MÓDULO I - Marcos regulatórios da convivência familiar e comunitária Aula 02



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Transcrição:

MÓDULO I - Marcos regulatórios da convivência familiar e comunitária Aula 02 Por Leonardo Rodrigues Rezende 1 1. Marco Conceitual Nos últimos 19 anos, a temática do direito à convivência familiar e comunitária teve uma atenção nunca vista na nossa história, valendo citar aqui a publicação em 2006 do Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária 2 pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, depois de ampla discussão realizada em nível nacional com a participação de especialistas e militantes da área do direito e da assistência social. O Plano Nacional traz o detalhamento do tema da convivência familiar e comunitária, complementando e aprofundando o assunto com base nas diretrizes do ECA. Neste plano vemos, por exemplo, a retomada dos conceitos de família trazidos no ECA e na Constituição Federal e, em seguida, a orientação de que: Estas definições colocam a ênfase na existência de vínculos de filiação legal, de origem natural ou adotiva, independentemente do tipo de arranjo familiar onde esta relação de parentalidade e filiação estiver inserida. Em outras palavras, não importa se a família é do tipo nuclear, monoparental, reconstituída ou outras 3. 1 Bacharel em Ciências Sociais, ênfase em Sociologia Rural, Licenciatura Plena em Ciências Sociais, Especialista em Gestão, Educação e Política Ambiental e concluinte da Especialização em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Pernambuco. 2 Disponível em: http://www.direitosdacrianca.org.br/midia/publicacoes/plano-nacionaldeconvivencia- familiar-e-comunitaria-pncfc/at_download/arquivo 3 Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária: Trecho do título: Família: definição legal e contexto sociocultural Marco Conceitual.

Torna-se necessária uma definição mais ampla de família (...). A família pode ser pensada como sendo um grupo de pessoas que são unidas por laços de consanguinidade, de aliança e de afinidade. Esses laços são constituídos por representações, práticas e relações que implicam obrigações mútuas. Como vemos, é fundamental que tenhamos clareza de que a família, numa linguagem muito coloquial, pode ser vista como o grupo de pessoas que se une para organizar a sua subsistência e a ajuda mútua necessária a ela. O conceito de família, assim, vai abarcar as relações de cuidado e um nível de parentesco que vai além de pais e filhos para ampliar-se na chamada família extensa (avós, tios, primos etc). O Plano ainda coloca a importância de considerarmos as redes sociais de apoio, definidas como grupos de pessoas sem laço de parentesco, mas com uma função social de auxílio tais como alguns vizinhos muito ligados à criança ou adolescente, por exemplo. Não é o objetivo deste texto aprofundar a temática do conceito de família, mas apenas citá-la, chamando a atenção para a importância de uma receptividade efetiva em relação a estas novas conformações familiares cada vez mais comuns nas nossas comunidades. É fundamental que percebamos que independente de como avaliamos estas novas famílias, elas são uma realidade e assim devem ser vistas, com suas limitações e potencialidades, permitindo abordagens e relações não preconceituosas por parte dos profissionais que as atendem ou que atendem as crianças e adolescentes ligados a elas. 1.1. Família segundo a Constituição Federal de 1988: A família é apontada como sendo a base da sociedade e reconhecida como a união estável entre homem e mulher, independente da existência de casamento, bem como, núcleos formados por um dos pais e seus descendentes.

Sabe-se que ela vem sofrendo transformações através dos tempos junto com mudanças religiosas, econômicas e socioculturais. É apontada como elemento chave não apenas para a sobrevivência dos indivíduos, mas também para a proteção e a socialização de seus componentes. É unida por múltiplos laços capazes de manter os membros moralmente, materialmente e reciprocamente durante uma vida e durante as gerações. 1.2. Família segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 25. Entende se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Parágrafo único: Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. 1.3. Família segundo Salles e Tuirán O conceito de família pode ter várias interpretações, no seu sentido mais restrito, refere-se ao núcleo familiar básico; já no sentido mais amplo, refere-se ao grupo de indivíduos vinculados entre si por laços consanguíneos, consensuais ou jurídicos, que constituem complexas redes de parentesco, atualizadas de forma episódica por meio de intercâmbios, cooperação e solidariedade, com limites que variam de cultura, de uma região e classe social a outra (Salles, 1999; 2002; Tuirán, 2002). 1.4. Família segundo o imaginário social: A família seria um grupo de indivíduos ligados por laços de sangue e que habitam a mesma casa. Pode-se considerar a família um grupo social composto de

