Espaço geográfico e violência em Montes Claros/MG (2010 a 2014) PEDRO IVO JORGE GOMES 1 Júlio César de Lima Rodrigues 2 Resumo: O presente artigo faz um recorte sobre a criminalidade no espaço urbano numa perspectiva geográfica. O objetivo foi identificar o comportamento da criminalidade no contexto das novas centralidades, afim de refletir sobre sua a influência na espacialização dos delitos. Metodologicamente, optou-se por observar a criminalidade na cidade de Montes Claros/MG, entre os anos de 2010 a 2014, usando dados oficiais. Para facilitar o manuseio das informações optou-se por trabalhar com os crimes violentos. Esses indicadores foram espacializados e os bairros analisados à luz das novas centralidades urbanas. Os dados permitiram observar que a organização sócio espacial da cidade contribui para concentração de algumas práticas criminais, condicionando sua localização. Palavras-chave: Criminalidade; novas centralidade; espacialização Abstract: This article is an excerpt on crime in urban areas in a geographic perspective. The objective was to identify the behavior of crime in the context of new centers in order to reflect on their influence on the spatial distribution of crimes. Methodologically, it was decided to observe a crime in the city of Montes Claros / MG, between the years 2010-2014, using official data. To facilitate the handling of the information we chose to work with violent crime. These indicators were spatially and neighborhoods analyzed in the light of new urban centralities. The data allowed to observe the sociospatial organization of the city contributes to concentration of some criminal practices, conditioning its location. Key-words: crime; new centrality; spacialization 1 Introdução A criminalidade representa atualmente um dos problemas sociais que tem merecido atenção pela amplitude de sua manifestação no espaço urbano e pelo crescimento da vitimização. Neste sentido, a discussão geográfica sobre novas centralidades urbanas pode contribuir com as reflexões sobre a criminalidade na medida em que apresenta dinâmicas para compreender as especificidades espaciais que podem favorecer a prevalências de crimes em determinadas áreas. 1 - Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: pedroivojorge@yahoo.com.br 2 Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail de contato: ramires_julio@yahoo.com.br 1123 2
A região do centro tradicional no espaço urbano é caracterizada, em algumas cidades brasileiras, por apresentar rede e infraestruturas bem desenvolvidas, atraindo fluxo intenso de pessoas em buscas de serviços e bens de consumo. Se por outro lado, um maior fluxo de pessoas e capitais pode representar maior custo de oportunidade para prática de crimes diversos, por outro, faz da região central e seu entorno espaços privilegiados para prática de crimes pela disponibilidade de alvos; atraindo pessoas motivadas a praticar de ilícitos penais. Para prevenção dos crimes, nestes espaços, vítimas em potencial e polícias adotam medidas de prevenção que aumentam os custos de oportunidade para prática dos crimes. Indivíduos motivados a estas práticas podem deixar em segundo plano estes espaços, buscando alternativa em outros espaços mais interessantes do ponto de vista da disponibilidade de objetos de interesse de criminosos e mais desprotegidos ou acessíveis em relação à área central das cidades. Os subcentros, ou até mesmo shopping centers e eixos especializados, formas assumidas pelas novas centralidades, disponibilizam o ambiente de oportunidades à criminalidade, constituindo novos espaços onde há disponibilidade de alvos potenciais. Neste contexto o presente trabalho buscou contribuir com a discussão sobre a criminalidade não na perspectiva da construção de uma geografia dos crimes, com identificação de categorias criminais reincidentes no espaço e no tempo, mas sobretudo, através da reflexão sobre a importância de variáveis sócio espaciais na violência urbana. O objetivo foi identificar o comportamento da criminalidade no contexto das novas centralidades, afim de refletir sobre sua a influência na espacialização dos delitos. Metodologicamente, optou-se por observar a criminalidade e a violência na cidade de Montes Claros/MG entre os anos de 2010 a 2014. Esta conta com aproximadamente 384.482 3 habitantes e polariza a região Norte de Minas Gerais. A escolha do período se deu pela possibilidade de uma análise recente do fenômeno criminal. A cidade foi tomada como objeto de observação, em função de uma 3 Fundação João Pinheiro (2014). 1123 3
