OS CRIMES DO COLARINHO BRANCO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLOGIA CRIMINAL

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Transcrição:

RYANNA PALA VERAS OS CRIMES DO COLARINHO BRANCO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLOGIA CRIMINAL MESTRADO EM DIREITO PUC/ SÃO PAULO 2006

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RYANNA PALA VERAS OS CRIMES DO COLARINHO BRANCO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLOGIA CRIMINAL Dissertação apresentada à banca examinadora da PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Penal (Direito das Relações Sociais), sob a orientação do professor Doutor Oswaldo Henrique Duek Marques. PUC/ SÃO PAULO 2006

Banca Examinadora

Dedico este trabalho a Angelo Augusto Costa

Meus sinceros agradecimentos ao Professor e Orientador Dr. Oswaldo Henrique Duek Marques

RESUMO O trabalho analisa, na óptica da macrossociologia, qual o paradigma deve ser utilizado para se estudar os crimes do colarinho branco em criminologia. O estudo sistematizado do delito se iniciou no século XVIII com a Escola Clássica, entretanto, foi no fim do século XIX que surgiram os estudos sociológicos do delito, influenciados pelo trabalho de Durkheim. No início do século XX a sociologia se tornou disciplina universitária, na Universidade de Chicago, dando origem à primeira teoria sociológica do delito, a chamada Escola de Chicago. Então, a sociologia passou a se desenvolver em duas linhas distintas, a microssociologia, que estuda a interação entre a sociedade e o indivíduo e a macrossociologia, que se detém no estudo da sociedade. Crimes do colarinho branco foi um termo criado pelo sociólogo norte-americano Edwin Sutherland, em 1939. Para ele crime do colarinho branco é aquele cometido por pessoa de respeito e elevada classe social, no exercício de sua atividade. Suhterland percebeu que a punição de tais delitos era bem menor do que a punição dos crimes ditos comuns. As teorias macrossociológicas que abordaram os crimes do colarinho branco foram a teoria da anomia, o labeling approach, a criminologia do conflito e a criminologia crítica. A primeira o fez sob o paradigma etiológico e as demais adotaram o paradigma da reação social. O paradigma etiológico busca no delito um conteúdo ontológico e, assim, revelar suas causas. O paradigma da reação social entende que o delito é um fenômeno criado pelo sistema penal, por meio da seleção de condutas, interpretação e definição final em uma sentença. A dissertação pretende demonstrar que o estudo dos delitos do colarinho branco deve adotar o paradigma da reação social, pois deve, necessariamente, responder em primeiro lugar a pergunta: por que os crimes do colarinho branco não são absorvidos pelo sistema penal? Pois, não há como se obter qualquer amostra confiável para realizar estudos etiológicos se não forem desvendadas as verdadeiras forças que regem o sistema penal e informam a própria organização social como um todo.

ABSTRACT This work analises, in the sociological macro level, which perspective should be applied to study white collar crimes in criminology. The sistematic study of crime has begun in the beginning of the XVIII century with the Classic School, however, it has been in the end of the XIX century that emerged the sociologycal studies of crime, influenced by the works of Durkheim. In the beginning of the XX century, sociology has turned an universitary discipline, in the University of Chicago, where has been developped the first sociologycal theory of crime, the Chicago School. Then, the sociology has been divided in two distinct levels, the micro level sociology, which studies the interaction between society and man, and the macro level, which studies the society's structure. The term white collar crime was criated by the american sociologist Edwin Sutherland, in 1939. For him, white collar crime is that one commited by respectable person from the high social class, in his business. Sutherland noted that the punishment of these crimes was less commom than the punishment of the ordinary crimes. The macro level theories which considered this question were the anomie theory, labeling approach, conflict criminology and critical criminology. The first one has analised the theme in the etiologic perspective and the others has used the perspective of social reaction. The etiologic perspective intends to find an ontologic substract in crime and reveal its causes. The perspective of social reaction considers the crime a criation of the criminal system, by the selection of actions, interpretation and a final definition in a judicial sentence. This work intends to demonstrate that the study of white collar crimes should addopt the social reaction perspective, because, it should answer in first place the question: why the white collar crimes are not absorved by the criminal system? As it's impossible to obtain some reliable sample to develop etiologic studies if the real forces that control the penal system and the society were not revealed.

Sumário INTRODUÇÃO... 1 CAPÍTULO 1. ORIGEM DA SOCIOLOGIA CRIMINAL... 8 1.1. A criminologia como ciência... 8 1.2. A Escola Clássica... 10 1.3. A Escola Positiva... 12 1.4. Antecedentes da sociologia criminal... 15 1.5. O surgimento da sociologia criminal como disciplina... 17 1.6. A microssociologia e a macrossociologia criminal... 20 1.7. Escolas microssociológicas: o indivíduo e a sociedade... 22 1.7.1. Teorias do aprendizado... 22 1.7.2. Teorias do controle... 24 1.8. Escolas macrossociológicas... 25 1.8.1. Sociologia do consenso... 26 1.8.2. Sociologia do conflito... 28 1.8.2.1. A sociologia conflitual de Dahrendorf... 28 1.8.2.2. O modelo marxista... 30 1.9. Conclusões... 31 CAPÍTULO 2. A OBRA DE SUTHERLAND... 34 2.1. O surgimento dos white collar crimes... 34 2.2. O artigo de Sutherland de 1940... 36 2.3. O conceito de white collar crime.... 40 2.4. A pesquisa de Sutherland: a obra de 1949... 43 2.5. As três causas da menor reação penal aos white collar crimes... 45 2.6 A teoria criminológica de Sutherland: a associação diferencial... 48 2.7. A teoria da associação diferencial e os white collar crimes... 50 2.8. Principais críticas ao conceito de Sutherland... 53 2.9. A estagnação dos estudos dos white collar crimes nos anos 1960...55 2.10. A atualidade do trabalho de Sutherland... 56 2.11. Conclusões... 58 CAPÍTULO 3. A TEORIA DA ANOMIA... 60 3.1. O método e o objeto das teorias etiológicas... 60 3.2. O crime é um fato normal à formação social... 62 3.3. O artigo de 1938 de Robert Merton... 63 3.4. A anomia... 67 3.5. A teoria microssociológica de Merton (strain theory)... 71 3.5. O American Dream... 72 3.6. A criminalidade do colarinho branco e a anomia... 74 3.7. A política criminal... 77 3.8. Críticas... 80 3.9. Conclusões... 82 CAPÍTULO 4. LABELING APPROACH... 85 4.1. A crise do paradigma etiológico... 85 4.2. O interacionismo simbólico... 88 4.3. O surgimento do labeling approach na criminologia... 93 4.4. A formação e a aplicação das leis para Becker... 96 4.5. As conseqüências da rotulação do criminoso... 99 4.6. Críticas... 101

