Sara Nunes A CONSTITUIÇÃO DE UM LEGADO: O CONTINENTE DAS LAGENS, DE LICURGO COSTA

Tamanho: px
Começar a partir da página:

Download "Sara Nunes A CONSTITUIÇÃO DE UM LEGADO: O CONTINENTE DAS LAGENS, DE LICURGO COSTA"

Transcrição

1 Sara Nunes A CONSTITUIÇÃO DE UM LEGADO: O CONTINENTE DAS LAGENS, DE LICURGO COSTA Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de Doutora em História Cultural. Orientadora: Letícia Borges Nedel Florianópolis 2017

2 2

3 3

4 4

5 5 Dedico: Eu que pensei em tantos outros nomes e, então, como um sopro, você escolheu seu nome. João... mais, João Rafael. Tempo depois pensei sobre o significado literal desses nomes: João: o enviado de Deus Rafael: aquele que cura Assim: João Rafael, aquele que cura. Dedico essa tese a vocês: João Rafael e Rafael, os meninos lá de casa. E aos meus: pai e mãe.

6 6

7 7 GRATIDÃO Uma colcha de crochê. Só posso expressar a minha gratidão por todas as coisas que me cercam e são internas a esse ritual da escrita de uma tese, começando pela colcha de crochê tecida pela minha avó materna, já falecida. Um dia antes de começar essa que foi, para mim, uma trajetória brutalmente transformadora o doutorado, ganhei a colcha de crochê para guardar como lembrança da vó. E esse lembrar desencadeou memórias que conduzem a entender um pouco quem eu sou (a junção daqueles que me antecedem, somada ao resultado cotidiano de cada dia que respiro). Sou filha de uma mãe que sempre me disse: estude e seja independente, mulher tem que ser dona do seu nariz. Eu devia ter uns três anos de idade e ainda não sabia muito bem acerca desses detalhes que pairam sobre a condição de ser mulher em uma sociedade patriarcal e tão marcada por injustiças. Hoje, entendo um pouco melhor e penso na história das mulheres do meu clã, principalmente minha avó materna, Maria, minha avó paterna, Robélia, e minha mãe, Maria Aparecida. Minhas avós, cada uma em seu contexto, protagonizaram na carne e na alma a dor que caminha junto com a força. Uma foi filha única, órfã na adolescência em um meio rural e latifundiário. Ela queria estudar, mas a solução para encaminhar tão desamparada menina: casamento, ela tinha 19 anos. Daí vieram cinco filhos, sendo a mais velha, a minha mãe. E ela, na condição de mulher e filha mais velha, ajudou a criar os outros cinco. A outra avó foi mãe solteira no final da década de 1930, e tinha 19 anos quando minha tia havia nascido. Depois, foi mãe novamente em Um mês depois do suicídio de Getúlio Vargas, nasceu meu pai. Entre o recorte temporal que compreende o nascimento dos dois filhos sem uma autoridade paterna, muita coisa aconteceu, contudo, Dona Robélia era discreta e não gostava muito desse assunto. Amava discutir política, amava história e aprendeu a ler sozinha nos anos 1980, quando utilizava como recurso para a leitura, os livros didáticos de história de minhas primas mais velhas. Guardo algumas cartas que ela escreveu naquele tempo, rabiscos tão preciosos. Frutos dessa rede, pai, mãe, irmão, gratidão pelo amor, exemplos e ensinamentos. Minha tia e primas de São Paulo, gratidão por me receberem com carinho na temporada quando fiz uma disciplina na USP. Gratidão a todos e com amor. Considerando o enredo apresentado, são muitos os nomes que compõem o crochê de linhas humanas e generosas que compõem os

8 8 bastidores desta tese. Corro o risco de alguns não nomear, não por descaso, mas pelo acaso das fugas que a memória comete. Para as linhas humanas que constituem a minha colcha de vivências, reservo um espaço ímpar aos que adentraram nessa trajetória via UDESC, espaço marcado por profundas amizades e transformação, aprendizados que protagonizam a minha vida. As memórias são as mais felizes. Foi lá na antiga Faed, no prédio que hoje é o Museu da Escola, que entendi que pesquisar sobre Lages seria o meu caminho. Registro minha gratidão a todos os professores, cada um com suas subjetividades compartilhadas na ação da docência. Agradeço os apontamentos da professora Janice Gonçalves no exame de qualificação desta tese, sempre dedicada e atenta. Na construção de minhas escolhas, há aqueles que ocupam uma posição irreversível e de inestimável valor: o professor Norberto Dallabrida, a personificação do comprometimento, generosidade e profundidade acadêmica, a minha referência. Não poderia deixar de registrar toda a minha gratidão à professora Maria Teresa Santos Cunha, cuja participação nesta banca de tese é resultado da forma exemplar como organizava suas aulas e a sensibilidade dedicada a mim. Foi sua forma de atuar que despertou em mim um gosto pela escrita da história. Agradeço imensamente à UFSC, instituição pública onde realizei meu curso de mestrado e doutorado. Nesse espaço, fiz também amizades de grande valor. Agradeço à minha orientadora, a professora Letícia Nedel, pela orientação criteriosa e pela generosidade em me acolher em um momento de transição da minha trajetória na UFSC. Suas contribuições firmes, lúcidas e consistentes se configuram em uma grande força que deu a esta tese um caminho. À professora Maria de Fátima Fontes Piazza, pela generosidade e carinho na leitura realizada e pelas contribuições sempre pertinentes. Ao professor Paulo Pinheiro Machado, pelo exemplo sólido de seriedade, conhecimento e ação. À professora Aline da Silveira e a todo o seu clã, viva a amizade, o vinho e as lembranças do ano de Agradeço também ao amigo Felipe Matos, sempre generoso. Aos amigos de Lages, Carla Souza, Eveline Andrade, meninas fortes do Museu Thiago de Castro, companheiras de todas as jornadas. À Janaina Maciel, pela amizade, confiança e inestimável ajuda com as fontes. Ao Fabiano Garcia, amigo da UFSC e de Lages, uma das mentes mais lúcidas, um apaixonado por desconfortar a história de Lages e que o faz com competência singular.

9 À Elisiana Trilha Castro e ao seu clã, historiadora talentosa, leitora atenta de meu trabalho. Uma parceria produtiva e feliz. Foi Elis quem apontou lá em 2010 a possibilidade de escolher Licurgo e sua obra como objeto de tese. Aos familiares de Licurgo, em especial à filha Lilian e aos sobrinhos Gabriel Costa Rodrigues Alves e Paulo César da Costa. Ao Maurício Neves de Jesus que na condição de superintendente da Fundação Cultural de Lages, incentivou a publicação da segunda edição do Continente. Aos amigos irmãos, Fábio Feltrin e Dani Sbravatti, por partilhar a força para ainda acreditar: viva o sonho, a luta e o novo. Ao final de 2008, o governo Lula criou os Institutos Federais de Educação, uma proposta profundamente transformadora. Desde então, meu sonho era fazer parte desse projeto. Em 2011, o sonho se realizou, passei no concurso e ingressei no IFC Instituto Federal Catarinense Campus Ibirama, como professora do ensino básico, técnico e tecnológico. Assim, essa tese foi escrita em meio à minha trajetória como servidora pública federal. Foi um tempo marcado por desafios extremos, porém, leves por conta das grandes parcerias construídas. Nesse recorte da colcha de crochê, encontrei companheiros para todas as lutas. Ganhei uma irmandade: Gislaine, Guilherme e Liamara. Em muitos momentos, nos tornamos o lar um do outro, já que a casa material e imaterial estava longe ou inexistente, assim, construímos com a força da parceria novos horizontes e teses, dissertações... Em Ibirama, os estudantes também se tornaram parte da casa, Yasmim, Vanessa e Ketrin, meus doces e a inquisição: termina logo essa tese! Desse pedaço ibiramense, que faz parte da colcha de crochê, ou melhor, da composição humana das entrelinhas desta tese, existe um professor doutor em sociologia, que se tornou o diretor do campus Ibirama e suportou todas as minhas intransigências e catástrofes pessoais. Refiro-me ao senhor Fernando José Taques ou, como gosto de chamá-lo, menino Taques, a quem, cuja minha gratidão, não cabe aqui. São muitas e inigualáveis as suas contribuições durante o meu trajeto pessoal e acadêmico. É em terreno ibiramense encontrei também o que hoje dá sentido a todo esse caminho, Rafael. Eu realmente não gostava de dialogar com o setor tecnológico do IFC, com os engenheiros, os quais considerava seres de um outro planeta inabitável, conforme meus fechados conceitos. Obrigada por quebrar paradigmas e de forma leve, feliz e pautada no companheirismo, mostrar-me outros caminhos tão bonitos e 9

10 10 tão maravilhosos para serem vividos. Por todas as coisas tão simples, fortes e cotidianas compartilhadas com tanto amor. Nesse caminho, fizemos a sua tese, agora, a minha, ou como você um dia disse: as nossas. Muito mais que tudo isso, o nosso João, uma escolha e um presente para além de todas as palavras aqui escritas neste exercício de gratidão.

11 11 RESUMO Nesta tese, analisa-se a produção escrita de Licurgo Costa sobre a cidade de Lages, identificando a historicidade do lugar social do agente para compreender o significado de sua principal obra, O continente das Lagens, tanto em sua trajetória de vida, quanto no campo cultural e político catarinense sobre o qual interveio como autor. Dentro dessa análise, problematiza-se e pontua-se a inserção da referida obra no cenário de produção historiográfica catarinense, como também a do próprio Licurgo nesse espaço de atuação. Para tanto, busca-se identificar na ação do autor a intenção de projetar Lages na tradição política e cultural de Santa Catarina, e também, de projetar a si mesmo como intérprete regional da história de Lages. Deste modo, é necessário considerar, na construção da representação sobre o passado de Lages, elaborada por Licurgo, sua posição como um agente social dos quadros da elite política de Santa Catarina, oriundo de duas oligarquias tradicionais da Região Serrana de Santa Catarina, os Ramos e os Costa, famílias que ocuparam relevantes espaços políticos em Santa Catarina. Em sua Escrita da História (1975), Certeau compreende a historiografia como uma operação que envolve a articulação entre um lugar social (uma profissão, um meio), uma prática, isto é, os procedimentos de análise e as regras que lhe conferem um caráter disciplinar, e uma escrita (o texto histórico). Com esse pressuposto, ressalta o caráter institucional, o jogo de forças sociais e as regras da composição ocultas na escrita histórica, permitindo integrar a história à realidade social enquanto atividade humana. Neste sentido, entende-se a escrita de Licurgo e a escritura desta tese como um produto elaborado a partir dos condicionantes apresentados por Certeau. Palavras-chave: Trajetória, escrita, legado, Licurgo Costa, Lages.

12 12

13 13 ABSTRACT In this thesis, the written production of Licurgo Costa on the city of Lages is analyzed, identifying the historicity of the agent's social place to understand the meaning of his main work, The continent of the Lagens, both in his life trajectory and in the field Cultural and political situation in which he intervened as an author. Within this analysis, the insertion of this work in the scenario of historiographic production in Santa Catarina, as well as that of Licurgo himself in this space of performance, is problematized and punctuated. In order to do so, it is sought to identify in the action of the author the intention of projecting Lages in the political and cultural tradition of Santa Catarina, and also of projecting oneself as regional interpreter of the history of Lages. Thus, it is necessary to consider, in the construction of the representation of the past of Lages, elaborated by Licurgo, his position as a social agent of the political elite of Santa Catarina, originating from two traditional oligarchies of the Serrana Region of Santa Catarina, the Branches And the Costa, families that occupied important political spaces in Santa Catarina. In his Writ of History, originally published in 1975, Certeau understands historiography as an operation that involves the articulation between a social place (a profession, a means), a practice, that is, the procedures of analysis and the rules that give it A disciplinary character, and a writing (the historical text). With this assumption, it emphasizes the institutional character, the game of social forces and the rules of composition hidden in historical writing, allowing to integrate history with social reality as a human activity. In this way, it is understood the writing of Licurgo and the writing of this thesis as a product elaborated from the conditions presented by Certeau. Keywords: Trajectory, writing, legacy, Licurgo Costa, Lages.

14 14

15 15 LISTA DE ABREVIATURAS ACL Academia Catarinense de Letras IHGSC Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UDESC Universidade Estadual de Santa Catarina PPGH Programa de Pós-Graduação em História PRC Partido Republicano Catarinense

16 16

17 17 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Belizário Ramos...50 Figura 2: Adélia Ramos, mãe de Licurgo Costa...50 Figura 3: Lages, em Figura 4: João José Theodoro da Costa...60 Figura 5: Retrato de Otacílio Costa...65 Figura 6: Ginásio Nossa Senhora da Conceição, São Leopoldo/RS...68 Figura 7: Frontispício do texto publicado por Otacílio Costa...72 Figura 8: Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro em Figura 9: Licurgo Costa e a carteira sindical Figura 10: Benito Mussolini e um grupo de jornalistas brasileiros, entre os quais, Licurgo Costa Figura 11: Licurgo em companhia de Lourival Fontes e Alzira Vargas, em Figura 12: Getúlio Vargas e a equipe do DIP, entre os quais, Licurgo Costa e Lourival Fontes Figura 13: Licurgo Costa em reunião no gabinete do Presidente Getúlio Vargas Figura 14: Licurgo e Darcy Vargas Figura 15: Ocasião em que Licurgo Costa recebeu Tancredo Neves no Uruguai para negociar a posse de João Goulart Figura 16: Página da agenda de Licurgo Costa, em 31 de março de Figura 17: Imagem de Giorgio de Chirico e Licurgo Costa...141

18 18

19 19 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...21 Apresentação do Problema de pesquisa...21 Metodologia...34 As fontes...37 Estrutura da tese...40 CAPÍTULO 1. O LUGAR DE NASCIMENTO: FAMÍLIA E ESCOLARIZAÇÃO O agreste Desterro e o Ginásio Catarinense...79 CAPÍTULO 2. A TRAJETÓRIA ALÉM DE SANTA CATARINA O Rio de Janeiro nos anos Política, propaganda e ascensão profissional O Itamaraty CAPÍTULO 3. DO RESTO DO MUNDO PARA OS CAMPOS DAS LAGENS As ações do Fidalgo da Serra O memorial da serra As representações do passado sobre um continente: o das Lagens CAPÍTULO 4. A EMERGÊNCIA DO CONTINENTE EM CENÁRIOS DA HISTÓRIA Entre lugares de produção As relações políticas e o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina A circulação do Continente no meio universitário O monumento de um legado CONSIDERAÇÕES FINAIS DOCUMENTOS CONSULTADOS REFERÊNCIAS...237

20 20

21 21 INTRODUÇÃO Apresentação do Problema de pesquisa Caso não sobrassem motivos para justificar sua longa e profícua vida, bastaria a Licurgo Costa o fato de ser o autor de uma das mais importantes obras da historiografia brasileira. O Continente das Lagens, nos seus quatro volumes, já nasceu com a estatura e o destino de ser um clássico, uma daquelas obras sobre as quais Italo Calvino disse que são clássicas porque nunca terminam de dizer aquilo que têm para dizer, e por isso estão voltadas à perenidade. Mas Licurgo Costa foi além, e sua produção literária é farta e sempre brilhante, seja no ensaio, na biografia, na memorialística e em todos os gêneros pelos quais transitou desde que, ainda na terra natal e antes de se lançar ao mundo, fez do ofício de escrever, mais do que vocação, uma necessidade. Descendente de uma estirpe de pioneiros que desbravaram e povoaram os campos das Lages e do Planalto Serrano, abrindo o caminho das tropas numa saga marcada pela coragem e o espírito de luta, cultuou os valores e tradições ancestrais à sua maneira. Deu-lhes a dimensão da cultura e do saber, destacando a inestimável contribuição da gente daquelas paragens serranas à construção da nacionalidade e da identidade catarinense (Diário Catarinense, 13 de julho de 2002). O recorte acima, intitulado O Legado de Licurgo, escrito por Mário Pereira 1, publicado em julho de 2002, pelo jornal Diário Catarinense, traz como mote uma celebração póstuma do lageano Licurgo Ramos da Costa. São notáveis, nessa homenagem fúnebre, as referências à frutuosa trajetória do homenageado, como também a qualificação do morto ilustre como o autor de uma das mais importantes obras da historiografia brasileira, propriamente, o livro O continente das Lagens (COSTA, 1982). Escrito entre os anos de Jornalista e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

22 22 até 1982, a primeira edição foi responsabilidade da Fundação Catarinense de Cultura. A publicação de 1982 marca o retorno de Licurgo Costa para Santa Catarina, já que entre as décadas de 1920 e 1970, construiu sua trajetória profissional, primeiro, como jornalista, depois, como funcionário do Itamaraty em embaixadas e consulados do Brasil pelo mundo. Além de marcar o retorno a casa, O continente das Lagens é também um registro do seu empreendimento na construção de uma representação sobre o passado de Lages, mediante o qual faz um recorte que destaca a memória do grupo social ao qual Licurgo Costa pertencera em sua terra natal. Trata-se de um investimento na produção de uma memória que destaca o legado 2 de seus familiares. Ao retornar para Santa Catarina, após a aposentadoria como ministro de primeira classe do Itamaraty, em meados da década de 1970, Licurgo aproximouse de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico 3, tornando-se sócio em 1976, e da Academia Catarinense de Letras, eleito em Investiu também na produção de uma memória de si relacionada à sua trajetória profissional. E conforme as palavras do já falecido historiador 2 Em seus estudos, a pesquisadora Luciana Quilet Heymann refere-se a legado como um investimento social por meio do qual uma determinada memória individual é tomada exemplar ou fundadora de um projeto político, social, ideológico, etc. Cabe assinalar que a produção de um legado e a fundação de um lugar de memória dedicado a recuperá-lo estão submetidas a condições diversas, tal como ocorre no processo de produção de arquivos pessoais. Em primeiro lugar, dependerão da ação de sujeitos que expressem essa necessidade de recuperar esses legados, que sejam porta-vozes do risco do esquecimento, da dívida com a memória desses personagens, da importância dessa recuperação para a memória nacional, categoria na qual se incluem os legados e os objetos que os simbolizam. In: HEYMANN, Luciana. De arquivo pessoal a patrimônio nacional : reflexões acerca da produção de legados. Rio de Janeiro: CPDOC, 2005, p. 1. A produção de um legado depende e muito dos lugares ocupados por esses sujeitos responsáveis por esse processo de produção, os quais mobilizam recursos sociais e políticos em prol de um projeto de produção de legado. Licurgo Costa, ao retornar para Santa Catarina, foi um agente da produção do legado de seus familiares. 3 Solicitaram-se ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina as atas da instituição referentes à década de A intenção era identificar as condições mencionadas pelos então sócios para realizar o convite a Licurgo Ramos da Costa, a fim de que ele se tornasse sócio. Esses documentos são disponibilizados somente para os sócios, de modo que não foi possível acessálos. No entanto, outros documentos estão disponíveis, como textos, recortes de jornais, entre outros, citados no arrolamento das fontes pesquisadas para a realização desta tese.

