EDUCAÇÃO HUMANITÁRIA NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO Formação de Educadores



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Transcrição:

EDUCAÇÃO HUMANITÁRIA NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO Formação de Educadores Joslai Silva Rutkoski - Pontifícia Universidade Católica do Paraná Marcio Kuchinski - Universidade Tuiuti do Paraná Introdução: Os direitos humanos nascem quando podem e quando devem nascer. Para Norberto Bobbio, os direitos humanos são reivindicações morais, não nascem de uma vez e nem de uma vez por todas. Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído. A Segunda Guerra Mundial foi uma ruptura dos direitos humanos e o pós-guerra, a reconstrução desses direitos, convertendo-se em legítimo interesse da comunidade internacional. Devido às grandes atrocidades à vida e à dignidade humanas ocorridas nestes últimos tempos é necessário que o educador esteja preparado a incentivar os educandos às novas práticas de aprendizagem, levando-se sempre em conta os direitos humanos, estes responsáveis para uma formação integral, mundialmente reconhecidos. Objetivo: O objetivo desse trabalho é mostrar à toda comunidade educacional o valor de um ensino humanitário e a prioridade desse ensino na formação contínua de educadores, esperando assim, mudanças sociais significativas, abandonando-se, portanto, práticas ofensivas ao ser humano. Método: Por meio de uma pesquisa bibliográfica desenvolvida especialmente através dos escritos de educadores, filósofos e juristas, procuraremos identificar a Educação Humanitária como parte de um esforço teórico e prático para a fixação de indivíduos em modelos de humanização e de produtividade, o que consiste com uma nova concepção desse indivíduo como sujeito de direito internacional. Resultados: o primeiro resultado foi uma releitura da história que rompe com a noção inicial de direitos humanos, em seguida, houve a procura de novos paradigmas referentes às várias fases do processo ensino-aprendizagem e, por fim, a conscientização de uma mudança sistêmica e objetiva na formação de todos os profissionais que atuam diretamente com o indivíduo. Conclusão: Conclui-se, portanto, que a sociedade está cada vez mais engajada em inserir no cenário contemporâneo um sujeito capaz de identificar, avaliar, modificar, construir e decidir de forma humanitária. Palavras-chave: educação professores direitos humanos cidadania. 1. INTRODUÇÃO O presente ensaio visa identificar o que são os direitos humanos e como eles estão representados em nossa sociedade. Através desse pequeno esboço, passaremos a construir um parâmetro com a atual educação brasileira e a formação de professores aptos a atuarem nesse contexto globalizado e atual. Advogada. Mestranda em Direito Econômico e Social e especialista em Direito Empresarial com concentração em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Graduada em Direito e Pedagogia pela Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: joslai@hotmail.com Estudante de Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná. E-mail: kuchinskimarcio@hotmail.com

2 Existe um crescente movimento que defende uma educação ética e de alta qualidade nos ensinos básicos, fundamental, médio e superior, construindo-se assim, uma nova abordagem. O nosso objetivo é informar os educadores e demais interessados sobre a viabilidade de alternativas à utilização de práticas docentes que visem o respeito pela pessoa humana em todos os seus aspectos, bem como a todas as formas de vida existentes. Acreditamos em uma educação humanitária que possibilite ao educando uma reflexão acerca das condições sociais, econômicas e éticas de sua comunidade, de seu país e do mundo. Por isso, trabalhamos na construção da noção de cidadania, no sentido de possibilitar à criança a apropriação dos conhecimentos socialmente construídos ao longo da história da humanidade, a fim de que possa fazer uso deles na edificação de um mundo mais justo, humano e equilibrado ecologicamente. Assumindo o fundamental compromisso com a educação, este trabalho é apresentado como uma contribuição para que tenhamos uma sociedade globalizada pela justiça, dignidade e solidariedade. 2. O QUE SÃO DIREITOS HUMANOS De um modo sintético, podemos dizer que os direitos humanos mudam com os tempos, mas permanecem dinâmicos; são essenciais à pessoa humana, mesmo na ausência de legislação específica; são indivisíveis e interdependentes, ou seja, não se pode defender alguns direitos em detrimento de outros e; são universais, independem de fronteiras e leis nacionais. O conjunto dos Direitos Humanos Fundamentais visa garantir ao ser humano, entre outros, o respeito ao seu direito à vida, à liberdade, à igualdade e à dignidade; bem como ao pleno desenvolvimento da sua personalidade. Eles garantem a não ingerência do estado na esfera individual, e consagram a dignidade humana. Sua proteção deve ser reconhecida positivamente pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais. Portanto, as principais características dos direitos humanos são: a) Imprescritibilidade: os direitos humanos fundamentais não se perdem pelo decurso de prazo, eles são permanentes;