pesquisa de doutorado desenvolvida sob a perspectiva das territorialidades do tráfico de drogas e violência em andamento. O trabalho foi estruturado em uma breve revisão da literatura sobre criminalidade e novas centralidades. Em seguida, buscou-se vincular empiricamente a formação dos subcentros urbanos em Montes Claros à concentração da criminalidade. 2 Criminalidade urbana: algumas reflexões Ao se fazer um recorte reducionista do fenômeno crime, este poderia ser encontrado na literatura basicamente em três searas. Na dogmática penal, que se ocupa da sistematização dos dispositivos legais e dos paradigmas científicos e das normas. Na criminologia, responsável pela explicação causal do crime como obra de um autor determinado. Na política criminal, cujo objeto é o planejamento de estratégias de combate e prevenção da criminalidade. Para estas duas últimas categorias, a sociologia se destaca ao fornecer subsídios às análises, para interpretação dos dispositivos e para a elaboração de ações preventivas e repressivas da criminalidade (ESTEFAM, 2008). Fausto (2001, p.19) define criminalidade como fenômeno social em sua discussão mais ampla, permitindo o estabelecimento de padrões através da constatação de regularidades, diferente de crime que diz respeito ao fenômeno em sua singularidade. A definição de crime utilizada para o trabalho é aquela que representa questões que envolvem o comportamento individual, contrário às normas de convívio social aceitável. Já para a criminalidade admitiu-se como comportamentos sociais que ultrapassam as normas penais instituídas. Em outras palavras, crime estará vinculado conceitualmente aos atos individuais, enquanto a criminalidade a um conjunto de ações relacionadas à coletividade. Estas manifestações de ações relacionados à coletividade tem encontrado no ambiente urbano condições adequadas à sua manifestação. Para Beato (2012, p. 146) modernamente o desenvolvimento dos grandes centros urbanos tonou-se sinônimo de medo, crime, restringindo de diversas formas a liberdade de seus 1123 4
habitantes e erodindo com a sensação de segurança. Wirth (1938) concorda com a intensificação da violência urbana ao afirmar que na cidade a proliferação de desarranjos pessoais, desordem mental, suicídio, delinquência, corrupção, crime e insegurança são mais favoráveis que no campo. Pedrazzini (2006, p. 97), por sua vez, enxerga o ambiente urbano como propícios a atos violentos ao afirmar que a cidade é uma fábrica social da violência, onde os jovens dos bairros pobres são proletários sem descanso. Um questionamento que orienta as reflexões sobre a criminalidade no espaço urbano é a que procura responder por que nas cidades tem se noticiado tantos casos de crimes. Se por um lado a reflexão inicial aponta para uma globalização da informação, disseminada pelos meios de comunicação. Por outro, a banalização da vida, observada, principalmente, nos crimes de homicídios, revelam mazelas sociais que sinalizam um horizonte que está além da simples disseminação de notícias violentas. A iminência real do risco de vitimização e o medo da possibilidade em se tornar vítima faz das cidades brasileiras aquilo que Souza (2008) cunhou sob o termo fabópole ao tratar do medo e da militarização da questão urbana. A expressão cunhada por Souza designa uma cidade em que grande parte de seus habitantes sofre com o estresse crônico decorrente da violência, do medo da violência e da sensação de insegurança. Beato (1998, 2012) ao tratar a questão criminal nas cidades salienta a hipótese de que a criminalidade violenta seria buscada na desigualdade de condições socioeconômicas. Para o autor o crime seria resultado de dois