IV SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS:

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Transcrição:

IV SEMINÁRIO DE ESTUDOS CULTURAIS, IDENTIDADES E RELAÇÕES INTERÉTNICAS: Dilemas éticos, o campo e a pesquisa. GT: Mediações culturais: Identidades e Poder ACAMPAMENTOS RURAIS: CONCEPÇÕES DE TERRITÓRIOS E LUGARES Haiane Pessoa da Silva

ACAMPAMENTOS RURAIS: CONCEPÇÕES DE TERRITÓRIOS E LUGARES Haiane Pessoa da Silva Programa de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente- PRODEMA/UFS haianepessoa@yahoo.com.br Resumo As articulações e mobilização desenvolvidas pelo MST condicionam a formação dos acampamentos rurais enquanto materialização do status social sem terra. Contudo, a realidade que deveria ser fluída e passageira tem se perpetuado por longos anos fazendo com que as barracas de lona preta se tornem assentamentos não legalizados. Assim, este artigo propõe descrever como se configura esses espaços, tendo como foco duas categorias geográficas: lugar, ressaltando a identidade do sujeito e território a partir das relações de poder. Serão apresentados os dados obtidos em três acampamentos rurais situados em Itaporanga D Ajuda/ SE. Assim, a partir da abordagem descritiva analítica pretende-se discorrer como se articula o movimento socioterritorial (MST) enquanto mediador de conflitos, e, posteriormente pretende-se demonstrar como se desenvolve a relação socioambiental no território dos acampados. Introdução A problemática socioambiental que envolve a formação dos acampamentos rurais perpassam os olhares dos viajantes nas rodovias, deixando invisíveis as causas e consequências que levam a formação deste território. Neste sentido, os movimentos sociais do campo, sobretudo o Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra- MST é visto por alguns autores como alternativa de mediação para os conflitos gerados entre os trabalhadores e os latifundiários, isto devido à concentração fundiária existente no país. Assim, as articulações e mobilização desenvolvidas pelo movimento, desencadearam na formação dos acampamentos rurais, como a materialização de um novo

status social, onde esses sujeitos vão estar envoltos em um emaranhado de relações individuais, coletivas ou ideológicas. Neste sentido, o presente trabalho objetiva demonstrar por meio dos resultados preliminares ou parciais (da dissertação de mestrado), que dentro do espaço acampado estão intrínsecas relações hierárquicas e de pertencimento. Logo, tem-se como foco de análise duas categorias geográficas: lugar, ressaltando como o sujeito cria identidade ou se percebe inserido no local; e o Território a partir da análise das relações de poder estabelecidas por ou para os sujeitos acampados. Serão apresentados os dados obtidos nos três acampamentos formados na fazenda São João em Itaporanga D Ajuda/ SE, sendo eles: Coluna Prestes, João Pedro Teixeira e Apolônio de Carvalho. Esses acampamentos apresentam tempos de formação diferenciados, variando de 14 á 4 anos, e, portanto, far-se-á uma discussão critica de quais fatores contribuem para que eles se mantenham por tanto tempo nesta condição, uma vez que essa escala temporal não atende aos dispositivos legais, que é de no máximo 5 anos. A abordagem de investigação será descritiva analítica, levando em consideração as peculiaridades de cada acampamento e as falas dos acampados, registradas por meio de entrevistas semiestruturadas e conversas informais que originaram o diário de campo. Ainda, por se tratar de uma pesquisa sistêmica considerará as observações feitas no local, demonstrando que as ações intermediadas pelo MST, tem favorecido a adoção ou afloramento da identidade camponesa, podendo estar engendrada por relações interesses. Como percurso metodológico, o trabalho iniciará pela apresentação breve da formação do movimento socioterritorial (MST) enquanto mediador de conflitos. Posteriormente o trabalho in loco, servirá de base para apresentar como se dão as ações no território acampado, formando assim uma teia que perpassa a relação homem/natureza no lugar. Por fim, apresentamos as considerações finais. Territórios e territorialidades A categoria território é vista pela geografia como uma configuração que vai além das demarcações político-administrativas de um determinado espaço territorial, abrangendo a complexidade das relações culturais, de poder e as representações simbólicas construídas na identidade do sujeito, conforme preceitua Haesbaert (2000).

