Apropriação do sistema de escrita: capacidades a serem atingidas ao longo do ciclo de alfabetização na Educação Infantil



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Transcrição:

Maria Celia Montagna de Assumpção Apropriação do sistema de escrita: capacidades a serem atingidas ao longo do ciclo de alfabetização na Educação Infantil Nessa aula, você verá alguns conhecimentos que os alunos precisam adquirir para entender as regras que orientam a leitura e a escrita no sistema silábico, ou seja, que conhecimentos precisam ter para ler algo escrito no nosso sistema. O conhecimento da escrita começa desde que a criança é bem pequena. Esse conhecimento evolui, muda com a idade e é reconstruído ao longo da vida. Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 1

Veja como a criança procede quanto às etapas na compreensão da escrita. Num primeiro momento, ela percebe a escrita como algo que pertence ao universo gráfico, diferenciando-a do desenho: para ela, o que não é desenho é escrita. Esse conhecimento é adquirido por meio do contato com a cultura escrita, durante a leitura de livros, revistas, anúncios ou presenciando um adulto escrevendo. Depois, a criança estabelece algumas propriedades para que determinado objeto seja considerado uma escrita: a linearidade. Para pertencer à escrita os objetos devem estar dispostos em linhas. É muito comum observar uma criança que está habituada ver o adulto escrevendo, fazer traços ou traçar unidades gráficas na horizontal, dizendo que está escrevendo. Ainda nesse âmbito, a criança reconhece que deve haver algum tipo de fragmentação na linearidade: espaços entre unidades ou grupos de unidades. Outros atributos juntam-se aos anteriores e a criança estabelece que, para ser escrita, tem de haver quantidade mínima de unidades e existir uma variação interna as unidades devem ser diferentes e não podem ser desenhos e nem figuras geométricas. Esse tipo de escrita, segundo Teberosky (2003), é chamado de escrita diferenciada porque, a cada vez que a criança escreve um nome, as formas gráficas são diferentes em quantidade e variedade interna. Os conhecimentos abordados até o momento são classificados como conhecimentos não escolares, construídos nas interações entre os indivíduos e as propriedades externas da linguagem escrita. Com base nessas condições, a criança define o que pode ser lido e o que não pode, mesmo não sabendo ler ainda. Esse tipo de conhecimento antecede o uso do sistema. A última etapa que normalmente acontece antes do início da escolarização refere-se ao momento em que a criança começa a se esforçar para interpretar ou produzir palavras próximas do modelo convencional, como ocorre com nome próprio. No processo de aprendizagem da linguagem, é preciso considerar as regras e convenções que a regem. No entanto, nem todas as regras são evidentes e algumas delas requerem o ensino. Por isso, grande parte da aprendizagem que segue normas é realizada na escola. Por ser um sistema que possui regras e convenções, a escrita requer também um acordo social tanto para essas regras serem instituídas como para serem destituídas. O exemplo mais claro é representado pela ortografia: não há duas maneiras de ortografar uma palavra. A ortografia não admite variações. As regras são impostas obrigatoriamente e a atitude dos indivíduos é de Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 2

