EDUCAÇÃO NO CAMPO E DESENVOLVIMENTO RURAL: ANÁLISE DAS ESCOLAS NO CAMPO NA MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA DE IPORÁ/GO
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1 EDUCAÇÃO NO CAMPO E DESENVOLVIMENTO RURAL: ANÁLISE DAS ESCOLAS NO CAMPO NA MICRORREGIÃO GEOGRÁFICA DE IPORÁ/GO Silvaci Gonçalves Santiano Rodrigues Universidade Federal de Goiás/Campus de Jataí silvacisantiano@hotmail.com Evandro Cesar Clemente Universidade Federal de Goiás/Campus de Jataí evandroclemente@yahoo.com.br Resumo As relações capitalistas de produção têm avançado e se fortalecido cada vez mais no campo brasileiro, intensificando a exploração capitalista sobre os trabalhadores rurais e dificultando a permanência dos agricultores familiares no campo, fortalecendo o denominado agronegócio. Neste sentido, compreendemos que a educação do campo constitui-se num instrumento de luta dos agricultores familiares e dos trabalhadores rurais. Diante deste contexto, buscaremos analisar situação das escolas localizadas no campo nos municípios da Microrregião Geográfica de Iporá GO, averiguando em que medida tais unidades escolares tem contribuído para o desenvolvimento rural, entendido aqui como a melhoria das condições de vida da população que reside e trabalha no campo. Palavras-chave: Educação no Campo. Desenvolvimento Rural. Iporá, Agricultura Familiar. Introdução A partir do final dos anos 1950, o campo brasileiro sofreu significativas transformações desencadeadas pela implementação do pacote tecnológico da Revolução Verde, no que ficou conhecido no Brasil como o processo de modernização da agricultura. Tais transformações ocorreram e vêm ocorrendo em maior ou menor intensidade no país, dependendo das condições regionais de materialização do capital neste espaço. Como resultado destas transformações, as relações capitalistas de produção têm avançado e se fortalecido cada vez mais no campo brasileiro, intensificando a exploração capitalista sobre os trabalhadores e dificultando a permanência dos agricultores familiares no campo, aumentado cada vez mais o poder do denominado agronegócio i. Ao mesmo tempo em que o campo passou a ser cada vez mais dominado pelo grande capital, é possível notar que os pequenos agricultores familiares nos últimos anos vêm resistindo e se organizando em grupos com o objetivo de lutar pelo direito à terra, ao trabalho e educação, enfim, por melhores condições de vida. 1
2 Nesse contexto, a luta por uma educação no/do campo tem sua origem no processo de luta dos agricultores familiares e trabalhadores rurais visando garantirem sua reprodução social e permanência no campo, pois a busca pela melhoria das condições de vida exige, dentre outras medidas, a oferta de uma educação voltada para suprir e valorizar as exigências do trabalho e do modo de vida no campo. A partir destes argumentos, o principal objetivo da pesquisa consiste em analisar a situação das escolas do campo localizadas nos municípios da Microrregião Geográfica de Iporá GO, investigando em que medida a educação ofertada nestas unidades escolares tem contribuído para o desenvolvimento rural, entendido aqui como a melhoria das condições de vida dos agricultores familiares. Portanto, as escolas selecionadas para o levantamento de dados empíricos desta pesquisa são as pertencentes às redes municipais dos respectivos municípios da referida microrregião, já que não existem escolas estaduais localizadas no campo na região delimitada para estudo. Até o presente momento, para a elaboração deste trabalho realizamos levantamento e pesquisa bibliográfica acerca do tema, no caso, material relacionado à educação no/do campo e também sobre a Microrregião Geográfica de Iporá. Outros materiais também vêm sendo pesquisados como: consultas a documentos como a LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, bem como os projetos político-pedagógicos das unidades escolares e os livros didáticos utilizados nas escolas. Também vem sendo efetuadas consultas às bases de dados do IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e