23 e também membro do IHGSC, Carlos Humberto Correia, Licurgo mostrou várias vezes que os trinta e tantos anos em que viveu no exterior não o afastaram da cultura do seu estado natal e suas conhecidas diversificações em face dos variados grupos colonizadores e características geográficas (COSTA, 2002). Tendo como ponto de partida essas colocações acerca do legado de Licurgo, a publicação de O continente das Lagens, sua história e influência no sertão da terra firme, e também a memória fabricada pelo autor a respeito de sua própria trajetória, propõe-se nesta tese analisar a produção escrita de Licurgo Costa sobre a cidade de Lages, identificando a historicidade do lugar social do agente para compreender o significado da publicação dessa obra, não só na trajetória literária do autor, mas também no campo cultural e político catarinense sobre o qual interveio. Nessa análise, é importante problematizar e pontuar a inserção da referida obra no cenário de produção historiográfica catarinense, como também a inserção do próprio Licurgo nesse espaço de atuação. Procurar identificar na ação do autor, a intenção de projetar Lages na tradição política e cultural de Santa Catarina, de certa forma, projetando a si mesmo como intérprete regional da história de Lages. No prefácio de O continente das Lagens, escrito pelo próprio Licurgo, ele finaliza com a seguinte colocação: para um lageano que viveu sempre longe da terra natal e para ela retornou quando sentiu que começava a envelhecer, este livro representa, de certo modo, um mecanismo de compensação (COSTA, 1982, p. xv). Prefaciar é algo muito sintomático, precede o que então virá. De tal forma que é notável uma intenção de compensar a ausência através de uma ação pública, que possa conferir certo reconhecimento à memória social e política de seus familiares e, por consequência, dele mesmo como intérprete da região em que nascera. Ressalta-se que, no prefácio, há uma nota de rodapé que acompanha a autodefinição como lageano, na qual ele se apresenta como descendente, tanto do lado materno quanto paterno, dos primeiros povoadores portugueses que chegaram ao lado de Antônio Correia Pinto de Macedo 4. Na organização de sua escrita, Licurgo pontua os vínculos familiares com personagens que ele nomeia como centrais no desenrolar de vários acontecimentos políticos e administrativos de Lages e de Santa Catarina. Conforme as palavras já citadas de Mário Pereira: deu-lhes a 23 4 Bandeirante paulista representante da Coroa portuguesa, responsável por fundar a Vila de Nossa Senhora dos Prazeres das Lagens, em 1766.

24 24 dimensão da cultura e do saber, destacando a inestimável contribuição da gente daquelas paragens serranas à construção da nacionalidade e da identidade catarinense (Diário Catarinense, 13 de julho de 2002). De certa forma, é um acerto de contas de Licurgo com seu grupo social de origem: inscrever a história local e familiar de Lages e dos Ramos e Costa na história política e cultural do estado catarinense. Cabe destacar que essa elite serrana protagonizou eventos em espaços políticos e administrativos de Santa Catarina ao longo do século XX. Contudo, essas posições de poder político não se projetaram com a mesma força ou importância naqueles espaços destinados à História, como as academias de eruditos e a pesquisa acadêmica universitária. A incipiência de estudos sobre Lages acabou por conferir longevidade à obra de Licurgo Costa, transformando-a em um clássico por abstenção da concorrência. Não obstante ter vindo à luz entre o final de 1982 e o começo de 1983, a publicação do Continente ocorreu em um momento da historiográfica catarinense em que é possível observar a franca crise de legitimidade do saber produzido pelo IHGSC, em decorrência da expansão do meio universitário e dos novos pressupostos epistemológicos experimentados pela academia histórica. Apesar de ser uma obra mais reconhecida pelos consócios do IHGSC do que pelos acadêmicos das universidades, o fato de existirem poucos trabalhos publicados, acadêmicos ou não, em relação à história de Lages, torna o Continente uma obra que, embora se configure em um monumento 5 à memória do grupo social ao qual Licurgo pertencera, transita também em espaços universitários, na medida em que reúne, em seu corpo textual, uma ampla gama de temas e fontes. Isso confere ao livro uma valorosa importância, já que reúne uma rica perspectiva de conteúdos, fontes e informações, as quais servem como referência para a produção de outros estudos históricos, como também para pesquisas geográficas, 5 Para compreender essa noção de monumento, cabe apropriar-se das contribuições de Jacques Le Goff, quando afirma que a memória coletiva e sua forma científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos e os monumentos. De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, quer pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores (LE GOFF, 2003, p. 525). Neste sentido, compreende-se O continente das Lagens como um monumento que resulta de uma operação de forças sociais e históricas para celebrar memórias.

25 políticas, econômicas e culturais. Por conta disso, é possível atrelar ao Continente uma compreensão de patrimônio, tendo em vista que agrega bens: menção a documentos sobre um passado constantemente esquecido. Licurgo nasceu em 1904, na cidade de Lages, região serrana de Santa Catarina, filho de Otacílio Vieira da Costa (jornalista e político) e Adélia Ramos da Costa (filha de Belizário Ramos, uma das lideranças do Partido Republicano), representantes de oligarquias latifundiárias da região serrana do estado. Formado em farmácia, direito e economia, foi escritor, jornalista, advogado e funcionário do Itamaraty. A partir da memória que fabricou de si, registrada em um livro póstumo (COSTA, 2002) e em algumas entrevistas, apresenta-se a seguir uma breve súmula de sua trajetória: cresceu em um ambiente rural, rodeado por livros, inclusive de literatura estrangeira, como a obra do português Eça de Queiroz. Recebeu uma escolarização típica às aspirações dos jovens pertencentes às oligarquias da época. Como jornalista, viveu episódios que marcaram o fim da Primeira República e o começo da Era Vargas. Durante o Estado Novo, foi diretor administrativo do DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, um órgão responsável por vigiar, censurar e controlar os meios de comunicação, as produções intelectuais e artísticas. Conviveu com pessoas expressivas, nacional e internacionalmente, tanto do meio artístico quanto político. Foi adido comercial do Itamaraty em cidades como Roma, Madri e Nova York. Foi um personagem sempre presente nas entrelinhas e linhas de articulações políticas e de interações sociais e culturais. Por ocupar um cargo relativo ao comércio exterior no Itamaraty, as agendas pessoais apontam contatos com políticos, entre os quais, Café Filho, atividades culturais com Rubem Braga e Nara Leão, amizade com um dos membros da Academia Brasileira de Letras, Josué Montello, além de certa proximidade com a família de Getúlio Vargas. Publicou vários livros, alguns relacionados ao período em que Vargas esteve no poder, tais como Cidadão do mundo 6 e História e Evolução da Imprensa Brasileira 7, assim como da política econômica do governo de Juscelino Kubischek, Uma nova política para as Américas 8. Publicou 25 6 COSTA, Licurgo Ramos. Cidadão do Mundo. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, COSTA, Licurgo Ramos; VIDAL, Carlos. História e Evolução da Imprensa Brasileira. Rio de Janeiro: Comissão dos Centenários de Portugal, COSTA, Licurgo Ramos. Uma nova política para as Américas. São Paulo: Livraria Martins, 1960.

26 26 também trabalhos econômicos desenvolvidos nas embaixadas e consulados, tais como a Conferência Interamericana de municípios 9, Panorama del Brasile 10, O Brasil e o mercado italiano 11 e O café brasileiro no mercado espanhol 12, além de traduzir A Rua das Vaidades 13, de Gwen Bristow 14. Ao retornar às terras catarinenses, depois de peregrinar por quase todos os continentes, ele escreveu um continente, ou melhor, O continente das Lagens, sua história e influência no sertão da terra firme. Narrativa em quatro volumes sobre a história de Lages, produção que envolve uma abordagem extensa, fazendo uma incursão desde o que o autor denominou como os primitivos habitantes, isto é, os indígenas, até as composições sociais do século XX. Pesquisou sobre várias temáticas, incluindo educação, costumes, política, economia, religião e esportes. Em seu retorno a Santa Catarina, publicou também as seguintes obras: Otacílio Costa, uma vida a serviço da comunidade 15, Lages, comércio e desenvolvimento de uma cidade 16 e Um cambalacho político 17. Dele há também as biografias de Otacílio Costa, Lindolfo Collor 18 e Edmundo da Luz Pinto 19, figuras de projeção nacional com as quais Licurgo convivera. Embora a trajetória do lageano apresente um enredo generoso em experiências, a ação que lhe rende certo reconhecimento, especialmente em seu estado de nascimento, é a publicação de O continente das Lagens, lançado alguns anos após a sua aposentadoria como ministro do Itamaraty. Em seu retorno ao estado, é possível observar dois investimentos em seu repertório, isto é, a construção de uma 9 Idem. Conferência Interamericana de municípios. Rio de Janeiro: Observador Econômico, Idem. Panorama del Brasile. Roma: Nardine, COSTA, Licurgo Ramos. O Brasil e o mercado italiano. Rio de Janeiro: Livraria São José, Idem. O café brasileiro no mercado espanhol. Madrid: States Editorial, BRISTOW, Gwen. A Rua das Vaidades. Trad. de Licurgo Ramos Costa. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, Escritora norte americana nascida em Carolina do Sul, Estados Unidos. 15 COSTA, Licurgo Ramos. Otacílio Costa, uma vida a serviço da comunidade. Lages: Edição do autor, Idem. Lages comércio e desenvolvimento de uma cidade. Lages: Senac, Idem. Um Cambalacho Político. Florianópolis: Lunardelli, Idem. Ensaio sobre a vida de Lindolfo Collor. Florianópolis: Lunardelli, Idem. O Embaixador de Ariel. Florianópolis: Insular, 1999.

27 representação da memória de seu grupo social de origem, um segmento social com força nos quadros políticos, e o outro, a fabricação de uma memória de si, atrelada a uma busca de prestígio ou, em outros termos, a poder simbólico (BOURDIEU, 1989). De certa forma, as vivências além de Santa Catarina proporcionaram um ethos cosmopolita 20 que deveria ser convertido em favor de si e de sua terra natal, em capital cultural. Vale destacar que Licurgo utilizou-se bastante de suas experiências sociais como personificação das próprias qualidades, isto é, como um recurso de poder: 27 Gente famosa que conheci? A lista é longa e variada e carece resumi-la. Dos nacionais anotarei Getúlio, Juscelino, Café Filho e Nereu Ramos, amigos do peito e todos, para os distraídos, Presidentes da República. Também amigos caríssimos, Candinho Portinari, Villa Lobos, Ary Barroso, Érico Veríssimo, Josué de Castro, Gilberto Freyre, Tancredo Neves, Carlos Drummond de Andrade, Josué Montello, Paulo Tarso Flecha de Lima, grande embaixador e, mais espaço houvera mais dissera. Lá fora fui amigo de telefonemas mútuos de Monsenhor Giovanni Baptista Montini, depois S.S Papa Paulo VI; Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros, pintores celebrados, inteligentíssimos comunistas, freqüentadores de minha casa mexicana; George De Chirico, criador da pintura metafísica; em outra esfera Mussolini, Salazar e Franco, rudes e temíveis facistas; Don Gregório Marañon e Ortega y Gasset, espanhóis geniais e universais; o xá da Pérsia e sua belíssima imperatriz Soraya, de rosto evangélico e de mãos macias; a fabulosa Amália Rodrigues; Carmem Miranda, menos fabulosa. No 20 De certa forma o ambiente familiar, o processo de escolarização, a vida como jornalista no Rio de Janeiro e a carreira no Itamaraty foram permeados por esse Ethos cosmopolita. Algumas referências de leitura colaboram para refletir sobre esse ethos na formação dos jovens oriundos das elites. Exemplos:ALMEIDA, Ana Maria F. & NOGUEIRA, Maria Alice (orgs). A escolarização das elites:um panorama internacional da pesquisa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002; GARCIA Jr. Afrânio. Les Intellectuels et la Conscience Nationale au Brésil. Actes de La Recherche en Sciences Sociales, nº 98, juin 1993, p

28 28 México, no subúrbio de Tacubaia, fui vizinho de Trotski e, em Havana, vi de perto Churchill, de charutão na boca. Da nau catarineta, Vidal Ramos, o Tio Vida, naturalmente; Lauro Müller, esgalgado e solitário; Edmundo da Luz Pinto, uma galáxia de inteligência e de graça; Diniz Junior que andava por perto; Luiz Galoti, Ministro do Supremo; Alexandre Konder, uma espécie de Patrocínio Filho Louro. E fico neste resumo, no elenco cintilante de amizades, para não ser muito agressivo e nem despertar ciúmes (COSTA, 1987). Tal apresentação de si consta na contracapa de Um cambalacho político, de , e o que se pontua aqui não é o conteúdo desse livro, mas sim, as escolhas de Licurgo para apresentar, mesmo de forma resumida, a própria biografia. Ao fazer referência muito mais a uma rede de relações do que às próprias ações, essa atitude deixa transparecer um exercício de agregar a si certo capital social em busca de um reconhecimento à sombra do prestígio de suas relações, como também o indício de uma ação compensatória perante a ausência de outros capitais. A menção a essas várias figuras públicas, tanto do meio político quanto cultural, repete-se na publicação de suas memórias, como também nas matérias publicadas nos jornais de Santa Catarina. Então, compreender a sua inserção no cenário catarinense em seu retorno à terra natal, significa considerar: o exercício de poder simbólico agregado a essa trajetória repleta de contatos com nomes ilustres, verificada não somente no que o Licurgo dizia de si, mas também no conjunto de alguns documentos, como cartas e bilhetes, trocados com algumas das personalidades mencionadas; o sobrenome Ramos Costa, oriundo de oligarquias estaduais que exerceram poder político; e a publicação de O continente das Lagens, um memorial do lugar de nascimento, espaço presente na história política, mas quase ausente na historiografia 22. A apresentação da obra, escrita pelo advogado e membro do IHGSC, Norberto Ungaretti, expressa o seguinte: 21 Livro sobre as disputas territoriais entre os estados do Paraná e Santa Catarina, um dos motivos relacionados à Guerra do Contestado ( ). 22 A análise dos dados acerca dessa produção se encontra no 4º capítulo desta tese.

29 29 Lages encontrou o seu historiador e pode agora oferecer à Santa Catarina a grande obra que faltava sobre a sua evolução política, social, econômica, religiosa e cultural. Uma obra à altura da sua importância e das suas tradições. Houve pioneiros, seria injusto omitir. Entre eles, além de outros, Vidal Ramos, Fernando Athayde, Otacílio Costa e alguns padres franciscanos, um dos quais menos estudioso do que personagem da história regional, o santo homem que se chamou Frei Rogério Neuhaus. Mas a Licurgo Costa de vastas raízes serranas, caberia registrar, neste alentado O continente das Lagens, toda a crônica da sua terra, fixada com o objetivado, com elegância, com inteligência, senso crítico, com precisão e riqueza de informações, com revelações baseadas em documentação farta e idônea, parcialmente inédita, fruto de pesquisas que realizou, inclusive em arquivos portugueses (UNGARETTI 1982, s/p). Afirmações como sendo o autor de uma das mais importantes obras da historiografia brasileira, conforme o jornalista Mário Pereira 23, ou então, a colocação de que Lages encontrou o seu historiador e pode agora oferecer à Santa Catarina a grande obra que faltava sobre a sua evolução política, despertam uma instigante inquietação, já que não é possível identificar, na obra escrita por Licurgo, as devidas credenciais que o consagram dentro da produção historiográfica nacional, embora sua origem social, o capital político familiar e a vida cosmopolita que levara, já poderiam lhe conferir recursos suficientes para uma projeção regional. Entende-se também que adjetivar Licurgo como historiador de Lages pode limitar a compreensão da produção de sua própria escrita, uma vez que ele não fora um historiador de ofício. Além disso, 23 Mário Antônio da Silva Pereira, nascido em Porto Alegre, embora formado em direito, atuou mais como jornalista e escritor. Mudou-se para Santa Catarina em meados da década de Foi um dos pioneiros na implantação do jornal Diário Catarinense, e era colaborador fixo da coluna de cultura do mesmo jornal. Tornou-se sócio da Academia Catarinense de Letras em 2009, vindo a falecer em julho de 2014.

30 30 tal afirmação corre o risco de negligenciar a ação de outros narradores 24 que também escreveram sobre a história de Lages, constantemente referenciados como fonte de pesquisa pelo próprio Licurgo na elaboração de seu Continente. Contudo, é inegável que se trata de uma obra de referência, não somente pelas características já mencionadas, como também pelos questionamentos que um olhar mais atento descortina, como uma reflexão mais apurada sobre a utilização das fontes. Licurgo reuniu uma série de documentos considerados oficiais, isto é, vinculados a instituições do poder público, como também se utilizou de documentos não oficiais, tais como diários, memórias, entre outros. A forma como se narra tem uma historicidade, um lugar social. O que move os historiadores a escrever História, os critérios legitimadores dessa escrita, assim como a relação entre o presente e o passado, são fenômenos profundamente históricos. Licurgo escreve de forma a celebrar os acontecimentos políticos que envolvem os nomes das famílias oligárquicas de Lages. Há, na obra escrita do autor, uma intenção reparadora, um esforço homérico para não permitir que o passado sucumba ao esquecimento. Em outras palavras, a escrita de O continente das Lagens representa, pela parte de Licurgo Costa, um investimento à memória de um determinado grupo, em especial, as famílias Ramos e Costa, uma insistência em preservar a memória. No entanto, o preservar, em sua concepção, enaltece glórias, sacraliza a memória, faz culto ao passado, reivindica monumentos como nomes de ruas, instituições e estátuas. Entende-se que esse ato de lembrar requer uma responsabilidade política e ética, é bem mais que celebrar lugares de memória (NORA, 1993), até porque, quando se estabelece um lugar para lembrar, isso significa que a memória já caiu no esquecimento, que perdeu sua força e que precisa de um mecanismo de lembrança, geralmente construído com direções e intenções. Ao se abordar a obra de Licurgo, é importante questionar a construção desse rito social de sepultamento a escrita da história e também compreender os processos políticos de elaboração do passado. A obra escrita por Licurgo é, inegavelmente, uma contribuição para a realização de novas 24 Trata-se especialmente dos políticos que eram também jornalistas em Lages, que escreveram artigos publicados nos jornais da cidade em diferentes épocas. A circulação dessa produção ficou restrita à região de Lages, com exceção de Otacílio Costa, que participou do I Congresso Catarinense de História em 1948, assunto abordado no 1º capítulo desta tese. Licurgo Costa utilizou essas publicações como fonte de pesquisa.

