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Transcrição:

Processo nº : 9024-63-2014.4.01.3600 Classe 7100 : Ação Civil Pública Autor : Ministério Público Federal Réus : União e Companhia Hidrelétrica Teles Pires DECISÃO Trata-se de ação civil pública, com pedido de medida liminar, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da UNIÃO e COMPANHIA HIDRELÉTRICA TELES PIRES, objetivando provimento jurisdicional para compelir os Réus a fornecerem, imediatamente, água potável suficiente para o abastecimento das populações indígenas que vivem nas aldeias que margeiam o rio Teles Pires, as quais estão sendo diretamente impactadas pelas obras da UHE Teles Pires, notadamente aquelas residentes nas Terras Indígenas Kayabi e Munduruku (aldeias São Benedito, Coelho, Tucumã, Lage, Dinossauro, Kururuzinho, Minhocuçu e Sapé), além de outras etnias eventualmente identificadas posteriormente, por ocasião do cumprimento desta. Ainda, pretende compelir as Requeridas a apresentarem cronograma de realização de obras definitivas, com a finalidade de que seja regularizado o fornecimento de água de todas as aldeias, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pelo descumprimento destas, penalidade que deverá ser fixada individualmente, bem como ao Secretário Especial de Saúde Indígena. Para cumprimento da medida, o Autor postula que sejam impostas obrigações tais como a construção de poços artesianos, ou captação de sistema mais simples, como o tratamento e distribuição de águas das chuvas. Pág. 1/10

Sustenta o Requerente que, em decorrência das obras do empreendimento hidrelétrico UHE Teles Pires, que tem impactado seriamente o meio ambiente local, a sobrevivência das populações indígenas residentes nas aldeias que margeiam o rio Teles Pires tem sido gravemente prejudicada, sobretudo em razão da diminuição da qualidade da água consumida pelos silvícolas. Acompanham a inicial os documentos de fls. 36/67. Notificada previamente, a União manifestou-se às fls. 72/79, postulando pela designação de audiência prévia, com o intuito de promover o debate, e a tentativa de conciliação do conflito instaurado na presente. Ainda, defendeu a vedação à concessão de medida liminar, uma vez que tal medida provocaria o esgotamento do objeto da lide, bem como asseverou que, apesar das alegações iniciais, o Poder Executivo tem buscado solucionar eventuais problemas decorrentes dos impactos que referidos empreendimentos possam estar causando à população indígena referida. De sua vez, embora não intimada oficialmente, a Requerida Companhia Hidrelétrica Teles Pires ofertou manifestação às fls. 83/108, sustentando a improcedência da lide e noticiando que o referido empreendimento, que se trata de concessão conquistada pelo Consórcio Teles Pires Energia Eficiente, tem seu processo de licenciamento devidamente conduzido junto ao IBAMA, já tendo sido expedidas as respectivas Licenças Prévia e de Instalação. Ademais, assevera que, em relação ao EIA-RIMA referente ao empreendimento, todos os detalhamentos necessários foram devidamente tratados por meio do Plano Básico Ambiental (PBA), que é dividido em programas específicos a fim de atuar em cada uma das áreas determinadas na legislação e no licenciamento do empreendimento. Afirma que, todas as medidas adotadas pela Requerida estão previstas no Programa de Monitoramento Limnológico e de qualidade da água, ou seja, todas as normas legais pertinentes tem sido escorreitamente cumpridas. Ainda, afirma que o local onde o Ministério Público Federal informa haver Pág. 2/10