SIEG Sistema Estadual de Estatística e Informações Geográficas de Goiás. Os documentos do MEC Ministério da Educação e Cultura que abordam a Educação no/do Campo também serão consultados, afim de conhecermos e termos condições de analisar as propostas oficiais implementadas. Importante destacar, que o presente trabalho originou-se de uma pesquisa em nível de monografia de final de curso em Geografia ii na Universidade Estadual de Goiás (UEG Unidade Iporá) em 2010, que tinha como objetivo investigar a importância da Geografia escolar para a formação de conceitos nas escolas do campo do município de Iporá Goiás. Nos deparamos iii com alguns problemas específicos destas escolas e, que, embora não fossem objetivos da pesquisa, em função de estarem localizadas no campo, a discussão inevitavelmente se voltou também, mesmo que de maneira não tão profunda para o tema Educação do Campo. 2
3 Antes de efetuarmos a pesquisa de campo, havia em nós um pensamento equivocado sobre as escolas do campo, justamente por falta de informações e leituras mais profundas sobre o tema, o que levou-nos na época, a denominar as escolas pesquisadas de Escolas rurais. Nossa concepção em relação a estas escolas mudou a partir de estudos e leituras efetuadas sobre a Educação do Campo. Isto fez com que nos interessássemos em aprofundar as investigações acerca de outras escolas do Estado de Goiás. Percebemos vários problemas existentes nas escolas pesquisadas. Como exemplo destes problemas, podemos citar: educadores despreparados para o trabalho com classes multisseriadas, livros didáticos ultrapassados, pois os livros de Geografia e História não estavam disponíveis, sendo utilizado o livro de Estudos Sociais do longínquo ano de 1987, portanto, já muito defasado. Outro problema detectado e que consideramos grave, refere-se à ausência do PPP - Projeto Político-Pedagógico, pois as escolas adotavam o manual do MEC (Projeto Base do Programa Escola Ativa) iv o projeto a ser seguido sem as possíveis adaptações para a realidade local. Entendemos que é necessário existir um PPP, construído e debatido por todos os profissionais de cada unidade escolar, pois o mesmo é muito relevante para nortear a construção de um projeto educacional coletivo, legítimo, envolvendo a escola, comunidade e familiares dos educandos em torno de projeto sólido e voltado para as necessidades e interesses locais. Características do campo na Microrregião Geográfica de Iporá-Goiás A Microrregião Geográfica de Iporá encontra-se localizada na Mesorregião Geográfica Centro Goiano, de acordo com o IBGE. Segundo as estatísticas municipais do SEPIN Superintendência de Estatística, Pesquisa e Informações Socioeconômicas, 2002, a referida Microrregião Geográfica possui uma área de km². A partir de dados do Censo agropecuário realizado em 2006, a área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários na Microrregião Geográfica era de hectares. Esta área abrigava estabelecimentos agropecuários. A maioria destes estabelecimentos são constituídos por pequenos estabelecimentos rurais com área de até 100 hectares, somando um total de 3.011, que perfazem 69,65% do total do número de estabelecimentos, ocupando 2,76% da área total. 3
4 O número de estabelecimentos agropecuários que possuem áreas maiores que 100 hectares somam um total de 1.305, tais estabelecimentos constituem 30,18% do total, ocupando 1,19% da área total dos estabelecimentos agropecuários. Isso mostra que na Microrregião Geográfica de Iporá predominam, ao menos em número, os estabelecimentos de porte familiar. Ainda com base nos dados do IBGE (Censo Agropecuário de 2006), os estabelecimentos agropecuários com até 100 hectares que praticam a pecuária bovina perfazem de um total de 3.011, o que corresponde a 89,30% que se dedicam à atividade. Portanto, percebe-se que há o predomínio da pecuária bovina no campo regional. Ainda baseado no Censo Agropecuário de 2006, percebe-se que a área total plantada, dos estabelecimentos com até 100 hectares é igual a hectares. Desta área, 446 hectares, estão ocupados