Modalidade de trabalho: 1 Introdução



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(In)visibilidade do jovem de classe média autor de violência do Município de Vitória, Espírito Santo, Brasil 1 Fátima do Amaral Teixeira 2 Eugenia Célia Raizer 3 Modalidade de trabalho: Eixo temático: Palavras chaves: Resultados de investigaciones Clases, género, etnia y sociabilidad juventude, violência, classe média 1 Introdução Este artigo tem como proposição ampliar o debate sobre violência e juventude, destacando jovens de classe média autores de violência do município de Vitória, estado do Espírito Santo, Brasil. O conteúdo das reflexões visa a estabelecer alguns nexos entre juventude, classe média e violência, e, dessa forma, contribuir para a desconstrução da antiga, e ainda vigente, relação entre pobreza e violência. Temos compreendido que a violência, como um fenômeno difuso, é praticada de várias formas. Além disso, sua origem não está estritamente vinculada, como acreditam muitos, aos pobres e/ou àqueles com pouca instrução (ZALUAR, 2004). Se, ao estudarmos a violência atual, é possível compreendê-la como um fenômeno que atravessa a sociedade como um todo, é também possível destacar a presença de um personagem que se tem tornado cada vez mais frequente nos eventos violentos, principalmente daqueles considerados crime, e para sermos mais claras, os crimes de homicídio: o jovem vem ocupando um lugar central nas manifestações desse fenômeno, alternando-se no papel de vítima e de autor (SUDBRACK; CONCEIÇÃO, 2005). Waiselfisz (1998), já no seu primeiro Mapa da Violência, indica a centralidade da juventude como vítima da violência letal e, desde então, sinalizou para a fluidez da definição de juventude, defendendo que essa categoria pode adquirir conotações diversas passíveis de serem identificadas segundo os interesses de cada área de conhecimento (WAISELFISZ, 1998: 16), e optando, naquele momento, por adotar como 1 Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009. 2 Assistente Social, Mestranda em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo UFES, membro do Núcleo de Estudos sobre violência, Segurança Pública e Direitos Humanos NEVI. Correio eletrônico: fapevi@bol.com.br, Brasil. 3 Professora doutora em Serviço Social, Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre violência, Segurança Pública e Direitos Humanos NEVI, do Mestrado em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo UFES. Correio eletrônico: eugeniaraizer@uol.com.br, Brasil. 1

critério o recorte etário. Uma forma comum de homogeneizar a juventude, quando então se define a partir de uma faixa etária quais são os seus integrantes. No Brasil, o segmento juvenil é numericamente representativo na totalidade da população, perfazendo o total 47.939.723 (quarenta e sete milhões, novecentos e trinta e nove mil, setecentos e vinte e três) jovens com idades entre 15 e 29 anos, aproximadamente 29% da população total do país (IBGE, 2000). Na atualidade, a Política Nacional de Juventude oficializou, para fins de seu desenvolvimento, a juventude como categoria que congrega pessoas com idade entre 15 e 29 anos. Na definição do Conselho Nacional de Juventude 4 "a juventude (...) congrega cidadãos e cidadãs entre os 15 e os 29 anos. (...) Nesse caso, podem ser considerados jovens os adolescentes-jovens (entre 15 e 17 anos), os jovens-jovens (entre 18 e 24 anos) e os jovens-adultos (entre 25 e 29 anos)". (CONFERÊNCIA..., 2007). O município de Vitória/ES, considerando-se as zonas rural e urbana, tem uma população de 292.304 habitantes 5. Correspondia a esse total a população jovem 15 a 29 anos que totalizou, no ano 2000, o quantitativo de 84.080 jovens, representando, assim, quase 30% da população total de Vitória/ES (PMV, 2002). Segundo Guerra (2006), o total de famílias de classe média no município, em 2005, era de 47.929 famílias de classe média, o que classifica Vitória entre as 100 cidades brasileiras com maior número de famílias de classe média. Para além dessa parametrização etária, compreendemos que a categoria juventude não comporta em si somente homogeneidades, mas também diversas diferenças, afigurandose num verdadeiro mosaico de identidades e desafios (CONFERÊNCIA..., 2007). E entendemos, assim como Santos (2007), que a juventude tem múltiplas faces, posto que no seu interior encontram-se diferenças de classes, etnias ou cor e grupos culturais. Dessa forma, comporta a categoria juventude a seguinte classificação: 1) juventude dourada, em geral pertencente às classes alta e média alta e às etnias de cor branca ou amarela; 2) juventude em instabilidade, composta geralmente por jovens de classes média e média baixa, em sua maioria de cor branca ou amarela, mas com uma parcela de negros e pardos; 4 Uma compreensão assegurada pela lei 11.129, que determina ser papel da Secretaria Nacional de Juventude "articular todos os programas e projetos destinados, em âmbito federal, aos jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos (CONFERÊNCIA..., 2007). 5 Segundo o Censo 2000 realizado pelo IBGE. 2