4.7. A política criminal... 105 4.8. Os crimes do colarinho branco: ausência de seleção... 107 4.9. Conclusões... 111 CAPÍTULO 5. A CRIMINOLOGIA DO CONFLITO... 114 5.1. Contexto histórico-científico... 114 5.2. A sociologia do conflito... 117 5.3. A criminologia conflitual de Vold... 119 5.4. O modelo criminológico de Turk... 122 5.5. O conflito em Chambliss e Seidman... 124 5.6. O conflito em Quinney... 127 5.7. A política criminal... 133 5.8. Críticas... 136 5.9. O crime do colarinho branco na perspectiva conflitual... 138 5.10. Conclusões... 141 CAPÍTULO 6 A CRIMINOLOGIA CRÍTICA... 145 6.1. Contexto histórico e científico... 145 6.2. A macrossociologia marxista... 146 6.3. O surgimento da criminologia crítica... 148 6.4. A criminologia crítica na América Latina: um discurso marginal...152 6.5. A desconstrução do sistema penal de Michel Foucault... 153 6.6. A desconstrução do sistema penal de Alessandro Baratta... 160 6.7. A desconstrução do sistema penal de Zaffaroni... 163 6.8. Bases da reconstrução da criminologia sob a perspectiva crítica... 165 6.9. Críticas... 172 6.10. Crimes do colarinho branco... 174 6.11. Conclusões... 179 CAPÍTULO 7 ANÁLISE DAS TEORIAS... 182 7.1. Sobre o objeto da criminologia... 182 7.2. Os crimes do colarinho branco no paradigma etiológico... 184 7.3. A teoria da anomia... 186 7.4. Os crimes do colarinho branco na perspectiva da reação social...188 7.5. O labeling approach... 189 7.6. A criminologia do conflito... 190 7.7. A criminologia crítica... 191 7.8. A pergunta e a resposta... 193 CONCLUSÃO... 195 BIBLIOGRAFIA... 197

1 INTRODUÇÃO I. Os crimes do colarinho branco constituem um capítulo à parte na história da criminologia e um ponto sobre o qual ainda restam muitas interrogações, tanto pela dificuldade de investigar suas causas pelos métodos da criminologia tradicional, devido à ausência de dados estatísticos que dêem a sua verdadeira dimensão, quanto pela resistência do sistema penal estatal à efetiva persecução desses crimes. Essas razões para tantas dúvidas, como se verá, são rigorosamente complementares e interdependentes: a baixa criminalização secundária reduz a disponibilidade de material empírico (estatísticas), indispensável para que a criminologia tradicional elabore suas conclusões a respeito das causas dessa espécie de delinqüência. Embora se saiba (ou ao menos se presuma) que os crimes nas mais altas instâncias das atividades econômicas ocorrem todos os dias com tanta freqüência quanto os demais crimes do chamado direito penal tradicional, não se costuma vêlos em manchetes de jornais (nem mesmo daqueles especializados em negócios), nos cadernos policiais nem em programas de televisão. Porém, quando um grande escândalo financeiro se deflagra, são enormes os prejuízos que gera à sociedade como um todo e o que permanecia oculto adquire grande visibilidade. Esses fatos se tornaram uma preocupação acadêmica no fim do século XIX e início do século XX, quando o desenvolvimento do sistema capitalista e a expansão industrial muitas vezes eram alcançados mediante práticas ilícitas em detrimento da ordem econômica, do sistema financeiro, do meio ambiente e dos consumidores. Edwin Sutherland, o primeiro sociólogo a escrever uma obra específica sobre essa forma de criminalidade, denominou white collar crimes os crimes

2 cometidos por pessoas de respeitabilidade e alto status social no curso de sua atividade profissional. Criou um conceito sociológico, aberto, mas que destaca os dois principais elementos desses delitos: o prestígio social de seus autores e a finalidade profissional do comportamento. Sutherland realizou uma pesquisa a respeito da forma específica como se operava a reação social nesses casos. Constatou que a punição de tais condutas, quando ocorria (acreditava que em menos de 50% dos casos), se dava na esfera civil ou administrativa sem o caráter estigmatizante do processo e da condenação criminal. Analisou também como o poder econômico, a boa reputação e a influência política de seus agentes dificultavam a persecução de tais condutas de uma forma geral. Essas preocupações continuam presentes na atualidade, pois ainda se verifica uma lacuna na reação social a tais delitos, que, no entanto, continuam ocorrendo. Embora pouco se saiba a respeito deles. A criminologia não pode conformar-se em analisar dados estatísticos provindos da justiça criminal, que não representam a real proporção da ocorrência de delitos na sociedade. Deve a ciência, se quiser ser ciência e não repartição anexa aos tribunais penais ou à Administração Pública, buscar as verdadeiras razões dessa falha na reação social aos crimes do colarinho branco.. Mas a conclusão de que a reação social é o dado que interessa na análise dos crimes do colarinho branco em razão da quase ausência de persecução penal e, pois, de estatísticas não se impõe por si só. A abordagem teórica que instrumenta a pesquisa nessa área pode ser tão variada quanto o de toda a criminologia, uma ciência que ainda procura seu objeto e discute vivamente a metodologia adequada a esse estudo. Por exemplo, além de revelar a brecha na reação social e, assim, provocar o giro copernicano da criminologia, Sutherland desenvolveu e aplicou aos crimes do colarinho branco sua teoria da associação diferencial, que dificilmente poderia ser incluída entre as teorias macrossociológicas e decididamente procura uma etiologia do crime. A extrema heterogeneidade das teorias criminológicas exige, portanto, uma tomada de decisão radical. Que