31 pesquisas, de modo que requer um olhar atento às condições históricas, sociais e culturais que cercaram sua produção. Em que consiste a pertinência de realizar uma análise historiográfica sobre a produção de memória e história empreendida por Licurgo, um filho de latifundiários protagonistas do cenário político? Ainda mais nas linhas de uma tese produzida dentro de um programa de pós-graduação de uma universidade pública (espaço marcado por relações de forças que determina qual é o conhecimento histórico que se produz). Não se deve perguntar apenas o que se diz sobre o passado, mas de onde se diz sobre o passado; como esse dizer foi produzido, em qual época, por quem e em quais circunstâncias sociais, políticas e econômicas, como também o que confere legitimidade à determinada produção de conhecimento. A escolha do tema justifica-se ao propor dimensionar a inserção da referida produção na historiografia catarinense, como também interrogar as estratégias que Licurgo utilizou para se inserir nesse cenário, pontuando onde o escritor busca autoridade para a sua narrativa, seja nos documentos, seja em sua trajetória e sobrenome. Observa-se que, de acordo com o historiador Pierre Nora, em seu famoso estudo Entre mémoire et histoire, o que se evidencia como uma revalorização da memória esconde ausências e esquecimentos, pois, fala-se tanto de memória precisamente porque ela não existe mais 25. Neste sentido, o Continente representa um lugar para lembrar, carregado de excesso de memória e esquecimento (RICOEUR, 2007). O excesso de memória fica por conta das celebrações de Licurgo aos seus, enquanto o excesso de esquecimento 26 ao que foge dos limites do grupo social destacado pelo autor, entre outros silêncios. Levando em consideração o tema proposto nesta tese, torna-se primordial analisar a trajetória percorrida por Licurgo Ramos da Costa, para assim pontuar o lugar social desse autor e buscar compreender a historicidade de sua escrita. Ao estudar as práticas sociais que elaboram uma mediação sobre o passado, surge a necessidade de se compreender a história de seus mediadores. A historiadora Angela de Castro Gomes organizou um livro, publicado em 2016, em que realiza uma abordagem voltada a pensar sobre os mediadores culturais 27. Desta forma, é NORA, Pierre. Entre Mémoire e Histoire. La problemátique dês Lieux. In: Les lieux de mémoire. Vol I. Paris: Gallimard, 1984,p.xvii. 26 Licurgo menciona outros grupos sociais no Continente, sem deter-se a uma investigação mais detalhada. 27 Neste estudo, a autora propõe nomear, como mediadores culturais, sujeitos que realizam determinadas operações culturais, sendo seus diversos tipos de

32 32 possível compreender em Licurgo um mediador cultural, cuja operação, ou seja, sua escrita acerca da história de Lages, exerce uma forte relevância na constituição da memória não somente de indivíduos, mas de toda uma comunidade que se apropria dos significados presentes no Continente. Por isso, é necessário considerar, na construção da representação sobre o passado de Lages, elaborada por Licurgo, a sua posição como um agente social dos quadros da elite política de Santa Catarina, uma vez herdeiro de duas tradicionais oligarquias da região serrana de Santa Catarina, os Ramos e os Costa, famílias que ocuparam importantes cargos políticos 28 desde a monarquia até os anos 1960 (LENZI, 1983). No caso de Licurgo, ele recebeu uma escolarização adequada aos anseios desse grupo social, porém, sua trajetória deu-se em um cenário distante da terra natal, diferente da grande maioria dos rapazes que ocupavam semelhante posição social em Lages, os quais retornavam para construir carreira profissional em Santa Catarina. Com dezesseis anos de idade, no começo de 1921, seguindo as ordens do pai, Licurgo desembarcou no Rio de Janeiro para estudar. É justamente nesse período de profundas transformações no cenário brasileiro que o domínio dos proprietários rurais entra em decadência e que a expansão das organizações políticas e espaços de produção cultural ganha força. Nos anos 1930, os intelectuais conquistam um espaço dentro do Estado, como mediadores da nação. Ocorre o que se pode compreender como a transformação do papel ocupado pelos intelectuais (MICELI, 1979), pois não bastava apenas ser letrado e ter um sobrenome vinculado à posse da terra, e sim, investir na profissionalização para buscar a inserção no aparelho estatal como membros da administração. Foi nesse contexto, durante os anos 1920, que Licurgo fez o curso de farmácia para agradar ao pai, conseguiu emprego como jornalista para sustentar a si e à boêmia, já que suas memórias (COSTA, 2002) denunciam o quanto experimentou os bares, as festas e os eventos culturais da então Capital Federal. Entretanto, foi como jornalista que teve acesso aos espaços de maior relevância política, como a Câmara ação designados como práticas de mediação cultural. Observa que essas práticas podem ser exercidas por um conjunto diversificado de atores. In: GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos (Orgs). Intelectuais Mediadores: práticas culturais e ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016, p Mencionados no 1º capítulo desta tese.

33 Federal, local em que fortaleceu as relações herdadas pelo seu sobrenome e origem social, como também teceu novos relacionamentos com integrantes dos grupos políticos que protagonizaram o fim da Primeira República e a ascensão de Getúlio Vargas. Em 1928, passou em um concurso, sendo nomeado 3º oficial do Ministério do Interior, porém, não abandonou o jornalismo, quando percebeu que seria oportuno estudar mais, cursando Direito. Durante os anos 1930, observa-se a ascensão profissional de Licurgo Costa, chegando a ocupar o cargo de diretor administrativo do Departamento de Imprensa e Propaganda DIP, órgão responsável por controlar a produção artística e intelectual, como também por organizar práticas de propaganda do governo Vargas. Licurgo foi responsável por pagar subsídios para vários jornais, uma verba direcionada para a propaganda das realizações de Getúlio Vargas. No começo da década de 1940, ele conseguiu uma transferência para o Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty. A partir de então, tornou-se adido comercial, construiu uma carreira nas embaixadas e consulados Brasil mundo afora, mas com o olhar sempre voltado à sua terra. Ao trazer para estas linhas uma investigação sobre a produção da escrita empreendida por Licurgo Costa em seu retorno para Santa Catarina, considera-se a sua escrita um produto que resulta de vários fatores, tais como: origem social favorecida, educação de qualidade, intima relação com livros e intenso acúmulo de capital social e capital cultural. Trata-se de uma trajetória que, de acordo com as contribuições teóricas do sociólogo francês, Pierre Bourdieu, faz pensar sobre o mundo social de Licurgo, uma vez que ele aprimorou a herança dos capitais recebidos em seu núcleo familiar e reconverteu o capital econômico, social e cultural na construção de sua trajetória profissional. É possível identificar no Continente mais do que uma manifestação da volta nostálgica para casa, pois o fato de escrever a história de Lages é uma expressão de sua trajetória, uma ação de compensação pelos anos ausentes, um investimento no legado do poder político familiar. É possível também compreender a escrita dessa obra como uma ação que emerge de um Habitus 29, entendendo esse conceito como fruto da Sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador estruturador das práticas e representações que por ser objetivamente regulado e reguladores sem ser produto da obediência e regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das

34 34 incorporação da estrutura social de origem no interior do próprio sujeito. O habitus é a interiorização da vida social e se manifesta na prática dos sujeitos de uma forma quase que sinérgica. Essa estrutura incorporada seria colocada em ação, ou seja, passaria a estruturar as ações e representações dos sujeitos, em situações que diferem em alguma medida, das situações nas quais o habitus foi formado (NOGUEIRA, 2004, p. 28). Desta forma, as representações sobre o passado de Lages, elaboradas por Licurgo, configuram-se em uma ação profundamente relacionada com o seu habitus. Além disso, é importante realçar o peso político da elaboração 30 de uma memória sobre determinado grupo social, pois Licurgo advinha de uma família de políticos de alta extração social, portadores de títulos escolares e profissionais de prestígio, compatíveis com o exercício de funções políticas e atividades intelectuais. No entanto, esse grupo letrado de políticos de uma elite de interior, ao qual Licurgo pertencia, não tinha erguido ainda um monumento no campo da cultura até a publicação de O continente das Lagens. A construção de uma memória sobre determinado lugar ou grupo social é um mecanismo de produção de poder simbólico, que pode ser convertido em poder político. Metodologia A escrita da história é uma ética da ação presente, pois o passado não se impõe ao historiador, é investigado em função das perguntas elaboradas pelo presente. A operação historiográfica contemporânea adota uma posição autocrítica, sensível às fragilidades do próprio ofício. A pesquisa em questão é realizada em uma época ou regime de historicidade, em que a emergência dos estudos historiográficos pode ser entendida como sintoma de um momento peculiar de crise da disciplina nas décadas finais do século XX. Observa-se uma reflexão acerca do próprio ofício, uma necessidade de historiar-se, uma busca por compreender melhor os mecanismos de produção do conhecimento histórico. Desta forma, esta tese de doutorado se insere dentro de um contexto universitário, marcado pelos pressupostos teóricos operações necessárias para atingi-las e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente (BOURDIEU, 1994, p. 74). 30 GRILL, Igor Gastal; REIS, Eliana Tavares dos. O que escrever quer dizer na política? Carreiras políticas e gêneros de produção escrita. Revista Pós Ciências Sociais, v. 9, n. 17, 2012, p

35 metodológicos que colocam em inquérito a própria produção do saber histórico, em que se considera este saber como resultado de escolhas, como uma produção caracterizada pelas questões do então presente. Toda operação historiográfica representa o equivalente escriturário do rito social do sepultamento, da sepultura. O trabalho do historiador é uma reconstrução do passado por atos interpretativos complexos (LORIGA, 2009, p. 30). As fontes apresentam-se dadas a interpretar. É fundamental delinear os instrumentos teóricos e metodológicos que serão empregados como lentes na leitura dessas fontes. Ao considerar a escrita da história como uma produção social que constrói uma representação sobre o passado a partir da interpretação das fontes, entende-se que todo trabalho histórico começa com o ato de separar, de reunir em documentos informações distribuídas de forma aleatória (CERTEAU, 2002, p. 1), e logo, organizar, problematizar, interpretar e construir uma escrita. Conforme Certeau, historiador de uma geração que, em determinado momento, voltou-se para a própria prática do historiador de forma crítica, o ofício não seria um dado acabado, mas sim, uma série de disposições e operações históricas e socialmente localizáveis, a partir das quais se construiria a disciplina como é conhecida. A produção de história seria a articulação entre um lugar, uma prática e uma escrita. Em sua Escrita da História, publicada originalmente em 1975, Certeau compreende a historiografia como uma operação que envolve a articulação entre um lugar social (uma profissão, um meio), uma prática, isto é, os procedimentos de análise e as regras que lhe conferem um caráter disciplinar, e uma escrita (o texto histórico). Com esse pressuposto, ressalta o caráter institucional, o jogo de forças sociais e as regras da composição ocultas na escrita histórica, permitindo integrar a história à realidade social enquanto atividade humana. (CERTEAU, 2002, p. 66). Desta forma, entende-se a escrita de Licurgo e a escritura desta tese como um produto elaborado a partir dos condicionantes apresentados por Certeau. No entanto, as contribuições do autor são mais voltadas para investigar a produção de conhecimento dentro de um espaço disciplinar elaborado por historiadores de ofício, ou seja, com formação acadêmica, de tal forma que se apropriar dele, na circunstância desta tese, é algo que se faz considerando o contexto onde Licurgo está inserido, pois não se trata de um historiador com formação acadêmica, de modo que classificá-lo como historiador pode limitar as possibilidades de interpretação de sua escrita. Sendo assim, é melhor entendê-lo como um diplomata aposentado com incursões intelectuais 35

36 36 plurais, considerando a diversidade de suas publicações, e logo, como um intelectual mediador. Assim, o percurso metodológico adotado compreende as representações elaboradas por Licurgo, mais próximas dos diversos quadros sociais dos quais participara, do que exatamente do rigor de uma instituição portadora de reconhecidas credenciais, norteadora da produção do saber histórico. Embora estivesse ligado ao IHGSC, vincular as características de sua escrita apenas a esse espaço, apesar das proximidades, limitaria a compreensão das referências implícitas ou explícitas às representações de Licurgo, assim como a abrangência do alcance de sua obra. Ao argumentar que a produção escrita sobre o passado configurase em uma representação, uma estratégia discursiva, isto é, uma prática de apropriação dos vestígios do passado, reorganizados pelo ofício de escrever em forma de uma realidade textual, identifica-se também nos estudos do historiador Roger Chartier uma significativa orientação de como analisar e compreender a escrita realizada por Licurgo Costa. O objetivo de Chartier consiste em identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler (CHARTIER, 1988, p ). O autor ainda destaca que: Todo escrito obedece a categorias de pensamento e formas de apreensão do real e que ao representarem uma dada situação, os textos criam realidades (CHARTIER, 1988, p. 61.). O Continente se constitui em uma representação performativa sobre o passado de Lages, uma apreensão de várias realidades que acaba por produzir constantemente outras realidades a partir dos atos interpretativos da escrita e da leitura. Conforme já mencionado, além das diversas temáticas abordadas e do extenso recorte temporal (séculos XVI a XX), assemelha-se também a um arquivo em forma de livro, o que lhe confere um lugar de memória, na medida em que guarda em si muitas referências de fontes, vestígios de realidades dadas a interpretar e a construir outras representações. É importante destacar que, por conta dessas características, trata-se de uma obra bastante singular, já que os demais estudos históricos realizados sobre Lages e a região serrana até a data da publicação do Continente voltavam-se a registrar acontecimentos sobre a história de Lages, contudo, sem uma preocupação mais apurada com registros documentais.

37 37 As fontes Além de O continente das Lagens (COSTA, 1982), utilizam-se também, como fonte de pesquisa, as seguintes obras: Licurgo Costa, um homem de três séculos (COSTA, 2002), cujo livro traz as memórias de Licurgo, publicadas um pouco depois de seu falecimento. Nele, há registros sobre a infância em Lages, os estudos no Colégio Catarinense em Florianópolis, a vida boêmia no Rio de Janeiro dos anos 1920, as experiências como jornalista, a vida profissional nos bastidores da política, as vivências internacionais como funcionário do Itamaraty, os relatos sobre as celebridades que conhecera, os gostos artísticos e literários. Depois, o livro Otacílio Costa, uma vida a serviço da comunidade (COSTA, 1983), uma biografia escrita por Licurgo sobre o próprio pai; Como também o livro Reminiscências Políticas do avô, João José Theodoro da Costa (COSTA, 2003), publicadas pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, em uma coleção intitulada Catariniana. Tanto a biografia sobre o pai quanto as memórias do avô, configuram-se em registros que possibilitam analisar a elaboração dessas escritas como legados, uma produção que confere aos seus agentes um lugar de memória e poder. Vale lembrar que o processo de elaboração das memórias de Licurgo envolve, primeiramente, duas entrevistas concedidas a editores e jornais de circulação estadual diferentes, em anos distintos. A primeira publicada em 21 de outubro de 1995, pelo jornal O Estado, organizada pelo jornalista Mario Pereira. A segunda publicada em 25 de fevereiro de 1997, pelo jornal A Notícia, da cidade de Joinville, organizada pelo jornalista Apolinário Ternes. A partir dessas memórias produzidas em função das entrevistas, Licurgo agregou mais algumas páginas e organizou suas lembranças em forma de livro. Na apresentação, elaborada pelo historiador Carlos Humberto Corrêa, à época presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, observam-se pertinentes apontamentos sobre o processo de elaboração dessas memórias, as quais, se reitera, foram construídas a partir de entrevistas, cujas questões foram dirigidas a elucidar determinados aspectos da trajetória de Licurgo: Portanto, não pode ser lido como realmente uma autobiografia que tem, como gênero histórico, certas normas a serem cumpridas e que a caracterizam. Mas, estas memórias mostram perfeitamente a interação entre o individualismo

38 38 do personagem em torno do qual move-se o motivo central do livro, e a sociedade integrante de personalidades as mais variadas que giram em sua volta ou ao seu lado, para as quais o autor foi atraído, coincidentemente ou não. Mais do que coincidência, tenho certeza, concorreu a convergência de personalidades com as mesmas características e com os mesmos fins. De qualquer maneira, mostra também que a história de ninguém é completamente a de um homem só, pois o objetivo de Licurgo, mais do que contar a vida, foi a de registrar aspectos da história dos outros que passaram por sua vida (CORRÊIA apud COSTA, 2002). É importante ressaltar que a utilização das memórias como fonte e objeto de análise nesta tese procura dimensionar o registro destas como percepções elaboradas por Licurgo sobre variados temas, experiências e recortes temporais, o que possibilita analisar as relações tecidas pelo autor nos lugares sociais e também culturais abordados. No caso de Licurgo, que viveu por quase 98 anos, herdeiro de um capital social simbolizado, entre outros fatores, por um sobrenome de prestígio, particularmente em Santa Catarina, arquivou em si muitas vivências e arquivou a si mesmo, deixando rastros, bilhetes, cartas e obras. Sergio da Costa Ramos 31, primo de Licurgo, escreveu um artigo homenageando-o por conta do falecimento, no qual mencionou o medo que o escritor tinha de cair no esquecimento e a vontade de preservar a própria memória: Há a esperança que a memória de um homem das letras possa sobreviver por mais meio ano (Diário Catarinense, 15 de julho de 2002). Como existia uma preocupação de não ser esquecido, o registro de memórias, por conta disso, pode ser considerado um monumento de si, não inocente, uma vontade de exercer algum controle sobre sua imortalidade. Registrar a si constitui uma prática bastante comum entre os chamados homens de letras, caracterizados como indivíduos voltados ao estudo, à leitura e à vida em gabinetes (CHARTIER, 1996, p. 60). Ao realizar uma escrita de si 32, os registros 31 Advogado e escritor e membro da Academia Catarinense de Letras. 32 A escrita auto-referencial ou escrita de si integra um conjunto de modalidades do que se convencionou chamar de produção de si no mundo moderno ocidental. Essa denominação pode ser mais bem entendida a partir da idéia de uma relação que se estabeleceu entre o indivíduo moderno e seus

39 elaborados abrangem também, além da esfera individual, possibilidades de interpretar o meio social e cultural onde tais observações foram guardadas por seu autor. Logo, as memórias de Licurgo permitem reconhecer práticas pertencentes aos campos em que ele se constitui como um sujeito de ação. Ao se considerar as memórias como um caminho para observar as relações tecidas pelo autor ao longo de sua trajetória 33, assim como os demais documentos, isso compreende um processo de produção de si, uma escolha do que eternizar, uma manipulação das representações do passado e do futuro realizadas no presente. Além disso, a produção escrita dessas memórias, principalmente quando publicadas nas entrevistas, uma vez que o livro foi uma obra póstuma, significou também um instrumento de afirmação do seu autor no espaço em questão. Além das publicações mencionadas, constam também, como vestígios investigativos, o acervo do Licurgo Costa pertencente aos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da Academia Catarinense de Letras. Há, entre esses documentos, textos, rascunhos, discursos, bilhetes, convites, recortes de jornais, homenagens e cartas. Nesse caminho de construção da tese, após consultar e estudar as publicações, o acervo do IHGSC e da ACL, foi possível acessar uma parte do acervo pessoal 34 do autor. Esse conjunto de documentos, que 39 documentos (GOMES, 2004, p. 10). Essa escrita pode ser autobiográfica, íntima, um relato retrospectivo, como também pode ser um texto que visa entrar na esfera pública. 33 Rafael Pereira da Silva realizou uma tese sobre a trajetória de Sérgio Buarque de Holanda, na qual argumenta que apreender a trajetória de um personagem a partir dos papéis que o possibilitam existir como imagem, fruto da capacidade humana de criar, inventar, construir, nos obriga a pensar que os arquivos são constituídos, que nascem tanto das operações de acúmulo e guarda de documentos, de classificação, nomeação, acondicionamento, de dados conjuntos de documentos, como também de operações de seleção, separação, ordenamento, distribuição e até mesmo de atividades de descarte, destruição e adulteração de documentos. O arquivo e o documento se fabricam, tanto quanto as narrativas que dele se utilizam. In: SILVA, Rafael Pereira. A Morte do Homem Cordial: trajetória e memória na invenção de um personagem (Sergio Buarque de Holanda, ). Tese de Doutorado. Programa de Pós- Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015, p Destaca-se aqui a noção de acervo pessoal como um conjunto de documentos que resulta de uma série de gestos e práticas, conformados pelos titulares, mas também por seus colaboradores, familiares e herdeiros, e

40 40 conta com fotos, cartas, rascunhos de textos, mais de quarentas agendas, recortes de jornais, objetos pessoais, livros, entre outros, é guardado por um sobrinho-neto de Licurgo desde a época de seu falecimento, em Ressalta-se que se trata de uma parte dos pertences de Licurgo, pois, de acordo com o sobrinho, havia mais textos, obras de arte, diários, documentos, mas ficaram com a filha de Licurgo 35. Fato é que, diante da possibilidade desse acervo, foi possível localizar vestígios pertinentes da trajetória do autor, importantes para a construção desta tese. Estrutura de tese A tese apresenta-se estruturada em quatro capítulos. O 1º e 2º capítulos correspondem a uma investigação sobre a trajetória percorrida por Licurgo Costa, os caminhos profissionais e a construção das relações sociais. No 1º, apresenta-se sua trajetória no espaço social catarinense nos primeiros anos do século XX e as relações familiares. Busca-se pontuar essa trajetória em um meio social marcado por certas disputas políticas, compreender a formação intelectual inicial de Licurgo em um espaço regional marcado por conflitos e disputas nos espaços da política e da cultura, além de investigar o papel do legado familiar tão presente na ação do autor ao escrever O continente das Lagens. No 2º capítulo, abordam-se as relações profissionais e sociais articuladas de Licurgo a partir dos anos 1920 no Rio de Janeiro, a ascensão profissional durante a Era Vargas e as vivências como funcionário do Itamaraty. Objetiva-se, com isso, identificar as ações que conferem a Licurgo sua ascensão profissional como jornalista, como também a construção de uma notável rede de relações e a mobilização da mesma em contornos de ordem mais pessoal. Na medida em que viveu em vários lugares e experimentou relações em distintos grupos culturais e sociais, alimentou a construção de um capital cosmopolita. disponibilizados por meio de estruturas institucionais que os produzem como fontes. HEYMANN, Luciana Quillet. O Lugar do Arquivo: a construção do legado de Darcy Ribeiro. Rio de Janeiro: Contra Capa/FAPERJ, 2012, p Esse contato com o acervo e o sobrinho neto aconteceu pela primeira vez em abril de A partir de então, organizaram-se algumas estratégias para financiar a higienização e o inventário desse acervo. No começo de 2016, estabeleceu-se uma parceria com a Fundação Cultural de Lages, que financiou parte do tratamento inicial do acervo.