3 b) Inalienabilidade: não se transferem de uma para outra pessoa os direitos fundamentais, seja gratuitamente, seja mediante pagamento; c) Irrenunciabilidade: os direitos humanos fundamentais não são renunciáveis. Não se pode exigir de ninguém que renuncie à vida (não se pode pedir a um doente terminal que aceite a eutanásia, por exemplo) ou à liberdade (não se pode pedir a alguém que vá para a prisão no lugar de outro) em favor de outra pessoa; d) Inviolabilidade: nenhuma lei infraconstitucional nem nenhuma autoridade podem desrespeitar os direitos fundamentais de outrem, sob pena de responsabilizações civis, administrativas e criminais; e) Universalidade: os direitos fundamentais aplicam-se a todos os indivíduos, independentemente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção político-filosófica; f) Efetividade: o Poder Público deve atuar de modo a garantir a efetivação dos direitos e garantias fundamentais, usando inclusive mecanismos coercitivos quando necessário, porque esses direitos não se satisfazem com o simples reconhecimento abstrato; g) Interdependência: as várias previsões constitucionais e infraconstitucionais não podem se chocar com os direitos fundamentais; antes, devem se relacionar de modo a atingirem suas finalidades; h) Complementaridade: os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta, com a finalidade da sua plena realização. A expressão direitos humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida. Todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as mínimas condições necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse conjunto de condições e de possibilidades associa as características naturais dos seres humanos, a capacidade natural de cada pessoa pode valer-se como resultado da organização social. A esse conjunto que se dá o nome de direitos humanos.

4 Para entendermos com facilidade o que significam direitos humanos, basta dizer que tais direitos correspondem a necessidades essenciais da pessoa humana. Trata-se daquelas necessidades que são iguais para todos os seres humanos e que devem ser atendidas para que a pessoa possa viver com a dignidade que deve ser assegurada a todas as pessoas. Assim, por exemplo, a vida é um direito humano fundamental, porque sem ela a pessoa não existe. Então a preservação da vida é uma necessidade de todas as pessoas humanas. Mas, observando como são e como vivem os seres humanos, vamos percebendo a existência de outras necessidades que são também fundamentais, como a alimentação, a saúde, a moradia, a educação, e tantas outras coisas. Sendo a educação, o assunto que nos interessa nesse trabalho. 3. OS DIREITOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO Todo homem tem direito à educação. Este é um dos princípios colocados na Declaração Universal dos Direitos Humanos 1 que, apesar de ter sido redigido há mais de 50 anos, ainda não tem verificada sua viabilidade, não sendo, até hoje, colocado integralmente em prática. E foi seguindo esta trilha traçada pela Declaração Universal, que a Carta brasileira de 1988 estatuiu, no seu art. 205, que a "educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Assim o fazendo, conjugou a Constituição, de forma expressa, os "direitos humanos", a "cidadania" e a "educação", como querendo significar que não há direitos humanos sem o exercício pleno da cidadania, e que não há cidadania sem uma adequada educação para o seu exercício. De forma que, somente com a interação destes três fatores direitos humanos, cidadania e educação é que 1 Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, artigo XXVI: 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