3 paradigma seguir? Quais as perguntas relevantes? Onde buscar as respostas? Por essa razão, o presente estudo propõe-se fazer uma incursão na criminologia, analisar o que as diversas teorias têm a dizer sobre o crime do colarinho branco na perspectiva da macrossociologia criminal. Por que da sociologia criminal e não da psicologia? A razão é simples: o conceito de crimes do colarinho branco nasceu no seio da sociologia e, por isso, reteve uma grande influência de elementos sociológicos em sua configuração. Ao final, o dilema da criminologia sociológica contemporânea será revelado, e com ele virá a necessária tomada de posição a respeito do objeto e do método a serem seguidos nas pesquisas criminológicas sobre os crimes do colarinho branco. II. A criminologia, desde seu surgimento, com a Escola Clássica, preocupou-se com as causas da criminalidade. Primeiramente, essas causas foram associadas ao livre-arbítrio de todo indivíduo, ou seja, a uma decisão livre de buscar o maior prazer por meio do menor esforço, mesmo que significasse a utilização de meios ilícitos. Era essa concepção que adotava o marquês de Beccaria, em sua clássica obra Dos delitos e das penas. A Escola Positiva, no fim do século XIX e início do século XX, defendia haver um determinismo na conduta humana. Os estudos se desenvolviam com aplicação da metodologia das ciências naturais, baseando-se principalmente no evolucionismo de Darwin. Defendiam que o comportamento criminoso não era produto de uma decisão livre, mas sim derivava de uma série de fatores de ordem antropológicobiológica (Lombroso), psicológica (Garofalo) ou sociológica (Ferri). Posteriormente, já nas primeiras décadas do século XX, desenvolveu-se no âmbito da criminologia o ramo da sociologia criminal, cujos primeiros estudos se deram ainda no século XIX, na Europa, com Durkheim, Tarde e Lacassagne, que

4 travaram importantes debates com os positivistas, principalmente nos Congressos Internacionais de Antropologia Criminal 1. Apesar disso, seu reconhecimento como disciplina ocorreu nos Estados Unidos, precisamente na Universidade de Chicago, no início do século XX. A primeira teoria sociológica, denominada Escola de Chicago, formou-se no interior dessa universidade com a proposta de aplicar os métodos do estudo sociológico, principalmente a análise estatística, à compreensão do fenômeno criminal. A sociologia criminal se dividiu então em dois ramos: a microssociologia ou psico-sociologia, que conjugava a estrutura social e o aparelho psíquico do indivíduo na análise do fenômeno criminal; e a macrossociologia, que busca somente no estudo da estrutura social as causas do crime, ou a forma como se dá a reação social ao ilícito por parte das instâncias oficiais de controle (polícia, Ministério Público, Judiciário, sistema penitenciário). A macrossociologia surgiu da mesma raiz das escolas microssociológicas: a sociologia de Durkheim. Já no século XIX, Durkheim entendia que o crime não era uma doença social, mas um fenômeno inseparável dela. Assim, desde que dentro de uma margem de normalidade (demonstrada pela estabilidade das estatísticas), o crime possuía até alguns aspectos positivos para a evolução do grupo social. Para Durkheim, o crime poderia ser estudado como um fato social sem apreciação de suas especificidades individuais (variáveis irrelevantes num estudo de caráter macrossociológico). Portanto, o crime pode ser estudado como parte de qualquer sociedade. O conhecimento do funcionamento da sociedade pode trazer muitas informações sobre a criminalidade que nela ocorre. Esta dissertação pretende expor, analisar e criticar o modo como as teorias 1 Principalmente no II Congresso em Paris (1889) e no III Congresso de Bruxelas (1892).

5 macrossociológicas descrevem e explicam o fenômeno dos crimes do colarinho branco. Para tanto serão analisadas quatro teorias: 1) a teoria da anomia; 2) o labeling approach, 3) a criminologia do conflito e 4) a criminologia crítica. III. A teoria da anomia, criada por Robert Merton, em 1938, foi a primeira teoria macrossociológica surgida após a Escola de Chicago. Para Merton, o fenômeno criminal se explicava em grande parte pela forte valorização na sociedade de metas de sucesso econômico e financeiro. Todos buscavam enriquecer e ser bem sucedidos, porém as oportunidades para alcançar tais fins eram limitadas. A ênfase cultural dada à riqueza material impregnou todas as estruturas institucionais da sociedade com um conteúdo econômico. Assim, a família, a escola e o sistema político estão todos a serviço das instituições econômicas. Objetivos não econômicos não são valorizados. Esse contexto gera o estado de anomia social (termo criado por Durkheim), no qual todo o sistema de regras perde o valor, enquanto um novo sistema ainda não se afirmou. É a crise da estrutura cultural, que se verifica especialmente quando ocorre uma forte discrepância entre normas e fins culturais, de um lado, e as possibilidades socialmente estruturadas de agir em conformidade com aquelas, de outro. O labeling approach propõe que o estudo criminológico não se concentre no ação do ofensor, mas na reação social. Altera o objeto da criminologia. Sua base sociológica é o interacionismo simbólico, que entendia que tanto a sociedade quanto a natureza humana não são realidades estáticas, imutáveis. Estão sempre se relacionando e se redefinindo num processo dinâmico. Portanto, a definição do crime não se dá simplesmente com a lei, é um conceito construído depois da atuação de todo o sistema punitivo estatal sobre o indivíduo ao fim do processo pelo qual o sistema o rotula (label) como criminoso. Não há um conceito ontológico de crime, mas o resultado de uma reação social. E essa reação social é seletiva. Só alguns comportamentos são etiquetados como crimes, enquanto outros não

