A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA



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Transcrição:

41 A REPRESENTAÇÃO DO NEGRO NO LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA Angélica Ramos Alvares/ e-mail: angelika_alvares@hotmail.com Universidade Estadual de Maringá- Campus Regional do Vale do Ivaí Rodrigo Pereira da Silva/ e-mail: rodrigozipdrive_007@hotmailcom Universidade Estadual de Maringá- Campus Regional do Vale do Ivaí Roberto Carlos Klauck / e-mail: robertoklauck@gmail.com Universidade Estadual de Maringá- Campus Sede Naiara Betin / e-mail: naiara_betin@hotmail.com Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras, Campus da Unespar, em Paranavaí/Pr. Coordenador (es): Ângelo Priori/ e-mail: angelopriori@uol.com.br Universidade Estadual de Maringá- Campus Sede Luciana Regina Pomari/ e-mail: lr.pomari@uol.com.br Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras, Campus da Unespar, em Paranavaí/Pr. Leandro Brunelo / e-mail: leandrobrunelo@ig.com.br Universidade Estadual de Maringá- Campus Sede Veronica Karina Ipólito/ e-mail: veronicaipolito@hotmail.com Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Campus de Assis Resumo: O presente ensaio levanta um debate sobre como a população negra é pensada e representada nos livros didáticos de História do ensino fundamental. Tomando como ponto de partida a hipótese de que a linguagem visual faz parte do cotidiano escolar e que o desenvolvimento social do indivíduo decorre também das representações com as quais teve contato, considera-se que as imagens exercem papéis preponderantes para criação de pensamentos afirmativos ou negativos, principalmente no que diz respeito ao ambiente escolar. Dessa forma, por meio da análise dos livros didáticos de História do Projeto - Araribá, utilizado na maioria das Escolas Públicas do município de Ivaiporã Estado do Paraná, refletimos sobre a problemática da representação do negro nos referidos manuais de História, com o intuito de entender se o livro didático colabora para o enfraquecimento ou para perpetuação das ideias racistas no Brasil. Diante disso, foi possível perceber que o peso de uma tradição excludente com relação à população negra, foi sentido na elaboração desses livros, contudo, dentre os atuais desafios postos aos professores estão àqueles voltados a superar as falhas e colocar em cheque os estereótipos e ideias racistas impostas nos livros didáticos, de maneira a oferecer subsídios para formação de cidadãos capazes de construir reflexões sobre a sociedade como produto da diversidade e da pluralidade das experiências humanas. Palavras-chave: Livros didáticos de História; Imagens; Papel do Negro. Introdução O livro didático é uma das ferramentas principais que compõem a cultura escolar, logo, funciona como veículo de significados, sentidos, conceitos, normas, saberes e valores para os estudantes - iniciantes leitores. Segundo Gatti Júnior (2004) o Livro didático é: Material impresso, estruturado, destinado ou adequado a ser utilizado num processo de aprendizagem ou formação; materiais caracterizados pela seriação dos conteúdos; mercadoria; depositário de conteúdos educacionais; instrumento pedagógico; portador de um sistema de valores; suporte na formulação de uma História Nacional; fontes de registros de

42 experiências e de relações pedagógicas ligados a políticas pedagógicas da época; e ainda como materiais reveladores de ângulo do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional. (GATTI JÚNIOR, 2004, p. 35). Muito embora, esses instrumentos veiculadores de valores, algumas vezes apresentam imagens incompletas, distorcidas e estereotipadas, contribuindo para rotular, desqualificar e perpetuar preconceitos sobre determinados grupos sociais, em especial a população negra que carrega consigo um passado de escravidão, o que reflete na vida atual desses indivíduos. Desse modo, os livros didáticos se tornam, nas mãos dos alunos, ferramentas portadoras de conceitos, ideologias e conteúdos que oferecem subsídios para formação de