5 se poderá falar em um Estado Democrático assegurador do exercício dos direitos e liberdades fundamentais decorrentes da condição de ser humano. Portanto, tratar do tema da educação, dos direitos humanos e, especialmente, de uma educação voltada para os direitos humanos nos leva ao tratamento das questões referentes aos procedimentos pedagógicos, à escola, aos campos da educação formal e informal, e às pautas e instrumentos que possibilitem uma ação pedagógica libertadora. E ao se falar em uma pedagogia libertadora, falamos em uma educação no campo dos direitos humanos. Nas sociedades contemporâneas a Escola é considerada o principal lugar onde encontramos as práticas pedagógicas de formação da consciência social, de consolidação dos valores, adestrando condutas, formando um tipo de ser humano que vai atuar no contexto social. Assim, a análise sobre o papel desempenhado pela Escola nas sociedades contemporâneas requer uma avaliação sobre as características da formação social sobre a qual se está trabalhando. A Escola, como instituição, aparece, como um momento especial do cotidiano, com a progressiva divisão social do trabalho. Com a complexidade das sociedades divididas em classes, com o cotidiano marcado pelas necessidades da produção, a vida foi compartimentada em diferentes momentos, constituindo sistemas autônomos, com regras próprias, com uma lógica própria etc. Constitui-se uma rede de instituições com tarefas específicas acompanhando a divisão social do trabalho: Igreja, Família, Escola, Sindicatos, Associações, Clubes etc. E, dessa maneira, a lógica do momento Escola é a de ser o espaço formal de sistematização do aprendizado funcional-instrumental para uma sociedade complexa, plural e diversificada. O espaço privilegiado da produção, transmissão, divulgação e reprodução legitimada dos valores, crenças, símbolos e representações de uma sociedade. Local de aprendizagem, onde se sistematiza o conhecimento a ser transmitido, onde se divulga um "discurso competente", um saber formalmente codificado. Historicamente no Brasil, a prática de educação em Direitos Humanos surge no contexto das lutas e movimentos sociais pelos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais (lutas em torno da anistia, a reforma agrária, o meio ambiente, os direitos trabalhistas, os direitos reprodutivos, os direitos de identidades étnicas, de gênero e opção sexual, os direitos a moradia,

6 desenvolvimento e reforma urbana, e outros), na perspectiva de conscientização dos direitos e conquista da cidadania, avançando para o âmbito público na busca de democratização do Estado e da produção social. Se a prática de educação em direitos humanos é dinâmica, pois impõe movimento e novos produtos sociais, ela também é ambígua, pois revela nossas contradições individuais e sociais. Na trajetória das práticas de educação em direitos humanos nos revelamos indivíduos, grupos e sociedade - com toda a nossa carga histórica, cultural, política e subjetiva, mesclada de contradições e incompletudes como pessoas e atores em permanente construção. Em Direitos Humanos descobrimos: que somos humanos, que aprendemos e educamos uns com os outros ao mesmo tempo e o tempo todo e também que não somos os únicos responsáveis pelo processo de construção da cidadania democrática. 4. A EDUCAÇÃO HUMANITÁRIA FORMADORA DE EDUCADORES A Educação Brasileira em Direitos Humanos tem que ter como proposta principal o trabalho direto com as escolas, visando a integração entre educação e cidadania. O primeiro passo é a conscientização do professor que é o principal agente multiplicador do conhecimento e de ideais. Há a necessidade de execução de capacitação do educador, vendo-o como agente social da transformação desejada. Outro importante passo a ser tomado é a inclusão do tema cidadania na grade curricular escolar e não apenas que este assunto seja discutido de forma esporádica em debates ou palestras. Mas um acompanhamento interdisciplinar, tendo o ensino fundamental como meio. Para tanto, mister se faz a elaboração de propostas metodológicas. A idéia inicial seria apontar um instrumento dirigido às escolas para implementação de políticas de direitos humanos para passar a idéia de que esses direitos, mais que uma matéria de índole jurídico-formal, é uma forma de ver a vida, uma prática respeitadora dos direitos do outro, construída necessariamente na tolerância, na convivência diária, nos ambientes da família, da habitação, do trabalho e da vida pública. As atividades pedagógicas devem ser incentivadas dentro e fora da escola, tendentes à implantação de uma consciência de respeito aos direitos