6 embora todos estejam previstos em leis penais. Ser um criminoso não depende tanto de uma decisão pessoal, mas sim de como as instâncias sociais reagem a essa pessoa. Ademais, isso envolve fatores legais e extra-legais. Assim, para compreender o problema criminológico deve-se estudar o funcionamento das instâncias que participam deste processo de reação: a polícia, a Administração Pública, o Poder Judiciário, o Ministério Público, instituições penitenciárias entre outros. A criminologia do conflito funda-se na sociologia de Ralf Darhendorf, que tem por princípio uma sociedade formada na ausência de consenso ou equilíbrio. O que mantém a coesão das sociedades é a coerção. Não há valores comuns, mas valores impostos por uma classe social dominante. Essa concepção de sociedade põe em relevo o caráter de classe do direito penal, que é entendido como um instrumento de grupos detentores do poder para assegurar seu domínio e sancionar comportamentos de grupos conflitantes. Daí se explica a tendência histórica de criminalização sistemática de condutas das classes inferiores. Última teoria a ser considerada, a criminologia crítica, baseou-se sobretudo, mas não exclusivamente, na sociologia marxista. Acreditava que, em geral, no sistema capitalista, o modelo econômico determinava a divisão da sociedade em classes. Toda a sociedade se estrutura para manter o status quo dessa divisão social. Nessa visão, o direito penal é um instrumento de separação de ilegalidades cometidas pela classe inferior, e de exercício de controle e vigilância sobre ela. A partir dessa constatação, a criminologia crítica ocupa-se em deslegitimar o sistema penal, por meio do paradigma da reação social, que havia sido introduzido pelo labeling approach. IV. Portanto, da análise de cada uma destas quatro escolas da

7 macrossociologia, buscará a esta dissertação demonstrar que paradigma criminológico (etiológico ou da reação social) deve ser adotado para a análise dos crimes do colarinho branco na perspectiva macrossociológica. Isso não significa negar a importância de outras abordagens teóricas (psicologia, microssociologia, economia etc.), mas realizar uma incisão no vasto campo dos estudos criminológicos para isolar uma linha de pensamento em que surgiu e se desenvolveu o próprio conceito de crimes do colarinho branco. O trabalho está dividido em sete capítulos. O capítulo 1 situa a sociologia criminal no contexto histórico e científico da criminologia. O capítulo 2 expõe a origem dos white collar crimes na criminologia, com a análise da obra de Sutherland. O capítulo 3 trata da teoria da anomia e da forma como ela explica os crimes do colarinho branco. O capítulo 4 descreve o surgimento do labeling approach e a introdução do paradigma da reação social no estudo dos crimes do colarinho branco. O capítulo 5 traz o enfoque da criminologia do conflito, e o capítulo 6, da criminologia crítica. No capítulo 7 realiza-se uma reflexão a respeito de todas as teorias expostas. Por fim, a conclusão tenta responder, a partir da visão da autora, à pergunta formulada. autora. As citações textuais de obras em língua estrangeira são de tradução livre da

8 CAPÍTULO 1. ORIGEM DA SOCIOLOGIA CRIMINAL 1.1. A criminologia como ciência A criminologia, que pode ser definida, genericamente, como a ciência que investiga o fenômeno criminal de um ponto de vista não normativo, tem como primeira e talvez mais importante característica a interdisciplinariedade. Isso significa que na tarefa a que se propõe, a criminologia se vale tanto dos métodos quanto das conclusões de outras ciências, como a psicologia, a sociologia, a biologia e a antropologia. Essa condição por muito tempo foi um obstáculo a seu reconhecimento como ciência autônoma, dotada de método e objeto próprios. Há um pouco de exagero nessa afirmação, mas, de qualquer modo, sendo o crime um fenômeno histórico e cultural (em sentido amplo: depende de uma certa valoração para existir), produzido no seio da sociedade e pela ação de indivíduos, estaria comprometida, mesmo porque seria uma ficção, qualquer pretensão a uma criminologia pura, alheia às conquistas alcançadas por outras ciências naturais e humanas que se ocupam da delinqüência. Ao mesmo tempo em que a criminologia possibilita essa abertura científica, e talvez por isso mesmo, cada vez mais se percebe a dificuldade ou até a impossibilidade de elaboração de uma teoria única, de aplicação incondicional e geral, que dê conta de descrever e explicar a totalidade dos crimes, bem como de fundamentar políticas criminais abrangentes. Para tanto, seria necessário identificar um núcleo explicativo ontológico comum a todos os crimes, o que não foi ainda alcançado e talvez não exista. Daí que, negando o conteúdo ontológico, invariável, da noção de crime, surgiram teorias, na segunda metade do século passado, segundo as quais todo crime é uma realidade essencialmente construída pelo homem, ou seja, o único ponto em comum a todos os crimes é o fato de assim serem definidos pelas

9 agências de reação e controle social (que incluem o legislador, a polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário e até mesmo a imprensa). Afirma-se, por isso, que o dualismo ontologia/construção do fenômeno criminal representa o paradoxo atual da criminologia. Pode-se afirmar que o crime, por ser uma conduta humana (des)valorada, sempre terá duas dimensões igualmente importantes: a dimensão objetiva (social) e a dimensão subjetiva (psíquica). Assim como as estruturas sociais podem proporcionar condições mais ou menos favoráveis ao cometimento do delito, a resposta individual a tais condições só pode ser compreendida de forma plena com base na consciência de cada homem. Pois nem todo indivíduo absorve e responde da mesma maneira a pressões sociais. Segue-se, portanto, que a forma individual de reação a estímulos provindos da organização social só pode ser compreendida por meio do estudo do funcionamento do aparelho psíquico e das experiências vivenciadas por cada sujeito. Estudo que se realiza sobretudo no âmbito da criminologia psicanalítica Sobre as origens dos estudos da dimensão subjetiva do crime, afirmam Figueiredo Dias e Manoel da Costa Andrade: (...) a criminologia psicanalítica conheceu as primeiras manifestações na obra dos fundadores da psicanálise (Freud, Adler e Jung) e deles recebeu as suas linhas essenciais. Desde então não tem deixado de se expandir, a partir sobretudo dos meados da década de vinte, época que pode ser considerada sua idade de ouro 2 Apesar de haver ainda sérios problemas metodológicos que estão longe de alcançar o consenso dos criminólogos, a pretensão deste trabalho consiste exatamente em investigar qual a metodologia mais adequada ao estudo dos crimes do colarinho branco em sua dimensão objetiva. Não se nega a existência de uma dimensão subjetiva, psíquica, interior ao indivíduo que pratica o crime, nem a legitimidade dos estudos da criminologia psicanalítica também nos crimes do colarinho branco. Apenas se optou por restringir o alcance das pesquisas, a fim de se concentrar no grande debate das escolas macrossociológicas a respeito do paradigma que melhor explica a criminalidade do white collar: o paradigma etiológico 2 Jorge de Figueiredo DIAS, Manoel Costa ANDRADE, Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena, p. 184.

