Atualmente o grupo de agricultores e agricultoras da horta recebe. orientações para a produção de hortaliças orgânicas. O programa é estruturado



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Transcrição:

Memória de horta orgânica comunitária em solo urbano Adriana Do Amaral e Olga R. M Von Simson Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Av. Bertrand Russell, 801, Cidade Universitária "Zeferino Vaz", CEP 13083-865 - Campinas - SP - Brasil adriana.campinas@hotmail.com RESUMO Pesquisa-ação em desenvolvimento junto ao movimento de horta orgânica comunitária Vila Esperança, situado na próspera cidade econômica e tecnologicamente desenvolvida de Campinas (Estado de São Paulo Brasil), foi idealizada como ação promotora de saúde para ressignificar área pública degradada, utilizada como bota-fora de lixo e resíduos de materiais de construção civil. Em 2007, foi realizada a oficina "Comunidade Saudável" com representantes do poder público, universidade e lideranças comunitárias com perguntas condutoras para responderam O que é mais importante, possível realizar / proporcionar uma comunidade saudável na região dos Amarais?. A sugestão foi trabalhar nos eixos saúde, meio ambiente e educação; entre as propostas foi escolhida a implantação de hortas comunitárias. Da proposta inicial de horta comunitária, o movimento passou por várias fases: solicitação de cessão de área pública, fundação de uma Associação para ser a beneficiaria da área, instalação de ponto de água, iniciativas de produção, organização do grupo, orientações para produção de olericultura orgânica. 1

Atualmente o grupo de agricultores e agricultoras da horta recebe orientações para a produção de hortaliças orgânicas. O programa é estruturado em preparo do solo e adubação verde, compostagem, produção de mudas, tratos culturais, pragas e doenças, colheita e comercialização. A pesquisadora acompanha e colabora com o planejamento da implantação da horta comunitária, mantém um caderno de memória das atividades da horta, e através da metodologia de história oral, coleta depoimentos dos agricultores e agricultoras sobre o processo de migração para a região estudada e sobre as transformações territoriais, as questões socioambientais, de saúde e de consolidação da horta comunitária no bairro. Desta experiência formamos um mosaico de histórias que se cruzam e entrecruzam com questões sociais, migração, adensamento populacional, transição entre rural e urbano, mudanças de hábitos e alimentação, qualidade de vida urbana. Entretanto, observamos desafios deste empreendimento: importância do trabalho coletivo, da produção sem uso de agrotóxicos e a sustentabilidade social, econômica e ambiental. INTRODUÇÃO Memória é a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas gerações através de diferentes suportes empíricos (voz, música, imagem, texto, etc). Segundo Halbwachs (1990), a memória não é apenas individual, mas social (fenômeno coletivo) sendo a primeira determinada pela segunda e esta agindo sobre aquela em um processo dinâmico. Desta forma, lembrar é reconstruir o passado com os olhos 2

e os valores de hoje, a que se somam às experiências de vida do narrador. A memória é formada por acontecimentos, personagens e lugares, sofre por fenômenos de projeção e transferência, assim como é seletiva, sendo um fenômeno construído, isto é, ao propormos questões, dúvidas e comparações, o entrevistador obriga o depoente a construir novos pensamentos e significados sobre o passado (VON SIMSON, 1996). Em "Memória de horta orgânica comunitária em solo urbano" relatamos o movimento da horta sob diferentes perspectivas: da pesquisadora e colaboradora da implantação da horta, da comunidade, dos parceiros e sob o contexto histórico, político e econômico das transformações territoriais e seus impactos socioambientais. A práxis coletiva é realizada com diálogo e trabalho com a comunidade. Os depoimentos de agricultores da horta e lideranças comunitárias são realizados durante as atividades da horta ou em entrevistas agendadas com os depoentes que relatam suas trajetórias de vida, de migrante, de ex-trabalhador rural e sobre a decisão de morar na cidade em busca de melhores condições de vida. Desta perspectiva, formamos um conjunto de histórias que dialogam entre si, se cruzando e entrecruzando no tempo passado-presente-futuro na Horta Comunitária abordando questões sociais como migração, adensamento populacional, transição entre rural e urbano, mudanças de hábitos e alimentação, qualidade de vida urbana, sustentabilidade. Os desafios de nosso momento histórico são complexos, pois nunca na história da humanidade as pessoas viveram tão urbanizadas (no Brasil, 84,4% vivem na cidade). Assim, os impactos nos recursos ambientais e a violência urbana são alarmantes, portanto, a forma como a sociedade moderna está 3