41 De certa forma, ao mapear essa trajetória para além de Santa Catarina, é possível identificar a fabricação de uma memória de si, recurso muito utilizado para angariar prestígio no retorno para a terra natal, conjuntamente com a escrita do Continente. No 3º capítulo, discutem-se as ações empreendidas por Licurgo Costa ao retornar para Santa Catarina, em meados dos anos 1970, a conversão das experiências anteriormente vivenciadas em produção de atividades culturais e a inserção no espaço em questão. Propõe-se, além de identificar as ações em busca de um reconhecimento nesse cenário, delinear nessas condições do retorno à terra natal os dispositivos que impulsionaram a escrita do Continente, como também identificar nas representações sobre o passado de Lages escritas no Continente, o grupo social ao qual Licurgo pertencia. No 4º capítulo, a investigação se detém no campo historiográfico catarinense e no papel ocupado por Licurgo e sua referida obra nesse cenário de produção do conhecimento histórico. Além de mapear o cenário de produção sobre a história de Santa Catarina, objetiva-se também pontuar o significado da publicação do Continente e outros investimentos de escrita, como uma estratégia de afirmação de seu próprio agente, com destaque para o seu grupo social e para os mecanismos que conferem à sua obra um sentido monumental. 41

42 42

43 CAPÍTULO 1 O LUGAR DE NASCIMENTO: FAMÍLIA E ESCOLARIZAÇÃO 43 Apesar de Licurgo Costa ser oriundo de uma família com reconhecida tradição política em Santa Catarina e dedicar-se a honrar a memória dos seus, ao empreender um estudo sobre história de sua localidade natal, ele não tem seu nome citado no dicionário escrito por Walter Piazza (1985) sobre personalidades políticas catarinenses. O que faz supor que sua participação na vida social catarinense estaria mais atrelada à cultura. Embora tenha publicado mais de 15 livros, homenageado pelos pares catarinenses como uma pessoa de projeção nos meios intelectuais, como historiador e erudito membro do IHGSC e da ACL, tampouco consta no dicionário literário de Afrânio Coutinho (1995). Essa sua quase ausência é um indício revelador tanto das tensões e relações existentes no campo cultural catarinense, na época de seu retorno a Santa Catarina, como também, um sintoma da tardia inserção de Licurgo Costa nesse cenário. No entanto, é no Dicionário Histórico e Biográfico da Propaganda no Brasil (ABREU, 2007), organizado pela pesquisadora Alzira Alves de Abreu, do CPDOC, que consta um resumo de duas páginas da trajetória profissional de Licurgo Ramos da Costa. Essa publicação enfatiza as atividades estratégicas exercidas pelo autor no universo da comunicação social durante a Era Vargas, os cargos que ocupou como diretor da Agência Nacional e presidente da Associação Brasileira de Propaganda - ABP, como também sua atuação nos quadros econômicos do Itamaraty. A nota biográfica encerra sem mencionar as realizações em Santa Catarina após a aposentadoria na década de 1970: Licurgo Ramos da Costa nasceu em Lages (SC), em 4 de outubro de 1904, filho de Otacílio Vieira da Costa, fazendeiro, e de Adélia Ramos da Costa. Fez seus estudos secundários em Florianópolis. Em 1922, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde concluiu o curso no Colégio Pedro II. Estudou na Faculdade Nacional de Medicina da Antiga Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, e na Faculdade Nacional de Direito, da mesma universidade, onde concluiu o curso em Estudou também no Instituto Internazionale de Economia, Roma, em Ao chegar ao Rio de Janeiro, no início dos anos 1920, conseguiu um emprego de repórter no jornal A

44 44 Pátria, dando início a sua carreira de jornalista. Trabalhou em alguns dos jornais mais importantes do Rio de Janeiro, como O Jornal, Diário da Noite, O Radical, onde foi diretor secretário, A Noite, A Tarde, A Nação, onde chegou a redator chefe, Amanhã e Gazeta de Notícias. Foi colaborador durante vários anos das revistas Para Todos e Ilustração. Em São Paulo, foi redator de A Gazeta. Colaborou também em alguns jornais no exterior, com o Excelsior do México e o Herold Tribune, de Nova York e o jornal espanhol Madrid. Em 1934, foi um dos fundadores do Sindicato União dos Trabalhadores do Livro e do Jornal. Nesse mesmo ano foi criado o Departamento Nacional de Propaganda e Difusão (DPDC), com o objetivo de organizar a propaganda oficial e que englobava os setores de rádio, cultura e cinema. Lourival Fontes, chefe do novo departamento, convidou Licurgo para trabalhar no órgão. Em março de 1937, Licurgo Ramos da Costa fundou, juntamente com outros, a Agência Nacional, na qual passou a atuar como diretor. Em novembro desse ano, com a instauração do Estado Novo e o fechamento do Congresso, o DPDC foi transformado no Departamento Nacional de Propaganda, com as funções de censurar e controlar os meios de comunicação. Lourival Fontes permaneceu à frente do órgão. Em 1939, o departamento passou a se chamar Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), ainda sob a chefia de Lourival Fontes, e tendo Licurgo como diretor administrativo. Entre outras funções, cabia-lhes distribuir as verbas de publicidade entre os diversos jornais e, segundo declarações suas, uma verba secreta para subvencionar jornais do Rio de Janeiro, de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. O jornal Correio da Manhã só aceitava verbas de publicidade e o Estado de São Paulo não aceitava receber nem mesmo verbas de publicidade. Licurgo Ramos da Costa foi presidente da Associação Brasileira de Propaganda (ABP) em 1938/39 e entre 1943 e Em 1941, tornou-se adido comercial do Brasil no México. Em seguida ocupou cargos nas

45 45 embaixadas de Lisboa, Milão, Roma, Washington, Nova York, Madri, Buenos Aires e Montevidéu, aposentando-se em Tem 18 livros publicados e era membro da Academia de Letras de Santa Catarina e do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Foi o fundador e diretor de Publicidade do Rio de Janeiro, a primeira revista de propaganda e publicidade da América Latina. Faleceu em julho de 2002 (ABREU, 2007, p ). A presença e a ausência do nome de Licurgo nos dicionários revelam as múltiplas faces de um mesmo indivíduo, o que certamente afasta abordar a sua vida pelas lentes de uma ilusória coerência biográfica. Os dicionários podem ser entendidos como monumentos consagradores dos autores neles citados, estabelecendo uma escala hierárquica de reconhecimento social. No caso de Licurgo, a síntese biográfica publicada no dicionário organizado pela pesquisadora Alzira Alves de Abreu não explora os temas sobre os quais Licurgo Costa se debruçou, tampouco os detalhes de sua trajetória depois da aposentadoria, nem os pormenores da inserção no campo cultural catarinense e a publicação da obra que confere a ele certo prestígio na terra natal, propriamente, O continente das Lagens. Há apenas uma breve menção sobre o local de nascimento e o nome dos pais, nenhum apontamento sobre o destaque local do grupo social de origem e, principalmente, nenhuma referência a respeito de suas contribuições no terreno da História. Reafirma-se que o recorte realizado pelo referido dicionário centraliza as atenções para as ações no setor da publicidade e propaganda, espaço profissional onde Licurgo atuou, principalmente entre as décadas de 1920 e Entretanto, é válido destacar que, embora ele tenha vivenciado uma trajetória plural em experiências, o reconhecimento de seu nome na terra natal ocorre em virtude de sua origem social e da publicação da já mencionada obra sobre a história do município de Lages. As concisas notas biográficas apenas esboçam, de forma linear, uma trajetória, que ganhará um esboço 36 mais detalhado 36 A utilização da palavra esboço remete diretamente às contribuições da obra Esboço de auto-análise, de Bourdieu (2005). Nesse estudo, o sociólogo toma sua trajetória como objeto de reflexão a partir de seus próprios conceitos, procurando objetivar a si mesmo. É possível observar o quanto as contradições e tensões na formação do Habitus de Bourdieu são fomentadoras do seu modo de fazer pesquisa e também da escolha de seus objetos. Desta forma, entende-se

46 46 nos dois primeiros capítulos desta tese. Reitera-se que o objeto de pesquisa a ser explorado neste estudo é sobre uma prática social de representação do passado, elaborado por Licurgo Ramos da Costa (no caso em questão, o passado de Lages). Emerge, então, a necessidade de estudar a trajetória 37 de seu mediador, para assim compreender a historicidade de sua escrita. Segundo Bourdieu (1996, p. 184), produzir uma história de vida como um relato coerente de uma sequência de acontecimentos, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica. No entanto, é fundamental estar atento às condições históricas e aos mecanismos sociais de produção tanto do autor quanto de sua escrita. A ação empreendida por Licurgo Costa ao escrever uma representação sobre o passado de Lages vincula-se à construção da memória do lugar, com destaque para o grupo social ao qual ele pertenceu. Investigar a movimentação empreendida pelo agente social Licurgo Costa em seu trajeto, remete, então, à necessidade de analisar os diversos campos 38 com o qual e contra o qual ele se fez (BOURDIEU, 2005, p. 40). Neste capítulo, busca-se realizar um estudo da trajetória de Licurgo Ramos da Costa no recorte temporal das duas primeiras décadas do século XX, período que corresponde às suas vivências iniciais no cenário social catarinense. Para tanto, apresentam-se os laços familiares pertinentes na construção de seu capital social 39 e cultural 40, como que a realização de um esboço da trajetória de Licurgo Ramos da Costa é primordial para se compreender a construção de suas representações históricas a respeito de um universo social que lhe é muito íntimo. 37 É importante destacar a noção de trajetória como uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente em um espaço que é, ele próprio, um devir, estando sujeito a incessantes transformações. (BOURDIEU, 1996, p. 189). 38 O conceito de campo é central na obra de Pierre Bourdieu, é possível defini-lo como um espaço estruturado de posições em que seus agentes lutam pela manutenção e obtenção de determinados postos. Os campos são espaços estruturados e hierarquizados, de lutas e tensões entre seus agentes. 39 Conjunto de recursos ligados a uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de um interconhecimento e reconhecimento, ou, em outros termos, à vinculação a um grupo ou conjunto de agentes dotados de propriedades comuns em questão (BOURDIEU, 1998, p. 67). 40 Para Bourdieu, o capital cultural pode existir sob três formas: no estado incorporado, ou seja: disposições adquiridas na educação familiar; capital objetivado: obras de arte, livros; capital institucionalizado: diplomas, títulos. Cf.

47 também os primeiros anos de escolarização. Tomar a trajetória como objeto de reflexão nessa circunstância significa mapear as interações sociais iniciais e relacionar sua produção sobre a história de Lages com as experiências vinculadas a esse meio social, espaço marcado por interações e posições. Logo, dialogar com alguns conceitos centrais presentes na obra de Pierre Bourdieu, como os conceitos de campo e de habitus 41, permite uma compreensão mais apropriada do mundo social do autor, como também dos espaços pelos quais circulou e a conversão dos créditos acumulados ao longo dessas experiências na constituição de sua biografia e obra. Trata-se de identificar o peso exercido pelo pertencimento social de Licurgo em seu repertório de ações, o investimento na construção de um legado 42, considerado, nesta tese, a partir da produção escrita, com relevo para a obra O continente das Lagens. O presente capítulo está organizado da seguinte forma: em um primeiro momento, a investigação recai sobre o meio social lageano, ou conforme o termo utilizado por Licurgo, o agreste. Observam-se aqui os laços familiares, o desenvolvimento de determinadas práticas de socialização em um lugar marcado pela presença de oligarquias latifundiárias, representantes dos setores políticos dominantes, ou seja, o Partido Republicano de Santa Catarina, aspirantes à construção de uma determinada ilustração intelectual. Apresentam-se também as disputas 47 BOURDIEU. Os três estados do capital cultural. In: Escritos da Educação. Petrópolis: Vozes, 2001, p Sistema aberto de disposições, ações e percepções que os indivíduos adquirem com o tempo em suas experiências sociais (tanto na dimensão material, corpórea, quanto simbólica, cultural, entre outras). O Habitus vai, no entanto, além do indivíduo, pois diz respeito às estruturas relacionais onde está inserido, possibilitando a compreensão tanto de sua posição em um campo quanto seu conjunto de capitais (BOURDIEU, 2003, p. 74). 42 Ao considerar as contribuições da pesquisadora do CPDOC, Luciana Heymann, é possível compreender que a produção de um legado implica, de fato, na atualização (presente) do conteúdo que lhe é atribuído (passado), bem como na afirmação da importância de sua constante rememoração (futuro). As ações que tomam os legados históricos como justificativa, sejam elas comemorações, publicações ou a organização de instituições, alimentam o capital simbólico de que são dotadas, um capital que carrega em si o atributo da continuidade, da sobrevivência no tempo. Além disso, é determinante o lugar ocupado pelos agentes na produção de legado. In: HEYMANN, 2005, p No caso de Licurgo, ele foi o agente da transmissão do legado de seus familiares.

48 48 desse grupo regional no cenário catarinense, como também a preocupação em investir na escolarização de seus varões. Este corresponde ao segundo momento, quando se investigará o percurso escolar do Licurgo Ramos em sua passagem pelo então Ginásio Catarinense, atual Colégio Catarinense, que permitirá observar, dentro desse espaço de formação escolar, uma amostra das disputas políticas e culturais regionais. 1.1 O AGRESTE Em seu livro de memórias, uma das descrições que utiliza com maior frequência para caracterizar Lages é o agreste de Santa Catarina : Temos, pois, com nossa garimpagem por épocas tão remotas, base para um esboço ainda que resumido do perfil dos lageanos que, há mais de dois séculos, povoam a antiga Região Serrana de Santa Catarina e que, com alguma propriedade, bem poderia ter sido chamada de o agreste catarinense. Agreste, com melhores razões que a área pernambucana assim denominada devido à caatinga, agressiva, árida, com suas minúsculas árvores contorcidas, espinheiros, cardos e gravatás, porque aqui no Sul a Mata Atlântica que cobria a totalidade da chamada Região Serrana, com seus pinheirais centenários, considerados praga até por volta de 1920, e a bugrada traiçoeira, perigosa, era muito mais fechada que a vegetação quase rasteira do nordeste. Agreste também pelo temperamento de seus povoadores e sem o atenuante da parte doce dos canaviais nordestinos (COSTA, 2002, p. 27). Ao observar a forma como Licurgo Costa apresenta o seu local de nascimento, o agreste, é impossível não sentir o impacto da expressão bugrada traiçoeira, perigosa. Essa abordagem sobre a população indígena que compõe a história da Região Serrana de Santa Catarina é um indicativo de como Licurgo elabora as representações em sua escrita da História.

49 Licurgo nasceu em Lages, região serrana de Santa Catarina, em outubro de 1904, ou conforme ele enuncia, no agreste. Sua estreia na vida aconteceu em uma família de notáveis lageanos, nomes relevantes no cenário político catarinense, os quais ambientavam os primeiros anos republicanos do século XX. As próprias considerações de Licurgo sobre seu nascimento denotam tal condição familiar: 49 A bem dizer, quando nasci, na remota primavera de 1904, houve um certo rebuliço na antiga Villa de Nossa Senhora dos Prazeres da Fronteira do Certam das Lagens, que então já havia encurtado o seu longo e gracioso nome para Lages, simplesmente. Explica-se a agitação: afinal eu era, pelo lado materno o primeiro neto do coronel Belizário Ramos superintendente municipal como se chamavam os prefeitos da época e, o que não deixava de ser relevante, fazendeiro dos mais abastados da região serrana. E mais, era o primeiro sobrinho-neto do governador Vidal Ramos, que enfrentou seis dias de viagem, do Desterro a Lages para me conhecer e se congratular com o irmão pelo acontecimento. Naquele tempo estas deferências na família tinham grande significação. Mas também pelo lado paterno a situação não era menos brilhante, visto que era filho primogênito do secretário-geral da superintendência e respeitável jornalista, assim como neto do coronel João Costa, deputado estadual em várias legislaturas e então presidente da Câmara Municipal (COSTA, 2002, p. 33). Os laços familiares do varão Licurgo Costa são referenciados como uma das mais sólidas oligarquias de Santa Catarina. Belizário Ramos, avô materno, foi superintendente municipal por mais de vinte anos. Tanto Belizário Ramos quanto seu irmão, Vidal Ramos, foram protagonistas do cenário político estadual durante a Primeira República, filhos de Vidal Ramos Sênior, um dos nomes fortes da política imperial da região, vinculado ao partido conservador. A família Ramos constituiu-se em uma das presenças políticas mais notáveis em Santa Catarina no século XX. Proprietária de grandes extensões de terra no planalto catarinense, constituiu, ao lado da família Konder Bornhausen também de Santa Catarina, uma das poucas oligarquias que

50 50 acompanharam todos os movimentos políticos mais importantes do século XX, sem ceder à primazia da política estadual. Figura 1: Belizário Ramos Fonte: Arquivo do Museu Manoel Thiago de Castro Figura 2: Adélia Ramos, mãe de Licurgo Costa Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa A ascensão 43 dos Ramos na política estadual ocorreu em 1902, quando Lauro Müller foi eleito governador, mas não cumpriu o 43 Vale registrar que ainda durante o período imperial, em 1883, a família Ramos decidiu lançar dois de seus filhos na política. Primeiro, Belizário, que foi candidato a deputado provincial, mas fez apenas dois votos entre os 245 eleitores votantes. Nas eleições de 1885 para a Assembleia Provincial de Santa Catarina, foi lançada a candidatura de Vidal Ramos Júnior, eleito