10 (por que alguém comete crimes) ou o paradigma da reação social (por que as instâncias de poder atribuem, ou não, a determinadas condutas a qualidade de criminosas ). Esse campo de investigação, mais restrito, foi escolhido porque o próprio conceito de white collar crime surgiu historicamente como um conceito sociológico, ou seja, define-se por elementos retirados das estruturas sociais: seriam condutas realizadas por membros de camadas sociais de prestígio, no âmbito da atividade profissional. Não se tomamos sujeitos de modo individual, mas em conjunto, como membros de uma classe social. Relaciona-se, dessa forma, ao modelo de organização da sociedade e a seus valores primordiais. Hermann Mannheim afirma que, ao contrário do que se pode afirmar sobre outros crimes,...aqui (nos crimes do colarinho branco) é a própria pertinência do delinqüente a uma dada classe social que constitui um elemento essencial e definidor.... 3 Entretanto, antes de ingressar na abordagem criminológica dos crimes do colarinho branco realizada pelas modernas teorias sociológicas, convém, inicialmente, situar o contexto histórico em que a sociologia passa a integrar o universo da investigação criminológica, e, então, expor os principais postulados das diversas escolas que desenvolvem essa pesquisa até hoje. 1.2. A Escola Clássica O direito penal surgiu praticamente com a organização do homem em sociedade. Por muito tempo o crime foi encarado sob um aspecto sobrenatural, como uma manifestação demoníaca, ou sob um aspecto moral e religioso, como um comportamento pecaminoso. Essa forma de encarar o crime gerou duras reações, para afastar o mal e fazer purgar o criminoso. 3 Hermann MANNHEIM, Criminologia comparada, p. 721.

11 O abandono da concepção metafísica e a secularização do estudo do crime só veio a ocorrer no século XVIII, sob a influência da filosofia iluminista, com a chamada Escola Clássica. Seu precursor foi o italiano Cesare Bonesana, o marquês de Beccaria, que em 1764, publicou a consagrada obra Dei delitti e delle penne. Esse livro constitui a primeira reflexão sistematizada sobre o problema do crime, que posteriormente foi desenvolvida por autores como o alemão Paul Johann Von Feuerbach (1775/1833), o inglês Jeremy Bentham (1748/1832), o italiano Francesco Carrara (1805/1888), entre outros. Devido a essa racionalização da visão do crime e a seu estudo organizado por um grupo homogêneo ideologicamente, costuma-se tomar a Escola Clássica como o ponto de partida para o estudo da criminologia. 4 A preocupação central nessa primeira fase da criminologia consistia na pergunta: por que o homem comete crimes? Na estrutura do pensamento clássico, o crime era uma entidade de direito, uma realidade jurídica. O homem era tido como um sujeito que age de forma racional, motivado pela busca de maior prazer e menor sofrimento. O conteúdo do crime não era posto em questão. A criminologia recebia apenas o conteúdo que lhe davam as leis penais. Tendo por base a filosofia iluminista, a Escola Clássica entende que todos os indivíduos são iguais, têm livre-arbítrio e controle sobre suas ações. A prática do delito é produto da liberdade de decisão do homem motivada pela busca do prazer e, desse modo, a pena, como mal que representa, deve superar (sem, porém, exagerar) as vantagens que a prática do delito traz a seu autor. Dizia, por exemplo, Beccaria, numa idéia que veio a ser plenamente desenvolvida por Bentham: 4 Cf. Jorge de Figueiredo DIAS, Manoel da Costa ANDRADE, Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena; Antonio GARCIA-PABLOS de MOLINA, Tratado de criminologia; Winfred HASSEMER, Francisco MUÑOZ CONDE, Introducción a la criminologia, e Francis CULLEN, Robert AGNEW, Criminological theory: past to present.

12 Se o prazer e a dor são a força motora dos seres sensíveis, se entre os motivos que impelem os homens às ações mais sublimes foram colocados pelo Legislador invisível o prêmio e o castigo, a distribuição desigual destes produzirá a contradição, tanto menos evidente quanto mais é comum, de que as penas punem os delitos que fizeram nascer. 5 Por mais de um século as teorias da Escola Clássica predominaram no cenário acadêmico e até hoje exercem influência na criminologia. Por exemplo, fornecem a base para modernas teorias do desencorajamento (deterrence theories), da escolha racional (rational choice), e da rotina (routine activities) que, assumindo os pressupostos teóricos da racionalidade do comportamento e da ponderação de custos e benefícios, destacam a importância do papel das penas em especial de sua celeridade e severidade como meio de prevenção de crimes. 6 1.3. A Escola Positiva A Escola Clássica teve seus postulados fortemente contestados pela Escola Positiva italiana no fim do século XIX. As críticas foram impulsionadas pelo fracasso das reformas penais realizadas no período, de influência clássica, que não impediram o aumento da criminalidade e da reincidência. Houve também influência do desenvolvimento das ciências naturais, principalmente da teoria da evolução de Charles Darwin (1809/1882), que fundamentaram uma nova resposta do problema criminológico. O surgimento da Escola Positiva se deu em 1876, quando foi publicada a obra L'uomo delinquente, daquele que foi seu principal representante, o médico italiano Cesare Lombroso. Foi com a Escola Positiva que surgiu a chamada criminologia científica, como uma disciplina propriamente dita, estruturada segundo a metodologia das ciências naturais. Ao lado de Lombroso, seus principais 5 Cesare BECCARIA, Dos delitos e das penas, p. 52. 6 Os principais autores a desenvolver esta concepção são os economistas Gary Becker nos anos 70 (criador da deterrence theory), e, atualmente Mark Stafford e Mark Warr (com uma atualização da deterrence theory de Becker), Derek B. Cornish e Ronald V. Clarke (Crime as a rational choice theory), e Lawrence Cohen e Marcus Felson (Routine activity theory)