Sendo assim, conhecer os elementos que compõe a territorialidade é condição primordial para entender o sujeito acampado e como se operam as relações de poder dentro desse território. Na história dos movimentos sociais do campo, o MST aparece como maior e principal mediador dos conflitos gerados por terra no Brasil do século XX. Geralmente, estes movimentos têm como objetivo promover mudanças institucionais e culturais, e, neste processo conflituoso, a identidade coletiva é um ponto estratégico (GOHN, 2010). Assim, o MST vem apresentando como estratégia de mobilização e reivindicação para adesão ao movimento os ideais da Reforma agrária, que em suma pretende democratizar o acesso a terra. E, de acordo com seus representantes para se chegar a tal fim é preciso passar pelo processo de resistência e luta, o que ocorre por meio de ocupações e com a formação de acampamentos. As táticas utilizadas pelo movimento para demarcação territorial é constituída pelo perímetro físico delimitado por meio do levantamento da bandeira do MST nas ocupações 1, e, posteriormente nos acampamentos, ou pré-assentamentos, construídos a partir das barracas de lonas. Mas, o território ganha também a conotação simbólica ao se estabelecer regras ou normas que perpassam as fronteiras locais. Desse modo, a luta e a reivindicação pelo acesso a terra se inicia no território instável, sem legitimação perante a lei e, portanto, a margem do amparo das políticas públicas, já que os acampamentos representam incertezas geradas no processo constante de desterritorialização e reterritorialização. Isto pode fazer com que as relações de pertencimento com lugar não sejam concretizadas, já que são construídos territórios fluídos, em que a qualquer momento o acampamento pode ser desterritorializado, enquanto demarcação física. Logo: Presume-se que o território usado pelo acampamento é um espaço de transição, um lugar de passagem, mas um local onde as práticas sociais criam o domínio dos movimentos sociais, inserido no território da propriedade fundiária absoluta (ILHA, 2005, P. 8). Apesar de o acampamento ter premissas de um território fluido, as relações de poder se mantém no território simbólico, visto que a ideia engendrada pelo movimento 1 O processo em que os trabalhadores rurais sem-terra (assentados e acampados) desenvolvem estratégia de resistência, ocupando lugares geralmente públicos, por tempo curto (SOUSA, 2009).

continua existindo, e, portanto, será manifestada materialmente em outro espaço, podendo ser um outro acampamento ou no assentamento, tratando-se do processo de reterritorialização, discutido por Haesbert (2007). Portanto, o cenário dos acampamentos pressupõe um movimento constante de reconstrução do próprio território no local, bem como em outros espaços. Ilha (2005) ressalta a importância da mediação social desenvolvida pelo MST, contudo discorre que: Os movimentos sociais estão se tornando um exemplo de mobilização política na busca de direitos sociais, um agente mediador entre o povo e o Estado. No entanto, é preciso avançar mais para compreender as diversas faces desta relação, à qual é atribuída um papel transformador e portador de novas propostas de organização política, social e econômica, reconhecendo retrocessos e avanços na participação política e nas condições sociais daqueles que compõe o MST (ILHA, 2005, p. 2). Isto por que as ações desenvolvidas pelo movimento tem se mostrado controladora, a medida, em que são impostas regras que priorizam a organização e manutenção dos acampados no local. A qual, podemos citar como principais normas: 1) Cumprir os Três dias e três noites- Essa norma pretende manter as pessoas no acampamento pelo mesmo três dias da semana, pois a maioria delas não moram no acampamento; 2) Produzir na terra, ou seja, é obrigatório desenvolver alguma atividade agrícola no local, caracterizando os sujeitos como agricultores para o futuro assentamento; 3) Participar das mobilizações e reuniões organizadas pelo movimento; 4) Fazer atividades coletivas no acampamento como: limpar fonte de água e o terreno para plantação, construir barracas, entre outras. 5) Respeitar os colegas de acampamento, chamados de companheiros - sendo proibido: brigas, consumo de bebidas alcoólicas, utilizar-se de palavras de baixo calão, entre outras ações que prejudiquem a boa convivência. Esses regulamentos servem como principio no processo de construção da identidade coletiva que será consolidada no assentamento. Moreira (2009) chama a atenção para a construção identitária dos sujeitos sem terra proposta pelo movimento,