com lavouras permanentes, sendo 0,40% da área total; com lavouras temporárias hectares, o que corresponde a 1,39%; forrageiras para corte 567 hectares, sendo, 0,52%; pastagens naturais, hectares, correspondendo a 9,71%; pastagens plantadas degradadas hectares, que correspondem a 4,62%. A maior parte desta área estão plantadas pastagens em boas condições, sendo hectares, correspondendo a 62,49% da área total plantada, e hectares com preservação permanente ou reserva legal, que representa 17,34% da área total plantada. Assim, percebemos que a maior parte da área dos estabelecimentos com até 100 hectares na Microrregião Geográfica de Iporá está ocupada pelas pastagens, pois somando as pastagens plantadas degradadas, hectares; as pastagens naturais, hectares; e as pastagens em boas condições, hectares, somam hectares plantados com pastagens, o correspondente a 76.84% da área total plantada em estabelecimentos com até 100 hectares. Assim, 89.30% dos estabelecimentos agropecuários com até 100 hectares contam com a presença de bovinos e 76.84% da área total plantada em estabelecimentos com até 100 hectares são pastagens. Daí, inferimos, portanto, que ocorre o predomínio da pecuária nos estabelecimentos da agricultura familiar na Microrregião Geográfica de Iporá De acordo com dados do IBGE, a Microrregião Geográfica de Iporá é constituída por 10 municípios. A seguir apresentamos os municípios e as respectivas unidades escolares existentes no campo em cada um deles: o próprio município de Iporá conta com duas unidades escolares no campo; o município de Ivolândia, com duas unidades escolares; 4
5 Fazenda Nova, duas unidades escolares; Córrego do Ouro, uma escola; Moiporá, uma escola; Amorinópolis, Cachoeira de Goiás, Israelândia, Jaupací e Novo Brasil são municípios que fazem parte da Microrregião Geográfica de Iporá, porém, não possuem escolas situadas no campo. Assim, dos dez municípios, apenas cinco municípios possuem escolas para atender os alunos do campo. Constatamos que nos demais municípios as escolas localizadas no campo já foram fechadas. Apesar do predomínio de pequenos estabelecimentos, percebemos na pesquisa realizada no final do curso de graduação, o fechamento das escolas no campo por falta de educandos, evidenciando assim o esvaziamento populacional no campo regional, como reflexo também da desvalorização do campo e seus habitantes. Como há esforços por parte do Poder Público dos municípios para ofertar transporte escolar, os pais têm preferido enviar seus filhos para estudarem nas cidades. Isso tem ocorrido pelo fato de que, existe no imaginário dos indivíduos a crença de que as escolas localizadas no campo não têm os mesmos recursos didáticos pedagógicos, nem as mesmas condições que existem nas escolas situadas nas cidades, o que reforça a crença de que seus filhos estarão em desvantagem em relação aos educandos da cidade. Portanto, constatamos em nossa pesquisa de trabalho de conclusão de curso em 2010, que foram fechadas 50,0% das escolas do campo evolvidas naquela pesquisa, as quais, consideramos essenciais para o fortalecimento, desenvolvimento e permanência dos agricultores de base familiar. Outro problema é que não há professores qualificados para realizar um trabalho educativo que tenha como referência a vida no campo, justamente pelo fato de que os educadores em sua maioria são oriundos da cidade e não possuem formação e sequer um conhecimento profundo acerca da realidade dos alunos do campo. Pesquisar as escolas localizadas nos municípios que compõe Microrregião Geográfica de Iporá advém do interesse em compreender qual a situação da educação no/do campo, procurando averiguar se a educação ofertada nas escolas do campo dos municípios da região se pautam efetivamente por uma educação voltada para o campo ou, se ainda se mantém aquele modelo que têm como base a realidade urbana. Pensamos que não é possível estudar a educação no/do campo sem compreender também este aspecto do fechamento das escolas no campo, pois concordando com Souza, (2010, p. 23) [...] não são apenas as unidades que fecham, mas fecha também 5