51 mandato, em decorrência de ter sido convidado pela administração do Presidente da República, Rodrigues Alves, para ser ministro de viação e obras públicas. Em consequência, quem assumiu o cargo de governador entre 1902 até 1906, foi o lageano Vidal Ramos, que também o exerceu entre 1910 até Nesse período, dedicou grande parte de seu governo à reforma do ensino primário estadual. Do clã Vidal Ramos, tio-avô de Licurgo, outros nomes terão projeção política nacional, como o filho de Vidal Ramos, Nereu Ramos 44, entre outros. Os impactos da Proclamação da República 45 em Santa Catarina, particularmente em Lages, uniram tanto os oriundos do extinto partido 51 irregularmente, pois ele tinha 19 anos, sendo que a idade mínima exigida era de 21 anos. Chegou a ser o 2º secretário da Casa em Após a derrota nas eleições de 1883, Belizário Ramos foi nomeado Delegado de Polícia de Lages e em 1886 concorreu à Câmara Municipal de Lages, ganhando para o quadriênio Já nas eleições para a Assembleia Provincial de Santa Catarina em 1888, os dois irmãos concorreram por Lages. Com 115 votos, Vidal Ramos foi o mais votado, enquanto Belizário teve apenas um voto. Nas eleições para a Assembleia Legislativa Provincial, desde 1881 venciam os conservadores. No pleito para o biênio , venceram os liberais, e por causa disso, houve retaliações que atingiram os dois filhos do Velho Vidal Ramos. O deputado Vidal Ramos foi afastado da Assembleia, enquanto que o Delegado Belizário foi exonerado da Polícia de Lages. Em 1890, para tentar conciliar a situação entre os liberais e os conservadores, Lauro Müller nomeou para a delegacia de Lages e a intendência dois republicanos do Partido Federalista. Nas eleições de 1892, Belizário foi eleito vereador de Lages, assumindo a presidência da Câmara e a administração municipal. Vidal Ramos Júnior foi eleito deputado constituinte no Estado em 1894 e representante de Lages no Congresso Estadual para as legislaturas e Cf. VANALI, Ana Christina. Apontamentos iniciais para estudos genealógicos das famílias históricas e políticas da Região do Contestado ( ). Revista Nep (Núcleo de Estudos Paranaenses), Curitiba, v. 2, n. 2, p , maio de Formou-se em direito pela tradicional faculdade de São Paulo em Em Santa Catarina, foi deputado estadual, governador nos anos 1930 e interventor no Estado Novo. Foi Presidente da República entre o final de 1955 e o começo de 1956, momento em que a UDN, derrotada nas eleições de 1955, não aceitava a vitória de Juscelino Kubitschek. Para evitar um golpe, a Assembleia Constituinte e mais alguns militares designaram o presidente do Senado, Nereu Ramos, para assumir o posto de Presidente e assim garantir a posse de Juscelino. 45 Para analisar como se deu a Proclamação da República em terras catarinenses, são pertinentes as contribuições do estudo realizado pelo historiador Felipe Carlos Oliveira em sua Dissertação de Mestrado intitulada Aclamação da

52 52 conservador, quanto os do extinto partido liberal. Ex-liberais e exconservadores agregaram-se ao Partido Republicano Catarinense - PRC. Nesse cenário, os irmãos Vidal e Belizário Ramos tornaram-se representantes de facções distintas, embora pertencentes ao mesmo partido e clã regional. Os ex-liberais serão mais próximos de Vidal, enquanto os ex-conservadores, de Belizário. Vidal Ramos foi superintendente municipal entre 1895 e 1902, além de deputado estadual até Em 1902, Vidal, a partir de articulações do PRC, segue em projeção estadual ao assumir o governo do Estado de Santa Catarina, conforme já mencionado. Já o irmão Belizário permaneceu em Lages e assumiu a superintendência do município entre 1902 e 1922, intercalando com o genro Otacílio Costa ( ) e o filho Aristiliano Ramos (1919 até 1922). Ocorreram desavenças políticas entre os irmãos em 1920, quando Vidal Ramos, vice-presidente do partido, tentou promover a candidatura do filho, Nereu Ramos, à Câmara Federal, ação não bem sucedida na ocasião. Belizário Ramos, o filho Aristiliano e o genro, Otacílio, apoiaram Adolpho Konder, representante da elite do vale do Itajaí, apoiados por Hercílio Luz, ao passo que o clã do Vidal Ramos foi apoiado por Lauro Müller (VANALI, 2016, p. 180). Ao lançar vistas para o papel ocupado pelos Ramos na política estadual, no decorrer das primeiras décadas republicanas, é oportuno salientar que, analisar os vínculos familiares e as posições políticopartidárias, auxilia na compreensão do peso político das forças sociais e da ação desses agentes tanto no âmbito político quanto cultural. De tal modo que é possível mapear o quadro político catarinense, pontuando, em especial, a trajetória de duas oligarquias que se alternaram no poder, principalmente até a década de De um lado, Lauro Müller (com o apoio da família Ramos, especialmente Vidal), e de outro, Hercílio Luz (apoiado por algumas forças políticas do litoral e do vale do Itajaí, os Konder, como também, em muitas ocasiões, por Belizário Ramos). Vale destacar as redes de parentesco, oriundas de casamentos que representavam união de forças e articulações políticas. Filipe Schmidt, nome proeminente na política estadual, nasceu em Lages em 1859, porém, mudou-se cedo para o litoral. Por conta de sua origem, mantinha relações com as oligarquias lageanas e era primo-irmão de Lauro Müller, a figura de maior destaque do Partido Republicano Catarinense, República: imagens do ideário político catarinense, defendida no Programa de Pós-Graduação em História da UFSC, 2008.

53 em oposição à outra figura do mesmo partido, Hercílio Luz. Além disso, Belizário era casado com a irmã de Filipe Schmidt. Os conchavos e conflitos seguiram até 1920, quando as discórdias acerca de decisões dentro do PRC acirraram as dificuldades de articulação entre Lauro Müller e Hercílio Luz (CORRÊA, 1996, p. 48). Ao final de 1920, o PRC começou as articulações para escolher os candidatos a deputado federal, e entre os nomes sugeridos pelo partido estava o de Nereu Ramos. Entretanto, depois de realizada a convenção partidária presidida por Hercílio Luz, o candidato escolhido foi um hercilista. As sugestões de candidaturas próximas a Lauro Müller não tiveram o esperado respaldo. Nereu Ramos saiu candidato, mas não pela chapa oficial, porém, pelo mesmo partido, mas de forma independente. Nessa situação, seu pai, Vidal Ramos, rompeu definitivamente com o partido e com Hercílio Luz, recolhendo-se em Lages para fazer a campanha do filho. Nereu não foi eleito. Tais episódios repercutem nas escolhas de Licurgo como um intérprete da história de Lages, de forma que é notável o destaque que o autor confere às ações políticas e culturais de Vidal Ramos e seu filho, Nereu Ramos. Esses acontecimentos no cenário político repercutiram imediatamente no campo cultural, estendendo, para o interior das associações de eruditos, o faccionismo próprio do desempenho dos atores na vida partidária. Sociedades savantes, como a Sociedade Catarinense de Letras, eram o espaço de onde os agentes políticos retiravam seus trunfos de notabilidade, sendo que a consequência mais imediata desse entrecruzamento entre o desempenho político e a atividade intelectual era o espelhamento das dissensões nas arenas adjacentes às dos partidos e da administração pública. No caso da Sociedade Catharinense de Letras, dirigida por hercilistas, estes impediram o ingresso de Lauro Müller, e prejudicaram a freqüência às sessões de Nereu Ramos (CORRÊA, 1996, p. 50). Lauro Müller era membro da Academia Brasileira de Letras desde 1917 e patrono da cadeira número 26 da ACL. Nereu Ramos era membro da Academia Catarinense de Letras. No contexto que se apresenta, é oportuno apontar as forças no cenário cultural catarinense durante a Primeira República. Em espaços culturais, como o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina - IHGSC, fundado em 1896 por José Boiteux, era público o apoio do então governador, Hercílio Luz, no momento de sua fundação. Da mesma forma, ele foi um incentivador da criação da Sociedade Catarinense de Letras, inspirada na Academia Brasileira de Letras, que passou a se chamar, em 1924, a Academia Catarinense de Letras. O 53

54 54 historiador Felipe Matos, em sua tese de doutorado 46, elaborou uma investigação sobre o campo cultural em Florianópolis durante a Primeira República, evidenciando o quanto esse campo cultural estava subordinado ao Partido Republicano Catarinense: Uma das características da chamada Geração da Academia apontadas pelos críticos literários foi o atrelamento de suas atividades ao poder político constituído, com práticas culturais desenvolvidas em torno da liderança efetiva do governador Hercílio Luz dentro do Partido Republicano Catarinense, desde a sua ascensão ao poder como primeiro governador republicano eleito depois da Revolução Federalista, até seu falecimento em O hercilismo concentrou em torno de si os principais nomes da elite cultural da Primeira República, embora talvez fosse apropriado afirmar que tais nomes se tornaram os principais da intelectualidade catarinense justamente pelo apoio hercilista que os legitimou (MATOS, 2014, p. 64). Eram predominantes na composição da ACL, representantes do litoral, em grande maioria apoiadores de Hercílio Luz. A realidade cultural de outras regiões, como Lages, por exemplo, município da região serrana de Santa Catarina, não tinha quase nenhuma expressão representativa em instituições culturais como a ACL e o IHGSC, considerando que muitos intelectuais da época eram sócios de ambas. Em uma carta de Gama d Eça, membro da ACL, enviada a José Boiteux, quando residira em Lages para ocupar o cargo de promotor provisionado, datada de 17 de maio de 1923, o então advogado relatou, entre outros assuntos, como andava a literatura no município serrano: Aqui a literatura ainda está trepada em árvore, atravessando o seu longo período de antropóide e a ensaiar as peripécias das manifestações de linguagem (CORRÊA, 1996, p. 53) 47. E conforme o comentário do próprio Carlos Humberto Corrêa sobre tão desmerecida qualificação: 46 MATOS, Felipe. Armazém da Província: Vida literária e Sociabilidades Intelectuais em Florianópolis na Primeira República. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, O historiador Carlos Humberto Corrêa cita essa carta em seu livro: Lições de Política e Cultura: a Academia Catarinense de Letras, sua criação e relações

55 55 Era a posição do intelectual ilhéu da época, isolado do resto do mundo pois sequer existia ainda a ponte Hercílio Luz, que achava que seu canto de terra sobre o Atlântico era o centro do universo civilizado (CORRÊA, 1996, p. 53). Não se tratava apenas da posição do intelectual ilhéu isolado do resto do mundo, mas também das disputas políticas travadas dentro do campo cultural. A escrita de Licurgo se contrapõe a esse desmerecimento das práticas literárias serranas, ao apresentar o que o autor intitula como um centro cultural isolado no agreste : Não se julgue que o lageano fosse atrasado, tosco, indelicado. Em absoluto, ele era sim, um introvertido, austero, cerimonioso. E tinha boa cultura, estava mais ou menos em dia com a literatura brasileira. Os clubes dançantes que congregavam a sociedade local tinham denominações que denotavam uma preocupação desaparecida há várias décadas, eram clubes literários e recreativos. E sempre dotados de boas bibliotecas onde os sócios retiravam livros para ler em casa. E quando não a freqüentavam recebiam um bilhete do presidente, com um pito não muito delicado sobre seu desinteresse pela cultura. Outro pormenor curioso estará no fato de que muitos lageanos assinavam grandes jornais e revistas da Europa. Em minha casa recebíamos La Illustracion, de Paris, O Século, então maior jornal de Lisboa, O Paiz e a revista O Molho, do Rio de Janeiro, e de Florianópolis, se não me engano, A República (COSTA, 2002, p ). No Continente das Lagens, observam-se considerações sobre a ilustração dos jovens lageanos. Licurgo, inclusive, refere-se a Lages como a capital cultural de Santa Catarina à época: com o poder. Edição da Academia Catarinense de Letras, A referida carta encontra-se localizada na coleção José Boiteux, no arquivo do Instituto o Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

56 56 Dos antigos alunos do colégio da conceição, os que não perderam o gosto pelas letras e juntamente com elas exerceram suas atividades na política, administração, profissões liberais, no comércio e na indústria, todos triunfaram, todos deixaram com maior ou menor brilho os seus nomes na história da inteligência e da cultura lageana, naquele trintênio. Foi então que Lages mereceu o título da capital cultural de Santa Catarina (COSTA, 1982, p. 20). Esse título Capital Cultural de Santa Catarina, na Primeira República, é uma atribuição que Licurgo credita ao seu grupo social de origem, e o faz ao realizar seu empreendimento escrito no retorno à terra natal, já nas últimas décadas do século XX. E apesar de ser uma afirmação que requer uma maior contextualização, pontua-se que, ao lançar vistas para o lugar e recorte temporal em pauta, é possível observar que nesse cenário 48 formaram-se latifúndios onde impérios familiares povoaram e teceram suas relações de forças. No alvorecer da República, a posse da terra não era mais o único sinônimo de poder, já que certa instrução intelectual tornou-se necessária. Os filhos dos fazendeiros foram estudar em colégios como o Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, instituição administrada por padres jesuítas, caracterizada à época por uma sólida formação 49. Os jovens que deixaram o ninho 50 (AVÉ-LALLEMANT, 48 Lages foi fundada em meados do século XVIII pelo bandeirante paulista Antônio Correia Pinto de Macedo. O motivo da fundação esteve profundamente relacionado com a necessidade de proteger as terras da colônia portuguesa, especialmente as do Sul, constantemente ameaçadas pelos domínios espanhóis. A configuração da região possibilitou o desenvolvimento de atividades econômicas voltadas à criação de gado e muares. A maior parte dos primeiros moradores desenvolveu seu trabalho nesse setor econômico (BOGACIOVAS, 1989). 49 O historiador Élio Serpa, ao analisar a reformulação das condutas e das práticas sociais em Lages durante a Primeira República, aponta que a elite local adotou práticas em sintonia com os desejos de uma educação que proporcionasse códigos de civilidade apropriados também às condutas do espaço público e político. De forma que os filhos e filhas das elites lageanas ligadas à pecuária, ao comércio e até de profissionais liberais investiram na formação educacional destes e, então escolhiam o colégio Nossa Senhora da Conceição para os rapazes e o colégio São José para as meninas (SERPA, 1996, p ).

57 1980, p.158), retornaram sintonizados com saberes que circulavam nos grandes centros culturais. As posturas e as estratégias adotadas por esses varões ilustrados entraram em cena, transformando os espaços urbanos e sociais durante os primeiros anos republicanos. É nesse ambiente caracterizado por mudanças, e principalmente pelas contradições entre um universo rural e os desejos de modernidade, que sonhos de progresso teceram as páginas dos jornais, aqueceram discussões partidárias e alimentaram projetos políticos. Licurgo nasceu nessa Lages com ares de modernidade 51, pois, como ele mesmo menciona em algumas passagens de suas memórias, em sua casa liam-se jornais franceses e literatura portuguesa, como Eça de Queiroz. Em grande medida, observa-se um contraste entre essa Lages bucólica do começo do século XX e o ethos cosmopolita da cultura ilustrada da época. Se não fossem alguns desejos pulsantes, e a civilidade penetrando nas ruas da cidade, a Lages do começo do século XX poderia ser descrita como um lugar de tranquilidade incólume: O viajante alemão Robert Ave-Lallemant passou por Lages em meados do século XIX e denominou a cidade como um ninho. 51 Podemos observar em Lages, desde o início do século XX, a presença do discurso da modernidade e da mudança. Reformas e novas normas irão imprimir-lhe novo delineamento. A partir daí, esses espaços são não apenas delimitados, mas também configurados e delineados conforme a existência dos diversos grupos, mormente criando espaços privilegiados para a elite. Vive-se, pois, com o advento da República, o período de redefinição do papel da cidade e de sua proeminência na região, de constituição da cidade como lócus do poder político (embora não desvinculado da terra). Assim, as ações da cidade perpassam a criação de novos espaços de sociabilidade para a elite, ações no espaço intermediário, de controle dos grupos populares, de modificação dos padrões de comportamento, de criação de signos e símbolos que representem este novo tempo (PEIXER, 2002, p ).

58 58 Figura 3: Lages, em 1900 Fonte: Acervo do Museu Manuel Thiago de Castro As pacatas ruas dessa cidade serrana presenciaram, desde as últimas décadas do século XIX, alguns movimentos intensos sintonizados com comportamentos e ações vivenciados na Europa e nas grandes cidades brasileiras. Espaços foram construídos, como o Clube Literário e Recreativo 1º de Julho, inaugurado em 1896, que contou com a participação de João José Theodoro da Costa, avô paterno de Licurgo. Jovens lageanos, filhos de comerciantes, funcionários públicos e latifundiários, especialmente, buscaram educação em outros centros, conforme já mencionado. A maioria desses rapazes 52 retornava a Lages influenciada com ideias e saberes vinculados às concepções científicas, políticas e culturais, experimentados nos grandes centros das sociedades ocidentais naquele período (NUNES, 2011, p. 63). Ou seja, um conjunto de novas disposições adquiridas, um habitus necessário aos desafios sociais e políticos a serem enfrentados nos primeiros tempos 52 Para constar alguns que, ao retornarem para Lages, ocuparam funções públicas em Santa Catarina: Vidal José de Oliveira Ramos, João de Castro Nunes, Caetano Costa, Sebastião da Silva Furtado, Joaquim de Oliveira Costa, Manoel Thiago de Castro, Caetano Vieira da Costa, Adalberto Belizário Ramos, João Batista Rosa, Otacílio Vieira da Costa, Herculano Edmundo Furtado, Indalécio Domingos de Arruda, Walmor Argemiro Ribeiro, Joaquim de Oliveira Waltrick, Paulino de Athaíde, Bebiano Rodrigues Lima, José Ribeiro Castelo Branco, Cândido de Oliveira Ramos, Mario Vieira da Costa, Nereu Fiuza de Oliveira Ramos, Aristiliano Laureano Ramos (SERPA, 1996). Vale ressaltar que o historiador Élio Serpa utiliza, como fonte de pesquisa, O continente das Lagens para identificar esses nomes que estudaram no Ginásio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo no Rio Grande do Sul.