pois, estar acampado implica na primeira etapa de luta para a substituição do território passageiro pelo território da solidariedade, almejando alcançar novos paradigmas que regem as relações sociais, ou seja, a formação do Território de Esperança. O acampamento Coluna Prestes formado há aproximadamente 14 anos, demonstra que a espera pelo assentamento é uma realidade que tem se prolonga por muitos. Visto que, o tempo de estadia no local é bastante destoante do que determina a constituição brasileira (OLIVEIRA, 2008). Neste sentido, os acampamentos estão tornando-se uma espécie de bolha se inflamando progressivamente com a entrada de pessoas, fazendo com que haja o desmembramento do espaço territorial, prejudicando o desenvolvimento da atividade agrícola, já que é cada vez menor a dimensão da área. Os acampamentos João Pedro Teixeira e Apolônio de Carvalho foram construídos á quatro anos na mesma fazenda do Coluna Prestes, fazendo com que não houvesse uma ordenamento lógico das barracas, assim não se consegue distinguir onde começa um acampamento e termina o outro. O local cedido pelo INCRA para alocação das pessoas acampadas equivale á 300 metros quadrados, ou seja, uma parcela da fazenda São João. Nesta área o território foi fragmentado por denominações, ou seja, simbolicamente para fins administrativos. Contudo, o local se homogeneíza enquanto espaço físico ou território concreto, uma vez que as dificuldades enfrentadas são as mesmas. Os supracitados acampamentos comportam 142 barracos, dos quais 128 estão ocupados por famílias, totalizando 255 pessoas entre adultos e crianças (ver quadro 1). População do Coluna Prestes Apolônio de João Pedro acampamento Carvalho Teixeira Casais 14 56 38 Solteiros 20 Crianças 12 10 5 Barracos 46 56 40

Total de famílias 34 56 38 Pessoas acampamento no 52 122 81 Quadro 1: População dos acampamentos. Fonte: Coordenadores locais, PESSOA, 2015. Esse entrelaçado de barracas e famílias, sem um critério linear de organização fortalece os hábitos coletivos, contudo, pode ocasionar tensões entre as lideranças locais e entre os próprios acampados, já que a não demarcação física de cada território, faz com que os sujeitos desenvolvam ações de intervenção no espaço territorial do outro. No entanto, as lideranças defendem essa ideia de fragmentação para melhor coordenação. Logo, Sousa (2009) enfatiza que: Um acampamento pode ser extinto não apenas por se transformar em pré-assentamento ou assentamento, mas por diversos motivos que fazem parte das estratégias de luta e organização dos movimentos sociais envolvidos. Como por exemplo, pode ser citada a junção com outro acampamento a depender da necessidade de fortalecimento da luta e da pressão próximo a outros imóveis. (p. 172) Neste ínterim, o MST aprece como mediador político, ideológico e socioterritorial. E, para tanto, utiliza-se estratégias de planejamento, desencadeando um emaranhado de ações que levam a desapropriação de terras e consolidação do assentamento (ver figura 1).

MST Mobilizações Acordos com o INCRA Ocupações Acampamentos Aumento de pessoas desmembramen to da área Menos terras áreas de acampament o acompanha mento assentamento s Figura 1: Esquema de relações socioterritoriais desenvolvida pelo MST. Fonte: PESSOA, 2015. O movimento segue sua lógica interna, em que suas mobilizações desencadeiam a adesão das pessoas ao movimento, fazendo com que existam ocupações e acampamentos. Os acampamentos têm aumentado pela morosidade da resolução da questão agrária, mas também pela mística implementada por meio do movimento, utilizando-se de hinos e discursos políticos que visam animar os militantes para que não desistam da luta (TURATTI, 1999). Em contra partida o MST tem feito acordos com o INCRA para alocar famílias em áreas cedidas para a formação dos acampamentos, servindo como ponto de apoio á espera do futuro assentamento. Nestes pontos de apoio, a organização é de responsabilidade dos coordenadores locais, ou seja, pessoas acampadas indicadas pelo MST ou eleitas pelos seus pares. Essas coordenações têm a função de fiscalizar se as atividades estão sendo cumpridas e disponibilizar a lista de frequência para assinatura nos três dias. E, o não comprimento das normas pode acarretar na expulsão do acampamento, daí decorre a função dos coordenadores grupais que lidam mais diretamente com os sujeitos acampados, servindo de auxilio para os coordenadores locais (Figura 2). Por fim essas informações são repassadas para o coordenador regional do MST.