6 um dos elementos principais para a recriação do campesinato que é a educação no/do campo. A educação no campo no contexto nacional e goiano A educação vem sendo uma bandeira de luta levantada pelos agricultores familiares brasileiros nas últimas décadas. Foram Iniciadas quase que ao mesmo tempo em que se formaram os movimentos sociais no campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). [...] no Brasil das duas últimas décadas, e mais precisamente da última década, constata-se um movimento social por uma Educação do Campo. Esse movimento ganha contorno nacional tendo base na militância de organizações e movimentos sociais do campo [...] (MUNARIM et al, 2009, 57-Grifos do autor). Assim, a proposta de educação do campo se tornou tema de debates, em que a partir destes, tem-se implementado algumas políticas favoráveis ao fortalecimento da educação no/do campo. Isso pode ser verificado nas leis e documentos que tratam da educação no país, como na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN (9.394/1996) e também nas Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo, as quais tem norteado práticas educativas para estes espaços. Sob este contexto, compreende-se que uma educação efetivamente do campo passou a ser um dos elementos fundamentais para o fortalecimento e manutenção dos agricultores familiares e trabalhadores do campo. Importante destacar que: O movimento social que preconiza uma Educação do Campo no Brasil o faz em oposição ao que se tem tido sob a denominação de Educação Rural. Trata-se de uma demarcação de classe, na medida em que defendemos a educação aos trabalhadores e aos filhos dos trabalhadores do campo. (MUNARIM et al, 2009, p. 62) A educação rural, portanto, sempre contribuiu para a saída do homem do campo e para sua inserção nas cidades, já que se constituía numa educação de orientação urbana, porém, implementada no campo. Os organismos oficiais ao desenvolverem e definirem as políticas educacionais com base nesta educação rural, tinham como objetivo a formação para o trabalho, preparar mão de obra para atender ao capitalismo industrial 6
7 brasileiro que vinha se expandindo com a aceleração da industrialização e urbanização do país. Conforme afirmam os autores a seguir: Ao contrário da Educação do Campo, a educação rural sempre foi instituída pelos organismos oficiais e teve como propósito a escolarização como instrumento de adaptação do homem ao produtivismo e à idealização de um mundo de trabalho urbano, tendo contribuído ideologicamente para provocar a saída dos sujeitos do campo para se tornarem operários na cidade. (OLIVEIRA; CAMPOS, 2012, p. 237) No entanto, as políticas educacionais voltadas para o campo, ao longo dos últimos anos no Brasil, mesmo diante de alguns avanços como resultado das lutas, de modo geral, ainda tem muito a avançar, pois o que se pode observar é que ainda se tem privilegiado um modelo de educação centrado no urbano, em detrimento da expansão e fortalecimento de uma educação baseada e contextualizada no/do campo. Fernandes (2009) afirma que [...] a primeira referência feita à educação rural foi em 1923, nos anais do 1º Congresso de Agricultura do Nordeste Brasileiro. O autor ainda coloca que [...] nascia ali a educação rural do patronato que privilegia o estado de dominação das elites sobre os trabalhadores. (FERNANDES, 2009, p. 139,140). Outra menção foi feita na Constituição de 1934, que se constituiu a partir do modelo da elite latifundiária. Já nas Constituições de 1937 e 1946, Fernandes (2009, 140) afirma que, muda-se o poder das elites agrárias para as emergentes elites industriais. Nas constituições de 1967 e a emenda de 1969 também contribuíram para reforçar o sistema e, por fim, em 1988 é que a educação é finalmente, promulgada como direito de todos. Mesmo sendo direito de todos, muitos brasileiros ainda não possuem acesso a educação, já que na maioria das situações, a educação efetivamente direcionada para o campo não ocorre. Alves (2009) argumenta que as políticas para a educação no campo são tratadas como algo secundário, que [...] De tão inexpressivas, as políticas para a educação no campo são pouco exploradas, inclusive para fins de propaganda política [...]. Neste sentido, para o desenvolvimento de um projeto ao qual a sociedade se aproprie dos ideais e se engaje com atitudes para a manutenção dos valores e cultura do campo, devem existir políticas públicas, tanto educacionais quanto para outros setores, que contribuam para a valorização e a fixação das famílias no campo. 7