organizada, seus valores e comportamentos precisam ser revistos para garantirmos uma melhor qualidade de vida às gerações presentes e futuras. Contextualizando o Brasil é um país de forte economia, classificada pelo FMI e Banco Mundial, em 2011, como a sétima maior economia do mundo e a segunda do continente americano, atrás apenas dos Estados Unidos. O Brasil tem diversidade econômica nos setores da agricultura e da produção de alimentos, indústrias, companhias, energia. Desde 2006, é autossuficiente em petróleo, e é um dos principais produtores mundiais de energia hidrelétrica. Dispõe de setores tecnológicos e de pesquisa sofisticados, sendo pioneiro na introdução do etanol como biocombustível, a partir da cana-de-açúcar. Este contexto político-econômico tem sua história na industrialização tardia brasileira, a partir da década de 1930, quando começaram operar mudanças políticas significativas, afastando do poder as oligarquias tradicionais e industrializando cidades e campos. Este contexto provocou mudanças significativas na ocupação territorial e intensos fluxos migratórios para as cidades industrializadas. A cidade de Campinas (Estado de São Paulo) é uma próspera cidade econômica e tecnologicamente desenvolvida que ocupa a 11ª com maior Produto Interno Bruto (PIB) do país, cuja população estimada é de 1.008.611 habitantes (IBGE, 2011), considerado o terceiro mais populoso do Estado de São Paulo e o 14 de todo o país. Economicamente a cidade apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,845 sendo a média nacional de 0,723. A principal fonte econômica está no setor terciário, com diversos segmentos de comércio e prestação de serviços em várias áreas, como na saúde e na 4

educação, destacando também o setor secundário com complexos industriais de grande porte. Desde o século XIX, Campinas mostra forte potencial político e econômico, sendo um importante entreposto comercial e entroncamento de vias de transporte. A partir da década de 1960 as instalações de indústrias multinacionais, de centros de pesquisa e tecnologia atraíram muitos migrantes para o município, abrigando o maior volume populacional da região metropolitana e centralizando as atividades econômicas. Entre as décadas de 1960 a 1980, o município recebeu grandes fluxos migratórios, triplicando o tamanho da população. O quadro a seguir ilustra o crescimento populacional em Campinas: 1940 1950 1960 1970 1980 1991 1996 Campinas 129.940 152.547 219.303 375.864 664.559 847.595 908.906 Fonte: Fundação IBGE. Censos Demográficos de 1940 a 1991; Contagem Populacional, 1996. Este contexto ilustra os bairros da região dos Amarais, quando na década de 1960 uma parte da Fazenda Santa Genebra foi loteada dando origem aos primeiros bairros, margeando as plantações de algodão da fazenda, cultivadas por meeiros, que empregavam no período da colheita do algodão moradores do entorno em tarefas temporárias. Na região também havia chácaras voltadas para horticultura de imigrantes japoneses, que empregavam os jovens do entorno. Os lotes dos bairros da região dos Amarais eram baratos e atraíram migrantes de várias regiões (nordeste brasileiro, norte do Paraná, Minas Gerais, interior de São Paulo), em buscava de melhores condições de trabalho, 5

educação de qualidade para os filhos e bons serviços de saúde. Entretanto, encontraram uma realidade adversa enfrentando com a falta de infraestrutura social básica. A intensificação do fluxo migratório na região levou os mais pobres a ocupar áreas desvalorizadas pelo setor imobiliário, construindo barracos às margens do Córrego da Lagoa (Ribeirão Quilombo), enfrentando as fases anuais do ribeirão que nos períodos de chuva, formava várias lagoas e invadiam as casas construídas em suas margens. Assim constantes enchentes traziam prejuízos materiais e para a saúde dos moradores. Este contexto refletia várias regiões do município dando origem as favelas. No final da década de 1970 e início de 1980, as condições precárias de vida na cidade geraram vários movimentos populares em Campinas, que reivindicavam melhores condições de moradia, de saúde, de educação, de transporte público, de acesso à água encanada, à energia elétrica e ao asfalto. Este contexto histórico da região é reproduzido nos relatos de antigos moradores da região dos Amarais, que ao chegarem na cidade, conseguiam empregos sobretudo na construção civil, ajudante geral - alguns supriam o orçamento familiar trabalhando também nas áreas agrícolas do entorno. Estes dados contextualizam o histórico da região dos Amarais onde a horta urbana Vila Esperança foi idealizada como ação promotora de saúde a partir de convênio Comunidade Saudável celebrado entre Organização Mundial de Saúde (OMS), Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Prefeitura Municipal de Campinas, Prefeitura Municipal de Pedreira, Serviço de Saúde 6