conformidade com elas. Há ainda outro aspecto da escrita que também não pode ser mudado que são as marcas gráficas (letras, acentos, pontuação) e os valores a elas atribuídos. Um terceiro exemplo são os gêneros textuais: também existem normas obrigatórias que determinam como devem ser escritos, como são suas estruturas, embora a criatividade seja aceita em relação ao conteúdo. Como são aprendidas as regras, as normas e as convenções? Geralmente, a aprendizagem da convenção é o resultado de uma interação social (TEBEROSKY, 1999). Quando se observa um grupo de crianças numa sala de aula, é possível perceber como o intercâmbio, a troca de ideias entre elas, comparando suas produções escritas, enriquece a aprendizagem. Ao confrontar a própria produção com as dos colegas, a criança tem a oportunidade de referendar ou não suas hipóteses, verificando se há necessidade de fazer ajustes, confirmados pelo professor, que, por sua vez, se respalda nas normas e nas convenções. Mesmo numa classe onde as crianças estejam em diferentes níveis de escrita, o confronto das produções acontece para confirmar a regra. A comparação pode ser feita em relação à forma gráfica, ao valor sonoro das letras, à correspondência entre as letras e os segmentos fonológicos, buscando confirmar a convenção. Isso pode acontecer com alfabetizados e não alfabetizados: todos sabem que existe uma norma que rege a escrita e que se impõe a todos para que a escrita possa ser compartilhada pelos seus usuários. Mesmo não conhecendo a regra, os alunos sabem que ela existe e que as pessoas se ajustam a ela. O professor é imprescindível nesse momento, pois os alunos precisam deles para mostrar-lhes o quanto estão próximos ou não da convenção, ou seja, o que já venceram e o que ainda falta vencer para que possam avançar. Por ser regida por normas, a escrita tem ainda outra função: regulação e controle social do comportamento. As noções de lei, norma e convenção estão associadas à escrita. A escrita influencia a linguagem oral de algumas pessoas, tornando-se modelo de correção da fala. E a ortografia torna-se modelo de pronúncia. Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 3

Concluindo, as regras e as convenções da escrita são aprendidas na interação entre os indivíduos, por meio do confronto de suas produções, com o intuito de ajustar a própria escrita às convenções impostas pelas normas. Nesse contexto, é imprescindível a atuação do professor como especialista para situá-los em relação ao que ainda precisam controlar. Capacidades importantes para a apropriação do sistema de escrita A seguir, serão apresentadas algumas capacidades necessárias para o domínio do sistema de escrita, que devem ser trabalhadas de forma sistemática na sala de aula. No entanto, é preciso esclarecer que essas aquisições não acontecem de forma sequencial, mas simultaneamente, umas contribuindo para a aquisição das outras. Na aula anterior, você viu que um dos aspectos fundamentais nos momentos iniciais da alfabetização é que o aluno diferencie letras, números e desenhos. Por não ser um saber empírico, é preciso ser trabalhado na classe, em situações que ajudem os alunos a perceber as diferenças que há entre letras e desenhos, letras e rabiscos, letras e números, letras e outros símbolos gráficos. Esse conhecimento é desenvolvido principalmente através da exploração de livros, revistas e outros impressos que fazem parte da cultura escrita. Não basta a criança observar livros e revistas, é preciso que o professor problematize, desafiando as crianças por meio de perguntas que abram possibilidades para a aprendizagem. O professor pode propor que procurem na classe, nos calendários, nas listas telefônicas e em folhetos com preços de mercadorias os símbolos que representam os números e quais representam letras, por exemplo. Outra convenção gráfica no sistema que precisa ser compreendida, logo no início do aprendizado, é a orientação e o alinhamento da escrita: de cima para baixo, da esquerda para a direita e de forma linear. A finalidade do ensino dessas convenções é fazer com que o aluno compreenda que escrevemos da esquerda para a direita, isto é as sequências das letras nas palavras e das palavras nas frases obedecem a essa ordem. Tanto a fala como a escrita são produzidas de forma linear: na fala, um som depois do outro; na escrita, letra após letra, palavra após palavra, frase após frase. No entanto, essa linearidade acontece de forma diferente na escrita e na fala. Quando se ouve os enunciados da fala parece uma cadeia contínua na qual não se percebe os limites das palavras. Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 4