8 Por isso, entendemos que a Educação no/do Campo deve ser constantemente discutida, pois, são fundamentais para a construção de uma proposta legítima junto aos trabalhadores e agricultores familiares, que seja voltada efetivamente para garantir o desenvolvimento educacional no/do campo no país. Portanto, o que percebemos é que a partir de 1980 temos oficialmente nos documentos oficiais a educação como direito de todos e dever do Estado, como resultado das lutas encampadas pelos movimentos sociais do campo. Contudo, o acesso a educação ainda tem sido negado. (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2009, p.14), afirmam que Os movimentos sociais carregam bandeiras da luta popular pela escola pública como direito social e humano e como dever do Estado. Assim, somente a partir da década de 1980 é que iniciou-se a luta pelo direito à educação no/do campo. Dentre as reivindicações, os que defendem a educação do campo lutam pela efetivação de uma educação, que necessariamente, exige uma diferenciação entre a educação do campo perante a destinada ao urbano, exigindo também qualidade, considerando o conhecimento que o educando possui, a sua realidade, o saber local. Pois, conforme afirma Freire, (1996, p. 30), é essencial dar importância ao espaço vivido do educando, a valorização do conhecimento prévio que estão relacionados aos saberes dos povos do campo é condição necessária para que ocorra esta educação de qualidade. Não no sentido apenas da transmissão de conteúdos, mas, [...] a educação no interior da escola partiria de uma crítica à realidade social, política, econômica e cultural vigente e como objetivo contribuir ao processo de transformação da sociedade brasileira, num trabalho educativo partilhado com as famílias e com os educandos. (MUNARIM et al, 2009, p. 63) Porém, no geral, o que tem ocorrido é uma educação no campo, em que a escola apenas se localiza ali, porém, os conteúdos, metodologias, professores, calendários, entre outros aspectos, como os saberes característicos dos povos do campo não são valorizados. Portanto, a escola está situada no campo, mas com um modelo que adota os conhecimentos e valores contidos no urbano. Deste modo, as escolas localizadas no campo têm contribuído para corroborar o atraso do campo em relação à cidade. Isso faz com que os alunos do campo sejam vistos como atrasados, enquanto que o urbano e a cidade, por outro lado, são tidos como modernos. Por isso, muitos vão estudar em escolas urbanas e se sentem 8
9 estimulados e atraídos a emigrarem para as cidades, acentuando o esvaziamento e a desvalorização do campo. Diante dessa realidade, em muitas das situações, não podermos afirmar que existe efetivamente uma escola do campo, pois esta, além de ser adequada e buscar aos conhecimentos e valores do campo, também deve privilegiar meios que apontem para uma educação que possibilite a fixação e valorização do homem do campo, visto que mesmo após o processo de modernização da agricultura, os agricultores familiares têm enfrentado dificuldades cada vez maiores em permanecerem e se reproduzirem no campo, em razão da expansão e fortalecimento do agronegócio. Souza (2010, p. 24) contribui para a compreensão da manutenção da cultura e valores do campo, quando argumenta que, nas instituições escolares urbanas, principalmente aquelas localizadas onde o agronegócio está fortemente presente, os agricultores tradicionais têm sido tachados de caipiras, jecas-tatu, ou seja, são percebidos como pessoas atrasadas, mal vestidas, desajeitadas, etc.. Portanto, a luta dos