a city of São Paulo. Methods: The research was descriptive and exploratory of quantitative approach, conducted in FHS units of Botucatu/SP, by consulting the files. Data were organized by descriptive statistics. Results: Of 54 caregivers, 83.3% were relatives, 22.2% were between 40 and 50 years, 70.4% were women, 42.6% had four to eight years of school approval and 20.3% were retired. Conclusions: Caregivers of elderly people are predominantly middle-aged women, mostly of relatives. A better understanding of those caregivers profiles may help guide actions for professional care, especially to ease the burden on sole caregivers. Key words: Death; Elderly; Family; Family health program. 682 ConScientiae Saúde, 2011;10(4):682-688.

Reis DT Introdução Nos últimos anos as questões relacionadas à saúde do idoso vêm sendo mais intensamente estudadas em decorrência do aumento progressivo dessa população. Seguindo uma tendência mundial, o Brasil aponta para o crescente número de idosos em sua população, o que acarreta em aumento das condições crônicas de saúde que podem causar dependência, fazendo com que o século seja marcado por novas necessidades de cuidado 1. Desse modo, o processo do envelhecimento é um fenômeno extremamente complexo e comum a todos os seres vivos que sofre influências de diversos fatores intrínsecos e/ou extrínsecos, muitos deles ainda obscuros. Essa situação gera perda progressiva da capacidade de adaptação ao ambiente e torna os idosos mais vulneráveis a processos patológicos 2. As doenças graves e em estágio avançado caracterizam a situação de final de vida e podem surgir em decorrência de uma condição crônica de saúde e impõem maior dependência do idoso, acarretando grande impacto na família e sobrecarga para o cuidador, gerando problemas físicos, psicológicos, sociais e financeiros, além de trazer situações extremamente estressoras e ameaçadoras às condições de saúde, muitas vezes, causando adoecimento do cuidador 3,4. Isso ocorre porque toda mudança na família, de modo especial a doença em um de seus integrantes, afeta toda a unidade familiar mesmo que em graus variados 5. Nesse contexto, a responsabilidade pelo cuidado ao idoso doente geralmente recai sobre um de seus membros, o cuidador principal, que assume os cuidados dispensados ao idoso no domicílio. Em alguns casos, outros familiares podem assumir atividades complementares, sendo chamados de cuidadores secundários 6. O cuidador principal assume uma sobrecarga de cuidados considerável, principalmente quando a doença está em estágio avançado. Ele costuma assumir as tarefas de auxílio do dia a dia do idoso que está dependente de cuidados, tais como alimentação, higiene, medicação, acompanhamento aos serviços de saúde e demais serviços que surgirem no cotidiano. À medida que o prognóstico de cura vai diminuindo e a perspectiva de sobrevida vai se tornando limitada, a carga de trabalho se intensifica, tornando-se cada vez mais árdua e estressante 4. Convém ressaltar que as condições crônicas e degenerativas trazem consigo algumas incapacidades que podem dificultar a locomoção e o acesso aos serviços de saúde. Daí a importância da assistência domiciliária para assegurar o direito de equidade da assistência 7. O atendimento domiciliário é estabelecido no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), mediante a Lei 10.424/02, que complementa a Lei 8.080/90 e dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços 8. Nesse sentido, o Estatuto do Idoso, criado pela Lei 10.741 de 1 de outubro de 2003 e regulamentado pelo decreto nº 5.130 de 7 de julho de 2004, visa ampliar os direitos dos cidadãos com idade acima de 60 anos já assegurados pela Política Nacional do Idoso, priorizando o atendimento da pessoa idosa por sua própria família em seu domicílio em detrimento do atendimento asilar 9. A Estratégia Saúde da Família (ESF), criada pelo Ministério da Saúde em 1994, tem apresentado-se como um caminho possível e efetivo no processo de reorganização da atenção primária em saúde, já que atua em conformidade com as novas propostas de assistência aos idosos no país, sobretudo, em relação ao atendimento domiciliário 10. A ESF surge para reorganização do modelo assistencial de atenção à saúde, no sentido de estabelecer uma nova dinâmica nos serviços de saúde, bem como buscar vínculo com a comunidade, humanizando o serviço de prática direcionado a vigilância intersetorial. O trabalho multiprofissional e interdisciplinar é valorizado, agindo no atendimento integral nas especialidades básicas, contando também com um suporte de serviço de referência para casos mais complexos 11. Editorial básicas aplicadas de casos de literatura para os autores ConScientiae Saúde, 2011;10(4):682-688. 683