59 republicanos, costumes que vinculavam determinada formação intelectual com a permanência no poder. É notável um grande anseio por escolarização, em especial, nos setores mais abastados da sociedade, pois se percebe, nessa busca por escolarização, a conversão do capital econômico em capital cultural e poder político. Essas disposições adquiridas e certa escolarização geraram impactos na organização do espaço urbano e na reformulação das condutas sociais (SERPA, 1996). Observam-se, por meio da leitura dos códigos de postura de 1845, e depois de 1895, medidas de organização e alinhamento do espaço urbano, algumas regras sobre como administrar as ruas da cidade, sugestões de comportamento em público, instruções sanitárias, limites para a presença dos animais a circular nas ruas centrais, entre outros apontamentos. A historiadora Eveline Andrade, em sua Dissertação de Mestrado (ANDRADE, 2011), analisa o processo de urbanização em Lages entre os anos de 1870 a 1910, período marcado por transformações no cenário político local devido, principalmente, à transição da Monarquia para a República, o que repercutiu na composição do espaço urbano lageano, assim como nas relações sociais dos habitantes da cidade. Conforme argumenta Eveline, os desejos de modernidade irão se refletir nas concepções de civilidade e nas sociabilidades. Depois da incursão a expor as transformações sociais e urbanas de Lages no alvorecer republicano e os vínculos familiares maternos que correspondem ao sobrenome Ramos, cabe adentrar o outro lado, isto é, a herança paterna, os Costa. Reafirma-se a importância desse mapeamento das origens sociais de Licurgo, para melhor compreender o peso do pertencimento social na biografia do autor e, consequentemente, na escrita do Continente. O avô paterno, João José Theodoro da Costa, foi proprietário de um dos maiores latifúndios de Santa Catarina, como também uma forte expressão pública e cultural de seu tempo. O pai, Otacílio Viera da Costa, foi jornalista atuante e também político, sendo prefeito de Lages, deputado estadual e federal. Ambos ocuparam espaços públicos, não apenas em posições de cargos políticos, mas também em ações e atividades culturais. Otacílio Costa, inclusive, dedicou-se ao exercício da escrita sobre a história de Lages. E o avô, João José Theodoro da Costa, foi atuante na criação de sociedades recreativas e literárias 53, como também na formação de grupos teatrais 53 De 1870 a 1910, em quatro decênios de vida lageana, o pai de Otacílio Costa teve uma atuação intensa e ininterrupta, nas suas atividades culturais, políticas e sociais. Incentivador do amadorismo teatral, construiu o teatro São João, depois 59

60 60 (LAVOURA, 2013). Além disso, há um documento peculiar, o registro que fizera de suas memórias, publicadas pelo IHGSC em 2003, com o título Reminiscências políticas (COSTA, 2003). Figura 4: João José Theodoro da Costa Fonte: Acervo do Museu Manuel Thiago de Castro Os manuscritos originais, guardados por Licurgo, foram entregues ao IHGSC, instituição responsável por organizar uma coleção 54 nomeada Catariniana. De acordo com as palavras do então presidente do IHGSC, o historiador Carlos Humberto Corrêa, à época da publicação: As Reminiscências Políticas do lageano João José Theodoro da Costa, constitui-se no sexto volume desta coleção. João J.T. da Costa ( ), líder político da região do planalto e iniciador de influente família de políticos, juristas e intelectuais catarinenses, vivenciou importante adquirido pelo município e foi fundador, com uns poucos amigos, das sociedades teatrais Perseverança e Phoenix Lageana. Colaborou, como redator e financiador no primeiro jornal da cidade, O Lageano fundado em 14 de abril de Deixou um livro manuscrito - Reminiscências - em que relata a vida política do município desde 1880 a 1900 (COSTA, 1983, p. 12). 54 De acordo com a apresentação elaborada pelo então presidente do IHGSC, Carlos Humberto Côrrea, sobre a referida coleção: O objetivo da Coleção Catariniana editada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina é divulgar originais guardados por instituições e famílias - e por elas mesmas, muitas vezes esquecidos e, portanto desconhecidos do grande público, mas que pelo caráter memorialista de cada um mostra as ciências histórica e geográfica como reflexo característico de uma época e da personalidade que a escreveu (CORRÊA apud COSTA, 2003, p. 1).

61 61 época da história de SC (a partir do segundo império) passou pelas propagandas abolicionistas e republicanas, acompanhou de perto os anos que mediaram a Proclamação da República e a Revolução Federalista de 1893 e toda a Primeira República, até os primeiros anos da revolução de 30. Começou sua vida como professor das primeiras letras ensinando filhos e familiares de fazendeiros, foi deputado estadual na república, membro do partido conservador, e depois, do partido republicanos catarinense. Colaborador de jornais, deixou suas reminiscências há muito guardadas por seu neto (CORRÊA apud COSTA, 2003, p. 11). Assim como os Ramos, os Costa se faziam presentes na política local. No prefácio das memórias de João José Theodoro da Costa, escrito por Jali Meirinho, também membro do IHGSC, consta a seguinte reflexão: Reminiscências Pálidas de minha Vida Pública e particular escrita de memória no começo do século XX. É datada de Lages, janeiro de 1901, sua primeira parte. Passado um século nos inquirimos de saber, como naquela comunidade distante, alguém estivesse preocupado em prestar depoimento sobre sua experiência de vida? Não temos registro da formação intelectual do autor. Aos 17 anos já era professor, com conhecimento da literatura de que se embasou. Na Europa, comumente, as pessoas mais ou menos destacadas sempre legaram à posteridade depoimentos pessoais. Os imigrantes que se estabeleceram em Santa Catarina no século XIX nos têm dado provas. João Costa, assimilou a importância do significado de registrar sua participação em determinado momento da vida lageana. Ele foi líder de um grupo familiar e social (MEIRINHO apud COSTA, 2003, p ). Em um estudo dos acervos pessoais (cartas, fotos, bilhetes e registros autobiográficos) dos intelectuais catarinenses José Arthur e

62 62 Lucas Alexandre Boiteux 55, a historiadora, Maria Teresa Santos Cunha analisou os registros que os irmãos Boiteux mantiveram guardados. Ela observou a possibilidade de identificar, nos modos de vida das novas elites republicanas em Santa Catarina no começo do século XX (CUNHA, 2008, p. 113), os meandros de construção de uma representação mais legítima de sua posição de elite, como também as redes de sociabilidade que visavam assegurar a manutenção de seu poder (ABREU, 1996, p. 19). A partir dessas reflexões é possível pontuar que essa ação de guardar é uma prática que faz parte da constituição dos sujeitos protagonistas de enredos políticos e culturais, próprios de uma elite letrada (CUNHA, 2008, p. 116). Por se tratarem de testemunhas privilegiadas da passagem da história, nota-se uma necessidade de salvaguardar esses registros na intenção de legar uma imagem de homens públicos ilibados. Ao escrever essas memórias, João Theodoro da Costa afirmou que seu desejo era deixar um legado aos seus descendentes: Estes ligeiros traços biográficos eu os lego aos meus descendentes; Não tenho outro objetivo, escrevendo a minha vida obscura, senão o de proporcionar aos meus filhos e netos uma ligeira notícia da minha passagem neste mundo. Um dia, talvez, em palestra de família, quando reunida, se lembrarem de seus progenitores já há muito desaparecidos da terra; um deles se recordará achar-se em seu poder este manuscrito, o oferecerá para que os outros o leiam e, então, terão ocasião de conhecer quais as peripécias pelas quais passaram, na terra, os autores de seus dias.não quero que aos meus descendentes suceda o mesmo que a mim sucedeu. Não conheço nada do início da vida de meus finados pais (COSTA, 2003, p. 29). 55 Os irmãos José Arthur Boiteux ( ) e Lucas Alexandre Boiteux ( ) foram intelectuais de projeção em Santa Catarina na virada dos séculos XIX e XX. José foi fundador de instituições como a Faculdade de Direito, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina e da Academia Catarinense de Letras. Lucas foi Almirante da Marinha e escreveu muitas obras sobre a história de Santa Catarina. Os acervos pessoais dos irmãos encontram-se sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (CUNHA, 2008, p. 112).

63 Embora o registro das memórias seja uma ação para deixar um legado, ninguém sustenta o próprio legado. No caso em questão, o agente determinante na construção desse legado, no trabalho de transmissão cultural intra-elites, foi o neto, Licurgo Costa, herdeiro do legado da família. Segundo Luciana Heymann (2005), para se compreender a noção de legado, isto é, as ações que utilizam os legados históricos como justificativa, a exemplo da publicação de memórias, percebe-se que estes alimentam a transmissão de um capital simbólico, o qual carrega um emblema de sobrevivência ao tempo. Licurgo Costa, ao tornar-se agente do legado familiar, não apenas pela ação de doar as memórias do avô para serem publicadas pelo IHGSC, mas também por todo o seu investimento na escrita do Continente, projetou o legado político de seus familiares em espaços da cultura catarinense, angariando lucros simbólicos que o inscreveram nesse cenário como legítimo representante e guardião da memória de Lages. De acordo com Canedo 56, é possível compreender nesse registro de memória um mecanismo de transmissão de um patrimônio político familiar, uma forma de se reproduzir nos meios de poder 57. Vale destacar que o registro do poder político dos Ramos e dos Costa não se restringe aos papéis e narrativas transmitidos por eles, mas está presente em monumentos, prédios e ruas, não somente na cidade de Lages, mas também em espaços públicos das principais cidades de Santa Catarina. São símbolos que registram o poder político exercido por essas famílias. Se o objetivo de João José Theodoro da Costa era que seus descendentes não o deixassem cair no esquecimento e considerando a publicação dessas reminiscências pelo IHGSC como uma intervenção de seu neto Licurgo, é possível concluir que o seu desejo ganhou eco no decorrer do tempo. As memórias do avô também são utilizadas como fonte histórica por Licurgo, o que, de certa forma, favorece a reprodução de uma determinada representação do passado histórico de acontecimentos vinculados à história política da Primeira República Letícia Bicalho Canêdo, doutora em Ciência Política e professora da Unicamp, publicou um artigo intitulado Caminhos da Memória Parentesco e Poder, no qual analisa os mecanismos de transmissão de um patrimônio político familiar e as relações entre família, sociedade e poder local. 57 De modo geral, a singularidade dos homens públicos da Primeira República estava ligada à sua condição letrada, pois eram homens de letras, condição que representava um importante bem simbólico, cujo capital social muitas vezes ultrapassava o financeiro.

64 64 Na condição de membro do IHGSC desde 1975, Licurgo, antes de falecer, participou da elaboração do projeto de publicação das reminiscências do avô, deixando escrita uma apresentação, na qual consta um relato da convivência entre avô e neto, indício que reforça essa transmissão de capital cultural, e mais do que isso, do compromisso com a memória familiar. Além disso, os homens da família, através de Licurgo, asseguram seu posto de guardiões da memória lageana: João Costa era um palestrador sumamente inteligente e tinha gosto em transmitir a seus interlocutores aspectos da história lageana e fatos em que tomara parte ou soubera de fonte segura. Para nós, aquelas duas ou três semanas em que o acompanhávamos eram, sob tal ponto de vista, preciosíssimas. Cansados da lida diária em rodeios, marcação, contagem de gado, desponte de chifres de novilhos, inspeção de divisas, visitas a agregados, etc. Era a noite, depois da janta, às 18 horas, que descansávamos ao redor do fogo, na cozinha de chão de terra batida. E então, o velho fazendeiro dava largas à sua vocação de professor, contando como se lecionasse, fatos interessantíssimos, em geral ligados à vida campeira, às origens da fazenda Figueiredo, e até sobre política serrana. Muita coisa me ficou daquelas preleções e quando íamos deitar, lá pelas 21 horas, naquele silêncio lunar, quebrado às vezes pelos brunidos de tigre e rugidos de leões, assim como vozes de índio, eu passava em revista o que havia ouvido e guardava o essencial nos arquivos da memória (COSTA, 2003, p ). Além do avô, é fundamental pontuar também aspectos da trajetória do pai, Otacílio Costa, que foi jornalista e político, além de adentrar o universo da escrita sobre história. Publicou vários artigos nos jornais de Lages sob o título Lages de outrora, nos quais elaborou alguns registros sobre os fundadores da cidade e sobre questões políticas, incluindo a Proclamação da República, artigo que apresentou no Primeiro Congresso Catarinense de História, realizado em Florianópolis, em 1948.

65 65 Figura 5: Retrato de Otacílio Costa Fonte: Acervo do Museu Manoel Thiago de Castro Na biografia de Otacílio Costa, intitulada Otacílio Costa, uma vida a serviço da comunidade (1983), escrita pelo filho, Licurgo Costa, na articulação das palavras, ressaltam-se as qualidades políticas, cívicas e culturais do pai. Uma biografia de referências e reverências, ao estilo tradicional heroico. Vale alguns recortes para melhor entender: Há na vida publica de Otacílio Costa, um aspecto que, pela sua significação, merece relevo especial: ele pertencia àquela geração de políticos - duas, talvez - que na transição da monarquia para a República, devia basicamente trabalhar pelo aprimoramento cívico do povo brasileiro, muito mais importante para a formação da nacionalidade, que as grandes obras públicas, algumas monumentais e santuárias, que caracterizam a preocupação dos governos, depois dos anos trinta. Por isso, naqueles distantes tempos, que vieram da Proclamação da República, até mais ou menos a Revolução de 30, foi a fase dos grandes oradores, dos evangelizadores cívicos, das figuras apostolares da nacionalidade. Ruy Barbosa, Lopes Trovão, José do Patrocínio, Barbosa Lima, Nilo Peçanha, J. J. Seabra, João Luiz Alves, Irineu Machado, Antônio Carlos, João Neves da Fontoura, Armando Salles de Oliveira, Nereu Ramos são, entre muitíssimos outros, exemplos a serem citados. E, obviamente para tanto, a arma principal de que dispunham era a

66 66 oratória. A Otacílio Costa o destino concedeu o dom da palavra. Era um orador primoroso. E como tal ajudou, na modéstia do meio em que viveu suas primeiras décadas de vida, a criar no povo aquele amor à Pátria, sem o qual não é possível estabilizar e engrandecer as nações. E, como doutrinador político, ele foi, sem favor, uma figura exponencial do seu tempo, em Santa Catarina (COSTA, 1983, p. 6). Licurgo qualifica seu pai no mesmo patamar que outras figuras públicas de renome nacional da época em que Otacílio vivera. É irresistível observar o entusiasmo de que se revestem esses elogios, pois, antes que uma análise do pai enquanto um homem público das primeiras décadas do século XX, o filho faz apologias e notifica glórias. Não há nessa biografia sobre Otacílio lugar para narrar desventuras, o que Licurgo procura se justificar com o seguinte argumento: Este modesto trabalho é uma contribuição às comemorações do centenário de nascimento de Otacílio Costa. Procuramos escrevê-lo com isenção, na certeza - que nos seja perdoada a imodéstia - de que a sua personalidade dispensa concessões de amizade ou de parentesco. E, sinceramente, até consideramos que se está biografia fosse escrita por alguém que não tivesse os laços de sangue que nos ligam a Otacílio Costa, ele seria muito mais enaltecido, que nas páginas que aqui apresentamos (COSTA, 1983, p. 5). É preciso verificar os parâmetros que pautam a escrita de Licurgo acerca de seu pai, para não incorrer em julgamentos. O que nos cabe, mais que denunciar a subjetividade dessa escrita, é interpretá-la. Vale destacar que por muito tempo a biografia foi vista como o modelo da história tradicional, mais propensa à apologia do que análise (SHIMIDT, 2000, p. 49). Nas memórias de Licurgo, há um apontamento bem oportuno para a ocasião, isto é, de exercitar o pensar sobre a biografia, o biografar, a escrita, o falar bem e mal: Fui durante muitos anos aluno de sábios educadores jesuítas e com eles aprendi que nunca devemos falar mal de nós mesmos. Para falar mal de nós, ensinam os experientes discípulos de

67 67 Santo Ignácio, bastam os amigos....mas, no caso, esquecendo o conselho, direi que sou e terminarei meus dias não passando nunca de um medíocre aprendiz de escritor (COSTA, 2002, p. 123). Em praticamente todos os seus registros, o autor economizará palavras sobre os infortúnios, tantos os próprios quanto os alheios. Assim sendo, é possível compreender melhor os critérios que pautam a escrita sobre o pai, pois não se trata apenas da relação consanguínea entre biógrafo e biografado, visto que carrega toda uma postura embasada em valores que permeiam o seu olhar sobre o mundo, como também reverbera o que se entendia por biografia à época em que o livro fora escrito. Licurgo explica os motivos que o fizeram escrever sobre Otacílio: Atendendo a pedidos de amigos de Otacílio Costa e nossos, acedemos em escrever um resumo de sua biografia, baseados no conhecimento direto que dele tivemos - era nosso pai - e na documentação, digna de fé, que fomos colecionando durante muitos anos. Assim pudemos, nas páginas que se seguem, mostrar em largos traços, suas origens, a atuação da família Costa em Portugal e no Brasil e, finalmente, como foi, desde seus primórdios, a vida pública do líder lageano (COSTA, 1983, p. 2). De certa forma, ao escrever a biografia sobre o pai, Licurgo reforça o investimento na fabricação de uma memória sobre os seus, cujo compromisso é ressaltar o legado familiar. É preciso considerar, na produção dessa memória, a ênfase depositada na escolarização. A educação formal inicial de Otacílio ocorreu na escola Luz e Confiança, ministrada por Fernando Athayde e Moritz de Carvalho, lageanos que exerceram funções públicas notáveis na cidade. Eram republicanos, maçons, jornalistas e defendiam a educação laica. Essas informações são fatores pertinentes para se compreender a formação intelectual do pai. Depois das primeiras instruções, Otacílio seguiu para São Leopoldo no Rio Grande do Sul. Lá, como muitos outros lageanos de sua geração, recebeu escolarização ministrada pelos padres jesuítas, um tanto contraditório ao se considerar sua educação inicial laica, mas compreensível pela áurea que acompanhava o colégio jesuíta:

68 68 No começo de 1897 matriculou-se no Colégio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo (RS). Era, então, esta instituição de ensino elementar e secundário, uma das mais prestigiosas do país. Fundado pelos padres jesuítas, sabidamente grandes humanistas e educadores, recebia alunos não somente dos estados do sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina) mas também do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e até do exterior. Com dificuldades de comunicação - viagens de 8 a 10 dias - por pequenos navios, o fato de atrair alunos do Rio de Janeiro (José do Patrocínio Filho, lá estudava com uma bolsa concedida pela Princesa Isabel) comprovava a fama, o conceito de que desfrutava o grande colégio jesuíta (COSTA, 1983, p. 14). Licurgo atribui ao Colégio Conceição a formação humanística que o pai recebera. Ao produzir uma memória sobre a escolarização do grupo social de origem, em especial, do pai, é possível compreender essa ação como um investimento em busca de legitimar o valor desse grupo também no campo cultural. Figura 6: Ginásio Nossa Senhora da Conceição, São Leopoldo/RS Fonte: Acervo da Unisinos Licurgo direciona certa ênfase a essa contribuição do colégio nas ações de Otacílio:

69 69 O Colégio Conceição, no seu curso de humanidades, abriu no espírito do jovem lageano, como no daqueles seus alunos dotados de alto nível de inteligência, uma visão da vida, que poderia ser chamada, sem exageros, de caleidoscópica, proporcionando-lhes aptidões para uma lúcida compreensão dos acontecimentos e das suas projeções sobre o futuro. E tanto isto é certo, que muitos artigos e comentários do jovem jornalista, lançados no começo do século, seriam atuais ainda neste ano de 1983, em que se comemora o centenário de seu nascimento. Num deles sugere ao governo municipal várias providências para resolver o problema da mendicância, que assolava a cidade. Nas mesmas condições e para citar apenas dois exemplos, estaria o que escreveu sobre poluição que então era chamada de contaminação das águas e dos poços urbanos, situados a poucos metros das sentinas, abertas nos vastos quintais das residências. No primeiro exemplo se enquadra o atual centro urbano, com muitos falsos e verdadeiros mendigos, que a crise em curso vem aumentando assustadoramente, e, no segundo, estarão as milhares de residências da periferia, ainda não integradas na rede de esgotos (COSTA, 1983, p ). Ao destacar os apontamentos sobre a escolarização oferecida pelos jesuítas e os impactos na formação do pai de Licurgo, sobretudo nas ações como homem público, identifica-se a utilização da formação escolar adquirida em ações no espaço público, como também se observam elementos na formação do que se pode considerar um habitus do referido grupo social, a saber: participar de associações recreativas e literárias e publicar artigos nos jornais locais, de forma a intervir na organização da urbanidade e nas condutas sociais e políticas. Licurgo também foi estudante secundarista sob a tutela dos jesuítas, mas não em São Leopoldo, como era de costume entre os lageanos do final do século XIX. Ele também foi interno do Ginásio Catarinense em Florianópolis, outro empreendimento dos padres jesuítas, que contava com o apoio de setores políticos e oligárquicos, principalmente de seu tio-avô, Vidal Ramos, governador de Santa Catarina em 1905, data da instalação do referido ginásio.