mecanismo distintos, embora correlacionados entre si: a provação relativa privação absoluta. A questão da privação relativa e absoluta coincidem com a leitura do que Merton (1968), nominou como meios legítimos e ilegítimos de sucesso individual no contexto social. Para Merton, os indivíduos internalizam as metas-sucesso de sua sociedade e não tendo acesso aos meios legítimos de conquistá-las, apelam aos meios ilegítimos como a força, a fraude e o crime. Por outro lado, Melgaço (2006) atribui a intensificação dos crimes no ambiente urbano ao atrito causado pela interação entre os conceitos trabalhados por e a 1123 5
Santos (1994) de Solidariedade Orgânica e Organizacional. A solidariedade orgânica refere-se ao lugar, às relações espontâneas e heterogêneas dos indivíduos e a solidariedade organizacional tem nas redes o seu principal fundamento (SANTOS, 1994). A criminalidade vista por esta ótica seria produzida pelo embate cultural entre o local e o global. Existem inúmeras teorias que procuram explicar a manifestação da criminalidade em ambientes urbanos. Longe de tentar identificar as teorias mais importantes, mas na esteira de reconhecer a complexidade envolvida na compreensão dos fenômenos vale salientar apontamentos em parte da literatura que se preocupa com a questão. Cohen e Machalek (1994), reconhecem o crime como um subproduto de padrões normais de organização social e de processos de interação. Para os autores indivíduos criminosos são estrategistas e adotam os procedimentos que trazem melhores resultados em determinado momento. Wolfgang e Ferracuti (1970) percebem o crime como resultado de uma subcultura a qual o indivíduo estaria exposto e o aprendizado seria o responsável por sua reprodução social. As subculturas sobreviveriam apenas em contextos de desorganização social. Cloward e Ohlin (1970) propõem um entendimento sustentado na teoria da estrutura diferencial de oportunidades, onde os indivíduos ocupariam posições não só na estrutura legítima da sociedade, mas também na ilegítima. Miller (1970) postula a existência de uma cultura de classe baixa, diferente do sistema cultural próprio das classes médias. Ideia que se aproxima da privação absoluta proposta por Beato (2012) para o caso brasileiro. Gottfredson e Hirschi (1990), associam a criminalidade a características individuais ao dizer que criminosos são pessoas que não adquiriram autocontrole durante o processo de socialização. Cohen e Felson (1979) com a teoria das Abordagens das Atividades Rotineiras explicam a criminalidade a partir a partir do contexto de oportunidades que favorecem sua incidência. Em síntese, para estes autores, a exposição, proximidade e práticas sociais dos envolvidos no processo de vitimização estão relacionadas ao ambiente de oportunidades produzido pelo comportamento dos 1123 6
indivíduos em um determinado espaço. Felix (2002, p.78) reforça a ideia contida nessa teoria e salienta a importância do método de espacialização geográfica ao afirmar que a análise geográfica pode levar a interessantes e relevantes hipóteses da espacialização da criminalidade, já que além da lei, do ofensor e do alvo, a localização das ofensas é uma importante dimensão que caracteriza o evento criminal [...]. As distintas formas de se observar e analisar a questão da criminalidade no contexto urbano direcionam para o reconhecimento de múltiplas possibilidades de análise. Por ser um fenômeno complexo, dinâmico e multicausal a criminalidade possui uma multiplicidade de variáveis explicativas na expectativa de se construir uma compreensão que se flexibilize diante do contexto que se manifesta. Neste sentido, vale salientar aquilo que pode ser considerado um agregado explicativo produzido pelas teorias orientadas pela Escola de Chicago que sustentam a compreensão do fenômeno baseado no mapeamento da criminalidade, vinculando a relação direta entre crime, características geográficas e fatores sociais. Esta perspectiva explica a criminalidade pelo enfraquecimento dos mecanismos de controle, em ambientes de desorganização social, fazendo com que o indivíduo escolha caminhos sob influência do grupo social a que pertence. É diante desta reflexão que se propõe dialogar com aqueles que pensam as variáveis analíticas da criminalidade a relevância de se considerar a teoria das novas centralidades, atribuindo a devida importância à dinâmica espacial urbana na incidência de crimes nas cidades brasileiras. Principalmente se se considerar que os subcentros urbanos passam a funcionar com locais alternativos à região do centro tradicional e com sua infraestrutura e fluxos passam a apresentar características necessárias ao ambiente de oportunidades para práticas ilícitas por parte dos sujeitos motivados. 