Quem são os cuidadores de idosos em situação de final de vida atendidos pela Estratégia Saúde da Família? Dessa forma, com o objetivo de reverter o modelo assistencial centrado no hospital e no profissional médico, a ESF promove a reorganização do serviço quando assume o cuidado domiciliário com enfoque na promoção, na prevenção, na recuperação da saúde e na humanização da assistência. Por meio desse serviço de permanente vigilância à saúde, torna-se possível identificar as necessidades e o perfil dos clientes que dependem de cuidados no domicílio 7. Em vista disso, cuidadores e familiares também devem ser foco de cuidados profissionais, sendo fundamental reconhecer as suas necessidades, bem como aperfeiçoar a qualidade dos cuidados e suporte oferecidos a essa população 12. Assim, a ESF apresenta grande potencial para cuidar das famílias e dos cuidadores de idosos em situação de final de vida, pois diante de uma crise e de intenso sofrimento essas famílias podem desenvolver a capacidade para assumir uma nova posição de equilíbrio 5. A justificativa para a realização desta pesquisa reside no fato de que conhecendo melhor o perfil dos cuidadores de idosos em situação de final de vida, é possível planejar ações consoantes com as necessidades dessa população para minimizar sua sobrecarga. Diante do exposto, neste estudo, objetivouse identificar o perfil de cuidadores de idosos em situação de final de vida atendidos pela Estratégia Saúde da Família (ESF) de um município do interior paulista. Material e métodos Este artigo é baseado em uma pesquisa quantitativa mais ampla, retrospectiva, do tipo descritivo-exploratória, que caracterizou as famílias de idosos em situação de final de vida atendidos pela ESF de Botucatu/SP. Neste recorte, serão apresentados os dados referentes aos 54 cuidadores que atenderam aos critérios de inclusão: possuir idade a partir de 18 anos e ser identificado pela própria equipe de saúde como sendo cuidador de um idoso diagnosticado com uma doença fora de possibilidades terapêuticas de cura e em acompanhamento na unidade de saúde, com prontuário disponível para consulta nessa unidade. Os dados foram coletados de maio a julho de 2008, por meio de consulta aos prontuários e após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (processo nº 725/2008), em conformidade com a Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde, que aprovou as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos 13. As características dos cuidadores analisadas neste artigo foram: tipo de cuidador, grau de parentesco em relação ao idoso, idade, sexo, ocupação, escolaridade e estado civil. Os dados coletados foram organizados em um banco eletrônico utilizando-se o programa Excel do Microsoft Office e analisados por meio de estatística descritiva, com base nos cálculos das frequências absolutas e relativas. Resultados Nesta pesquisa, 54 indivíduos representaram cuidadores de idosos diagnosticados com uma doença fora de possibilidades terapêuticas de cura. A maioria deles (83,3%) era composta por familiares, 5,6% eram cuidadores profissionais, 7,4% pertenciam a outra categoria, como amigos e vizinhos e em 3,7% dos casos essa informação não estava disponível no prontuário. Dos 45 cuidadores familiares, 37,8% eram filhas; 22,2%, esposas; 11,1%, noras; 8,9%, filhos; 8,9%, esposos; 6,7%, netas; 2,2%, irmãs; e 2,2%, cunhadas. A faixa etária dos cuidadores configurouse da seguinte maneira: 22,2% tinham entre 40 e 50 anos; 16,7%, entre 50 e 60 anos; 13% encontravam-se na faixa entre 30 e 40 anos de idade; 9,3% possuíam entre 18 e 30 anos; 7,4%, entre 60 e 70 anos; 5,6%, entre 70 e 80 anos; 3,6%, de 80 a 90 anos e apenas 1,8% tinham entre 16 e 18 anos de idade. 684 ConScientiae Saúde, 2011;10(4):682-688.

