A RELAÇÃO URBANO-RURAL NO PLANEJAMENTO MUNICIPAL



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Transcrição:

A RELAÇÃO URBANO-RURAL NO PLANEJAMENTO MUNICIPAL Wagner Membribes Bossi, arquiteto e urbanista Mestrando da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo wagner.bossi@gmail.com 1. Introdução A competência municipal no planejamento e gestão do seu território tem sido cada vez mais abrangente desde a Constituição Federal de 1988. Considerado ente federado autônomo, ao município compete promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 30, VIII). O Estatuto da Cidade, por sua vez, ampliou esta abrangência através dos artigos 2º, VII, que estabelece como diretriz a integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, e 40, $ 2º, expressando este último claramente que o plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo (LEI FEDERAL Nº 10.257, de 10/7/2001). Não há como pensar que o plano diretor deva abranger o território municipal inteiro e a administração municipal possa se furtar de estabelecer normas e efetuar a gestão para a área rural. A questão é complexa, de fato, pois tradicionalmente a produção rural tem se pautado pela gestão federal e estadual. As normas ambientais para o ambiente natural determinaram os parâmetros de proteção para as APP Área de Preservação Permanente e para as áreas de reserva legal, entre outras. Entretanto, não são claras as competências para controle e fiscalização das áreas produtivas nas propriedades rurais. A área produtiva rural não é objeto de licenciamento administrativo e ambiental por parte do município. As implicações socioeconômicas e ambientais nessa área são importantíssimas, já que se referem à maior porção de território na grande maioria dos municípios brasileiros. 1

O município tem administrado a infra-estrutura viária e de serviços da área rural nem sempre satisfatoriamente -, e os povoados ou assentamentos de caráter urbano na zona rural. Caberia, pois, um exercício de análise e proposição no sentido de se permitir ao município criar as ferramentas de controle e fiscalização desse segmento, que em muitos casos é o responsável pela sobrevivência da zona urbana, e cujo bom desempenho deve ser entendido como necessário para si próprio, para o município e para a região. Trata-se, portanto, de se equacionar o planejamento e gestão do uso do solo rural. Nossa preocupação advém da crescente utilização dos recursos naturais sem o devido equilíbrio tanto reclamado em diversos segmentos da sociedade. Se por um lado as normas ambientais já protegem virtualmente as áreas de preservação embora na prática ainda não o consigam plenamente -, por outro lado, a produção rural não tem parâmetros claros para exercer sua atividade, e acaba provocando freqüentemente desequilíbrios socioambientais e econômicos preocupantes. São tímidos, embora de pioneirismo e importância incontestáveis, os alcances dos zoneamentos ecológicos e econômicos existentes. Entendemos que se os municípios, através de suas entidades regionais, buscarem a discussão e diretrizes para tais atividades, teremos ao final o fortalecimento da ação municipal em prol da comunidade, com ferramentas efetivas de gestão equilibrada. Entidades com tal formato já existem e sua potencialização permitiria o fortalecimento das mesmas consórcios intermunicipais, associações de municípios e comitês de bacias hidrográficas. 2. A questão legal Evidentemente esta proposição implica num arcabouço legal ainda não desenvolvido. Sempre que se fala em zoneamento na área rural, surgem contra-argumentações questionando sua validade quanto à interferência no direito de propriedade. É bem verdade que a produção rural sofre muitas oscilações devido ao mercado, e uma limitação à opção do produtor ou proprietário pode parecer 2

uma ingerência indigesta. A intenção não seria, obviamente, uma coerção ou algo semelhante, mas um ordenamento territorial baseado em análise e diagnóstico para orientação à produção buscando o equilíbrio ambiental, econômico e social. Não fosse esse o perfil da gestão que se propõe, não seriam possíveis inclusive os incentivos e financiamentos governamentais que ocorrem no Brasil e principalmente em países economicamente desenvolvidos. Voltando à questão legal, poderíamos fazer uma analogia com o direito urbanístico, que já tem como ponto pacífico a separação entre o direito de propriedade e o direito de construir. Na zona rural, poderíamos ter também a separação entre o direito de propriedade e o direito de produzir, visando principalmente à exploração adequada dos recursos naturais e a conseqüente reciclagem dos processos produtivos de maneira equilibrada. Uma vez realizado o zoneamento ecológico econômico, as diretrizes do uso do solo rural seriam utilizadas como parâmetros para o licenciamento administrativo e ambiental municipal, mediante a responsabilidade técnica expressa de profissionais com formação compatível para cada tipo de processo produtivo permitido e pleiteado pelos proprietários e/ou produtores. Profissionais como biólogos, engenheiros agrônomos, engenheiros florestais, veterinários, dentre outros, teriam papel fundamental no desenvolvimento ordenado das funções rurais frente à administração municipal. Lembramos que a atividade minerária pode ser hoje autorizada em nível estadual, mas ser proibida em nível municipal, em função de conveniência local. A semelhança com o processo de licenciamento urbano parece uma referência bastante clara, que em passado não muito distante também foi objeto de polêmica. A regulamentação da produção assim delineada permitiria melhor aproveitamento do solo para exploração agrícola, pecuária, turística, extração mineral e vegetal, dentre outras. A fundamentação para tal processo de gestão encontra-se no papel do município quanto à necessidade de buscar a sustentabilidade através do equilíbrio ambiental, social e econômico para o bem da população o que vale 3