Cândido Ferreira, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Ong IPES (2006-2011). Segundo a OPAS, promoção de saúde é o trabalho coletivo realizado entre poder público (intersetorial) e comunidade, no qual seus representantes se reúnem, refletem sobre o contexto local e buscam solidariamente solucionar os problemas vigentes. Em 2007, foi organizada a oficina "Comunidade Saudável" pela Secretaria Municipal de Saúde de Campinas, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Ong IPES, em que participaram cerca de 100 representantes de várias secretárias da Prefeitura e equipamentos públicos locais, membros da universidade, de ongs e lideranças comunitárias da região dos Amarais. A oficina proporcionou uma reflexão coletiva sobre a realidade local, entre as várias demandas e propostas, o problema do lixo em áreas públicas sobressaiu por gerar um espaço degradante, insalubre e criadouro de insetos, animais peçonhentos e roedores. A solução apontada foi ressignificar o espaço construindo uma horta comunitária, como empreendimento de valor cultural significativo para a população local e estimular a alimentação saudável, bem como, proporcionar reflexões socioambientais. Desta forma, a definição da área na Vila Esperança está atrelada ao perfil da área como um conjunto habitacional, idealizado no início da década de 1990, para remoção de moradores de áreas de risco do entorno, sobretudo, dos que viviam às margens do Córrego da Lagoa e que sofriam com as enchentes; devido à presença de desempregados, ex-trabalhadores rurais e observando as iniciativas de hortas particulares na comunidade, além da presença de horta terapêutica no Centro de Saúde local. 7

Após a definição da ação promotora de saúde através da implantação da horta comunitária, foram tomadas medidas para iniciar o empreendimento: solicitação da área, consulta aos moradores do bairro, formação de um grupo de pessoas interessadas no trabalho na horta comunitária e publicação no Diário Oficial do parecer favorável do Sr. Prefeito. Em 2008, foi realizado novo planejamento e reorganização das atividades com o método de planejamento participativo com presença de representantes da prefeitura, dos equipamentos públicos locais (centro de saúde e assistência social), da universidade, de ong, além das lideranças comunitárias e pessoas interessadas em trabalhar como agricultores. Este trabalho coletivo, deu origem a Associação Comunidade Saudável (beneficiária da área) formada por moradores da região dos Amarais, que requereu a concessão da área de 8.800 m² para a implantação da horta comunitária. Estas tramitações burocráticas duraram quase quatro anos para que se pudesse dar início a implantação da infraestrutura da horta comunitária. A horta começou com a iniciativa de dois senhores de 67 e 72 anos, que limparam uma área próxima de suas casas, retiraram os entulhos, as pedras, o lixo doméstico, cavoucaram o solo e construíram os primeiros canteiros com produção de salsinha, cebolinha, coentro, alface, couve, bananeiras. Mesmo sem ter água na horta, levavam de suas casas baldes de água ou puxavam mangueira para aguar uma área de pouco mais de 150 m². Em 2010, com a instalação de um ponto de água pelo sistema de abastecimento de água (SANASA), somados recursos da Extensão Universitária da UNICAMP (2011-2012) e da Fundação Rocha Brito (2011), 8

articulados por professores, estudantes da UNICAMP, colaboradores da Ong IPES e da Associação Comunidade Saudável incentivaram dez moradores a tomarem iniciativa de cercar uma área para o cultivo do solo, dando origem a atual Horta Comunitária da Vila Esperança. Em 2012, o grupo de hortelões urbanos enfrentava dificuldades por cultivarem uma faixa de terra destinada a ser uma avenida, com solo muito compactado e sem matéria orgânica. Os agricultores começaram com muito esforço a construir seus canteiros, cavoucando o solo local ou conseguindo doação de terra, que porém era de qualidade inferior. Neste período, o grupo elencou demandas para o empreendimento: descompactar o solo, orientações para combater pragas, adequar o solo que estava lavado sem matéria orgânica, com baixa manutenção de umidade. Tal tipo de solo necessitava ser aguado várias vezes, e resultava em baixa produção devido a faltas de nutrientes no solo, assim como, a presença de fragmentação do grupo e trabalhos individualizados. Este contexto levou a retomar a estratégia da Promoção de Saúde com o planejamento participativo articulando representantes do poder público, universidade, setores da agricultura, associação e agricultores, em dois encontros no Centro de Saúde local no mês de dezembro de 2012, no sentido de estabelecer uma agenda de atividades para 2013 e assim buscar atender as demandas da horta comunitária. Deste planejamento foram tirados quatro eixos de ação: i) grupo gestor ativo e operante com Associação Comunidade Saudável organizada; ii) Água boa fornecida a preço compatível realizado; iii) 9