opinião, contribuindo para formação dos alunos e de sua identidade, formação a qual, no ambiente escolar, está em contínua construção. Muitos livros didáticos atuais trazem consigo textos, imagens e conteúdos ainda com resquícios das influências das teorias raciais que de maneira implícita ou explícita continuam defendendo a inferioridade biológica e a incapacidade intelectual dos negros, fazendo com que os alunos criem pressupostos de que o negro é de fato inferior, colaborando assim para perpetuação do preconceito racial no Brasil. A linguagem visual, por sua vez, costuma se transformar no primeiro objeto de leitura, antecedendo a leitura do texto verbal, pois, tende-se admitir que existe certa predileção das crianças pelas imagens, até porque, estes signos pelas suas diferentes cores, personagens, paisagens e aparente interpretação imediata, acabam por chamar mais atenção das crianças. Desse modo, percebe-se a peculiar importância que os textos visuais, contidos nos livros didáticos, têm para os alunos desde os primeiros contados. Partindo da ideia que o desenvolvimento social do indivíduo decorre também, das representações com as quais teve contato ao longo de sua vida, considera-se que as imagens exercem papéis essenciais para criação de estereótipos e pensamentos afirmativos ou negativos, principalmente no ambiente escolar, momento em que se inicia a construção da identidade individual e social das crianças. Desse modo, esse trabalho tem por objetivo entender se os livros didáticos de História do Projeto - Araribá, utilizado na maioria das Escolas Públicas do município de Ivaiporã Estado do Paraná, colaboram para o enfraquecimento ou para perpetuação de estereótipos e das ideias racistas no Brasil. Representações visuais no Projeto Araribá-Historia sobre a população negra O Livro Didático Projeto Araribá-História foi publicado em 2007, em São Paulo, pela Editora Moderna, e tem como editora responsável Maria Raquel Apolinário, a qual, é bacharel e licenciada em História pela Universidade de São Paulo (USP). Este livro é o que está sendo utilizado atualmente pela maioria das escolas públicas do município de Ivaiporã para o ensino fundamental (6º a 9º ano), logo, cabe fazermos algumas observações sobre eles, pois, tal fato, será de grande valia para os professores da rede pública que utilizam esse livro, pois, estes, ao entrarem em contato com o presente material serão alertados para algumas questões importantes. No que concerne a linguagem visual, os livros analisados apresentam uma maior quantidade de imagens de pessoas brancas em detrimento de uma menor quantidade de pessoas negras. Além do mais, os retratos destas últimas sempre vêm acompanhados de preconceitos. Ao veicular estereótipos que expandem uma representação negativa do negro e uma representação positiva do branco, o livro didático está expandindo a ideologia do branqueamento, que se alimenta das ideologias,

das teorias e estereótipos de inferioridade/superioridade raciais, que se conjugam com a não legitimação pelo Estado, dos processos civilizatórios indígena e africano, entre outros, constituintes da identidade cultural da nação (SILVA, 2005, p.23). O negro é representado na maioria das vezes como: o escravo, o prisioneiro, a peça, o lucro, a mercadoria que servia apenas para trabalhar e para servir o homem branco, as palavras de Lima explicam bem essa visão: Aparecem vinculados à escravidão. As abordagens naturalizam o sofrimento e reforçam a associação com a dor. As histórias tristes são mantenedoras da marca da condição de inferiorizados pela qual a humanidade negra passou. Cristalizar a imagem do estado de escravo torna-se uma das formas mais eficazes de violência simbólica. Reproduzi-la intensamente marca, numa única referência, toda a população negra, naturalizando-se, assim, uma inferiorização datada. A eficácia dessa mensagem, especialmente na formatação brasileira, parece auxiliar no prolongamento de uma dominação social real. O modelo repetido marca a população como perdedora e atrapalha uma ampliação dos