Coordenadores locais Acampados Coordenadores de grupo 3 dias e 3 noites Cultivo da terra Limpeza da fonte Repassar as cestas básicas Manter a harmonia local Figura 2: Hierarquia local e seus reflexos. Fonte: PESSOA, 2015. Essa hierarquização reflete a uniformidade local do território com barracos construído em sua maioria de lonas pretas e plantações de rápida colheita, pois o movimento prega o cultivo para subsistência e de fácil manuseio, já que a qualquer momento pode haver a legalização do assentamento. Assim, o MST se apropria da adequação das pessoas as normas, como estratégia de exército apto a servir como instrumento de pressão. Logo, a caracterização de que o grupo social que compõe o acampamento é estratificado, significa que ali existem relações de poder calcadas em uma lógica hierárquica e posições desiguais dos indivíduos (TURATTI, 1999, p.15). Lugar: espaço vivido e de identidade? Na geografia é possível identificar dois eixos epistemológicos da categoria lugar: o da Geografia Humanística e o da Dialética Marxista. Embora as duas correntes tenham fundamentações filosóficas diferenciadas, ambas têm em comum as reações ao positivismo, que se tem como lócus a descrição da natureza a partir de leis e teorias, além da dissociação Homem/meio (LEITE, 1998). Neste sentido, as discussões sobre o lugar se dará principalmente sobre o viés humanista, sem desconsiderar, no entanto, as premissas da dialética marxista.

A geográfica humanista anuncia que o lugar concebe como principal característica a identidade criada pelo homem no local. Logo, lugar é a construção física e/ou simbólica designada pela afetividade do sujeito, dando o sentido de pertencimento (AUGÉ, 1994). Dentro dos acampamentos rurais o lugar ganha reconhecimento por meio das relações desenvolvidas pelos acampados no aspecto socioambiental e emocional, ou seja, das ações que envolvem as praticas locais, na interação com os outros sujeitos e motivação pessoal. Assim Carlos discorre que O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido, o que garante uma construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade. Aí o homem se reconhece porque aí vive. (CARLOS, 1996:28) A autora ressalta que a concepção de lugar está articulada à prática cotidiana, em que a identidade, o sentimento de pertencimento e o acúmulo de tempos e histórias individuais constituem o lugar. Em contrapartida, Castells (2000) sugere que a identidade deve ser compreendida como processo culturalmente construído e repleto de significados, e, essa construção imaterial pode advir das instituições dominantes. O fluxo de pessoas entre o município de Itaporanga D Ajuda (local dos acampamentos) e os municípios vizinhos (local de moradia), estão consolidados nos itinerários semanais ancorados nos rodízios de estadia local. Porém é possível encontrar acampados que moram no acampamento, ainda que em número reduzido. Neste sentido, o lugar pode ser visualizado sobre dois prismas: como morada ou residência fixa, já que nos últimos anos as pessoas têm se mantido por muito tempo no local. Criando laços de pertencimento, aonde ocorrem situações de os acampados ter como endereço de correspondência o acampamento. Contraditoriamente o lugar pode assumir a característica do não lugar, ou seja, local em que não se cria vínculo afetivo, já que é entendido apenas como local de passagem, sem expectativas futuras. Deste modo, o não lugar é visualizado sobre a ótica da não identidade do sujeito com o lugar em que está inserido, já que o local não representa seu espaço acabado, e, sim o ambiente propicio para se alcançar determinado fim material (LEITE, 1998).

Diferentemente da perspectiva geográfica o turismo atribui que o não lugar se materializa onde as relações humanas acontecem, estando relacionado ao espaço transitório, em que o local apresenta um determinado objetivo, como: comercio, transporte e lazer (AUGÉ, 1994). Assim, Compreender o lugar é considerá-lo não como uma soma de objetos que se apresentam, mas sim entendê-lo como um sistema de relações (objetivo/subjetivo, aparência/essência, mediato/imediato, real/simbólico). Desse modo, é possível presenciar cenários dicotômicos, tais como o novo e o velho, o tradicional e o moderno, o exógeno e o endógeno, enfim, as mudanças e as permanências (MOREIRA; HESPANHOL, 2007). Tuan (1983) entende que o lugar é marcado por três palavras-chave: percepção, experiência e valores. Em que essas características podem possuir diferentes escalas, desde o pequeno lugar, constituído pela experiência vivida (no quarto, sala, no barraco), ou seja, no pequeno espaço, até o macro lugar representado pelo Estado, através do desenvolvimento e identificação de elementos como a arte, a educação e a política. Neste sentido, o acampamento passa a se constituir como um espaço relacional, que desenvolve relações sociais e ambientais. Na perspectiva social entende-se que são criados laços de pertencimento ao determinado grupo, através das relações de parentesco e vizinhança, uma vez que, 100% dos acampados entrevistados nos três acampamentos, ao serem questionados sobre como é viver no acampamento, disseram se sentirem bem no local, utilizando-se dos termos: viver em comunidade, estar em família e todos samos companheiros. Como podemos perceber resumidamente na fala Aqui todo mundo é igual, aqui é um por todos e todos por um (acampada 1, Ac. Coluna Prestes, 2015). Na perspectiva ambiental houve a predominância das falas sobre a importância do uso da terra como meio de subsistência. E, apesar de as atividades agrícolas tem conotação obrigatória no local, foi também ressaltada a relação com a terra sobre a perspectiva de herança familiar (Gráfico 1), em que para muitas pessoas o acampamento representa a volta do homem ao campo, as suas origens no campo.