para a área urbana e rural. 3. Exemplos de atuação da gestão municipal Exemplos de atuação do poder público municipal que apontam essa necessidade já se fazem sentir e merecem citação, tanto de experiências exitosas, como de resultados negativos, principalmente devidos à omissão, mesmo que involuntária. No município de Alterosa-MG o programa Agrovida, da prefeitura, promove o arrendamento de terras para famílias cadastradas poderem plantar, sendo o produto dividido entre as famílias (40%) e os proprietários (15%), com o reinvestimento dos 45% restantes no projeto. Em Coelho Neto-MA a realidade é bem diferente. Cerca de 80% do território municipal apresenta plantio de cana-de-açúcar e bambu, de um mesmo grupo empresarial, e nenhuma produção de alimentos. 82% da população de 47 mil habitantes mora na zona urbana. Cerca de 70% da economia do município dependia da produção de papel, cuja fábrica com 1300 funcionários fechou, provocando crise na economia e na empregabilidade direta e indireta da população. Com pouca diversificação das atividades produtivas na cidade e no campo, não resta ao município alternativa para redirecionar sua economia, em função do baixo nível de emprego na monocultura. A relação urbano-rural, quanto à ocupação da população, precisa ser mais bem analisada, pois moradores de área urbana não apenas dependem da economia rural, como também, em muitos casos, trabalham no campo. É o caso de Campo Largo-PR, onde freqüentemente moradores de favela urbana são levados de caminhão, apenas durante o dia, para a colheita em área rural. Mesmo proprietários de fazendas não residem na área rural. Esta dependência da produção rural evidencia a necessidade de um mínimo ordenamento do seu uso do solo, visando ao equilíbrio das fontes de recursos e do seu adequado manejo socioambiental e econômico. Outro aspecto importante é a substituição de monoculturas quando estas apresentam declínio. No município de Caieiras-SP, na Grande São Paulo, já se revela tendência de redução do plantio de eucalipto devido às transformações ocorridas no mercado mundial quanto à produção de papel. Como o município 4

apresenta ocupação urbana em meio à monocultura, a administração municipal já está se posicionando para a transformação iminente, preocupada com a questão ambiental. Considerando que a redução da monocultura é lenta e o empreendedor manifesta interesse em promover loteamento urbano substituindo o plantio, o município pretende fazer com que as áreas verdes dos loteamentos futuros sejam direcionados para integração entre as áreas verdes dos mesmos e dos loteamentos existentes, buscando a formação de corredores verdes. 4. Instrumentos de gestão municipal Não bastassem os argumentos e a observação de exemplos, há dados incontestáveis a favor da diversidade de porte das propriedades e do uso do solo rural. Os censos agropecuários disponíveis no IBGE revelam que as pequenas propriedades são mais produtivas e empregam muito mais mão-deobra. Um estímulo neste sentido apontaria para, inclusive, redução da população sem-terra e da sua pressão sobre as cidades. Entretanto, enquanto não houver empenho municipal para planejamento e gestão da questão rural, importante componente de sua economia escapará ao seu controle com graves conseqüências ambientais e sociais. Entendemos que aqui não cabem soluções prematuras. O desafio é maior e depende de amplo debate com os diversos segmentos. Já tem sido ventilada a possibilidade de aplicação de instrumentos do Estatuto da Cidade para viabilizar a gestão do uso do solo em zona rural. Para tanto vamos esboçar a analogia dos citados instrumentos. Ao parcelamento compulsório em área urbana corresponderia o parcelamento ou exploração compulsórios de área rural ociosa. O direito de preempção poderia se aplicar a programas de instalação de grupos de pequenos agricultores ou cooperativas agrícolas incentivados pelo governo municipal. O direito de superfície poderia ser objeto de dinamização de áreas ociosas entre particulares ou também para programas semelhantes aos citados anteriormente, com intermediação do poder público municipal. A transferência do direito de construir teria uma equivalente transferência 5