papéis sociais pela proximidade com essa caracterização, que embrulha noções de atraso. (LIMA, 2005, p.103). Ao invés de minimizar a carga que carrega o negro por tantos séculos de escravidão, as representações no livro didático parecem fomentar a ideia do negro como sinônimo de escravo. Nas imagens, o negro sempre aparece exposto em situações de submissão e de passividade frente à escravidão. Não há espaço para refletir outras experiências vividas pelos negros, ou seja, parece não haver nas obras analisadas uma preocupação direta em apresentar outra história desses indivíduos, a não ser aquela atrelada à escravidão. São poucas as unidades que possuem ilustrações que chamam atenção para as questões dos quilombos, das religiões africanas, do racismo no Brasil, das manifestações culturais africanas, da contribuição do negro para formação do Brasil, das lutas do movimento negro, enfim, questões atuais que devem ser ressaltadas e que contribuem significativamente para a temática: respeito à diferença e à igualdade. Desse modo é preciso: Identificar e corrigir a ideologia, ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é enriquecedora e não é sinônimo de desigualdade, é um dos passos para a reconstrução da auto-estima, do auto-conceito, da cidadania e da abertura para o acolhimento dos valores das diversas culturas presentes na sociedade. (SILVA, 2005, p. 31). Ademais, as imagens dispostas nos livros didáticos, como apresentam apenas uma curta legenda, necessitam de uma problematização do professor chamando atenção para suas variadas interpretações, afinal, o professor é o que detém a porta, uma passagem, o que faz a mediação. E essa mediação é menos de entupir de informação, e mais de levar o indivíduo a refletir, a imaginar e a criar (SODRÉ, 2000, apud AMÂNCIO, 2008, p.44-45). Com uma leitura aparente e despercebida o preconceito se mostra explícito. Nas imagens contidas nos manuais analisados percebe-se conteúdos discriminatórios e tendenciosos, que influenciam diretamente na formação da identidade dos alunos, promovendo um processo de invisibilidade da população negra e uma disparidade na representação do branco e do negro, colocando o negro sempre em uma condição inferior. Ao que parece, os manuais didáticos analisados representam, em grande maioria de suas ilustrações, a população negra apenas como escravos, aqueles que somente trabalham. Como afirma Amâncio: Dessa forma a população negra não se vê registrada nos conteúdos escolares, exceto como peça/ produto comercial e força de trabalho no período colonial (...) [porém] com a implantação da lei 10,639, as imagens do negro configuradas pela contínua fixação de sua condição de pobreza e 43

escravidão estarão em estado de tensão, de ambivalência diante dos novos paradigmas. (AMÂNCIO, 2008, p. 36-42). Em contradição com a lei, deixam à margem, a história e a cultura africana, propriamente dito, o cotidiano, as manifestações artísticas e culturais, a resistência, a identidade, a perseverança e a grande contribuição da população negra para a constituição do Brasil que temos hoje. Se os educadores ficarem a espera do livro didático ideal terão como resultado o dano da reprodução e perpetuação das desigualdades sociais entre os diferentes grupos populacionais. A proposta de uma educação para diversidade esta no cerne da Lei 10.639/03 (...) ela exige mudanças de postura pedagógica, o desafio do dialogo intercultural e intergeracional, a superação de preconceitos e estereótipos e uma postura aberta e democrática frente ao diverso. Implica também o dialogo da escola com os movimentos sociais, grupos culturais e organizações populares (...) para compreender que é na vivencia de sua realidade que [o] aluno se constrói como sujeito e produz saberes, os quais devem ser vistos, considerados, respeitados e compreendidos pelo universo escolar (GOMES, 2008, p.154). É importante que o professor, juntamente com os alunos, problematize as imagens preconceituosas dispostas nos manuais didáticos fazendo uma leitura crítica e desmistificando seus