Quando escrevemos, separamos nitidamente uma palavra da outra por espaços em branco e delimitamos as frases por sinais de pontuação. Essas marcas não são óbvias, são convenções sociais que precisam ser ensinadas e aprendidas. Como já foi visto na primeira aula, é recomendável que o professor, ao fazer a leitura em voz alta para os seus alunos, aponte cada palavra lida, mostre os sinais de pontuação, indique a direção da escrita, mostre a margem esquerda, chame a atenção para o espaçamento dos parágrafos em relação à margem esquerda. Ao explorar esses marcadores, os alunos percebem que a segmentação da fala é diferente da escrita e aos poucos vão aprendendo o que é palavra, frase, texto, mesmo sem saber ler. É indispensável que os alunos também compreendam como é a distribuição do texto no seu suporte: a escrita ocupa a frente e o verso da folha na maioria dos impressos e escreve-se a partir da margem esquerda do papel. Esses conhecimentos são importantes, pois serão úteis aos alunos em momentos posteriores do seu aprendizado da escrita, para o domínio da ortografia, da pontuação e da paragrafação. Esses conceitos vão se expandindo e, a cada nova aproximação, são reconstruídos. A partir de novas hipóteses e confrontos, a criança avança no seu conhecimento sobre o sistema de escrita. Outro requisito indispensável para ler e escrever com autonomia é entender a relação entre os fonemas e como são representados graficamente. Para isso, é importante que os alunos, durante o processo de alfabetização, prestem atenção à pauta sonora da linguagem e operem ludicamente com as unidades do sistema fonológico, por meio de jogos e brincadeiras como Lá vai a barquinha carregada de... (palavras começadas com PA ou terminadas com ÃO), dando destaque às sílabas das palavras ao pronunciá-las. Nesse processo, a criança vai desenvolvendo a consciência fonológica que é a capacidade de analisar e refletir de forma consciente sobre os segmentos fonológicos da língua. Essa capacidade permite compreender que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas: a frase pode ser dividida em palavras, as palavras em sílabas e as sílabas em fonemas. Para introduzir essa questão, convém estimular os alunos a reconhecerem e relacionarem as unidades fonológicas com as correspondentes unidades gráfi cas: sílaba oral e sílaba escrita por meio de brincadeiras com rimas, palavras que comecem ou terminem por determinada sílaba. Conhecer o alfabeto é fundamental para que o aluno compreenda que esse sistema é composto por letras e as letras são unidades estáveis que representam na escrita os sons vocálicos ou consonantais que constituem as palavras que falamos. Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 5

A importância dessa aprendizagem na fase inicial da alfabetização está na necessidade de o aluno saber o nome das letras e que esse nome representa um dos sons da fala que ela pode representar na escrita. Isso é verdadeiro para a maioria das letras. O domínio desse conhecimento pode auxiliar na leitura e na compreensão da grafia das palavras. Convém que o alfabeto completo, preferencialmente na ordem alfabética, seja apresentado aos alunos para que tenham uma visão do conjunto. Isso facilita a distinção entre elas. O alfabeto deve ficar à vista para que possa servir de modelo constante para os alunos. Ainda nesse item, os alunos precisam conhecer a categorização gráfica das letras, que podem ter muitas formas gráficas, gerando diferentes alfabetos. Apesar da diferença gráfica nas letras, uma mesma letra permanece a mesma não importando se está grafada com letra de forma, letra cursiva, maiúscula ou minúscula, porque ela exerce a mesma função no sistema de escrita: ela é usada exatamente da maneira exigida pela ortografia. A letra P sempre será P, não importando em que grafia ela é traçada. No entanto, no início da alfabetização, é mais fácil para a criança ler e escrever usando letras maiúsculas de forma, também denominadas letras bastão. As letras grafadas dessa maneira são diferenciadas, separadas e contadas com mais facilidade pelas crianças do que no alfabeto cursivo. Nessa fase inicial da alfabetização, a criança passa muito tempo contando quantas letras tem um nome, se tem mais ou menos do que outro, se é formado por muitas ou poucas letras. No alfabeto cursivo é mais difícil a criança perceber as letras separadamente. Há ainda outro aspecto que deve ser observado: escrever com letra maiúscula de forma é mais fácil do que escrever com a letra cursiva, não só pelo traçado, mas pelas junções. A letra cursiva exige que o aluno comece e termine a escrita de uma palavra sem tirar o lápis do papel. Para desenvolver essa habilidade, é preciso que a criança tenha uma boa rotatividade de pulso e independência dos membros superiores. Sem ter esse domínio, a criança tende a colocar toda a força do corpo sobre o braço para traçar a palavra e pode desenvolver movimentos parasitas aos movimentos da escrita. Além dos motivos expostos, não há outros motivos importantes em favor do uso das maiúsculas nos períodos iniciais. Quanto ao aprendizado da escrita, é necessário orientar os alunos a dominar os instrumentos e suportes de escrita do cotidiano escolar: livros, caderno, papel, lápis, borracha, computador. Conhecer esses objetos significa saber para que servem e como são usados. Apesar de variarem graficamente, as letras têm um valor funcional. É preciso que a criança saiba Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 6