3 Descentralização e novas centralidades As cidades são observadas pelos geógrafos como produto da interação social com o espaço, regado de profundo dinamismo e significados. O conjunto de transformações pela qual passa o espaço intraurbano das cidades, pela atuação 1123 7
direta e indireta de seus agentes modeladores, constitui processo de articulação e fragmentação que condicionam novas formas e funções do ambiente urbano. Essa fragmentação urbana é geralmente responsável por dificultar a convivência intensificando a segregação socioespacial urbana, acirrando disputas e conflitos pela posse e usos da terra no espaço intraurbano. A reestrutura urbana através de novas formas espaciais podem representar convergência ou dispersão populacional. Os processos sociais de acumulação de capital contribuem para uma dinâmica incessante que ora origina formas espaciais de repulsão, ora de atração. A descentralização e nas novas centralidades são exemplos básicos de formas espaciais que representam este fenômeno. Para Corrêa (1989) a descentralização é um processo espacial associado às fragilidades econômicas da área central, ao crescimento demográfico e espacial da cidade, inserindo-se no processo de acumulação de capital. Ocorrem quando existem fatores de atração para outros espaços, favorecendo o surgimento dos subcentros ou núcleos secundários. Spósito (2010), concorda ao afirmar que a descentralização consiste num processo de novas estratégias econômicas e locacionais, que através de grupos comerciais identificam interesse em explorar os negócios em outro contexto da estrutura urbana. Pereira (2000, p. 97-98) acrescenta, que a descentralização como processo de reestruturação interna das cidades favorece o surgimento de espaços que se diferenciam pelos serviços e equipamentos urbanos disponíveis. A formação de novas centralidades se articula no espaço urbano pela existência de dicotomias. De um lado o centro tradicionalmente estabelecido com sua infraestrutura, saturação, aluguéis elevados pela especulação imobiliária, fluxo intenso de pessoas, serviços, mercadorias e capitais. De outro os espaço fora do eixo central com terremos desocupados, infraestrutura razoável, maior mobilidade urbana e preços acessíveis. O centro tradicional de algumas cidades brasileiras passa por um processo de perda de referência, do ponto de vista do local de convergências das necessidades sociais para o consumo de bens e serviços. A região central, aqui visualizada a partir de infraestrutura favorável e da convergência do interesse de consumo, pode ser 1123 8
observada como local de repulsão populacional na medida em novas formas espaciais se materializam assumindo as funções antes centralizadas. O contraponto da dispersão populacional da área central é a formação das novas centralidades urbanas ou subcentros. Estes constituem novas formações urbanas ligadas à atividade de infraestrutura extra centro tradicional. Para Villaça (2001, p.293) o subcentro é uma réplica, em tamanho menor do centro principal, com o qual concorre em parte sem, entretanto, a ele se igualar. Atende aos mesmos requisitos de otimização de acesso apresentados anteriormente para o centro principal. A diferença é que o subcentro apresenta tais requisitos apenas para uma parte de cidade, e o centro principal cumpre-os para toda a cidade. Reis (2007, p. 10) reconhece as novas centralidades como um fenômeno urbano associado ao surgimento de uma nova forma de estruturação interna da cidade. Pereira (2000, p. 97-98), assevera que os subcentros tem seu diferencial na configuração espacial baseado nos atrativos e no perfil de consumo dos moradores no seu entorno. Aliado à figura material e de natureza analítica dos subcentros tem-se os shopping centers e eixos especializados, com rede de concessionárias de veículos e peças automotivas, que também constituem fator de atração a novos empreendimentos garantindo maior fluxo de pessoas pela disponibilidade de serviços e produtos que se multiplicam e consequentemente dotando de novos significados o espaço urbano. 