supostos problemas na qualidade da água não se localiza no perímetro de interferência do empreendimento e que a prova técnica utilizada pelo Autor atesta em sentido completamente contrário às suas alegações. Do mesmo modo, assevera que, mesmo antes do início das obras de instalação do empreendimento, as águas do rio Teles Pires nunca foram utilizadas para consumo humano direto - sem que fosse dispensado o devido tratamento - e que a questão de necessidade de implementação de saneamento básico e água potável na região, mesmo antes da instalação do empreendimento já era objeto de solicitação das comunidade indígenas, configurando a demanda inicial uma demanda vinculada às políticas públicas do Estado, cuja obrigação está atribuída à Secretaria Especial da Saúde Indígena, por meio dos Distritos Sanitários Especial Indígena DSEI. Por último, assevera a ocorrência de conexão da presente lide com as outras 08 (oito) ações civis públicas ajuizadas em desfavor do empreendimento, dentre elas, duas distribuídas ao Juízo da 2ª Vara desta Seção Judiciária (nº 3947-44.2012.4.01.3600 e 5891-81.2012.4.01.3600); uma distribuída à 3ª Vara desta Seção Judiciária, posteriormente redistribuída por dependência ao primeiro feito em trâmite na 2ª Vara Federal; e duas distribuídas na Subseção Judiciária de Sinop/MT. Juntou documentos juntados nos Anexos I a III. Conclusos os autos à apreciação do pedido liminar. É o relatório. Fundamento e decido. De início, afasto a alegação de conexão destes autos com aqueles citados pela Requerida Companhia Hidrelétrica Teles Pires, uma vez que o objeto, e a causa de pedir, da presente lide apresenta-se claramente diverso daqueles pleiteados nas ações referidas (art. 103 e 253, I, do CPC). Nos termos do disposto no art. 273, do Código de Processo Civil, a tutela Pág. 3/10

antecipada deverá ser concedida quando, existindo prova inequívoca hábil a convencer o magistrado da verossimilhança das alegações deduzidas pela parte, houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Prevê o 2º do aludido dispositivo legal a impossibilidade de concessão da tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. O 6º dispõe que a medida poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. Segundo Ernane Fidélis dos Santos: Conclui-se, pois, que, para a tutela antecipatória, diz-se que convencimento de verossimilhança nada mais é do que um juízo de certeza, de efeitos processuais provisórios, sobre os fatos em que se fundamenta a pretensão, em razão de inexistência de qualquer motivo de crença em sentido contrário. Provas existentes, pois, que tornam o fato, pelo menos provisoriamente, indene de qualquer dúvida. 1 1 Carreira Alvim sublinha na mesma esteira: Esse trinômio alegação, fato e prova está indissoluvelmente ligado, para fins de antecipação de tutela, porquanto, quando se fala em verossimilhança da alegação tem-se por verossímil também o fato a que se refere e, igualmente, a prova em que se apóia, ainda quando não haja necessidade de ser provado, em face de alguma circunstância externa ao próprio fato (fato incontroverso, notório, coberto por presunção legal absoluta, etc.) 2. A pretensão do MPF é a de garantir, liminarmente, o efetivo fornecimento de água potável suficiente para o abastecimento das populações indígenas, que vivem nas aldeias que margeiam o rio Teles Pires, as quais estão sendo diretamente impactadas pelas obras da UHE 11 SANTOS, Ernane Fidélis. Novos Perfis do Processo Civil Brasileiro, 1ª ed., 2ª tir., Belo Horizonte: Del Rey, p. 30 sem grifos no original. 22 ALVIM, Carreira. Código de Processo Civil Reformado, Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 110 Pág. 4/10

Teles Pires, notadamente aquelas residentes nas Terras Indígenas Kayabi e Munduruku (aldeias São Benedito, Coelho, Tucumã, Lage, Dinossauro, Kururuzinho, Minhocuçu e Sapé), além de outras etnias eventualmente identificadas posteriormente. A pretensão se funda no argumento da necessidade de proteção de referidas etnias. Isso porque, segundo afirma, a construção da usina hidrelétrica no rio Teles Pires tem comprometido sobremaneira a qualidade da água que abastece referidas terras indígenas, causando sérios riscos à saúde e à integridade física de referidos silvícolas. Destarte, para sustentar as alegações vertidas na inicial, o Ministério Público Federal colacionou ao feito denúncia formulada pela Advogada Juliana de Paula Batista, OAB/MT 16584, na qual esta última relata que a água consumida nas terras indígenas acima referidas (...) é retirada in natura do rio Teles Pires e não costuma passar por quaisquer processos de filtragem ou tratamento. Além de servir ao consumo humano, a água também é utilizada em todas as atividades produtivas desses povos (caça, pesca, roças, áreas de uso e coleta de recursos), bem como para tomar banho, lavar roupa e louça ou ainda para o lazer da criançada (fls. 37). Mais, afirma referida denunciante que: Ocorre que, inúmeros indígenas tem relatado que, desde o início da construção das obras da usina hidrelétrica de Teles Pires, a qualidade da água tem se deteriorado muito: inicialmente relataram que perceberam muito sedimento na água, o que atribuíram a detonação de rochas no rio para implantação das obras. A situação, no entanto vem se agravando a cada dia, em especial, após o curso normal do rio ter sido desviado. Após o desvio do rio, os indígenas relatam que a água se tornou barrenta e suja, o que não é normal em tempos de seca, onde o rio, normalmente, adquire uma coloração esverdeada/azulada e, em locais mais rasos, torna-se límpido e transparente. Do mesmo modo, assegurou que: Os indígenas relatam que em alguns dias a água estava tão barrenta que seu consumo se tornou impossível e que nem mesmo para lavar Pág. 5/10