70 70 Otacílio Costa também atuou como jornalista: Estava, ainda, no Colégio Conceição quando iniciou suas atividades jornalísticas, estreando a 4 de março de 1900 com uma crônica intitulada Ilusão, publicada no semanário lageano A Região Serrana, ao tempo o jornal mais importante do planalto catarinense. Tinha Otacílio, á época, 16 anos e 3 meses de idade, porém já se revelava uma grande promessa de grande jornalista e escritor, confirmada, com o correr do tempo, através de sua colaboração de meio século em jornais de sua terra, do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e de várias cidades catarinenses. Em janeiro de 1903 retornou definitivamente a Lages, ingressando na redação de O Imparcial, que semanalmente publicava seus artigos assinados sobre os mais variados temas (COSTA, 1983, p. 16). Além de escrever nos jornais da cidade, trabalhou no comércio e como advogado provisionado pelo Superior Tribunal de Justiça. Tornouse também um homem da vida pública, reconhecido, entre outras qualidades, pela oratória: Em 11 de janeiro de 1903, cinco semanas depois de completar 19 anos, Otacílio foi nomeado Diretor Geral da Diretoria Central do Município, o segundo cargo na hierarquia administrativa. Nesta fase já alcançara a fama de excelente orador, considerado, depois de Sebastião Furtado, de justo renome estadual, o mais notável entre os numerosíssimos discursadores lageanos. Estamos na época da oratória em Lages, escrevia o ilustre e destemido jornalista local José Rodrigues Castello Branco, sendo os dois Sebastião e Otacílio os maiores, segundo seus contundentes comentários, em que citava uns vinte deles, criticando-os impiedosamente. Mas enquanto o primeiro andava pelos trinta e cincos anos, o outro como dissemos, apenas dezenove (COSTA, 1983, p. 17).

71 Na vida pública, passou algumas vezes pelo poder municipal e também estadual e federal, na condição de deputado. Casou-se com Adélia Oliveira Ramos, filha de Belizário Ramos, um dos homens da política local e estadual, conforme mencionado. Adentrou também o terreno da história, escrevendo muitos artigos publicados nos jornais de Lages 58. Participou também do I Congresso Catarinense de História: 71 No Primeiro Congresso Catarinense de História apresentou três teses: A Proclamação da República em Lages, em 1839 e sua adesão à República em 1889 ; Lages e a história dos seus templos - A Ermida - A Igreja - A Matriz e a Catedral ; e O Coronel Antônio José da Costa (COSTA, 1983, p. 32). Conforme Licurgo, essas monografias foram publicadas nos anais do referido congresso. Contudo, foi possível localizar, no arquivo na Academia Catarinense de Letras, em uma das pastas do Licurgo Costa, a publicação de uma das pesquisas de Otacílio: 58 Foi após a Revolução de 30, que ele mais se dedicou às pesquisas históricas e criou, na imprensa local, começando pelo O Planalto, de Anibal Ataide, uma coluna sob o título de Lages de Outrora. Ali, semanalmente, divulgava os resultados de suas garimpagens pelos arquivos lageanos e pela memória dos mais velhos. Não teve, porém a preocupação de dar sequência cronológica as suas crônicas, escrevendo-as segundo o material ia colhendo ou em atenção a pedidos que recebia dos seus leitores. Entretanto, pelo número elevado de crônicas escritas, cerca de quatrocentas, é possível quase completar-se uma biografia de Lages, a partir da chegada de Correia Pinto, até mais ou menos Com o desaparecimento de O Planalto, Lages de Outrora passou a ser publicada no Guia Serrano, até pouco antes do falecimento de Otacílio Costa (COSTA, 1983, p. 32).

72 72 Figura 7: Frontispício do texto publicado por Otacílio Costa Fonte: Acervo da Academia Catarinense de Letras No acervo pessoal de Licurgo há uma pasta com vários recortes 59 de jornal acerca do congresso, que comemorava o segundo centenário da colonização açoriana. Fato é que, no ano em que ocorreu esse evento, 1948, Licurgo já era funcionário do Itamaraty, vivendo distante da terra natal. Em um dos recortes de jornal, onde consta a programação do evento, ele sublinhou os trabalhos com autores e temas relacionados à história de Lages: Otacílio Costa História de Lages; Proclamação da República em Lages, no ano de 1893; As constituições do Estado. Nilson Vieira Borges Biografia de Manoel Tiago de Castro (O Estado, 10 de agosto de 1948). Nessa mesma pasta Licurgo arquivou os discursos dos organizadores do evento, publicados nos jornais locais, nomes de referência na historiografia catarinense, incluindo Oswaldo Rodrigues Cabral. Esse evento foi financiado pelo governo estadual e tinha como perspectiva historiográfica a valorização das origens portuguesas na construção do que eles entendiam como identidade catarinense. De certa forma, características muito presentes na constituição do Continente. Na introdução do livro, há a menção a nomes que escreveram sobre a Serra Catarinense, momento em que Licurgo enfatiza as 59 Na mesma pasta consta o convite que Otacílio Costa recebeu de Henrique Fontes para participar do evento. Não se sabe a data em que Licurgo arquivou esses recortes.

73 pesquisas de Otacílio Costa, as quais são citadas, com frequência, em notas de rodapé como fontes de referência: 73 Do grupo acima, o que mais escreveu sobre o tema foi Otacílio Costa, que, além de oito opúsculos editados e seis teses para congressos de história, deixou cerca de quatrocentos artigos publicados na Imprensa Lageana, durante mais de cinqüenta anos de atividades jornalísticas, sendo que duzentos e cinqüenta deles sob o título de Lages de Outrora, foram divulgados na maioria, pelo semanário Guia Serrano (COSTA, 1982, p. 11). Se foi Otacílio ou não o autor que mais escreveu sobre a história lageana, esse dado quantitativo não é relevante, pois, na verdade, cabe considerar a sua contribuição sobre a construção de representações acerca do passado de Lages. Em um dos artigos de Lages de Outrora, que versa sobre a Proclamação da República, Otacílio expressa o anseio que o motivou a escrever sobre história: Estas notas não visam outro fim se não conservar para posteridade a lembrança de acontecimentos que tão alto falam da nossa educação cívica, já evidenciada naqueles tempos, há quase cinqüenta anos, em que Lages, a cidadezinha que o bandeirante Antônio Correia Pinto veio fundar neste altiplano de Santa Catarina, sem vias de comunicação, sem telégrafo, sem outros recursos, já começava a expandir-se nos seus justos anseios de progresso, numa alta virada para a realização de seus destinos (Guia Serrano, março de 1938). É possível observar, no trecho citado, uma concepção de história como um instrumento para a educação cívica dos cidadãos. Os sentidos que vestem o corpo da escrita de Otacílio têm os signos do tempo em que ele viveu e narrou. Tempo em que a história era um forte instrumento utilizado pelo Estado para legitimar as glórias de uma nação. Vale destacar que as questões historiográficas que permeavam a produção das representações sobre o passado em Santa Catarina estavam vinculadas às concepções do IHGSC, instituição criada ao final do século XIX, composta por agentes ligados ou muito próximos ao poder

74 74 político. O IHGSC seguiu, como exemplo, muitos dos propósitos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838, entidade que delineara uma construção de nação muito próxima ao ideal do projeto colonizador português 60. Em 1948, ano do I Congresso Catarinense de História, evento que procurou fortalecer a identidade regional portuguesa, sobretudo por ressaltar o açoriano, figura presente no litoral catarinense desde o período colonial. No entanto, esse tema da identidade portuguesa açoriana, como também da identidade portuguesa dos bandeirantes paulistas que colonizaram Lages, já ocupava os meandros do IHGSC bem antes da realização do referido evento, pois o tema dos açorianos, ao articular-se aos poderosos mecanismos de propaganda do Estado Novo e à intensa campanha de nacionalização de Nereu Ramos (GONÇALVES, 2006, p. 64), já era um assunto em pauta. Nessa época, Nereu Ramos foi interventor em Santa Catarina durante a ditadura Vargas, reaproximou o IHGSC dos interesses do governo estadual na valorização de uma identidade nacional. Ressalta-se que a colonização açoriana no litoral catarinense recebeu bem mais atenção por parte dos membros do IHGSC que a colonização dos portugueses bandeirantes paulistas na região serrana de Santa Catarina. Otacílio Costa não era membro do IHGSC, participou do evento a convite do então presidente da instituição, Henrique Fontes. Embora não fizesse parte, a questão historiográfica que mobilizava Otacílio, ao defender os valores pátrios e as origens portuguesas em seus textos, aproximava-se dos anseios da instituição então gabaritada para produzir conhecimento sobre o passado de Santa Catarina. Ao fazer uma incursão no cenário em que Licurgo nasceu, considera-se importante destacar que o registro das ações políticas, econômicas, sociais e culturais dos Ramos e dos Costa se faz perene nas ruas e monumentos não somente de Lages, como também de muitas cidades de Santa Catarina, em estátuas, prédios públicos e nomes de ruas. O calçadão central da cidade de Lages, por exemplo, carrega o nome do avô paterno, João Costa GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.1, No mesmo espaço há uma estátua do primo Nereu Ramos e uma escola com o nome de outro primo, desafeto político de Nereu, Aristiliano Ramos, tio de Licurgo.

75 Observa-se, nessas relações vinculadas ao lugar de nascimento, um poder não apenas econômico, mas também simbólico. De certa forma, a construção elaborada por Licurgo sobre a história de Lages está profundamente relacionada com sua rede de parentesco e o poder local, exercido pelos Ramos e pelos Costa. É nesse sentido que considerar o pertencimento familiar representa um instrumento importante para refletir acerca do capital acumulado durante muitas gerações. A ascensão profissional inicial, alcançada por Licurgo como jornalista na década de 1920, caracteriza-se como um exemplo clássico de conversão do poder político familiar em capital social. Licurgo não converteu a força política familiar em prol de uma trajetória política, mas sim, em uma rede de contatos dotados de certo prestígio social. Logo, compreender a herança familiar e as ações de Licurgo remete aos letrados e republicanos de Lages no começo do século XX. Em uma entrevista 62 concedida à prefeitura de Lages, em maio de 2002, dois meses antes de seu falecimento, o autor enfatizou que: 75 Lages tinha nas duas primeiras décadas do século XX um grupo de rapazes brilhantes, os quais escreviam nos jornais locais, fundaram sociedades teatrais, era um grupo cultural inigualável em Santa Catarina, o qual merece ser pesquisado. Esses apontamentos representam os investimentos empreendidos por Licurgo na construção de um lugar no campo da cultura para o seu grupo de origem. Nascido em 1904, ele só foi morar no Rio de Janeiro em Contudo, mesmo quando criança, testemunhou as movimentações desses rapazes ou jovens senhores. Haja vista que, em uma carta enviada a Nereu Correia em 1978, autor de um livro sobre Paulo Setúbal (imortal da Academia Brasileira de Letras, que morou em Lages entre 1918 até 1920), Licurgo registrou o seguinte: Lages, 10/12/1978 Meu caro Nereu Corrêia, Muitíssimo obrigado pelo seu Paulo Setúbal. Gostei horrores como diz a moçada de hoje. Santa Catarina estava a dever uma grande homenagem a ele. E, com o seu magnífico livro você resgatou a nossa dívida, com juros altos e correção 62 Entrevista realizada em maio de 2002 pelos assessores de imprensa da Prefeitura Municipal de Lages.

76 76 monetária. Lembro-me muito bem dele, que gostava de andar na boléia de um carro de mola, vitoriano, de propriedade de meu pai. Eram amicíssimos e no carnaval de 1920 se fantasiaram de bebês e de camisolão, mamadeira, chupeta e touca, enfrentaram as alegres comadres do clube 1º de Julho, que segundo a tradição, não acharam nenhuma graça na idéia dos dois. Paulo costumava dizer que a maioria dos versos que escreveu em Lages foram compostos na boléia daquele carro famoso, justamente pela extravagância do poeta. Passarei o verão em Canasvieiras e terei o prazer de procurá-lo no correr de janeiro. Com um grande abraço e os votos de um feliz Extensivos à exma família. 63 Alguns versos do Setúbal ilustram o período de sua passagem por Lages: Ah, Foi aí, nesse ermo de tristeza, nessa terreola fúnebre e burguesa, tão sem encantos, tão descolorida, que fui viver, com lágrimas e flores, no mais cruel amor dos meus amores, a página melhor da minha vida. 64 Esses versos fazem parte da obra Alma Cabocla, escrita por Paulo Setúbal 65 em O poeta circulou intensamente da vida social da cidade, participando dos clubes, escrevendo nos jornais, atuando como advogado em causas locais. Conviveu com a gente dessa terra, compartilhando costumes e hábitos. Nessa terreola fúnebre e burguesa experimentou a companhia de seus seletos varões, senhores, em sua maioria escolarizados, divulgadores de certas ideias de modernidade e civilidade, ocupantes de cargos públicos, mentores de projetos políticos. De sua vivência na cidade, Setúbal registrou muitas impressões, como a 63 Carta do acervo de Licurgo Costa na Academia Catarinense de Letras. 64 SETÚBAL, Paulo. A Vila. In: Alma cabocla. São Paulo: Cia. Editora Nacional, Advogado, jornalista e escritor, Paulo Setúbal foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em Os motivos que o levaram até Lages não foram literários, bem diferente disso, foram os vestígios da gripe espanhola.

77 que segue publicada no livro organizado por Nereu Corrêa 66 e intitulado Paulo Setúbal em Santa Catarina: 77 Desenhava-se na minha imaginação um desses lugarejos campôneos, todo feito de pobríssimas casinholas, sem sociedade nem convívio mundano, onde uns caboclos ásperos, de bombacha e chiripá, chapéu batido e espada ao lado, alardeavam grotescas valentias e gauchadas, atolando nas ilhargas fogosas do matungo, em frente às janelas da morena, a roseta em sangue das chinelas sonoras... E acrescenta: Pois nada disso, minha senhora! Aquela Lages, que eu imaginava ao sul, tão ao sul, na região serrana, vim encontrar inteiramente civilizada, em franca prosperidade, com as suas ruas paralelas e perpendiculares, o seu casario simples de cidade do interior, o seu movimento, a sua vida própria, o seu intenso comércio, e além de tudo, em vez desses gaúchos carnavalescamente paramentados, uma rapaziada guapa, bem falante, vestida à moderna, com roupas talhadas pelos últimos figurinos, e que já sabe flertar com grandes desembaraços, e dançar os mesmos tangos e rug times que a senhora dança no Trianon (CORRÊA, 1978, p. 19). Mais do que jovenzinhos vestidos à moderna, foram figuras públicas que protagonizaram movimentações em torno dos projetos modernizadores dos espaços onde circulavam. Eram os intelectuais do lugar; suas iniciativas ocuparam uma dimensão muito significativa na organização dos espaços públicos de Lages e Santa Catarina, e em algumas biografias, como a de Nereu Ramos, a projeção se deu na política nacional. Nas últimas páginas de suas memórias, Licurgo menciona vários desses personagens do período em questão, um apanhado de senhores: Outras sombras saudosas ainda perpassam na lembrança que ficou daquelas ruas tão tranqüilas, tão amenas da cidadezinha que o tempo transformou na urbe poderosa da atualidade: o Dr. 66 Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina.

78 78 Sartori, um médico italiano, caridoso, falando um dialeto pitoresco, de sua própria invenção; o Dr. Walmor Ribeiro, o primeiro médico lageano, cuja formatura a cidade festejou durante três dias e três noites, grande clínico geral, humanitário, bondoso, inteligente; Cândido Ramos, o primeiro médico brasileiro a oferecer seus serviços aos governos aliados, quando da Primeira Conflagração Mundial, indo servir no front sérvio, onde a guerra assumiu uma ferocidade extrema. Orador primoroso, quando retornou à terra natal, contou em várias conferências os horrores que presenciou ou de que participou na sangrenta retirada da Sérvia (COSTA, 2002, p. 181). Licurgo cita vários outros como, por exemplo, Manoel Thiago de Castro, jornalista, escritor, advogado comissionado e político republicano, que escreveu um romance histórico 67 chamado Três irmãos, livro não publicado, cujas páginas rabiscadas se encontram no museu que carrega seu nome, organizado pelo seu já falecido neto, Danilo Thiago de Castro 68. Licurgo finaliza esse desfile de vultos apontando a pertinência dos senhores citados: A lista já está longa mas outros vultos insistem e com justiça em figurar nela, nem que seja apenas para anotar seus nomes, para futuros comentários: Manoel Thiago de Castro, seu manequinho de castro, Dr. Indálecio Arruda, Virgilio Godinho, João Floriani, Agostinho Malinverni, João Lenzi, Francisco Mat, Octavinho Silveira, Maneco Nicoleli, Cícero Neves e tantos, tantos outros 67 Trata-se de uma obra de aproximadamente trinta páginas, escrito a mão, na qual Manoel Thiago de Castro narra a vida e as escolhas de três irmãos na virada do Império para a República. O cenário de urbanização da cidade, a abolição da escravatura, a vida e o cotidiano de ex- escravos, os romances, o papel da mulher de elite. Todos esses temas são abordados no livro inédito e não finalizado. 68 Danilo Thiago de Castro, neto de Manoel Thiago de Castro, colecionou durante praticamente toda a sua existência coisas antigas, desde objetos até jornais, cartas, documentos públicos, fotos. O resultado dessa atividade pessoal como colecionador é o Museu e arquivo Manuel Thiago de Castro, hoje é um espaço público, o qual foi adquirido pela prefeitura de Lages em Antes de ser público era considerado o maior acervo privado de Santa Catarina.