3) juventude trabalhadora, constituída por metade dos jovens entre 15 e 24 anos, o que representa cerca de 17.285.196 indivíduos, dos quais 37% recebiam até um salário mínimo em 2003; 4) juventude dos carentes, ou membros das classes populares que residem nas periferias das grandes cidades, com diversidade de composição étnica (brancos, pardos, negros, indígenas); 5) juventude em vulnerabilidade, ou os meninos de rua, membros das classes baixas, que vivenciam o processo de exclusão social nas médias e grandes cidades, também com diversidade de composição étnica (brancos, pardos, negros e indígenas); 6) juventude dos infratores, ou jovens de várias camadas sociais e etnias que cometeram delitos e passaram a viver sob algum tipo de sanção penal (SANTOS, 2007). Na conceituação de Santos (2007), jovens de diversas camadas sociais 6 compõem a juventude dos infratores, dentre eles o jovem de classe média. Contudo, povoa o imaginário social de que a juventude infratora é sempre aquela que está nas camadas pobres da sociedade, ocupando, em geral, os jovens das classes média e alta da sociedade brasileira o lugar de vítima da violência. Essa camada social tem como característica fundamental na formação de sua identidade o alto padrão de consumo, permitido, evidentemente, por um nível de rendimento diferenciado, alcançado graças à ocupação de melhores cargos, tanto nas empresas privadas quanto nas públicas. Esse quadro vem mudando desde a década de 1980, quando houve um desaquecimento do projeto de industrialização nacional e muitos postos de trabalho ocupados pela classe média foram desativados. Em nossos dias, a classe média sofre com as transformações da economia brasileira e tem dificuldades de reproduzir-se. Seus empregos tradicionais se esvaem, sua posição é questionada a 6 Conferimos, neste texto, à camada social o mesmo significado de classe social (HOUAIS, 2004), que utilizamos para nos referir a grupos demográficos hierarquicamente posicionados na sociedade, compondo a ordem social que, para Weber (1974, p. 13), é A forma pela qual as honras sociais são distribuídas numa comunidade, entre grupos típicos que participam nessa distribuição [...]. A ordem social é, decerto, condicionada em alto grau pela ordem econômica e por sua vez influi nela. 3

todo o momento e as novidades tecnológicas a obrigam a malabarismos (GUERRA, 2006, p. 41). Segundo Guerra (2006), a crise do desemprego por que passam os chefes de família da classe média atinge, ainda mais de perto, as futuras gerações desse segmento social, frustrando o projeto de ascensão social que os pais transferem para os filhos ao longo de suas vidas. E assim tem sido nos últimos anos. A violência de autoria do jovem de classe média vem sendo estampada, atualmente com maior frequência, nas manchetes de jornais e nas capas de revistas, sendo observado que os tipos de violência praticados por esses jovens seguem lógica correlata em vários estados do Brasil. Noticiada com surpresa e indignação, a violência do jovem de classe média, no entanto, segue sem ganhar a visibilidade necessária. 2 Violência praticada pelo jovem de classe média do Município de Vitória, segundo notícias do jornal a tribuna, no período de 2007/2008 O alto índice de mortalidade juvenil por homicídio no Brasil colocou o país, em 2004, no desconfortável 3º lugar entre os 84 países do mundo com as maiores taxas de homicídios, apresentando uma taxa de 51,7 homicídios em 100 mil jovens (WAISELFISZ, 2006). Apesar de disseminada por todo o Brasil, a violência homicida alcança, em alguns estados, taxas muito superiores à média do país. É o caso do Espírito Santo, que apresentou, em 2004, uma taxa equivalente a 95,4 por 100.000 jovens, enquanto que a taxa brasileira foi de 51,7 (WAISELFISZ, 2006). O Espírito Santo vem sendo apontado como um dos três estados brasileiros com maior taxa média de homicídio, dividindo com Rio de Janeiro e Pernambuco os três primeiros lugares. Em pesquisa realizada sobre os 10% dos municípios brasileiros com as maiores taxas médias de homicídios na população jovem, o Espírito Santo se fez presente com 14 municípios, dentre os quais o município de Vitória, sua capital, que ocupa o 7º lugar, num total de 556 municípios brasileiros (WAISELFISZ, 2007). O quadro de violência apresentado também está refletido no município de Vitória, apresentando, em 2004, a taxa média de 181,4 homicídios por 100.000 jovens 4