roupa a água está servindo. Tal informação foi corroborada pela servidora da FUNAI de Brasília, Vivian Gladys, no dia 11/09/2013, quando foi apresentado em Alta Floresta o Estudo de Componentes Indígena da Usina Hidrelétrica de São Manoel. Segundo a servidora, os indígenas perceberam que a água tornou-se muito barrenta e entraram em contato com ela. Imediatamente, a servidora relatou que entrou em contato com uma senhora de nome Cleide, responsável pelos programas relativos aos indígenas da UHE Teles Pires. A servidora prosseguiu informando que a senhora Cleide realizou um sobrevôo sobre a usina e constatou que realmente havia uma grande mancha de barro na água, que saia da usina e chegava até a aldeia Kururuzinho, que a mancha era visível e que realmente começava no empreendimento e que isso se deu por conta das obras que deslocaram uma grande quantidade de argila do rio. Citada denúncia ainda relata a reclamação dos indígenas, no sentido de que (...) o peixe do rio tem diminuído drasticamente e que é difícil pescar, principalmente nos dias em que há dinamitação de rochas na área do empreendimento. Segundo os indígenas o barulho das explosões espanta o peixe (fls.38). Com efeito, sobressai dos autos que, a partir dos fatos narrados pela denúncia acima epigrafada, encaminhou requerimento de informações à Companhia Hidrelétrica Teles Pires e ao IBAMA, sendo confeccionada posteriormente a Nota Técnica nº 10/2014-NUPER, de lavra do Analista do MPU/Perícia/Engenharia Sanitária, Benedito Evilázio Lima da Silva que, assim concluiu: A qualidade das águas naturais depende do grau de poluição a que as mesmas possam estar expostas, podendo, a possível poluição, ter causas naturais ou artificiais. Já a água para consumo humano deve ser inofensiva à saúde, agradável aos sentidos e adequada ao uso doméstico. A água potável, além da isenção de materiais tóxicos e microorganismos patogênicos, deve ser incolor, insípida e inodora para possibilitar a sua aceitação por parte dos usuários. Mais, afirmou que: No caso Teles Pires, antes das intervenções do Pág. 6/10

empreendimento hidrelétrico, os índios ribeirinhos utilizavam a água do rio para diversos fins sem que se preocupassem, talvez, com tratamento, era a água de que dispunham naquele cenário tranqüilo, sem grandes empreendimentos naquelas proximidades. Com o empreendimento hidrelétrico, os índios passaram a experimentar as alterações da qualidade da água e associaram essas alterações ao referido empreendimento. Ressalte-se que a própria CHTP detectou alterações de ordem organoléptica cor na água do rio Teles Pires. Alterações de ordem organoléptica podem propiciar a recusa do uso da água por usuários. A cor tem pouca importância sanitária, exceto, possivelmente para indicar a origem da água; entretanto, é esteticamente indesejável e entre outros inconvenientes pode manchar materiais. Assim, é possível que haja a rejeição de uma água que se apresente cor. Esse fato pode ser mais relevante quando se trata de populações indígenas. Após estas constatações, o servidor responsável por referida Nota Técnica, sugere que: (...) que órgão ou entidade especializada (universidades, institutos de pesquisa) sejam provocados a realizar trabalho que produza laudo equivalente aos apresentados pela CHTP em termos dos parâmetros traçados no rio Teles Pires; e que sejam disponibilizados filtros, meios para cloração da água e orientações às comunidades e famílias isoladas ribeirinhas daquela região sob influência do empreendimento hidrelétrico. A própria CHTP observa que, independentemente da construção da UHE Teles Pires, a água dos corpos de água Classe 2 destinam-se ao abastecimento para consumo humano somente após o tratamento convencional (fls. 46/47). Portanto, a partir da conclusão lançada na Nota Técnica, em que pese a confirmação de alterações de ordem organoléptica cor na água do rio Teles Pires, à primeira vista, apesar dos inconvenientes desta circunstância, tenho que não restou evidenciado que este fato esteja a provocar lesão à saúde, vida e/ou manutenção das atividades dos silvícolas envolvidos. Ao revés, por sugestão do engenheiro sanitário, a efetiva comprovação de que o Pág. 7/10