que não se pode escrever qualquer letra em qualquer lugar para formar um vocábulo: as letras têm uma função dentro da palavra. Por exemplo, para escrever LUAN cada uma das letras tem que estar no seu lugar, começando da esquerda para a direita: se quisermos ler essa palavra, a letra L é a primeira letra. Caso o aluno escreva essa LUAN, da direita para a esquerda (NAUL), não é possível ler LUAN, porque a primeira letra não é o L e sim o N. A criança precisa compreender que a letra substitui o segmento sonoro falado, ou seja, para ler LUAN a letra L deve estar em primeiro lugar. O papel do professor é decisivo, pois é por meio das suas mediações que a criança compreenderá esses princípios. Seguindo a ordem da esquerda para a direita pode-se ler a palavra corretamente. Mas, se a leitura for feita da direita para a esquerda tem-se um amontoado de sons sem sentido, pois raramente dá certo ler uma palavras da direita para a esquerda, salvo em casos de palíndromos, como AMOR/ROMA. Conhecer o princípio acrofônico (um conjunto de regras que usamos para decifrar os valores sonoros das letras) é a chave da decodificação: num primeiro momento atribuímos o som que é dado a cada letra e depois somamos os sons para descobrir o que está escrito. Descobrir as regras da decifração (relação letra/som) é uma estratégia para se alfabetizar. Esse aprendizado, que representa um avanço decisivo no processo de alfabetização, se realiza quando o aluno entende que o princípio geral que regula a escrita é a correspondência letra/som, ou seja, grafema/fonema. Isso significa compreender a natureza alfabética do sistema de escrita. Os fonemas são unidades de sons representados por grafemas na escrita. Grafemas são letras ou grupo de letras que representam um som. Por exemplo, A, B, C são grafemas, QU, RR, CH, LH, NH também são grafemas. Nas primeiras tentativas de lidar com as relações entre fonemas e grafemas, alguns alunos poderão tender a ler, por exemplo, beoca em vez de boca. É possível que esteja fazendo o seguinte raciocínio: a palavra começa com a letra B, que tem o som (bê), então deve ser beoca. O professor precisa ajudar o aluno a superar essa hipótese equivocada. Uma atividade que ajuda o aluno a superar essa hipótese é trabalhar com palavras em que o fonema consonantal apareça seguido de diferentes vogais: boca, bica ou bola, bala, bela, bule. Trabalhar com pares mínimos também é uma atividade específica muito utilizada pelos linguistas, que ajuda a explicar aos alunos como detectar os segmentos fonéticos da fala, para relacioná-los às letras do alfabeto. Obtém-se um par mínimo quando se juntam duas palavras de significados diferentes, cuja forma fonética varia apenas com relação a um som: mala/mola; vela/vila. É preciso mostrar para os Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 7