7 humanos. Um exemplo a ser instituído é a concepção de Paulo Freire. A relação educador-educando é uma via de duas mãos. Quem ministra a atividade aprende com os que a praticam, cresce no processo. O educador deve abranger itens de educação para a democracia, tocar nos temas fundamentais e nos segmentos mais importantes afetados por violações de direitos humanos, sempre ensinando a criar solidariedade, planejando atividades para gerar respostas a essas violações. Quanto às estratégias metodológicas a serem utilizadas na educação em Direitos Humanos, estas têm de estar em coerência com as finalidades acima assinaladas o que supõe a utilização de metodologias ativas, participativas, de diferentes linguagens. Exigem, no caso da educação formal, a construção de uma cultura escolar diferente, que supere as estratégias puramente frontais e expositivas, assim como a produção de materiais adequados, que promovam interação entre o saber sistematizado sobre direitos humanos e o saber socialmente produzido. Devem ter como referência fundamental a realidade e trabalhar diferentes dimensões dos processos educativos e do cotidiano escolar, favorecendo que a cultura dos Direitos Humanos penetre em todo o processo educativo. Trata-se, portanto, de transformar mentalidades, atitudes, comportamentos, dinâmicas organizacionais e práticas cotidianos dos diferentes atores sociais e das institucionais educativas. É importante também assinalar que contextos específicos necessitam também de abordagens específicas. Isto é, não se trabalha da mesma maneira na universidade, numa sala de ensino fundamental ou médio, com o movimento de mulheres, com promotores populares, etc. No entanto, o enfoque metodológico deve sempre privilegiar estratégias ativas que estimulem processos que articulem teoria e prática, elementos cognitivos, afetivos e envolvimento em práticas sociais concretas. Não é difícil promover eventos, situações esporádicas, introduzir alguns temas relacionados com os Direitos Humanos. O difícil é promover processos de formação que trabalhem em profundidade e favoreçam a constituição de sujeitos e atores sociais, no nível pessoal e coletivo. Quando pode ser considerada uma experiência como promotora dos Direitos Humanos na escola ou fora dela? Quais seriam os indicadores que a

8 especificam? Que estratégias metodológicas devem ser privilegiadas? Estas são questões importantes sobre as quais devemos continuamente refletir. Facilmente falamos de metodologias quando elas têm muitos pressupostos, supõem uma concepção de aprendizagem, de educação, de educar em Direitos Humanos. O importante é não dissociar a abordagem metodológica das finalidades que se persegue nos processos de educação em Direitos Humanos. A alternativa que nos interessa - principalmente quando falamos em educar para os direitos humanos, ou quando identificamos que a construção de novos paradigmas de transformação social tem por base esses princípios de direitos humanos - é a da Educação dialógica, problematizadora, que considera os alunos, que estabelece o diálogo, que reconhece o outro, que sabe que o verdadeiro conhecimento é forjado na práxis e no debate democrático, que aceita as diferentes experiências de vida e concepções de mundo, que faz com que os educandos se desinibam e possam participar ativamente em todos os níveis da vida, refletindo sobre a realidade e atuando sobre ela com o objetivo de transformá-la. Enfim, é aquela que sabe que a atividade educacional é uma troca criativa de experiências de vida, em que o saber não é um monopólio de alguns "sábios". O conhecimento que ignora a realidade se transforma numa mistificação, num falso saber, pois se dissocia da vida e passa a ser uma abstração metafísica. Dessa maneira, os seres humanos são educados a partir das circunstâncias existentes na realidade. Do mesmo modo, os seres humanos educam a si mesmos para transformar essas circunstâncias. O processo de formação do educador em direitos humanos é essencialmente prático e permanente. Cada dia aprende-se e ensina-se, a ação pedagógica em promoção dos direitos humanos não começa nem termina dependendo dos cargos ou da posição funcional que se ocupa ou se exerce, ela acontece em todas as circunstâncias de nossas vidas, de modo informal e formal.