25 20 15 10 Não tiveram influencia tiveram influência familiar 5 0 Coluna Prestes João pedro Teixeira Apolônio de Carvalho Gráfico 1: Influencia familiar nas atividades agrícolas dos acampados/ Acampamento. Fonte: PESSOA, 2015. Portanto, concluímos que apesar do acampamento rural se configurar como a materialização da ação rebelde. A identidade coletiva, social, cultural e ambiental também são percebidas, uma vez que, se manter na luta por um ideal, representa a esperança do futuro melhor. Considerações finais Nos dias hodiernos, a formação dos acampamentos rurais representam a desigualdade de classe, demonstrando que se faz necessário levantar a poeira sobre os problemas estruturais ainda não resolvidos. A identidade coletiva fomentada pelos movimentos sociais são instrumentos de empoderamento e fortalecendo da classe. No entanto, se houver um desvirtuamento da ideologia da Reforma Agrária 2, esse movimento pode se constituir uma ferramenta de manipulação e concretização de interesses privados, em detrimento da busca pelo desejo coletivo, o que pode levar ao descrédito de toda uma luta de classe. E, isto é perceptível quando nos debruçamos sobre as relações de poder que permeiam o território dos acampados. 2 A reforma agrária é uma questão política e de justiça social, além de ser um instrumento de contenção do êxodo rural (MITIDIEIRO JÚNIOR, 2001).

As ideologias dos movimentos sociais, a exemplo do MST se operacionaliza inicialmente nos acampamentos, perpetrando nesses lugares um novo processo de sociabilidade. Como discorre Turatti (1999) é o momento-chave da passagem para a condição ser sem-terra, para um estilo de vida coletivo que engendra solidariedade e conflito ao mesmo tempo, enquanto se prepara de fato transformar-se num grupo social comunitário, compartilhando valores e laços de solidariedade (TURATTI, 1999). Referências AUGÉ, Marc. Não-Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 1ª ed. Campinas: Papirus, 1994. CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: Hucitec, 1996. FERNANDES, B. M.; MARQUES, M. I. M.; SUZUKI, J. C.(orgs.) Geografia Agrária: teoria e poder. 1 ed. São Paulo: expressão popular, 2007. FERNANDES, Bernardo Mançano. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespacias: contribuição teórica para uma leitura geográfica dos movimentos sociais. Revista Nera, Presidente Prudente, N 6, p.14-34, 2005. HANNIGAN, John. Sociologia Ambiental. Editora vozes. Petrópolis: Rio de Janeiro. 2009. IHA, Mônica Hashimoto. Territorialidade da posse na luta pela reforma agrária: os Acampamentos do MST em Iaras (SP). Dissertação de mestrado pela Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), Instituto de Geociências. Campinas,SP.: [s.n.], 2005, 168 pgs. LEITE, Adriana Filgueira. O Lugar: Duas Acepções Geográficas. Anuário do Instituto de Geociências UFRJ. Rio de Janeiro, 1998. MOCELLIM, Alan. Lugares, Não-Lugares, Lugares Virtuais. Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC. Vol. 6, 2009. MOREIRA, Emilia. Territórios de esperança. João Pessoa: Projeto de Pesquisa. CNPq, 2006. MOREIRA, Erika Vanessa; HESPANHOL, Rosângela Aparecida de Medeiros. O LUGAR COMO UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL. Revista Formação. 2007.

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