agricultores familiares não se resume somente pela busca do direito à terra, mas sim, na busca da terra como um local de moradia, que ofereça condições para sua reprodução e preservação do seu modo de vida, algo que a educação do campo tem como papel crucial. Assim, o campo deve ser visto como um lugar que ofereça as condições necessárias para a reprodução dos modos de vida que ali existem. O Estado brasileiro em suas políticas públicas,tem ainda hoje mesmo com a existência de movimentos reivindicatórios concedido pouca atenção e recursos para as políticas educacionais voltadas para a educação no campo. Daí, para pensarmos em um projeto efetivo de desenvolvimento rural, é imprescindível uma educação que seja voltada para a manutenção do modo de vida e interesses dos povos que ali habitam. A escola pode ser parte importante da estratégia de desenvolvimento rural, mas para isto precisa desenvolver um projeto educativo contextualizado, que trabalhe a produção do conhecimento a partir de questões relevantes para intervenção social nesta realidade. (FERNANDES, CERIOLI, CALDART, 2009, p. 52) Entendemos que a educação não pode ser neutra, ou seja, ela é intencional, por isso precisa de profissionais que tenham formação e condições para contemplar os anseios e necessidades dos agricultores familiares, para que possa haver mudanças que venham a melhorar a qualidade de vida da população do campo. 9
10 Segundo Souza (2010, p. 14), no Estado de Goiás as principais transformações na agricultura, que culminaram na constituição do agronegócio, iniciaram-se a partir de 1970, com o programa de Desenvolvimento dos Cerrados (POLOCENTRO) e mais tarde, na década de 1980, com o Programa de Cooperação Nipo-brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados (PRODECER). Tais programas contribuíram para a expansão da produção agrícola em grandes propriedades rurais, principalmente de soja para exportação, potencializando a instalação de multinacionais no estado, principalmente na região do Sudoeste Goiano, nos municípios de Rio Verde e Jataí. Com a consolidação do agronegócio em Goiás, os agricultores familiares perderam muito dos seus espaços, muitas vezes vendendo ou arrendando suas terras e indo morar nas cidades. Como consequência, houve a diminuição das escolas do campo, por conta do esvaziamento populacional que este sofreu com o avanço da agricultura moderna. Souza (2010, p. 19) considera que É a educação no/do campo no estado de Goiás, eleita como espaço de fortalecimento do campesinato e de luta contra o agronegócio. Acredita ainda que a expansão do agronegócio demonstra a desterritorialização dos agricultores familiares. Portanto, não podemos pensar em apenas uma educação no campo, de forma que a educação no campo apenas não é suficiente, pois apesar de localizada no campo, pode estar vinculada aos valores da cidade e do urbano, apoiados no modelo do agronegócio em detrimento da valorização do modo de vida no campo. Por conta disso, é fundamental propor uma educação no/do campo para a região de Iporá, que diferentemente do Sudoeste Goiano, não sofreu avanço do agronegócio, preservando ainda muitos pequenos agricultores familiares que necessitam de políticas públicas para permanecerem no campo, dentre ela, uma educação do campo voltada para suas necessidades e interesses. Quando dizemos Por Uma Educação do Campo estamos afirmando a necessidade de duas lutas combinadas: pela ampliação do direito à educação e à escolarização no campo; e pela construção de uma escola que esteja no campo, mas que também seja do campo: uma escola política e pedagogicamente vinculada à história, à cultura e às causas sociais e humanas dos sujeitos do campo, e não um mero apêndice da escola pensada na cidade [...]. (KOLLING, CERIOLI, CALDART, 2002, 19 - Grifos do autor). 10