Reis DT Quanto ao gênero, 70,4% eram mulheres; e 20,4%, homens. Dentre as ocupações dos cuidadores, as mais prevalentes foram: aposentados (20,3%), donas de casa (18,5%) e desempregados (7,4%). No tocante à escolaridade, 42,6% tinham de quatro a oito anos de aprovação escolar; 13%, mais de oito anos de aprovação; 9,2% eram analfabetos e 3,7% tinham até quatro anos de aprovação escolar. A maioria dos cuidadores (66,7%) era casada ou mantinha união estável, 13% dos cuidadores eram solteiros; 3,7%, divorciados; e 5,6%, viúvos. A Tabela 1 ilustra as características dos cuidadores, a saber: tipo de cuidador, grau de parentesco em relação ao idoso, idade, sexo, ocupação, escolaridade e estado civil. Tabela 1: Distribuição das características de cuidadores de idosos com doenças terminais atendidos pela ESF, Botucatu, São Paulo, 2008 Tipodecuidadores Familiar 45 83,3% Profissional 3 5,6% Outros 4 7,4% Seminformações 2 3,7% Graudeparentesco Filha 17 37,8% Esposa 10 22,2% Nora 5 11,1% Filho 4 8,9% Esposo 4 8,9% Neta 3 6,7% Irmã 1 2,2% Cunhada 1 2,2% Total 45 100,0% Idade 16 18 1 1,8% 19 30 5 9,3% 31 40 7 13,0% 41 50 12 22,2% 51 60 9 16,7% 61 70 4 7,4% 71 80 3 5,6% 81 90 2 3,6% Seminformações 11 20,4% Sexo Feminino 38 70,4% Masculino 11 20,4% Seminformações 5 9,2% Ocupação Aposentados 11 20,3% Donadecasa 10 18,5% Desempregados 4 7,5% Seminformações 29 53,7% Total 54 100% Escolaridade Analfabeto 5 9,2% Até4anos 2 3,7% 4 8anos 23 42,6% Maisque8anos 7 13,0% Seminformações 17 31,5% Estado Civil Solteiro 7 13,0% Casado 36 66,7% Divorciado 2 3,7% Viúvo 3 5,6% Seminformações 6 11,0% Editorial básicas aplicadas de casos de literatura para os autores ConScientiae Saúde, 2011;10(4):682-688. 685

Quem são os cuidadores de idosos em situação de final de vida atendidos pela Estratégia Saúde da Família? Discussão O fato de a maioria dos cuidadores de idosos com doenças fora de possibilidades terapêuticas de cura ser composta por familiares demonstra que, em nossa sociedade, a atribuição do cuidado ao idoso ainda é da família, que constitui o primeiro recurso para o atendimento e acolhimento de seus entes idosos, principalmente quando esses demandam cuidados prolongados decorrentes de processos que causam dependência. Nesse sentido, as famílias são consideradas, comumente, a fonte primária de suporte social informal 1. Entretanto, mesmo que a responsabilidade principal pelo cuidado recaia em uma pessoa, é importante que o cuidador também receba o apoio dos outros integrantes da família, já que a exposição prolongada às situações geradoras de estresse contribui para o esgotamento do indivíduo 14. A faixa etária predominante dos cuidadores de idosos fragilizados ficou entre 40 e 50 anos. Entretanto, destaca-se a faixa etária de cuidadores maiores de 60 anos, representando aproximadamente 20% da amostra, fato também evidenciado em outros estudos, apontando que esses cuidadores idosos apresentam cansaço, problemas de saúde e capacidade funcional constantemente em risco, o que deve constituirse objeto de cuidado profissional em saúde 15. Assim como em outras pesquisas da área 6,16, as mulheres ainda são as provedoras do cuidado ao idoso, fato decorrente da questão cultural, já que, em seu passado recente, a mulher não trabalhava fora de casa, dispondo de mais tempo para se dedicar ao cuidado da família. Ressalta-se que, nos dias atuais, há considerável acúmulo de tarefas, pois a mulher está inserida no mercado de trabalho e ainda mantém a carga dos cuidados domésticos e dos familiares enfermos. Apesar disso, destaca-se a crescente participação dos homens nesse tipo de cuidado, conforme constatado nos dados coletados deste estudo, no qual 17,8% eram homens, divididos entre esposos e filhos. Os dados referentes à escolaridade, que neste estudo foram marcados principalmente pelo intervalo de quatro a oito anos de aprovação escolar para quase a metade dos cuidadores, reforçam a necessidade da educação em saúde, uma vez que para obter-se sucesso na recuperação do idoso no domicílio, é preciso que se disponha de pessoas preparadas para prestar os cuidados indispensáveis. Nesse sentido, cabe à equipe multiprofissional dos serviços de saúde avaliar essas pessoas, considerando o nível de conhecimento dos cuidados gerais e o potencial de aprendizagem dos cuidados mais específicos necessários à recuperação do idoso, além de realizar acompanhamento domiciliar para avaliar o cuidado prestado e fornecer o suporte necessário para sua realização 17. No entanto, considerar a escolaridade do familiar cuidador para justificar a compreensão ou a falta de entendimento sobre as ações em saúde não exime o sistema de saúde da responsabilidade desse cuidado. Existe um consenso na literatura 18, 19, 20 que sinaliza o despreparo dos serviços e dos próprios profissionais de saúde envolvidos com essa nova demanda que se coloca diante do rápido envelhecimento da população, como a assistência aos cuidadores e à família, destacando que, nesse cenário, os profissionais devem considerar a sobrecarga dos familiares advinda da responsabilidade direta do cuidado, já que excesso de tarefas pode favorecer o adoecimento do cuidador e de toda a família. Assim, considera-se fundamental adotar instrumentos pertinentes para que se realize adequada avaliação familiar, de modo a permitir intervenções mais contextualizadas e de acordo com as necessidades da família 10, 19. Conclusões Neste estudo, os cuidadores de idosos em situação de final de vida ainda são predominantemente familiares, destacando-se as mulheres de meia idade, com ensino fundamental 686 ConScientiae Saúde, 2011;10(4):682-688.