indivíduos que se relacionam cotidianamente, gerando uma complexa trama de emoções. Entretanto, há dificuldades de se definir a família, cujo aspecto vai depender do contexto sociocultural em que está inserida. A família é, portanto, uma construção social que varia segundo as épocas, permanecendo, no entanto, aquilo que se chama de sentimento de família (Amaral, 2001), que se forma, a partir de um emaranhado de emoções e ações pessoais, familiares e culturais, compondo o universo do mundo familiar. Esse universo do mundo familiar é único para cada família, mas circula na sociedade nas interações com o meio social em que vivem. 1.5. Família homoafetiva Família homoafetiva é aquele constituída pela união por vinculo afetivo de pessoas do mesmo sexo. O termo homoafetivo foi criado para diminuir a conotação pejorativa que se dava aos relacionamentos homossexuais, e tornou-se uma expressão jurídica para tratar do direito relacionado à união de casais do mesmo sexo. A família homoafetiva, que infelizmente ainda hoje é vítima de descriminação nas diversas sociedades, em especial a nossa, obteve uma conquista histórica quando o Supremo Tribunal Federal, em julgamento em maio de 2011, reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, conferindo-lhe todos os efeitos jurídicos previstos para a união estável entre homem e mulher, que é regulada pelo art. 1723 do Código Civil Brasileiro 1.6. Família segundo o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. A definição mais ampla de família, com base sócio-antropológica diz que a família pode ser pensada como um grupo de pessoas que são unidas por laços de consanguinidade 4, de aliança 5 e de afinidade 6. Esses laços são constituídos por 4 A definição pelas relações consanguíneas de quem é parente varia entre as sociedades podendo ou não incluir tios, tias, primos de variados graus, etc. Isto faz com que a relação de

representações, práticas e relações que implicam obrigações mútuas. Por sua vez, estas obrigações são organizadas de acordo com a faixa etária, as relações de geração e de gênero, as quais definem o status da pessoa dentro do sistema de relações familiares. Assim, em um âmbito simbólico e relacional, que varia entre os diversos grupos sociais, muitas pessoas podem ser consideradas como família. A primeira definição que emerge desta realidade social é que, além da relação parentalidade/filiação, diversas outras relações de parentesco compõem uma família extensa, isto é, uma família que se estende para além da unidade pais/filhos e/ou da unidade do casal, estando ou não dentro do mesmo domicílio: irmãos, meio irmãos, avós, tios e primos de diversos graus. 2. A criança e o adolescente como sujeitos de direitos O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos é resultado de um processo historicamente construído, marcado por transformações ocorridas no Estado, na sociedade e na família. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária incorpora, em sua plenitude, a doutrina da proteção integral, que constitui a base da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Estatuto da Criança e do Adolescente. De acordo com essa doutrina jurídica, a criança e o adolescente são considerados sujeitos de direitos. A palavra sujeito traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros objetos, devendo participar consanguinidade, em vez de natural, tenha sempre de ser interpretada em um referencial simbólico e cultural. 5 Vínculos contraídos a partir de contratos, como a união conjugal. 6 Vínculos adquiridos com os parentes do cônjuge a partir das relações de aliança.

das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento. 3. Condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento O artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. O desenvolvimento da criança e, mais tarde, do adolescente, caracteriza-se por intrincados processos biológicos, psicoafetivos, cognitivos e sociais que exigem do ambiente que os cerca, do ponto de vista material e humano, uma série de condições, respostas e contrapartidas para realizar-se a contento. O papel essencial desempenhado pela família e pelo contexto sócio-comunitário no crescimento e formação dos indivíduos justifica plenamente o reconhecimento da convivência familiar e comunitária como um direito fundamental da criança e do adolescente. O desenvolvimento integral da criança começa antes mesmo do seu nascimento. O desejo dos pais de a conceberem, as condições físicas, nutricionais e emocionais da gestante e as reações da família extensa e amigos frente à concepção influenciarão o desenvolvimento do feto e as primeiras relações do bebê. O período de gestação é uma importante etapa de preparação da família, para assumir os novos papeis, que serão socialmente construídos e adaptar-se às mudanças decorrentes da chegada do novo membro. É necessário também que o ambiente seja adaptado para a recepção e o acolhimento da criança. Desde o seu nascimento, a família é o principal núcleo de socialização da criança, dada a sua situação de vulnerabilidade e imaturidade; seus primeiros anos de vida são marcados pela dependência do ambiente e daqueles que dela cuidam.