11 O início das propostas e discussões acerca da educação no/do campo data de 1997 a partir da realização do ENERA - Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária. Contudo, passou-se a pensar em uma educação do campo com a I Conferência Nacional intitulada: Por uma Educação Básica do Campo, que ocorreu em Luziânia, Goiás, em A partir da aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, a educação do campo tem conhecido alguns avanços. Para Fernandes (2009, p. 136) A aprovação das Diretrizes representa um importante avanço do Brasil Rural, de um campo de vida onde a escola é um espaço essencial para o desenvolvimento humano [...] A Educação no/do campo nos últimos anos (a partir de 1998) tem sido intensamente debatida entre os teóricos da área e percebe-se que esta educação não ampara apenas os pequenos agricultores, mas também ribeirinhos, quilombolas, comunidades indígenas, entre outros, que constituem os chamados excluídos do processo de modernização do campo brasileiro. Assim, A educação do campo é intencionalidade de educar e reeducar o povo que vive no campo na sabedoria de se ver como guardião da terra, e não apenas como seu proprietário ou quem trabalha nela. Vendo a terra como sendo de todos que podem se beneficiar dela. Aprender a cuidar da terra e aprender deste cuidado algumas lições de como cuidar do ser humano e de sua educação. Trata-se de combinar pedagogias de modo a fazer uma educação que forme e cultive identidades, auto-estima, valores, memória, saberes, sabedoria; [...] uma educação que projete movimento relações e transformações [...] (CALDART, 2002 p. 33). Percebe-se que a educação no/do campo não busca apenas formar um educando para o trabalho, almeja ir além, objetivando a formação holística do ser humano, considerando a realidade do campo em todos os seus aspectos, como base para o ensino/aprendizagem. Portanto, com as mobilizações dos agricultores familiares e de outros grupos ao longo dos anos, os estudos relacionados à educação no/do campo foram se aprimorando e começaram a contemplar em suas discussões, mais que a análise da qualidade de ensino no que se refere a conteúdos e metodologias. Estas têm avançado buscando discutir a questão dos educadores com formação específica para trabalhar com os alunos do campo, inclusive para efetuar trabalho 11
12 adequado com as classes multisseriadas. Outra questão bastante pertinente, são os salários inferiores dos professores do campo em relação aos dos profissionais das escolas urbanas, além de outros aspectos, como, por exemplo, a discriminação que os educandos vindos do campo sofrem nas escolas das cidades. As discussões referem-se também às condições em que os alunos do campo são submetidos ao serem transportados, quando inexistem políticas consistentes para a permanência da educação no campo, pois dependendo da localidade, nem ônibus escolar adequado é oferecido aos estudantes do campo e quando isto acontece, em alguns casos estes estão sucateados. Os educandos oriundos do campo chegam às escolas cheios de poeira e sujos de lama quando o tempo está chuvoso. Isso contribui ainda mais para a discriminação que ocorre contra estes educandos, por parte dos alunos da cidade. Deste modo entendemos que estas dificuldades enfrentadas no transporte escolar também contribuem para o sentimento de inferioridade dos discentes do campo em relação aos da cidade. Assim, os alunos do campo tendem a desejar residir na cidade. Para kremer (2011, p. 183), [...], o fato é que o transporte escolar se tornou condição primeira para a escolarização dos sujeitos do campo, e há um consenso entre pais, educadores e comunidade de que ele muito tem interferido nas atitudes dos alunos. Também por conta dessa mudança de atitudes ocorrem as reivindicações pela fixação de unidades escolares no campo, procurando estabelecer uma educação que seja de fato voltada no/do campo. Assim os filhos dos agricultores podem permanecer no campo, sem precisarem se deslocar, sendo educados no campo para viverem no/do campo. Considerações finais Pudemos perceber na elaboração deste trabalho que a educação no/do campo é um processo que vem sendo construído de baixo para cima, ou seja, a partir de lutas sociais, sendo uma educação idealizada pelo povo, que não ocorreu de cima para baixo como foi a educação rural no Brasil ao longo dos anos. Embora tenha avançado no sentido de o governo estabelecer algumas políticas para a educação no/do campo, ainda necessita avançar muito. Na microrregião Geográfica de Iporá, percebemos que as escolas do campo estão se fechando, os filhos dos agricultores familiares vindo para a cidade. Assim, constatamos 12