4 Os subcentros em Montes Claros Levando-se em consideração as regiões de planejamento o município de Montes Claros/MG está classificado dentre aqueles que estão na região Norte de Minas. Sua origem vincula-se a atividade pecuária que surgiu como suporte à atividade açucareira nordestina e posteriormente à atividade mineradora (PAULA, 1979). Está situado na bacia do médio são Francisco, ocupa a décima sexta posição dentre aqueles com maior extensão territorial, apresentando 3.568,93 km² (IBGE). Possui clima tropical semiárido e uma vegetação predominantemente de Cerrado. 1123 9
Com um Produto Interno Bruto (PIB) superior a R$ 4,5 bilhões (IBGE/2010), tem no setor de serviços (74%) sua maior produção de riquezas. Sua indústria não é representativa, sendo responsável por menos de 1/3 das riquezas produzidas pelo setor de serviços. Todavia, o valor total do PIB é considerável e foi capaz de conduzir o município ao décimo primeiro lugar no ranking municipal estadual. A cidade representa um importante polo regional assumindo um papel de centralidade, uma vez que serve de referência para cidades localizadas no Norte de Minas Gerais e sul do estado da Bahia, pelo cluster de serviços de saúde e educacionais que oferece. Sua população estimada é de 384.482 habitantes (FJP/2014). Atualmente predomina na cidade uma rede comercial diversificada, empresas prestadoras de serviços variados, indústrias com destaque para os setores têxtil, indústrias de cimento e de produtos veterinários, faculdades públicas e particulares com cursos em diversas áreas do conhecimento, boa rede de saúde e transporte que atendem não apenas os municípios que compõem esta região, mas também tantos outros localizados ao Sul do estado da Bahia que não dispõem de boa infraestrutura. O processo de urbanização da cidade de Montes Claros intensificou-se após a década de 1970 com a implantação de estratégias de desenvolvimento principalmente incentivos fiscais, fomentadas pela SUDENE. Para Leite (1996, p.17) essa década [1970] divide a Montes Claros agrária da Montes Claros urbanoindustrial, contribuindo para uma explosão demográfica considerável, com aumento de mais de 210 % no contingente populacional entre 1970 (116.486 habitantes) e 2010 (361.915 habitantes), alavancando a cidade em direção a uma urbanização desordenada e uma ocupação desigual e fragmentada do espaço urbano que culminaram diversos problemas de ordem social. França (2007, p. 138-139) ao fazer a caracterização histórica da expansão urbana da cidade de Montes Claros, afirma que até por volta da década de 1970, a ocupação restringia-se à área central e proximidades. A partir dessa data, a região oeste apresentou um crescimento diferenciado, ao agregar uma população de renda mais alta e com bairros de melhor infraestrutura. Atualmente, o perímetro urbano 0
tem aproximadamente 97km2 e a cidade apresenta um processo de verticalização que não mais se restringe à área central. O processo de descentralização e a formação das novas centralidades em Montes Claros pode ser observado a partir da expansão urbana. Para França (2007, p. 135) os subcentros se originaram em áreas residenciais distantes do núcleo central acompanhando a expansão territorial urbana e o crescimento demográfico em áreas periféricas. Para a autora os principais subcentros da cidade são: Major Prates, Santos Reis, Renascença, Maracanã, Delfino e Esplanada. A identificação destes bairros é importante porque a identificação dos subcentros, em Montes Claros, foram tomadas como objeto de observação pela sua natureza analítica. O que não quer dizer que a tipologia utilizada para identificação dos subcentros seja isenta de limitações e criticidade. 