(WAISELFISZ, 2007). Mas, nas pesquisas sobre vitimização juvenil, a definição da juventude vítima e infratora ainda é muito difusa, contribuindo para que a sociedade compreenda que a juventude infratora é aquela que ocupa as classes populares, o que mascara a violência praticada por jovens de classe média. Em pesquisa realizada no jornal local A Tribuna, privilegiando o período de 01/01/2007 a 31/12/2008, e buscando notícias que revelassem o envolvimento de jovens de classe média, moradores de Vitória/ES, com idade entre 18 e 29 anos, na autoria de práticas consideradas na atualidade como violentas, foram encontradas 18 notícias. Consideraram-se jovens de classe média, aqueles que o jornal assim tratou, em geral, nos títulos das matérias, e/ou também aqueles moradores de bairros nos quais a renda média dos chefes de família era igual ou superior ao valor indicado por NERI (2008) 7 como o valor da renda média dos chefes de famílias da classe média brasileira, isto é, entre R$ 1.064,00 e R$ 4.561,00, ou, ainda, aqueles jovens cujos os pais, e mesmo o próprio jovem, ocupavam cargos na estrutura sócio-ocupacional, considerados por Guerra (2006) como ocupados por pessoas da classe média. Dos 18 eventos noticiados, constatou-se a presença de 31 jovens envolvidos como autores de violências. Embora a maioria (22) fosse do sexo masculino, a participação de jovens do sexo feminino foi expressiva: um total de 9 jovens. Dentro do critério de idade estabelecido para reconhecimento dos jovens como tais idade entre 18 e 29 anos, observou-se que todos os jovens que se encontram nessa faixa etária estavam envolvidos nos eventos violentos, evidenciando a participação dos jovens com idades de 22, 26 e 28 anos (5, 5 e 4 casos, respectivamente). Observou-se também nas notícias que a falta de acesso à educação formal não pode ser usada como justificativa para o envolvimento dos jovens de classe média na violência. Das 11 notícias que revelaram o nível de escolaridade dos jovens, observou-se um alto nível de escolaridade dos envolvidos com as violências: 3 jovens já haviam concluído nível superior de escolaridade; 6 estavam cursando nível superior; 2 tinham nível superior incompleto; e 2 possuíam o nível médio incompleto. E, ainda, as 6 notícias que revelaram o tipo de instituição de ensino que os jovens frequentavam apontaram que todos estudavam em instituições privadas. 7 A classe C é a classe central, abaixo da A e B e acima da D e E. [...] A faixa C central está compreendida entre os R$ 1064 e os R$ 4561 a preços de hoje na grande São Paulo. [...]. A nossa classe C aufere em média a renda média da sociedade, ou seja, é classe média no sentido estatístico. [...]. (NERI, 2008, p. 5). 5

Uma lista extensa das modalidades de violência praticadas pelos jovens de classe média foi encontrada nas notícias. Embora o envolvimento com drogas ilícitas tráfico, associação e consumo tenha-se posicionado em primeiro lugar (7 eventos), outros tipos de violência também foram praticados, dentre os quais: tentativa de furto, ameaça, lesão corporal, tentativa de roubo, porte ilegal de arma, mandante de assassinato, golpe de falso sequestro, falsidade ideológica, direção perigosa, assalto a residência, roubo de veículo, furto qualificado em estabelecimento comercial e injúria qualificada. Alguns dos jovens, inclusive, já haviam anteriormente se envolvido em outras práticas violentas e, mesmo, sido detidos em prisões. Observou-se que os jovens praticam mais violência em grupo (11) do que individualmente (7). E que todas as jovens, salvo em 1 notícia, agiram em grupo, isto é, com outras jovens ou com outros jovens. Cabe ressaltar que a ação violenta dos jovens de classe média ocorre principalmente nos bairros onde moram e/ou na circunvizinhança. Nos casos de tráfico de drogas ilícitas, a venda da droga era realizada nas próprias residências, ou em festas raves, boates, nas proximidades de escolas ou em outros bairros de classe média alta para outros jovens. Os jovens, quando pegos pela polícia com drogas, principalmente em trânsito, alegam, em geral, que estas são para consumo pessoal. No Brasil, por meio da Lei 11.343/06, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre drogas, houve certo abrandamento das sanções previstas aos usuários de drogas. Em substituição à pena privativa de liberdade, são aplicadas, àqueles que portam drogas para uso pessoal, penas mais brandas, sempre voltadas para a ressocialização 8 dos usuários, e, concomitantemente, nessa mesma lei, aumentou a repressão à produção e ao tráfico de drogas (BRASIL, 2006), o que justifica a negação dos jovens na associação ao tráfico de entorpecentes e confissão de uso. As motivações para as práticas da violência, quando evidenciadas, apontam, em geral, para o envolvimento com a droga, principalmente o sustento ao vício. A associação ao tráfico, ocupando o maior índice dos tipos de violência praticados por esses jovens, e 8 As penas aplicadas aos usuários de drogas podem ser encontradas no Art. 28 desta lei nº. 11.343/06: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (BRASIL, 2006). 6