estereótipos, rompendo com o entendimento de uma história baseada no eurocentrismo e nos elementos culturais do homem branco e cristão, que vê o negro apenas como escravo e suprime todos outros elementos sociais pertinentes ao seu mundo cultural. A correção dessa representação [as estereotipadas] nos textos e ilustrações pode constituir-se em uma atividade escolar gratificante e criativa, a partir da sua identificação e desconstrução pelo aluno, orientado pelo professor (SILVA, 2005, p.25). Para diminuir as distorções, o professor precisa mostrar para os alunos que é preciso destruir os significados estáveis das imagens, desmontar as ilusões e mitos já cristalizados sobre elas, e chegar até os diversos pontos de vista sobre aquela imagem. Essas imagens estereotipadas contidas nos livros didáticos exigem a intervenção eficiente do professor no esforço de fazer o aluno passar de uma curiosidade, uma interpretação pronta, acabada e preconceituosa, um saber confuso e estereotipado, para um saber organizado e intelectual, reflexivo e crítico. A presença do negro nos livros, freqüentemente como escravo, sem referência ao seu passado de homem livre antes da escravidão e às lutas de libertação que desenvolveu no período da escravidão e desenvolve hoje por direitos de cidadania, pode ser corrigida se o professor contar a história de Zumbi dos Palmares, dos quilombos, das revoltas e insurreições ocorridas durante a escravidão; contar algo do que foi a organização sóciopolítico, econômica e cultural na África pré-colonial; e também sobre a luta das organizações negras, hoje, no Brasil e nas Américas (SILVA, 2005, p.25). Ademais, embora superficialmente, existem indícios em algumas (poucas) unidades de abordagens que denunciam o racismo, comunidades quilombolas, manifestações culturais, enfim, conteúdos trazidos pelo livro como complementares, mais que podem nortear o professor que se utilizando de outros meios (o professor pode também levar outras imagens que valorizem o negro, sua história e sua cultura e compará-las com a do livro didático) pode aprofundar o assunto e trazer para realidade do aluno, afinal, os manuais didáticos podem ser transformados nas mãos dos professores e sofrer alterações que contribuirão de maneira positiva para o processo de ensino e aprendizagem. Acredito que é possível formar o professor de Ensino Fundamental, no sentido de utilizar de forma crítica o livro didático, transformando esse livro em um instrumento gerador de consciência crítica. A desconstrução da 44

45 ideologia que desumaniza e desqualifica pode contribuir para o processo de reconstrução da identidade étnico/racial e auto-estima dos afrodescendentes, passo fundamental para a aquisição dos direitos de cidadania. A desconstrução da ideologia abre a possibilidade do reconhecimento e aceitação dos valores culturais próprios, bem como a sua aceitação por indivíduos e grupos sociais pertencentes a outras raças/ etnias, facilitando as trocas interculturais na escola e na sociedade. Corrigir o estigma da desigualdade atribuído às diferenças constitui-se em tarefa de todos e já são numerosos os que contribuem para atingir esse objetivo. (SILVA, 2005, p.33). A invisibilidade de imagens positivas e que valorizem os negros nos conteúdos dos livros didáticos de História é um aliado ferrenho na perpetuação de estereótipos e das ideias racistas no Brasil. Desse modo, é importante se atentar ao fato que estes são problemas que precisam ser solucionados imediatamente, mais que para isso se faz necessário que o educador, bem como, toda comunidade escolar, tome uma postura responsável e faça valer a lei 10.639/03. Conclusão Os livros didáticos deveriam trazer em seus conteúdos, abordagens e temas relacionados à História e Cultura Afro-brasileira a fim de atender as exigências da Lei 10.639/03, e a proposta curricular, estimulando o reconhecimento e o respeito sobre a história e os elementos culturais da população negra brasileira, possibilitando assim, outros olhares sobre a história dos negros que pudessem superar a visão única