13 representantes foram Enrico Ferri e Rafael Garofalo. Cada um desses autores desenvolveu a criminologia científica a partir de uma diferente área do saber, ou seja, respectivamente, a antropologia, a sociologia e a psicologia. Foi Garofalo que publicou pela primeira vez em 1885 obra com o título Criminologia, muito embora já tenha o vocábulo sido empregado em 1879 pelo antropólogo francês Topinard 7. Para a Escola Positiva, o delito não era então visto como uma entidade meramente jurídica, mas fenômeno natural, cujo conteúdo ontológico era produto de um complexo de causas de caráter biológico, psicológico ou social que agiam sobre o indivíduo. A resposta à questão criminológica se dava com base nas ciências naturais, que negavam o livre-arbítrio e seus pressupostos, pois, assim como nos fenômenos da natureza, entendiam haver determinismo no comportamento dos indivíduos. Se a regularidade observada na natureza pudesse ser encontrada no comportamento humano, haveria previsibilidade e alguma chance de, em conhecendo as causas do comportamento desviante, prevenir com eficácia o crime. A Escola Positiva assume o pressuposto teórico da regularidade/ previsibilidade dos fenômenos humanos (especialmente da conduta) e, com base nele, desenvolve suas teorias. A atenção dos criminólogos, então, passou a ser a pessoa do delinqüente e a busca das causas do crime em sua anormalidade constitutiva. Para Lombroso 8, essa anomalia era de natureza biológica/antropológica e constituía manifestação de traços de antecessores primitivos em estado selvagem (atavismo), enquanto Enrico Ferri 9 sustentava ser de natureza social a causa. Já Garofalo 10 estudava o elemento psicológico que levava à quebra dos sentimentos básicos e universais da sociedade. Embora hoje os estudos da Escola Positiva, e particularmente de Lombroso, sejam vistos com preconceito e até mesmo considerados inocentes, em 1876 foram os maiores responsáveis pelo desenvolvimento do conceito de causalidade 7 Roberto LYRA, João Marcelo de ARAÚJO JR, Criminologia: de acordo com a Constituição de 1988, p. 03. 8 Cesare LOMBROSO, L'Homme criminel, passim. 9 Enrico FERRI, Sociologie criminelle, passim. 10 Rafael GAROFALO, Criminologia, passim.

14 naturalística para o direito penal. Até então a causalidade, num resíduo pré-moderno do direito penal, era considerada produto da simples vontade divina, devido à forte influência religiosa que imperou por toda a Idade Média e que, apesar dos esforços da Escola Clássica, avançou o início da modernidade no direito penal. A superação da concepção metafísica por um conceito científico proporcionou a evolução de toda a dogmática penal do século XX. O principal legado da Escola Positiva, entretanto, foi a reivindicação da neutralidade axiológica da ciência e da unidade do método empírico-indutivo para comprovar suas proposições. Assim, independentemente do conteúdo antropológico, psicológico ou sociológico das hipóteses testadas, o que caracteriza um estudo como positivista é a utilização do método indutivo para comprovar os postulados do determinismo e do homem delinqüente como anormal. Essa metodologia, como será exposto no capítulo 3, é a base de toda criminologia etiológica, modelo, talvez, predominante da ciência criminal que se realiza hoje. No campo sociológico, é a metodologia utilizada por todas escolas microssociológicas e pelas teorias ecológicas e da anomia, dentro das explicações macrossociológicas. A Escola Positiva tradicional, centralizada na figura do indivíduo delinqüente, ainda exerce muita influência na América Latina. Afirma Rosa Del Olmo, ao analisar de maneira comparada a prática da criminologia em todos os países da América Latina, que...predomina uma concepção de sociedade dividida em normais (os que cumprem a lei) e outros, que têm que ser anormais porque não acatam as normas da sociedade e particularmente a lei... 11 Uma reformulação moderna e mais sofisticada das teorias biológicas positivistas tem surgido recentemente na literatura criminológica. Representam principalmente estudos médicos que buscam associar certos traços genéticos e até não genéticos ( tabagismo, alcoolismo, uso de entorpecentes) a tendências para a 11 Rosa del OLMO, A América Latina e sua criminologia, p. 287.

15 prática de determinadas espécies de delitos. 12 Assim, mesmo que Lombroso, Ferri e Garofalo sejam vistos com desconfiança e até um certo desprezo pelos criminólogos contemporâneos, sua contribuição para o desenvolvimento da criminologia não pode ser ignorada. 1.4. Antecedentes da sociologia criminal As primeiras manifestações da sociologia criminal se deram já na metade do século XIX, representadas principalmente pelos trabalhos de Alexandre Lacassagne (1843/1924), Gabriel Tarde (1843/1904) e Émile Durkheim (1858/1917), muito embora sua expansão tenha sido contida pelo predomínio da Escola positiva nesse período. A sociologia criminal entendia não estar no sujeito, mas na sociedade, a causa da criminalidade. A primeira corrente sociológica que se desenvolveu foi a chamada sociologia do consenso. Observa a sociedade de forma estática. Baseia-se na premissa de que a sociedade e seus organismos mantêm-se pelo consenso dos membros em torno de valores comuns tidos como relevantes para toda a coletividade. A sociedade é considerada como um sistema estável, equilibrado, fechado em si mesmo e tendente à conservação. A sociedade (estrutura maior) é formada de um conjunto de estruturas (sistema educacional, jurídico, familiar, cultural, etc.) que atuam de forma harmônica, cada uma com uma função específica no todo. Foram as obras de Durkheim que lançaram as bases da sociologia criminal consensual desenvolvida no século XX, sendo certamente um dos autores mais influentes no universo da criminologia contemporânea. Suas principais obras foram: De la division du travail social (1893), Les règles de la méthode sociologique (1895), 12 A respeito, Lee Elis e Anthony Walsh elaboraram teoria genética para tentar explicar tendências para crimes de natureza sexual; e David Rowe explica como podem ocorrer influências de fatores biológicos, como serotonina, neurotransmissores e hormônios, respectivamente em Gene-based evolutionary theories in criminology, e, Does the body tell?, in Francis CULLEN e Robert AGNEW, Criminological theory: past to present, p. 48-72.