13 a partir destas evidências que podem ser alteradas ao final da pesquisa, que a educação do campo pouco tem contribuído para a fixação do agricultor familiar no campo, para a formação dos valores do campo e para a melhoria de vida das famílias que ali residem, que é em síntese a proposta da Educação no/do campo. Por isso é preciso debater e construir uma proposta legítima e efetiva para a educação do campo na região de Iporá. Tal debate deve incluir, pesquisadores, professores, pais, e outros agentes que estejam envolvidos com a questão educacional para o campo. Notas i Segundo Leite e Medeiros (2012, p.79), [...] O termo foi criado para expressar relações econômicas (mercantis, financeiras e tecnológicas) entre o setor agropecuário e naqueles situados na esfera industrial (tanto de produtos destinados à agricultura quanto ao processamento daqueles com origem no setor), comercial e de serviços. [...] tratava-se de criar uma proposta de análise sistêmica que superasse os limites da abordagem setorial então predominante ii Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado: a importância da geografia escolar para a construção dos conceitos de meio ambiente e cidadania em escolas rurais do município de Iporá GO, orientado pela prof.ª Ms. Jackeline Silva Alves, pela Universidade Estadual de Goiás. iii Faço referência a mim e a minha orientadora. iv Documento disponibilizado pelo Ministério da Educação e Cultura MEC como diretriz para as escolas do campo. Referências ALVES, Luiz Gilberto (org.). Educação no campo: recortes no tempo e no espaço. Campinas, São Paulo: Autores Associados, ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna (orgs). Por uma Educação do Campo. 4. ed. Petrópolis, RJ., Vozes, CALDART, Roseli Salete. Por uma educação do campo: traços de uma identidade em construção. In.: KOLLING, Edgar Jorge; CERIOLI, Paulo Ricardo; CALDART, Roseli Salete. (orgs.). Educação do campo: identidade e políticas públicas. Brasília, DF: Articulação Nacional Por uma Educação do Campo, FERNANDES, Bernardo Mançano; CERIOLI, Ricardo Paulo; CALDART, Roseli Salete. Primeira conferência nacional Por uma Educação Básica do Campo, in: ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna. (Orgs.) Por uma Educação do campo. 4. ed. Petrópolis, RJ. Vozes,
14 , Bernardo Mançano. Diretrizes de uma caminhada, in: ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna (orgs). Por uma Educação do Campo. 4. ed. Petrópolis, RJ. Vozes, FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, KOLLING, Edgar Jorge; CERIOLI, Paulo Ricardo; CALDART, Roseli Salete (orgs.). Educação do campo: identidade e políticas públicas, Brasília, DF: articulação nacional Por uma Educação Básica do Campo, KREMER, Adriana. A nucleação escolar e o processo de desenraizamento nas comunidades rurais do município de Bom Retiro/SC. In: MUNARIM et al. Educação do campo: políticas públicas, territorialidades e práticas pedagógicas. Florianópolis: Insular, p MUNARIM, Antônio et al. Política publica de educação do campo: a articulação entre o Estado e a sociedade. In: AUED, Bernadete Wrublevisk; VENDRAMINI, Célia Regina. Educação do campo: desafios teóricos e práticos. Florianópolis: Insular, p OLIVEIRA, Lia Maria Teixeira de; CAMPOS, Marília. Educação Básica do Campo. In.: Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro, São Paulo: Expressão Popular, SOUZA, Francilane Eulália. O papel das escolas do campo para o fortalecimento do campesinato na disputa territorial no Estado de Goiás. In.: Souza, Clara Lucia Francisca de. et al. (orgs). Geografia e educação do campo: para que e para quem serve a educação no campo do Estado de Goiás?. Goiânia: Vieira,
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