5 Crimes violentos nos subcentros em Montes Claros A delimitação de crimes violentos utilizada no trabalho é a mesma considerada pela Polícia Militar de Minas Gerais quais sejam: roubos e roubos a mão armada, estupros, homicídios, latrocínios, extorsão mediante sequestro e sequestro e cárcere privado. Entretanto, distante da discussão sobre a melhor definição de um tipo ideal que manifeste a violência urbana, essa categoria foi privilegiada com o objetivo de avaliar um conjunto de crimes que aglutinam práticas que produzem comoção social e impacto moral e psicológico nas vítimas. Considerando a criminalidade violenta, a cidade de Montes Claros tem apresentado nos últimos cinco anos (2010-2014) um aumento do número de registros oficiais, sendo o percentual acumulado no período de 2010 a 2014 superior a 53,00% (GRAF. 01). Dentre as possíveis causas desse aumento estão aquelas sugeridas por alguns autores como Beato (1989), privação absoluta e relativa; Wirth (1938), desarranjos espaciais; Merton (1968), conquistas sociais por práticas ilegítimas; Cohen e Felson (1979), exposição social resultante de uma maior vitimização, dentre outras. 1
Gráfico 01 Crimes violentos registrados em Montes Claros (2010 a 2014) 2500 2000 1500 1000 500 0 2010 2011 2012 2013 2014 Crimes violentos 1542 1695 1620 2219 2362 Fonte: Elaboração própria com dados do Armazém de Dados da Polícia Militar de Minas Gerais O padrão observado na dinâmica do comportamento dos crimes é semelhante ao de outras cidades mineiras em que a utilização do emprego de violência física e principalmente, o uso de arma de fogo constituem práticas que tem se intensificado nos últimos anos. Em Montes Claros, no período em análise, os roubos representam 19,5%, dos crimes violentos registrados pelas Polícias Civil e Militar, enquanto os roubos a mão armada 67,32%. Os crimes violentos apresentam maior incidência no período compreendido entre 12:00 e 23:00h, com picos de elevação entre 20:00 e 22:00h. Isso significa que nesse intervalo é maior a probabilidade de vitimização por esse tipo de crime na cidade. A maior incidência no período noturno pode ocorrer em virtude de uma escolha racional do indivíduo infrator, que busca a possibilidade manter o anonimato, garantindo o êxito pleno em sua ação delituosa. De modo análogo, ao se observar os dias da semana em que esses crimes acontecem as sextas-feiras e os sábados se destacam com mais de 15% dos casos registrados. A opção por se praticar crimes que traduzam lucro financeiro no final de semana pode ensejar necessidade de levantamento de recursos para a satisfação de necessidades pessoais vinculadas ao lazer e diversão. Entretanto, esse é um 2
argumento hipotético que serve muito mais como apontamento inicial sobre o assunto, do que como uma assertiva sobre o comportamento do fenômeno criminal. Ao se considerar essa observação sob a perspectiva dos meses do ano, o mês de dezembro (9,74%) e março (9,48%) registraram maior percentual nos últimos cinco anos. Para o mês de dezembro, uma inferência possível é a intensificação do ambiente de oportunidades para vitimização, oriunda da ampliação do fluxo de pessoas e capitais em decorrência das festas de final de ano. Para o mês de março existe a necessidade de se analisar melhor os acontecimentos do período e a própria metodologia de registros dos crimes para melhor compreensão dos motivos que permitiram se destacar dentre os demais. A distribuição espacial destes crimes guarda uma associação positiva entre a concentração da criminalidade violenta e a existência de infraestrutura, maior circulação de pessoas e capitas existente na área central, correspondendo ao centro tradicional da cidade de Montes Claros. Beato (2012) concorda ao argumentar que a concentração dos crimes na área central está ligada à intensa atividade comercial, maior fluxo de pessoas, maior mobilidade urbana e presença de uma infraestrutura que fazem dessa área, local de socialização do consumo. Em