16 e Le suicide (1897). Em De la division du travail social, Durkheim define a sociedade como um organismo vivo, dotado de vontade e protetor de valores morais de solidariedade essenciais ao desenvolvimento de toda a comunidade. Essa solidariedade provém de que um certo número de estados de consciência é comum a todos os membros de uma mesma sociedade e aceito por todos de forma consensual. Neste contexto, Durkheim tenta conceber um conceito sociológico de crime em substituição a um conceito puramente jurídico, definindo o ato como criminoso quando ofende os estados fortes e definidos da consciência coletiva. Ou seja, o crime ofenderia os sentimentos comuns à média dos indivíduos da mesma sociedade, de maneira intensa e determinável por regra clara e precisa 13. Mas é na obra Les régles de la méthode sociologique que se encontra uma das mais importantes contribuições de Durkheim, a concepção do crime como um fator de funcionalidade de toda e qualquer sociedade, e não uma patologia, como era considerado até então. Constata Durkheim que em qualquer sociedade, seja de qualquer tipo e de qualquer época, haverá crime. As taxas de criminalidade até mesmo aumentam com a evolução das sociedades. Entende Durkheim que não há fenômeno que apresente de maneira mais irrecusável todos os sintomas da normalidade, uma vez que aparece estreitamente ligado às condições de toda a vida coletiva. Pode, ainda, nesse contexto, o crime apenas ser considerado patológico quando atingir taxas anormais. No entanto, para Durkheim, é normal a existência de uma criminalidade que atinja mas não ultrapasse certo nível. Considera que o crime, ainda que lamentável, é inevitável. É uma condição de saúde pública parte de uma sociedade sã. 14 Portanto, Durkheim considerou o crime um fato social normal o que será o ponto de partida de todas as escolas macrossociológicas, que basearão seus estudos sobre a criminalidade nas próprias instituições sociais. 13 Émile DURKHEIM, Da divisão do trabalho social, p. 50. 14 IDEM, As regras do método sociológico,

17 Por fim, em Le suicide, Durkheim toma o conjunto de suicídios como um fato social, ou seja, abstrai do evento toda a individualidade e realiza um estudo a partir do conjunto de suicídios em determinadas sociedades. Analisa como a estrutura social influencia as taxas de suicídios em determinados períodos nessas sociedades. E demonstra, por meio de estatísticas, que tal perspectiva permite identificar causas estritamente sociais para os suicídios, examinados somente como um fato social. De fato, se ao invés de enxergá-los (os suicídios) apenas como acontecimentos particulares, isolados uns dos outros e cada um exigindo um exame à parte, considerarmos o conjunto de suicídios cometidos numa determinada sociedade durante uma determinada unidade de tempo, constataremos que o total assim obtido não é uma simples soma de unidades independentes, uma coleção, mas que constitui por si mesmo um fato novo e sui generis, que tem a sua unidade e sua individualidade, por conseguinte sua natureza é eminentemente social. 15 Baseado principalmente nas estatísticas, Durkheim abre a possibilidade de estudar o crime somente a partir da estrutura social, como um fato social normal, sem analisar o homem individualmente. 16 1.5. O surgimento da sociologia criminal como disciplina A primeira teoria propriamente sociológica formulada no âmbito da criminologia, ou seja, uma teoria voltada exclusivamente para a explicação do fenômeno criminal, foi a denominada teoria ecológica ou Escola de Chicago. Esse 15 Émile DURKHEIM, O suicídio: estudo de sociologia, p. 17. 16 Enrico Ferri, muito embora esteja associado à escola positiva, em sua obra Sociologie criminelle, chegou praticamente às mesmas conclusões de Durkheim, partindo, porém de influências diferentes (Comte, Spencer, Darwin). Analisou diversos dados estatísticos, e ligou o fenômeno criminal mais à estrutura social do que ao próprio indivíduo. Entretanto, jamais teve afinidades ideológicas com a mencionada escola sociológica da criminologia. Chegou, inclusive, ao lado de Lombroso, a travar calorosos debates com Lacassagne e Tarde, da escola sociológica, nos Congressos Internacionais de Antropologia Criminal principalmente no 3, realizado em Bruxelas, em 1892. Feitas essas ressalvas necessárias, pode-se afirmar que Ferri foi o verdadeiro precursor da sociologia criminal.

18 nome se deve ao surgimento da sociologia como disciplina e a seu grande desenvolvimento na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, principalmente nas três primeiras décadas do século XX. A Universidade de Chicago estabeleceuse em 1891, e foi a primeira universidade norte-americana a ter um departamento de sociologia, fundado em 1892. Segundo Wagner Cinelli de Paula Freitas: A Universidade de Chicago assumiu posição mundial de destaque em sociologia. Poucas universidades mantinham centros de pesquisa em ciências sociais no início dos anos 20. Segundo Martin Bulmer, a única instituição de ensino que se equiparava à Escola de Chicago durante a década de 20, em termos de escopo de trabalho e de um corpo docente de elevado nível internacional, era a London School of Economics and Political Science, que integrava a Universidade de Londres, Inglaterra, embora esta fosse menos que a primeira, tanto em corpo docente quanto em alunado. A Universidade de Columbia, em Nova Iorque, só conseguiu rivalizar a sociologia de Chicago, no final da década de 30, período em que coincidiu com a perda de influência da Escola de Chicago. 17 A Escola de Chicago surgiu como uma crítica às teorias de perspectiva individual. Influenciou-se pela industrialização dos Estados Unidos e pela mudança radical de seu espaço urbano. Essa transformação, segundo a Escola de Chicago, estava intimamente relacionada à causa da criminalidade. Dessa forma, sua compreensão dependia de um estudo de forças externas ao indivíduo, sobretudo ligadas à área geográfica onde viviam os criminosos, que, pelas condições precárias de organização, geravam uma propensão ao crime. A cidade de Chicago em 1890 contava com um milhão de habitantes e, em apenas vinte anos, teve este número duplicado. Além disso, foi o centro de imigração de uma diversidade de grupos étnicos: afro-americanos do sul dos Estados Unidos, alemães, ingleses, irlandeses, escandinavos, judeus, poloneses e italianos. 18 Esses novos habitantes obtinham empregos e se estabeleciam nas sombras das indústrias erguidas no centro da cidade, em bairros pobres, poluídos, 17 Wagner Cinelli de Paula FREITAS, Espaço urbano e criminalidade: lições da escola de Chicago, p. 53. 18 Francis CULLEN, Robert AGNEW, Criminological theory: past to present, p. 95.