sendo considerada hoje, segundo Zaluar (2004), um ótimo negócio, é apontada como motivação a busca de uma fonte de renda. 3 Conclusões A corrente integração pobreza e violência, que vem ao longo da história reproduzindo o preconceito e estigmatizando os jovens das classes populares, reduzindo as explicações, essencialmente, à pobreza material, deve dar espaço para novos diálogos sobre as diversas faces desse fenômeno. A violência do jovem de classe média que vem ocupando a mídia impressa e televisa deve provocar na sociedade brasileira um novo debate sobre o fenômeno da violência. As motivações que levam os jovens a praticarem violência não podem ser compreendidas de forma isolada, sem se levar em consideração a construção das subjetividades, valores socialmente construídos, seja na família, seja em grupos de amigos, na escola, no trabalho, enfim, na sociedade em geral. Ademais, a explicação para a prática de violência não pode e não deve ser reduzida à pobreza, à superurbanização e à falência do Sistema de Justiça Criminal (CERQUEIRA, 2007). Defendemos que os estudos sobre violência que caminham nessa direção mascaram a violência social, reproduz o estigma do jovem pobre violento e impede ações efetivas para a promoção da paz e prevenção contra a violência, da qual, sabemos, são vítimas e autores jovens de todas as camadas sociais. 7

Referências BRASIL, Lei nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; [...] define crimes e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 24 ago. 2006. CERQUEIRA, Daniel. Entendendo o crime: teorias em disputas ou mosaico de explicações complementares? In: Seminário de pesquisa sobre violência e segurança pública no Espírito Santo, 2., 2007. Anais... Vitória: 1 CD-ROM. CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUVENTUDE. 1., 2007. Brasília. Documento Base. Brasília: Secretaria Nacional de Juventude. Disponível em: <http://www.juventude.gov.br/conferencia/conferencia-juventudepb.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2007. GUERRA, A. et al. (Org.). Atlas da nova estratificação social no Brasil: classe média, desenvolvimento e crise, São Paulo: Cortez, 2006. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Características gerais da população: resultados da amostra. Censo Demográfico, 2000. JUVENTUDE Política Nacional de Juventude. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/secgeral/frame_juventude.htm> Acesso em: 23 abr. 2009. NERI, Marcelo Côrtes (Coord.). A nova classe média. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2008. PMV. Secretaria de Desenvolvimento da Cidade. Informações do Censo 2000: município de Vitória. Vitória, 2002. Disponível em: <www.vitoria.es.gov.br>. Acesso em: 1 jun. 2007. RAIZER, E. C. Homicídios no Espírito Santo: Questões e evidências empíricas In: CRUZ, M. V. G; BATITUCCI, E. C. (Orgs.). Homicídios no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2007. 8

SANTOS, J. V. T. A agonia da vida: mortes violentas entre a juventude do país do futuro. In: CRUZ, M. V. G; BATITUCCI, E.C. (Orgs.). Homicídios no Brasil. Rio de Janeiro: FGV. 2007. SUDBRACK, M. F. O.; CONCEIÇÃO M. I. G. Jovens e violência: vítimas e/ou algozes? In: COSTA, L. F.; ALMEIDA, T. M. C. (Orgs.). Violência no cotidiano: do risco à proteção. Brasília: Universa: Líber Livro, 2005. TEIXEIRA, F. A; DEUS, L.N. O jovem de classe média: motivos que o tornaram sujeito autor de violência. 2007. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Serviço Social), Escola Superior da Santa Casa de Misericórdia, Vitória, 2007. WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da violência: os jovens do Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.. Mapa da violência 2006: os jovens do Brasil. Brasília: OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura), 2006.. Mapa da violência dos municípios brasileiros. Brasília: OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura), 2007. WEBER, Max. Ensaios de sociologia. In: GERTH, H. H.; MILLS, Wright (Orgs.). Tradução de Waltensir Dutra. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974. ZALUAR, Alba. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: FGV, 2004. 9