Reis DT incompleto, o que sinaliza a necessidade de educação em saúde de acordo com sua capacidade de compreensão. Acredita-se que melhor conhecimento do perfil dos cuidadores de idosos com doenças sem possibilidades de cura possa ser útil para os profissionais da saúde estabelecerem estratégias de ação mais condizentes com sua situação e de forma a atingir essa população que se encontra em potencial risco de adoecimento, buscando amenizar o desgaste sofrido pelo indivíduo que exerce o papel de único cuidador, sendo ele frequentemente um familiar. Agradecimentos As autoras agradecem à aluna de graduação em Enfermagem da Universidade Estadual Paulista/UNESP, Clarita Terra Rodrigues, o auxílio na fase de coleta de parte dos dados deste estudo. Referências 1. Pavarini SCP, Mendiondo MSZ, Barbam EJ, Varoto VAG, Filizola CLO. A arte de cuidar do idoso: gerontologia como profissão? Texto & Contexto Enfer. 2005;14(3):398-402. 2. Carvalho Filho ET, Papaléo Netto M. Geriatria: fundamentos, clínica e terapêutica. São Paulo: Atheneu; 2004. 3. Floriani CA, Schramm FR. Cuidador do idoso com câncer avançado: um ator vulnerado. Cad Saúde Pública. 2006;22(3):527-34. 4. Floriani CA. Cuidados do idoso com câncer avançado: uma abordagem bioética [mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 2004. 5. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família.são Paulo: Roca; 2002. 6. Gonçalves LHT, Alvarez AM, Sena ELS, Santana LWS, Vicente FR. Perfil da família cuidadora de idoso doente/fragilizado do contexto sociocultural de Florianópolis, SC. Texto & Contexto Enferm. 2006;15(4):570-7. 7. Gaspar JC, Oliveira MAC, Duayer, MFF. Perfil dos pacientes com perdas funcionais e dependência atendidos pelo PSF no município de São Paulo. Rev Esc Enferm. USP. 2007;41(4):619-28. 8. Brasil. Lei nº 10.424 de 15 de abril de 2002. Complementa a Lei 8.080/90 [acesso 2007 jan 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. 9. Brasil. Lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. [acesso 2007 jan 5]. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis. 10. Silva L, Bousso RS, Galera SAF. Living with a dependent elderly from the family s perspective: a qualitative study. Online Brazilian Journal of Nursing [serial on the Internet]. 2010;9(1). Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/ nursing/article/view/2887 11. Nascimento MS, Nascimento MAA. Prática da Enfermeira no Programa de Saúde da Família: a interface da vigilância da saúde versus as ações programáticas em saúde. Ciência & Saúde Coletiva. 2006;10(2):333-45. 12. Silva RCF, Hortale VA. Cuidados paliativos oncológicos: elementos para o debate de diretrizes nesta área. Cad Saúde Pública. 2006;22(10):2055-66. 13. Conselho Nacional de Saúde CNS. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas reguladoras de pesquisas envolvendo seres humanos. [acesso 2006 jun. 27]. Disponível em: http://www.usjt. br/prppg/coep/docs/resolucao_196.pdf. 14. Luzardo AR, Gorini MIPC, SILVA APSS. Características de idosos com doença de Alzheimer e seus cuidadores: uma série de casos em um serviço de neurogeriatria. Texto & Contexto Enferm. 2006;15(4):587-94. 15. Karsch UM. Idosos dependentes: famílias e cuidadores. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):861-66. 16. Martins JJ, Albuquerque GL, Nascimento RP, Barra DCC, Souza WGA, Pacheco WNS. Necessidades de educação em saúde dos cuidadores de pessoas idosas no domicílio. Texto Contexto Enferm. 2007;16(2):254-62. Editorial básicas aplicadas de casos de literatura para os autores ConScientiae Saúde, 2011;10(4):682-688. 687

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