Plano técnico de produção elaborado; iv) recursos, apoios obtidos mantidos e realizados. Em janeiro de 2013 foram tomadas providências para atender ao planejamento, a Secretaria de Trabalho e Renda articulou com a CODASP Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo realizando em fevereiro a descompactação e gradeação do solo em uma área de 4.500 m². O grupo de agricultores com apoio de membros da Associação Comunidade Saudável, da pesquisadora e de um técnico da prefeitura organizaram uma série de mutirões para limpar e reestruturar a cerca da área da horta no sentido de evitar a entrada de animais e melhorar sua estética. No mês de março, começou o curso de Horta Orgânica (SENAR- SP/Sindicato Rural de Campinas) com vinte e um participantes em uma área de 1000 m² da Horta Comunitária para ser espaço da horta modelo, em dois encontros mensais. A área foi dividida em 500 m² de canteiros e 500 m² de terreno livre onde foram semeados adubo verde 1 No mês de abril, o grupo aprendeu a desenvolver compostagens; em maio, construímos uma estufa e fizemos mudas de hortaliças; em junho, capinamos parte do adubo verde dos canteiros, colocamos compostos, semeamos e plantamos mudas de vagem, cenoura, alface, nabo, beterraba, rabanete; em julho, capinamos o adubo verde do restante dos canteiros e metade do terreno (250 m²), em que plantamos couve, couve-flor, brócolis, salsinha, cebolinha, tomate, mostarda, e 1 Para área de 1000 m² foram semeados: 5 kg de aveia preta, 0,5 kg milheto, 1 kg crotalária, 5 kg tremoço branco, 0,5 kg nabo forrageiro, 0,5 kg girassol, 0,5 kg gergelim preto. 10

preparamos para o próximo módulo mais mudas de salsinha, coentro, acelga, abóbora, alface. Na área restante da horta (3.500 m²), os agricultores cultivam seus lotes, alguns semearam o adubo verde, outros em parte e somente um agricultor, que não participa da formação por trabalhar no horário do curso, não quis preparar o solo conforme a orientação do agrônomo 2. Conseguimos mais recursos com a Pró-Reitoria de Pesquisa da UNICAMP (2013) como parte da pesquisa-ação 3 para educação ambiental e atender as demandas da horta de consumo racional de água com novo encanamento de água, sensibilização do trabalho coletivo da horta e envolvimento da comunidade local, através de divulgação dos objetivos e resultados da horta comunitária. MATERIAIS E MÉTODO Como salientamos anteriormente, o movimento horta comunitária Vila Esperança é uma ação promotora de saúde e sustentabilidade. A pesquisadora acompanha e colabora com o planejamento da implantação da horta comunitária, mantendo também um caderno de memória das atividades da horta e, através da metodologia de história oral, coleta depoimentos dos agricultores e agricultoras sobre as transformações territoriais da região, questões socioambientais, saúde, experiências no campo e trabalho rural e a implantação da horta comunitária. 2 No futuro poderá servir de efeito comparação de sua produção com a dos outros agricultores 3 Pesquisa-ação e Memória para uma Educação Ambiental - Faculdade de Educação / UNICAMP. 11

A metodologia de pesquisa-ação é uma forma de investigação baseada em uma autorreflexão coletiva empreendida pelos participantes de um grupo social visando melhorar suas próprias práticas sociais e educacionais, compreendendo-as e ao contexto onde acontecem. A investigação caminha na direção da transformação de uma realidade, implicada diretamente na participação dos sujeitos envolvidos no processo, cabendo ao pesquisador os papéis de pesquisador e de participante. Cabe a ele ainda sinalizar para a necessária emergência dialógica da consciência dos sujeitos na direção de mudança de percepção e de comportamento. (FRANCO, 2005) Segundo Elliot (1998), a pesquisa-ação é um processo em espirais de reflexão e ação, constituída em: i) diagnóstico da situação/problema; ii) formulação de estratégias; iii) desenvolvimento das ações e avaliação; iv) ampliação da compreensão da nova situação; v) procedimentos práxicos para a nova situação prática. A História Oral (HO) é uma metodologia de pesquisa qualitativa voltada para o estudo do tempo presente e baseada na voz de testemunhas. O depoente além de informante, pode ser encarado como um fenômeno social, o que favorece identificar aspectos importantes de sua sociedade e do seu grupo, pois comportamentos e técnicas, valores e ideologias podem ser capturados através de sua história de vida, contribuindo para uma ampliação do conhecimento científico sobre as vivências do homem em sociedade. No presente trabalho optamos pela técnica do relato oral de vida (trajetória de vida) favorecendo o narrar livremente para reconhecermos fatos importantes da vida do agricultor urbano. A HO foi complementada pela 12