19 sob condições precárias e superlotação. 19 Seus principais representantes, entre os muitos teóricos, foram Ernest Burgess, Clifford R. Shaw e Henry D. McKay. Burgess, em sua obra The growth of the city (1925), sustentava que a área urbana cresce num processo contínuo de expansão do centro para o exterior. Para demonstrar sua teoria, apresentou um mapa de Chicago sobre ele traçou cinco círculos concêntricos. Ao círculo menor, que correspondia ao centro comercial e bancário da cidade, Burgess denominou Zona I. A área imediatamente no entorno do primeiro círculo denominou Zona II. Era nesta área que se concentrava a criminalidade. 20 Já Shaw e McKay realizaram trabalho estatístico abrangendo mais de dez anos na área geográfica de Chicago, para o estudo da delinqüência juvenil, na obra Juvenile delinquence and urban areas (1942). Coletaram dados estatísticos de criminalidade e os distribuíram sobre os círculos concêntricos de Burgess. Como resultado, verificaram a predominância da criminalidade juvenil, em nível estável no tempo, na Zona II. Concluíram que eram as características da área, e não de seus habitantes, que determinavam o nível de delinqüência já que a movimentação dos imigrantes era constante. O que causava a delinqüência era a desorganização social, ou seja, um rompimento entre as instituições oficiais da sociedade e a comunidade. Na Zona II, as famílias eram desestrutradas, as escolas, desorganizadas, o atendimento religioso era escasso, o lazer quase inexistente, e os grupos políticos eram poucos influentes. Quando ocorria esse rompimento, os adultos não conseguiam controlar os jovens, que tinham contatos com criminosos mais velhos que lhes transmitiam os valores do crime. 21 Shaw e McKay acreditavam que a organização da comunidade 19 Esses bairros receberam a denominação em inglês de slum, palavra ainda sem correspondente em português, mas algo próximo de gueto e favela. 20 Ernst BURGESS, The city, p. 47-62, Chicago: University of Chicago Press, 1967, apud Francis CULLEN, Robert AGNEW, Criminological theory: past to present, p. 96. 21 Clifford SHAW e Henry MACKAY, Juvenile delinquency and urban areas, p. 78.

20 (principalmente a Zona II) poderia gerar a diminuição da criminalidade juvenil. Criaram, em 1930, um projeto (Chicago Area Project) que envolvia programas de recreação, revitalização do espaço físico do bairro, e um trabalho integrado com a justiça criminal para acompanhamento dos jovens, com a utilização de membros da comunidade para aconselhá-los 22. Hoje, continua-se a acreditar que existe uma conexão importante entre o fenômeno urbano e a delinqüência, embora a sociedade tenha se tornado mais complexa e tais influências tenham assumido formas novas. 23 É por tal razão que medidas como o projeto de Shaw e McKay ainda hoje encontram grande respaldo na formulação da política criminal. 1.6. A microssociologia e a macrossociologia criminal A partir do surgimento da Escola de Chicago, o estudo da sociologia criminal dividiu-se em duas vertentes: a microssociologia, ou escolas psico-sociológicas, e a macrossociologia criminal. As teorias psico-sociológicas ou microssociológicas estudam o problema do crime sob a perspectiva do indivíduo em interação com o meio social. A sociedade cria as condições para o desvio (o espaço geográfico, a pressão por sucesso, a falta de oportunidades etc), e a micro-sociologia estuda como essas condições atuam no indivíduo, de forma particular. Encontram a predeterminação do crime no sujeito. Analisam as formas de transmissão do comportamento criminoso e as motivações sociais que levam um indivíduo a delinqüir. São teorias que abandonaram a variante puramente individualista (biológica), e consideram importante a influência da sociedade sobre o homem, enfatizando a formação, os valores e contatos sociais. A linha de pesquisa microssociológica é a predominante nos Estados Unidos 24 22 Francis CULLEN, Robert AGNEW, Criminological theory: past to present, p. 104. 23 Cf. Teresa CALDEIRA, Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo, e Wagner Cinelli de Paula FREITAS, Espaço urbano e criminalidade: lições da escola de Chicago. 24 Francis CULLEN, Robert AGNEW, Criminological theory: past to present, p.131.

21 A segunda linha de pesquisa da sociologia, a perspectiva macrossociológica, detém-se na estrutura social, não considerando o indivíduo como objeto de seu estudo. Considera a própria sociedade criminógena seu objeto de estudo. O crime é tomado como um fato puramente social, produto da atuação das estruturas sociais, sem referência a condições individuais. Assim, o objeto de estudo da macrosociologia não é o indivíduo, mas o funcionamento da sociedade. A macrossociologia criminal se subdivide em duas vertentes de estudos: uma voltada ao paradigma etiológico e outra ao paradigma da reação social. A macrossociologia etiológica tem por objeto a compreensão das causas do crime, como um dado ontológico, resultante das estruturas sociais. A macrossociologia da reação social analisa, de outro lado, o processo de criminalização realizado pelos órgãos da persecução penal. Entende o crime como uma realidade construída pelo homem (e não ontológica), que é criada e recriada por um processo de e interpretação e seleção de condutas. Atribui ao fenômeno da criminalização uma natureza política no sentido de exercício do poder. É a macrossociologia, principalmente sob a perspectiva da reação social, a forma predominante dos estudos criminológicos desenvolvidos na Europa. 25 25 Cf., por exemplo, Winfred HASSEMER, Francisco MUNÕZ CONDE, Introducción a la criminología; Jorge de Figueiredo DIAS e Manoel da Costa ANDRADE, Criminologia: o homem delinqüente e a sociedade criminógena; Antonio GARCIA-PABLOS de MOLINA, Tratado de criminologia.