9 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como nos sugere Adolfo Pérez Esquivel 2 : O respeito aos Direitos Humanos deve ser algo que surge do interior de cada pessoa e se converte em uma forma de vida, produto da interação e das experiências compartilhadas entre professores e alunos, pais e filhos, amigos e a sociedade em geral. É necessário que este problema seja colocado com a maior seriedade e consciência possíveis, bem como se criem textos, guias, confeccionados por aqueles que assumiram desde o início um compromisso pela defesa dos Direitos Humanos e pela construção de uma sociedade livre de dominações. Não é fácil situar-nos diante da questão da paz na atual situação do mundo e do nosso país. Corremos o risco ou de negar a realidade ou de não reconhecer o sentido profundamente antropológico e político-social do anseio de paz presente nos indivíduos e nos grupos sociais. Numa contraposição clássica, paz se opõe à guerra. Depois da Segunda Guerra Mundial até praticamente o final da década de oitenta, o mundo viveu sob a tensão da chamada Guerra Fria. Expressão certamente curiosa que tentava distinguir situações onde a guerra passava por operações bélicas, cada vez mais sofisticadas, daquelas em que as armas em frias, se situavam no plano ideológico, científico e cultural. Certamente neste período não faltaram também as guerras quentes que ceifaram muitas vidas... No entanto, com a queda do Muro de Berlim, com a derrota do socialismo real, a afirmação da hegemonia absoluta do capitalismo como sistema econômico em sua fase neoliberal, da democracia formal e da perspectiva do fim da história, tudo parecia resolvido em sua dinâmica fundamental e a verdadeira paz seria alcançada. Era somente uma questão de tempo. O caminho estava traçado. E é nesse tenso quadro de uma crise de civilização vivida neste final de século, que a educação pode vir a desempenhar um papel importante na busca de novos paradigmas. A construção de uma nova ética, uma nova consciência social, solidária, que se traduza em práticas sócio-políticas transformadoras, reforçando e ampliando princípios humanistas e posturas democráticas que consolidem os espaços de liberdade, de tolerância e levante barreiras às 2 Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 1980 e diretor do Serviço Paz e Justiça na Argentina.

10 investidas de uma lógica fria e calculista que imagina que a vida humana e social tem por base o mercado. A Constituição de 1988, ao consagrar a universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, também entrega ao Estado e ao cidadão de forma implícita a tarefa de educar (dever) e ser educado (direito) em direitos humanos e cidadania. Somente com a colaboração de todos os partícipes da sociedade e do Estado, é que os direitos humanos fundamentais alcançarão a sua plena efetividade. O papel de cada um na construção desta nova concepção de cidadania é fundamental para o êxito dos objetivos desejados pela Declaração Universal de 1948 e pela Carta Constitucional brasileira. A educação em direitos humanos deve se dar de uma forma tal que os princípios éticos fundamentais que o cercam, sejam para todos nós membros da coletividade tão naturais como que o próprio ar que respiramos. A tarefa de implementar os direitos humanos através da educação é, assim, dever de todos cidadãos e governo. A educação em direitos humanos, pois, deve se dar de forma a que os princípios éticos fundamentais que os cercam sejam assimilados por todos nós, passando a orientar as ações das gerações presentes e futuras, em busca da reconstrução dos direitos humanos e da cidadania em nosso país. REFERÊNCIAS Arendt, Hannah. Entre o passado e o futuro, 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000.. A condição humana, 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. ARNS, Dom Paulo Evaristo. Educar para os Direitos Humanos. In: Revista de Educação AEC, Brasília, nº 77, out-dez/1990, p. 5-8. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. CABRINI, Conceição e outros. O ensino de história. Revisão urgente. São Paulo: Brasiliense, 1986. CANDAU, Vera e outros. Oficinas pedagógicas de Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 1995. CANDAU, Vera Maria; SACAVINO, Susana Beatriz; MARANDINO, Martha e MACIEL, Andréa Gasparini. Tecendo a cidadania. Oficinas pedagógicas de Direitos Humanos. Petrópolis: Vozes, 1996.

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