consulta à hemeroteca, pelo aprofundamento de estudos bibliográficos e através da formação técnica em produção orgânica. RESULTADOS E DISCUSSÃO Reconstruir a memória de forma compartilhada permite estabelecer sólidos relacionamentos, que conduzem ao senso de pertencimento. A memória compartilhada mostra-se uma estratégia de ação para o trabalho comunitário ao favorecer a construção de redes de relacionamentos, envolvendo participantes de diferentes gerações de um mesmo grupo social, na reconstrução de vivências e experiências do passado da própria comunidade permitindo um mergulhar em valores, necessidades, desejos, perspectivas de vida que em sua singularidade levam à formação do sentido comunitário. As transformações territoriais na região dos Amarais e seus impactos no meio ambiente estão presentes, como vimos, nos relatos de antigos moradores que em suas casas já cultivavam hortaliças. Desta forma, na região além das plantações da fazenda e chácaras, "os migrantes contribuíam para que a paisagem fosse mais rural do que urbana, pois formavam roças nos terrenos ocupados plantando arroz, feijão, mandioca, etc." (MUNIZ, 2007). O resgate desta prática mostra-se um campo profícuo para pensarmos coletivamente sobre nossas ações, sobre as transformações territoriais e quanto nossas ações interferem no nosso ambiente e na nossa qualidade de vida. Os relatos dos antigos moradores estão repletos de esforços, sonhos e superação dos obstáculos; no momento vigente é importante unirmos nossos 13

esforços para conquistarmos nossos ideais éticos e atuarmos como promotores de qualidade de vida, garantindo que as próximas gerações tenham as benesses dos recursos naturais para usufruírem da vida com qualidade. CONCLUSÃO A experiência de horta comunitária Vila Esperança, em Campinas (SP), pretende criar e melhorar ambientes físicos e sociais, expandindo os recursos comunitários que possibilitam à população apoiar-se mutuamente e desenvolver suas potencialidades. A oferta de alimentos naturais e orgânicos, através de uma horta comunitária, é uma forma de estimular à promoção de saúde e sustentabilidade ao ressignificar áreas públicas degradadas, transformando-as em hortas comunitárias e assim sensibilizar coletivamente prefeitura e população sobre como realizar ocupações saudáveis de espaço público e buscarmos coletivamente soluções efetivas para o descarte adequado de lixo e entulho de construção civil. A proposta de implantar uma horta comunitária em solo urbano como ação promotora de saúde e sustentabilidade oferece vários desafios desde a criação da infraestrutura da horta até a superação da cultura fragmentária e individualista vigente no momento histórico atual. Entre agricultores observamse várias práticas de cultivo do solo: convencional, orgânico, e com aprimoramento técnico para otimizar a produção. A comunidade local interage com a horta de várias formas, a) positivamente: elogio à iniciativa, compra de produtos da horta, procura de 14

ervas para remédios caseiros; b) negativamente: havendo furto produtos, com a entrada de pessoas estranhas no espaço da horta pisoteando a produção e desperdiçando a água. Também há deboche da iniciativa e a avaliação do trabalho agrícola como de pouco valor. Aos agricultores a horta urbana ela se apresenta como uma atividade de lazer e terapia, que gera economia nas compras de hortaliças nos mercados, e futuramente com a reestruturação da horta e aumento de sua produção desejase que haja um acréscimo de suas rendas familiares. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ELLIOT, J. 1998. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. Mercado da Letras, p. 137-152. Campinas. Brasil FRANCO, M.A. S. 2005. Pedagogia da pesquisa-ação. São Paulo. Educação e Pesquisa, v. 31, n.3, p. 483-502, set./dez. São Paulo. Brasil HALBWACHS, M. 1990 A memória coletiva. Vértice/Revista dos Tribunais. São Paulo. Brasil IBGE. 1996. Censos Demográficos de 1940 a 1991; Contagem Populacional, Brasília. Brasil. MUNIZ, T.M. 2007. Cada um na sua mas entre nós um problema: família, instituição e práticas educativas não-formais. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação, UNICAMP. Campinas, Brasil VON SIMSON, Olga. 1996. História Oral, memórias compartilhadas e empoderamento: um balanço de experiências de pesquisa. s/d,campinas. Brasil. 15