do direito de plantar ou de criar, para proprietários que tivessem seu direito tolhido devido a limitações ambientais por estarem em áreas frágeis ou nas proximidades de área urbana, por exemplo. A criação de ZEISR Zonas Especiais de Interesse Social Rural também poderia contemplar áreas ocupadas por pequenos agricultores em situação de risco ou destinar áreas para assentar população rural sem terra com programas de incentivo à produção familiar. Todas as propostas acima têm alcance limitado, a princípio, tanto em termos de abrangência física como de alcance socioeconômico e ambiental. Entretanto, o que se propõe aqui não é defender nenhuma das idéias citadas, mas registrar o que tem sido ventilado em alguns segmentos para em seguida se partir para soluções efetivas e bem fundamentadas, ainda que se descartem algumas ou mesmo todas as hipóteses apresentadas. Fora do âmbito da analogia com o Estatuto da Cidade, há outros instrumentos que também podem ser considerados. A parceria público-privada poderia beneficiar agricultura familiar e cooperativas, à semelhança do exemplo citado do programa Agrovida, do município de Alterosa-MG. Também tem sido sugerido o ITR Imposto Territorial Rural progressivo, para áreas rurais ociosas, à semelhança do IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo, para imóveis urbanos ociosos. Convém considerar que, mesmo com a recente possibilidade de municipalização integral da receita do ITR, não está permitida a renúncia fiscal como incentivo para produção de interesse municipal -, nem a majoração de alíquota para penalizar áreas ociosas. Isto porque as alíquotas são todas definidas pela Receita Federal, não cabendo ao município qualquer alteração das mesmas. Caso se considere adequado tal instrumento, será necessária alteração da legislação em nível federal, para que os municípios tenham autonomia para usar tal imposto como incentivo ou penalização. Entretanto, há que se considerar que uma diferenciação pode provocar guerra fiscal entre municípios na disputa por empreendimentos ou na atração de empreendimentos rejeitados em outros territórios. Como se vê, há um longo caminho a percorrer na busca de soluções que 6

busquem a sustentabilidade da produção rural através da gestão municipal. Um programa que muito pode auxiliar os municípios na gestão da área rural, já aplicado por vários municípios, é o Sistema de Suporte à Elaboração de Plano Diretor Agrícola Municipal, desenvolvido pela APTA Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Governo do Estado de São Paulo. A partir de um cadastramento municipal das propriedades rurais, o sistema permite acompanhar e implementar a produção rural, com resultados positivos já demonstrados não apenas no Estado de São Paulo. 6. Relações necessárias A relação urbano-rural do ponto de vista da gestão municipal é um desafio, por um lado, porém abre novas perspectivas para soluções criativas colocando o município como sujeito da ação alcançando um patamar de maior importância na relação com os demais entes federados estado e união. Implica também numa nova relação com os municípios vizinhos que pode trazer soluções regionais, numa verdadeira cadeia produtiva, se for entendido seu papel autônomo e ao mesmo tempo integrado através de associações de municípios, consórcios intermunicipais e principalmente dos comitês de bacias hidrográficas. Estes, por sua vez, entendido seu importante papel como orientador regional do uso do solo e dos recursos hídricos, poderá efetivamente cumprir seu destino de adequar as políticas municipais às necessidades socioambientais e econômicas da região, com diretrizes que possam orientar Planos Diretores Municipais Participativos, dentre outros instrumentos de gestão. Se entendida desta maneira, a relação urbano-rural representará integração e não divisão entre segmentos. Não havendo dicotomia entre a área urbana e a rural, a separação entre ambas passará a ser apenas uma delimitação temática e estratégica para abordagem administrativa e tributária, quando muito, visando à integração e complementaridade entre atividades urbanas e rurais, como preconiza o Estatuto da Cidade. Sem debate e aprofundamento o desafio não produzirá nenhum efeito concreto para questões de importância indiscutível com respeito ao papel 7

da administração municipal neste novo quadro de gestão integral do território municipal. 8