Montes Claros, é na área central em que os crimes violentos mais se manifestaram nos últimos cinco anos, representando 8,70% dos casos (TAB. 01). Como a criminalidade não obedece aos limites físicos estabelecidos pela divisão política dos bairros, áreas adjacentes à região central são, no ranking dos bairros mais violentos, aqueles responsáveis pela maior representatividade na incidência desses crimes. Os bairros São João (3,69%), São José (2,96%) e Todos os Santos (2,95%) encontrados espacialmente ao entorno do centro, se destacam por uma infraestrutura diversificada, irradiada pela ampliação funcional da área central ou mesmo pela polaridade de outras atividades de referência. Castells (1983) sustenta uma análise semelhante ao salienta que o centro urbano não é rigidamente delimitado, mas sua funcionalidade tem um papel de comunicação na estrutura urbana. Quer dizer que não podemos assentar o centro urbano, e sim que é necessário defini-lo com relação ao conjunto da estrutura urbana (CASTELLS, 1983, p. 314). 3
Tabela 01 Ranking dos bairros que registraram mais crimes violentos em Montes Claros (2010 a Ranking Bairros Total 2014) 1 CENTRO 821 2 SÃO JOÃO 348 3 SAO JOSÉ 279 4 TODOS OS SANTOS 278 5 EDGAR PEREIRA 241 6 MAJOR PRATES 235 7 MARACANÃ 204 8 INDEPENDÊNCIA 194 9 SAO JUDAS TADEU 184 10 MONTE CARMELO 169 11 DOUTOR JOAO ALVES 167 12 CÂNDIDA CAMARA 166 13 ESPLANADA 156 14 SÃO LUIZ 145 15 VILA REGINA 145 16 JARDIM PALMEIRAS 143 17 CIDADE NOVA 142 18 SANTA RITA 131 19 SANTO ANTÔNIO 131 20 CANELAS 128 21 PLANALTO 127 22 CARMELO 124 23 SANTOS REIS 120 24 LOURDES 117 25 JARAGUÁ 114 91 RENASCENÇA 23 Demais bairros 4406 Total 9432 Fonte: Armazém de Dados da Polícia Militar de Minas Gerais No mesmo ranking da criminalidade violenta é possível identificar em local de destaque os bairros classificados pela tipologia de subcentros de França (2007). Em Montes Claros, destaca-se os bairros Major Prates (6 mais violento), Maracanã (7 mais violento), Esplanada (13 mais violento), Santos Reis (23 mais violentos). Estes bairros, com exceção do Renascença, aparecem com representação positiva, 4
permitindo inferir que a infraestrutura, a dinâmica econômica, o fluxo de pessoas e capitais contribuíram para assegurar elementos atrativos à maior concentração da criminalidade urbana. Vale ressaltar que no caso do bairro Delfino que não apareceu entre os mais violentos, podem ter sua criminalidade diluída em bairros adjacentes como o Jardim Palmeiras, que aparece na 16ª posição no ranking dos crimes violentos. Este bairro guarda estreita relação com o subcentro Delfino, pela proximidade e pela infraestrutura. Em 2011, foi instalado um hipermercado no bairro Jardim Palmeiras, intensificando o fluxo de pessoas e capitais, criando uma (re)funcionalização na dinâmica desse bairro em relação ao subcentro Delfino que pode ter criado novas condicionantes no que diz respeito à manifestação da criminalidade. 6 Considerações finais O presente estudo teve como objetivo identificar o comportamento da criminalidade no contexto dos subcentros urbanos, utilizando como referência a cidade de Montes Claros. As observações realizadas constituíram um exercício inicial para contribuir com as reflexões sobre o fenômeno da criminalidade, em especial na sua manifestação urbana, associando-a aos processos de transformação sócio espacial que atribuem novas formas funcionalidades ao espaço. As observações iniciais permitiram fazer uma associação positiva entre a concentração criminal e a formação dos subcentros urbanos, indicando o processo de descentralização urbana como uma variável a ser considerada na produção de conhecimentos sobre a criminalidade. Distante de um posicionamento consensual sobre o assunto, a reflexão inicial apresentada indica a possibilidade de novos olhares que abrem possibilidades analíticas para compreensão da questão da criminalidade urbana. Referências bibliográficas BEATO, Cláudio Chaves. Determinantes da criminalidade em Minas Gerais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.13, n.37, p.74-89, 1998. 5
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