A relação com seus pais ou substitutos é fundamental para sua constituição como sujeito, desenvolvimento afetivo e aquisições próprias a esta faixa etária contribuem com essa evolução. A relação afetiva estabelecida com a criança e os cuidados que ela recebe na família e na rede de serviços, sobretudo nos primeiros anos de vida, têm consequências importantes sobre sua condição de saúde e desenvolvimento físico e psicológico. Independentemente de sua orientação teórica, especialistas em desenvolvimento humano são unânimes em destacar a importância fundamental dos primeiros anos de vida, concordando que o desenvolvimento satisfatório nesta etapa aumenta as possibilidades dos indivíduos de enfrentarem e superarem condições adversas no futuro, conceito este entendido como resiliência. A segurança e o afeto sentidos nos cuidados dispensados, inclusive pelo acesso social aos serviços, bem como pelas primeiras relações afetivas, contribuirão para a capacidade da criança de construir novos vínculos; para o sentimento de segurança e confiança em si mesma, em relação ao outro e ao meio; desenvolvimento da autonomia e da autoestima; aquisição de controle de impulsos; e capacidade para tolerar frustrações e angústias, dentre outros aspectos. 4. Convivência familiar e comunitária O plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CONANDA e pelo conselho Nacional de Assistência Social CNAS em 2006, constitui um marco nas políticas públicas no Brasil, fortalecendo o paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e comunitário. Diante dos avanços em relação ao marco legal, quanto ao direito à convivência familiar e comunitária, acredita-se que os atores sociais envolvidos na causa da infância e juventude no Brasil têm conhecimento desse direito fundamental.

Entretanto, como em toda mudança de paradigma, é necessário que a garantia legal se transforme em prática nos atendimentos a essas crianças, a esses adolescentes e às suas famílias. O Brasil passou por três doutrinas judiciárias que forjaram o enfrentamento da situação de nossas crianças e adolescentes. A primeira, vinda do Império e do início da República, foi a doutrina do Direito Penal do menor, com uma visão apenas punitiva dos menores infratores sem uma preocupação humanística como seres em formação, visando à sua integração familiar. A segunda foi a doutrina da situação irregular, que tratava os menores como objeto de direito, misturando carência com delinquência, provocando o seu isolamento social em grandes abrigos sem qualquer critério de faixa etária e sem apresentar os motivos desse afastamento familiar. Por último, há a doutrina da proteção integral com status constitucional, que trata as crianças e os adolescentes como cidadãos com direitos fundamentais comuns e especiais diante da sua peculiar condição de pessoas em desenvolvimento. Essa nova visão do direito em relação às crianças e adolescentes acompanhou a nova roupagem dada à família brasileira, que passou do patriarcado de cunho patrimonial, como uma instituição rígida, influenciada pela Igreja, para uma família funcional. Família essa que tem como razão de sua existência, o crescimento pessoal de todos os seus membros, ai incluídos naturalmente os filhos, agora sem qualquer tipo de discriminação, independentemente do tipo de família de que façam parte, uma vez que a entidade apresentava hoje vários modelos reconhecidos, expressa ou implicitamente, na Constituição Federal de 1988, tendo como princípios a dignidade, a liberdade e a afetividade.

Como o direito de convivência familiar é da criança e do adolescente, o poder familiar passou a ser um princípio de interesse social para os pais e, por isso, com a possibilidade de intervenção preventiva ou de seu rompimento, quando a família se tornar inadequada para a boa formação e desenvolvimento dos filhos. Diante de fatos que demostrem absoluta impossibilidade do convívio familiar e comunitário, poderá haver a suspensão ou a perda do poder familiar, sendo necessário que o Estado aplique medidas de promoção, proteção e defesa secundária até que possa ser restabelecido o convívio familiar, ou que seja encontrada uma família substituta. Uma das formas de proteção secundária é a Guarda, que poderá ser instrumento, quando concedida liminar ou incidentalmente nos pedidos de adoção ou tutela; permanente, quando a criança ou o adolescente é dado em definição para um parente, mantendo-se o afastamento dos pais enquanto perdurar a situação de risco; peculiar para atender casos específicos e transitórios diante da eventual falta dos pais.

ATIVIDADE: 1. Tomando por base os 06 (seis) conceitos de família que trabalhamos nesse texto, a saber: Família segundo a Constituição Federal de 1988, família segundo o ECA, família segundo Salles e Tuirán, família segundo o imaginário social, família homoafetiva e família segundo o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, pedimos que você comente em poucas linhas o que mudou no conceito de família? Formule seu próprio conceito.

Referências: BRASIL, Estatuto da criança e do adolescente. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. BRASIL, Presidência da Republica, Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. Brasília, 2006. GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social. Orientações Técnicas para o acolhimento Institucional e Familiar de Crianças e Adolescentes. Campo Grande MG, 2009. BRASIL, Presidência da República, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília DF, 1988.