alunos quais letras são usadas para representar o som diferente, explicando que no próprio nome da letra já tem uma pista de que som ela representa. Ler e produzir textos escritos de gêneros diversos devem ser atividades que fazem parte da rotina escolar. Uma palavra ou um nome próprio pode ser considerado texto se for usado numa situação para produzir sentido. Compreendendo essa definição para o que é texto, pode-se dizer que as crianças são capazes de produzir textos escritos desde os primórdios da alfabetização, se esse texto tiver razão de ser e obedeça a determinadas convenções ou regras que cumpram seus objetivos. As crianças precisam aprender que, ao escrever um texto, é preciso levar em conta para quem e para que está sendo escrito. Esse é um princípio que deve orientar o processo de escrita que os alunos precisam aprender desde cedo. Por exemplo, se o aluno souber que o seu texto será acompanhado de uma gravura, deve considerar que pode deixar de escrever algumas informações, porque o leitor vai obtê-las olhando para a gravura. Se estiver escrevendo para alguém que conhece, poderá deixar de colocar algumas informações que fazem parte do repertório compartilhado. No entanto, se for escrever para quem não conhece, não poderá deixar as informações importantes de lado, pois esse leitor não poderá inferi-las. O papel do professor na promoção da aprendizagem da leitura e da escrita As crianças não aprendem espontaneamente. Aprendem reflexivamente, porque alguém as põe em situação de pensar. Aprender é fruto de esforço. Esse esforço precisa ser a busca de uma solução ou de uma resposta que satisfaça e reequilibre. Quando o professor fica mais preocupado em dar respostas do que fazer perguntas, ele evita que o aluno faça o necessário esforço para aprender. Num contexto de mundo pronto a resposta fazia sentido. Num contexto de mundo em construção a reposta impede a aprendizagem (SANTOS, 2009). O desejo, a vontade, a curiosidade e a disponibilidade interna para aprender são a mola da aprendizagem. O professor pode alimentar essa aprendizagem instigando a curiosidade, fazendo perguntas que desequilibre o aluno e ele sinta vontade de buscar a resposta. Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 8

Para que os alunos aprendam de forma reflexiva, o professor deve organizar atividades que levem o aluno a refletir e que possam ser abordadas por todos, apesar da diversidade, já que admitem respostas pessoais diversas. É o professor que provoca a sede de aprender, gerando questionamentos, dúvidas, criando a necessidade e não apresentando respostas prontas. Nesse sentido, é preciso trazer para os alunos materiais físicos e mentais necessários para resolver com sucesso um problema. O professor deve ficar atento para oferecer a ajuda de que necessitam. Nem mais, nem menos. Para ilustrar o papel do professor na promoção da aprendizagem, veja o comentário de um aluno das séries iniciais: O meu professor só faz perguntas que ele já tem a resposta. ao fazer essa afirmação, a criança tinha a total percepção de que o professor não fazia questões que o fizesse pensar, mas elaborava questões que pudessem ser respondidas apenas de memória, não permitindo que o aluno buscasse respostas usando o seu repertório de conhecimento, pensando, raciocinando para responder. Considerando esse relato do aluno, o professor deve organizar as atividades de modo que tenham sentido para a criança. Por meio de atividades significativas, é possível conectar os alunos numa rede ampla de relações, favorecendo a interconexão de conhecimentos ao redor de núcleos temáticos complexos e atrativos. Além disso, é função do professor avaliar e oferecer ajuda. Ao deparar-se com um conflito, o professor não pode abandonar a criança, pois sabe que, sem ajuda, ela dificilmente resolverá o problema. Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 9

Referências Bibliográficas ADAMS, M. J. Consciência fonológica em crianças pequenas. Porto Alegre: Artmed, 2006. BASSEDAS, E.; HUGUET, T.; SOLÉ, I. Aprender e ensinar na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed,1999. CAGLIARI, L. C. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1998. CURTO, L. M.; MORILLO, M. M.; TEIXIDÓ, M. M. Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e ler. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2011. SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998. SANTOS, J. C. F. Aprendizagem signifi cativa. Porto Alegre: Editora Mediação, 2009. TEBEROSKY, A; COLOMER, T. Aprender a ler e escrever: uma proposta construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2003. TEBEROSKY, A. Aprendendo a escrever: perspectivas psicológicas e implicações educacionais. São Paulo: Editora Ática, 1995. UFMG. Alfabetizando / Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, 2003. Copyright 2013 Abril Educação - Todos os direitos reservados 10