consumo humano da água do rio Teles Pires, após o início das obras do empreendimento, possa provocar qualquer malefício às populações ribeirinhas, demanda a realização de trabalho que produza laudo equivalente aos apresentados pela CHTP em termos dos parâmetros traçados no rio Teles Pires, providência esta que não adotada pelo Autor e que poderá ser realizada futuramente ao longo da instrução. Ademais, merecem relevo as medidas já implementadas pelo DSEI KAYAPÓ-MT (fls. 60/61), no sentido de realizarem levantamentos para realização de projetos para implantação do Sistema Simplificado de Abastecimento de Água, que constam com a perfuração de poços artesianos, pois garante uma água de maior qualidade a população, procedimentos que tem por substrato o cumprimento do Plano Prurianual 2013-2015 para as aldeias abrangidas por referido departamento de saúde indígena. Na mesma direção, impõe-se ressaltar os projetos que contemplam as aldeias Mayrowi (Apiakas), que já dispõe de sistema de abastecimento de água com poço tubular profundo, com projetos de reforma e ampliação, aldeia Kururuzinho (Kayabi), que já possui sistema de abastecimento de água superficial, na qual também fora realizado levantamento para ampliação do sistema de abastecimento (construção de poço tubular profundo), com posterior adequação para uso de clorador para tratamento da água extraída diretamente do rio Teles Pires, aldeia São Benedito, que já possui sistema provisório de abastecimento, onde utilizam água do rio São Benedito, como forma de melhorar a qualidade da bebida, local em que também está sendo requisitada a instalação de clorador; e, por fim, aldeia Pontal, na qual, apesar de erro em projeto que não permite o atendimento da demanda local, já se encontra contemplada pela programação orçamentária de 2014 (fls. 60/61). Logo, em pese a relevância da pretensão posta em juízo, que visa a resguardar a própria sobrevivência de comunidades indígenas residentes nas margens do rio Teles Pires, que Pág. 8/10

dependem do uso da água do rio Teles Pires, importa reconhecer que os elementos colacionados ao feito, por ora, não são suficientes para o deferimento da medida de urgência. Máxime quando restou evidenciado que, embora patentes os riscos de degradação da qualidade ambiental da água da região, os requeridos têm adotado medidas para minimizar eventuais problemas decorrentes dos impactos que referidos empreendimentos possam causar às populações indígenas citadas. Some-se a isto, o fato de que, apesar da alegada prejudicialidade do uso da água extraída do rio Teles Pires, não verifico nos autos qualquer lastro probatório de que este fato decorra, exclusivamente ou não, das obras de implantação do empreendimento hidrelétrico. Ainda, não há qualquer elemento apto a demonstrar que, antes da construção da UHE Teles Pires, a água em apreço possuía características satisfatórias ao consumo da população indígena referida, sem que fosse dispensado seu adequado tratamento sanitário. Por isso - como não há, no presente estágio processual, provas suficientes para aferir a verossimilhança do pedido - de rigor o indeferimento do pleito liminar. DISPOSITIVO Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de medida liminar. Citem-se. Após, ao MPF para réplica. Em seguida, vista às partes para a especificação de provas. Intimem-se. Cuiabá, 2 de julho de 2014. Pág. 9/10

Assinatura digital ILAN PRESSER Juiz Federal Substituto no exercício da titularidade da 1ª Vara/MT Pág. 10/10