da experiência da escravidão. Essas abordagens propiciariam o reconhecimento das culturas negras e ao mesmo tempo possibilitaria a quebra de estereótipos, e estigmas sobre as imagens dos negros construídas e veiculadas pelos livros didáticos. Muito embora, como se pode perceber nos livros analisados, essas exigências não estão sendo atendidas, pois, por conta da grande quantidade de imagens que retratam o negro quase que exclusivamente como escravo. Essa visão, tanto quanto negativa, principalmente para as crianças do ensino fundamental, não permite ampliar o pensamento sobre outras experiências dos negros no Brasil (a questão da religião, a resistência quilombola, o Movimento Negro, o combate ao racismo, a cultura africana, etc.), e estas crianças em fase de construção de identidade podem carregar consigo a ideia de que o negro é de fato inferior ao branco, perpetuando assim estereótipos e ideias racistas no Brasil. É possível perceber que o peso de uma tradição excludente com relação à população negra, foi sentido na elaboração dos livros didáticos analisados. Contudo, nas mãos dos professores essas representações estereotipadas precisam ser transformadas e superadas. Como objetivado de início: entender se o livro didático colabora para o enfraquecimento ou para manutenção de estereótipos e das ideias racistas no Brasil, é importante ressaltar que nos manuais didáticos analisados percebe-se com mais nitidez a segunda opção (manutenção de estereótipos e ideias racistas). Todavia, essa manutenção depende também do manuseio que se tem sobre esse material didático, pois, se trabalhado de maneira problematizada esses estereótipos serão, pouco a pouco superados, logo, é importante salientar que não cabe aos manuseadores desses materiais ficarem a espera do livro didático ideal, mais sim, fazerem sua parte. Desse modo, dentre os atuais desafios postos aos professores estão àqueles voltados a superar as falhas e colocar em cheque os estereótipos e ideias racistas impostas nos livros didáticos, de maneira a oferecer subsídios para formação de cidadãos capazes de construir reflexões sobre a sociedade como produto de

46 múltiplas memórias originárias da diversidade e da pluralidade das experiências humanas, que engloba todos os indivíduos, a fim de buscar uma sociedade igualitária, na qual, um dos lemas primordiais seja: respeito à diferença. Referências bibliográficas AMÂNCIO, Iris Maria da Costa. Lei 10.639/03, cotidiano escolar e literaturas de matrizes africanas: da ação afirmativa ao ritual de passagem. In: AMÂNCIO, Iris Maria da Costa; GOMES, Nilma Lino; JORGE, Miriam Lúcia dos Santos. Literaturas africanas e afro-brasileira na prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p.31-45. APOLINÁRIO, Maria Raquel. (org.). Projeto Araribá: História. 2.ed. 6º ao 9º ano. São Paulo: Moderna, 2007. BITTENCOURT, Circe Maria. Livros didáticos entre textos e imagens. In: O Saber Histórico na Sala de Aula. São Paulo: Contexto, 1998, p. 69-90. GATTI JÚNIOR, Décio. A Escrita Escolar da História: Livro Didático e Ensino no Brasil (1970-1990). Bauru, São Paulo: EDUSC, 2004. GOMES, Nilma Lino. Algumas palavras finais. In: AMÂNCIO, Iris Maria da Costa; GOMES, Nilma Lino; JORGE, Miriam Lúcia dos Santos. Literaturas africanas e afro-brasileira na prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p.151-154. LIMA, Heloisa Pires. Personagens negros: um breve perfil na literatura infantojuvenil. In: MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na escola. 2ºed. Brasília: Ministério da Educação Continuada, Alfabetização e diversidade, 2005, p. 101-115. SALIBA, Elias Thomé. Experiências e representações sociais: reflexos sobre o uso e o consumo das imagens. In BITTENCOURT, Circe Maria (org.). O saber histórico na sala de aula, São Paulo: Contexto, 2004, p.117-127. SILVA, Ana Célia. A desconstrução da discriminação no livro didático. In: MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na escola. 2ºed. Brasília: Ministério da Educação Continuada, Alfabetização e diversidade, 2005, p. 21-37.