79 79 entre os quais caberiam, com justo destaque, tipos populares, figuras do folclore, mendicantes, alcoviteiros, biscateiros tão dignos de serem biografados quanto aos demais porque contribuíram para dar a Lages, o matiz que a distingue das demais cidades catarinenses, mas isto seria tarefa para outras oportunidades em que sobrasse tempo para recordações, assim como estas, um tanto sem rumo (COSTA, 2002, p ). Esses recortes de memória reforçam esse retrato de Lages ao início do século XX e o anseio de Licurgo de conferir ao grupo em questão um lugar de memória que perpetue não somente os feitos políticos, mas as expressões culturais, pouco mencionadas ou valorizadas por espaços hegemônicos do protagonismo cultural em Santa Catarina, incluindo a ACL e o IHGSC. Foi em Lages, nesse lugar fúnebre e burguês, de acordo com a sensibilidade poética de Setúbal, ou então, agreste, que Licurgo nasceu e passou os primeiros anos de sua existência. Em quase todas as suas narrativas, há signos desse lugar de nascimento, os personagens, os legados. Outros fragmentos, temporalidades e vivências também fazem do trajeto desse homem serrano. Assim, parte-se do continente agreste à antiga Desterro, atual Florianópolis, capital de Santa Catarina. Do campo cultural e político lageano para o litoral, mais especificamente para o Ginásio Catarinense, reduto de escolarização dos varões bem nascidos. 1.2 DESTERRO E O GINÁSIO CATARINENSE Na apresentação das reminiscências do avô, Licurgo se preocupa em descrever o meio em que o avô atuara. Para tanto, elabora algumas incursões para caracterizar Lages, observações que incluem também a escolarização: Mas vale observar que esta minúscula cidade, nas três últimas décadas de 1800, já mandava seus jovens filhos fazendeiros, estudar no mais famoso colégio do sul do Brasil, o Colégio Conceição, de São Leopoldo (RS) tornando-se, assim, nas duas ou três primeiras décadas do século passado, o maior centro cultural de Santa Catarina, logo após

80 80 Florianópolis. O Colégio Conceição atraía alunos até de São Paulo e do Rio, destacando-se deste último, José do Patrocínio Filho, que foi aí colega de classe dos lageanos Otacílio Costa, Indalécio Arruda, Walmor Ribeiro, Paulino Athayde e Bebiano Lima (COSTA, 2003, p. 24). Dos nomes acima citados, consta o de Otacílio Costa, pai de Licurgo. O avô, João Costa, não teve acesso a tal formação escolar institucionalizada, no entanto, a instrução que recebera, tendo sido escolarizado na fazenda dos próprios pais, foi suficiente para torná-lo professor particular de muitos outros filhos de fazendeiros. O que demonstra a preocupação com a escolarização como um capital familiar, mais do que isso, trata-se de uma questão de distinção. Em suas pesquisas, Pierre Bourdieu argumenta que as práticas culturais, juntamente com as preferências em assuntos como educação, arte, política, entre outros, estão ligadas ao nível de instrução, submetidas ao volume global de capital acumulado, aferidas pelos diplomas escolares e à herança familiar. Assim sendo, a família e a escola funcionam como espaços instituidores de competências necessárias aos agentes para atuarem nos diferentes campos. Deste modo, é possível observar as condições da construção do capital cultural e escolar do Licurgo, de certa forma, uma herança distinta (BOURDIEU, 2007) Nota-se, aliás, uma forte referência da prática da leitura no espaço privado da família de Licurgo, conforme verificado em várias passagens de suas memórias: Além disto, meu pai era grande comprador de livros editados pela casa Lello, do Porto (Portugal), e contava com boa biblioteca. Tinha as obras completas de Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano, Guerra Junqueira, Júlio Dantas, e ainda livros em espanhol Don Quijote - e em francês. Eu, pelos 12 ou 13 anos, comecei a mexer na biblioteca do velho e me entusiasmei com Camilo, mas quando descobri o Eça não o deixei mais. Dele, o que mais me seduziu foi Prosas bárbaras, que ainda hoje releio com vivo prazer, no mês de julho de cada ano, quando me entrego apenas às releituras dos meus livros preferidos, entre os quais os do Eça, como os Maias e A Relíquia (COSTA, 2002, p. 36).

81 81 Percebe-se, nesse meio social, a prática da leitura e o acesso a obras literárias clássicas, o que indica um costume familiar reproduzido na educação dos filhos, na construção dos gostos. É fundamental considerar a formação intelectual recebida por Licurgo, assim como as relações que tecera e o ambiente em que fora educado. São aspectos que denunciam profundamente o que se configura como capital social (isto é, a rede de relações no local de nascimento), cultural (os sentidos, valores e referências adquiridos nas relações sociais e ao longo das experiências vivenciadas) e escolar (também transmitido em âmbito familiar). A escolarização e a produção das referências estéticas e culturais resultam da rede social da qual fizera parte. Bourdieu considera que o gosto e as práticas culturais são resultados de um feixe de condições específicas de socialização. É nas experiências dos grupos e dos indivíduos que se pode apreender a composição do gosto, das escolhas culturais, das referências que compõem a formação do eu (BOURDIEU, 1998, p. 67). Depois de circular pelas bucólicas ruas de Lages, de compartilhar, embora ainda muito jovem, das redes de sociabilidade lageanas, Licurgo seguiu rumo à Florianópolis em busca de uma formação escolar mais apropriada ao interesse de seu grupo social: Dos 13 aos 15 anos frequentei o Ginásio Catarinense, em Florianópolis, então considerado um dos melhores do Brasil, o que espero também aconteça agora. Naquele tempo eram numerosos os alunos internos vindos do Rio Grande, do Paraná e de São Paulo. Lageanos éramos uns quinze, a maior representação regional do Estado e muito unida. Quase todos filhos ou netos de fazendeiros da Região Serrana... (COSTA, 2002, p. 34). Em 1918, aos treze anos de idade, foi enviado para estudar no Ginásio Catarinense (atual Colégio Catarinense), espaço destinado à formação de varões bem-nascidos. Nessa época, Florianópolis (ou a antiga Nossa Senhora do Desterro, nome da capital catarinense antes da Revolução Federalista ocorrida na última década do século XIX) era uma cidade provinciana que vivia uma intensa transformação urbana e social. A Desterro com a qual o jovem deslumbrou-se ao ver o mar (COSTA, 2002, p. 32), era uma cidade em transformação, assim como

82 82 seu agreste lageano. Ruas, praças, pessoas e mudanças em sintonia com os desejos de civilidade de então. Sonhos e expectativas sociais e culturais já circulavam na ilha anos antes dos primeiros ares republicanos. Com a República, não somente as ideias e as paixões políticas, mas também os espaços foram delineados. A população pobre, que não contava com o refinamento necessário para a realização desse anseio por estética, limpeza e organização, que fazia parte da reorganização do espaço proposta pelo poder público, foi retirada das ruas centrais de Florianópolis. Um ambiente com ideias de urbanização e desenvolvimento em contraste com uma população muito plural, que incluía comerciantes, damas da sociedade, lavadeiras, soldados, exescravos, meretrizes e tantos outros a circular nas mesmas poucas ruas, algumas reformadas, outras não. Nessa composição de cidade, Licurgo foi interno do Ginásio Catarinense entre 1918 e 1920, escola dos meninos das elites de Santa Catarina. Ao contextualizar a criação do Ginásio Catarinense em Florianópolis em 1905, período em que Vidal Ramos era governador do Estado, é visível a sua ação em prol da fundação do educandário. Ele, na condição de egresso do Ginásio Nossa Senhora da Conceição no Rio Grande do Sul, como muitos outros políticos republicanos, procurou estreitar as relações com os jesuítas: Apoiado pela elite política e pelo clero romanizado, viabilizou a fundação do colégio dos jesuítas em Florianópolis, subvencionado pelo poder público (DALLABRIDA, 2001, p. 46). Essa atitude foi reconhecida, inclusive, por Hercílio Luz, que em discurso oficial, em um ato simbólico da fundação do Ginásio, em 4 de janeiro de 1906, creditou a Vidal Ramos a iniciativa de fundálo. Vidal Ramos, em seu segundo mandato como governador ( ), realizou a primeira reforma do ensino em Santa Catarina, ao lado do educador Orestes Guimarães. Isso possibilitou a abertura de escolas por todo o Estado na segunda década do século XX, permitindo o desenvolvimento e o progresso em regiões geralmente esquecidas pelos demais governantes que representavam, na maioria das vezes, a burguesia comercial do litoral. Nesse período, a capital de Florianópolis, era também cenário de práticas sociais intelectuais. O historiador Felipe Matos (2014), em sua já citada tese de doutorado, Armazém da Província: Vida Literária e Sociabilidades Intelectuais em Florianópolis na Primeira República, desenvolve um pertinente estudo sobre o campo cultural da cidade durante a Primeira República, com destaque para as relações culturais e práticas sociais vivenciadas pela elite literária local. Ao analisar os

83 espaços de sociabilidade intelectual dos indivíduos desse meio, Felipe identificou o Ginásio Catarinense como um desses lugares: 83 Percebe-se nestes jovens um impulso de participação política na esfera pública fomentada pela própria cultura escolar do Ginásio Catarinense, voltada à distinção social, ao refinamento estético, à desenvoltura verbal pública dos alunos (MATOS, 2014, p. 52). A passagem pelo Ginásio Catarinense tornou-se uma importante opção dos meninos bem nascidos, pois oferecia uma escolarização que os preparava para o exercício do poder, para o espaço público, além de certo refinamento cultural, reproduzido também em outros espaços. Apesar de Licurgo ter sido interno do Ginásio em um tempo marcado por significativas movimentações literárias na ilha de Santa Catarina, não há vestígios de seu envolvimento nesses movimentos intelectuais. O historiador Norberto Dallabrida (2001), em sua tese de doutorado, desenvolve um estudo sobre a escolarização das elites masculinas na Primeira República. Os estudantes da Região Serrana de Santa Catarina estão presentes em sua abordagem: Os filhos dos latifundiários pecuaristas do Planalto Serrano, especialmente de Lages, São Joaquim e Campos Novos, formaram um grupo ginasial pequeno e regular. Em verdade, os serranos foram os primeiros e o maior grupo social catarinense que recebeu a educação jesuítica: desde as últimas décadas do século XIX no ginásio da Conceição e, posteriormente, no colégio da capital catarinense. Entre as famílias lageanas, os Ramos e os Costa tiveram freqüência notável (DALLABRIDA, 2001, p. 235). Depois da Capital, foi Lages o município que teve maior número de alunos. Além de ser o maior município catarinense, Lages vivia a pujança econômica ligada à pecuária e tinha visibilidade na política estadual, particularmente com as famílias Ramos e Costa (DALLABRIDA, 2001, p. 239).

84 84 O grupo escolar que tinha mais identidade sóciocultural era aquele formado pelos serranos, geralmente descendentes de luso-brasileiros e filhos de pecuaristas (DALLABRIDA, 2001, p. 240). Norberto acentua o destaque da família Costa pelos corredores do Ginásio Catarinense, com ênfase na família Costa: A família Costa, que teve atuação política destacada, mas ocupando cargos-chaves de assessoria e, por isso, com menos visibilidade no cenário político, também confiou à educação de seus filhos aos padres jesuítas. Caetano Costa, líder político em Lages e secretário geral do Estado de Santa Catarina nos governos de Vidal Ramos, e Joaquim Costa, chefe de gabinete destes governos e fiscal federal do Ginásio Catarinense por vários anos, estudaram no Ginásio Conceição. Os filhos do primeiro, Cesár Vieira da Costa e Caetano Costa Junior, concluíram o curso ginasial no colégio jesuíta da capital catarinense (DALLABRIDA, 2001, p. 235). Os nomes acima são de tios e primos de Licurgo. A escolarização masculina caracterizava-se como uma forma de sociabilidade e de provável ascensão profissional e política. O anseio era comum aos Costa, descendentes do João José Theodoro da Costa. Ainda segundo Dallabrida, é possível identificar o meio social e cultural onde as relações se davam nesse espaço escolar do Ginásio Catarinense: À Luz das informações da profissão e da posição social dos pais dos formados, pode-se constatar que a população escolar do Ginásio Catarinense era formada por filhos das elites e frações das classes médias. A grande maioria do alunado pertencia às camadas abastadas da sociedade catarinense como os comerciantes, pecuaristas, empresários, funcionários públicos de médio e alto escalão, profissionais liberais. Mesmo entre os alunos que não concluíram o curso secundário, mas freqüentaram o colégio, que abandonaram ou concluíram o curso ou os exames preparatórios

85 85 em outro instituto de ensino secundário, pode-se verificar o pertencimento aos estratos sociais privilegiados. Entre outros, pode-se citar o caso do alto funcionário federal Licurgo Ramos da Costa e do desembargador Belizário Ramos da Costa - filhos do pecuarista e político Octacílio Costa -, dos médicos Polydoro Ernani de São Thiago, Saulo Ramos e Osvaldo Rodrigues Cabral, dos políticos e escritores Othon Gama d Eça e Laércio Caldeira de Andrade, do jornalista e professor Ruben Lima de Ulysséa, dos advogados e políticos Carlos Gomes de Oliveira e Rubens de Arruda Ramos, do geógrafo e escritor Victor Peluso Júnior (DALLABRIDA, 2001, p. 238). Pelos corredores do Ginásio Catarinense circulavam os mais abastados de Santa Catarina e, entre estes, estavam os seletos varões da Serra Catarinense. Era um espaço escolar apenas destinado aos meninos, que seriam os homens públicos. Nesse cenário, Licurgo estudou com os meninos. Os estudantes eram oriundos de diferentes regiões de Santa Catarina e, alguns, até de outros estados. Os meninos da Serra Catarinense formavam o seu distinto grupo entre os demais: Não nos misturávamos muito com os outros internos, não por qualquer prevenção, ou antipatia, mas porque cultivávamos os nossos assuntos, nossos causos de fazenda, lida de gado, histórias de carreadas (COSTA, 2002, p. 34). Peculiaridades do cotidiano vivenciado na Serra tornavam-se, de fato, sinais diacríticos, signos de uma identificação, do estabelecimento de fronteiras internas e externas ao grupo de origem, da afinidade com as coisas experimentadas no agreste, tais como: A nossa lida de todos os dias era duríssima. Para não entrar em pormenores que alongariam demais esta conversa, direi que fora dos estudos, a partir dos 7 anos trabalhávamos na lavoura, indo ao potreiro grande, hoje bairro Frei Rogério, buscar as vacas, sair quase de madrugada, inverno e verão para comprar pão e três vezes por semana ao açougue buscar um quilo e meio de carne, de

86 86 preferência bem gorda, cortar lenha para o fogão, fazer fogo de manhã, buscar água na cacimba. A mim, o mais velho, cabia o pior de tudo, que era logo ao levantar-me, ir buscar o pão para o café com leite da manhã. Lembro-me que no inverno, de chinelinho sem meia, calça de franela e camisa de baeta grossa, eu enfrentava a geada espessa, de mãos nos bolsos e com uma cesta de fibras de taquara ou gerivá, colorida, enfiada no braço direito. Não sei como agüentava aquelas caminhadas no amanhecer, às vezes com a temperatura de 4 a 5 graus abaixo de zero (COSTA, 2002, p ). Embora fosse filho de um latifundiário, as lidas diárias não eram aliviadas. Isso não significa salientar que os estudantes litorâneos do Catarinense não fossem expostos às rotinas de trabalho familiares, não é possível afirmar nada sobre tal assunto. No entanto, observa-se, nas palavras de Licurgo, o quanto esse cotidiano de piá serrano era influenciado pela questão climática, as baixas temperaturas, e pelas atividades econômicas, nesse caso, a criação de gado. É possível entender, assim, que os meninos da Serra tinham entre si bem mais que uma região em comum. Há todo um conjunto de costumes e entendimentos construídos em um mesmo lugar social. Em suas memórias, Licurgo relata a sua trajetória escolar em Lages: Aos seis anos, porque estava cada vez mais traquinas ( Tacílio, é preciso dar um jeito nesse piá, ninguém mais agüenta suas travessuras e a vizinhança já anda meio arreliada ), fui posto semi-interno no colégio das irmãs da divina providência, só de meninas. Levei um ano naquela boa vida e, em seguida matriculado no grupo escolar Vidal Ramos, a matrícula número 1, em homenagem ao meu avô Belizário, superintendente municipal. Entrei para o segundo ano - sob a pachorrenta regência do professor Pedro Cândido - clarineta da orquestra Harmonia Lageana. Quando passei para o quarto ano fui mandado para o colégio dos padres franciscanos, para não ficar sobre a regência do professor João Antônio de Oliveira Henriques, que diziam

87 87 tuberculoso em último grau (COSTA, 2002, p. 33). Dentro da perspectiva de uma formação adequada aos interesses do meio familiar ao qual Licurgo pertencia, foi enviado para o Ginásio Catarinense para realizar seus estudos, lugar onde recebeu dos jesuítas uma distinta escolarização. Esse espaço foi fundamental na formação de suas relações sociais e culturais, pois foi nele que a convivência em piqueniques, grêmios literários, jogos, teatros e muitas outras atividades para além da sala de aula, proporcionou a construção de um próspero acúmulo de capital social e cultural, muito significativo nas trajetórias profissionais dos jovens que passaram por essa instituição (DALLABRIDA, 2001, p. 42). Todo o ensino, e mais particularmente o ensino de cultura (mesmo científica), pressupõe implicitamente um corpo de saberes, de saber-fazer e sobretudo de saber-dizer que constitui o patrimônio das classes cultas (BOURDIEU; PASSERON, 1985, p. 36). Eis um exemplo da escolarização como uma estratégia de reprodução social. Logo, é notável, na trajetória do Licurgo, a força da herança cultural experimentada no ambiente familiar e reproduzida no meio escolar e profissional. Embora o autor venha de uma família que desfrutou de representatividade política em Santa Catarina durante o século XX, o mesmo não ocorreu, com similar intensidade, no campo cultural, como na ACL e no IHGSC. Licurgo, durante a escolarização em Florianópolis, era um dos representantes do grupo regional da serra catarinense e também contemporâneo dos movimentos literários de Florianópolis. Apesar disso, não menciona em suas memórias as manifestações literárias e culturais da capital catarinense nesse período. Ao abordar as sociabilidades intelectuais em Santa Catarina no recorte temporal das primeiras décadas republicanas, dedica-se a enfatizar Lages como a capital cultural do estado, em virtude de seu grupo social e dos movimentos empreendidos por tal grupo: escrever nos jornais, organizar clubes literários, carnavais, manifestações teatrais, etc. Apesar desse investimento de memória voltado a destacar o meio cultural lageano, vale ressaltar que, para adquirir os dispositivos necessários para essa formação intelectual, a maioria dos rapazes lageanos com condições econômicas, tinham de abandonar o ninho em busca de escolarização e interação com outras redes sociais para mediar a conexão com outras práticas culturais. Depois de Florianópolis, a mando do Pai, Licurgo foi para o Rio de Janeiro, a então capital federal:

88 88 Nas férias de 1920 para 1921, meu pai me avisou que eu não voltaria para Florianópolis e aquela resolução inesperada me causou alguma tristeza. Nunca soube das suas razões porque, pela nossa formação lageana, não se discutiam ordens paternas. Perguntei à minha mãe, que alegou ignorá-las. E até hoje não sei por que naquele começo de fevereiro de 1921, desembarquei, sozinho, na Capital Federal, como também se chamava o Rio de Janeiro (COSTA, 2002, p. 34). Licurgo desembarcou na Capital Federal, uma cidade com espaços de intensas sociabilidades. A interiorização dos bens culturais promovida no seio familiar e a socialização desses bens reafirmada na escolarização funcionarão como dispositivos de interação social à sua ascensão profissional no Rio de Janeiro dos anos Na fabricação da memória de si, Licurgo também narrou seu percurso no Rio de Janeiro e nos corredores do Itamaraty. De certa forma, esse movimento do trajeto para além de Santa Catarina representa uma ruptura com o cenário regional. Todavia, as experiências de Licurgo nesse trajeto irão resultar na produção de um ethos cosmopolita, muito utilizado como recurso para retornar à terra natal, mais de meio século depois.

89 89 CAPÍTULO 2 A TRAJETÓRIA ALÉM DE SANTA CATARINA Ao retornar para Santa Catarina na década de 1970, Licurgo construiu uma memória familiar, territorial e própria. A cada uma dessas dimensões de memória, responde por estratégias, de forma que, ao analisar o papel que a escrita do Continente ocupa em sua trajetória, observa-se um investimento na produção de uma memória sobre Lages, com destaque especial para algumas famílias, entre os quais, os Ramos e os Costa. Trata-se de uma escrita memorialística que se reveste de uma intenção reparadora e que confere a Lages um lugar no repertório simbólico catarinense, ao mesmo tempo que deseja a autoridade historiográfica que deverá projetar o autor como intérprete da história de Lages. Licurgo investiu também, e constantemente, na construção de uma memória monumento em torno da própria trajetória, o que pode ser entendido como um recurso para projetar-se e tentar angariar algum prestígio em terras catarinenses. No entanto, investigar essa trajetória permite, além de observar a construção de uma memória monumento, analisar a capitalização de experiências na constituição de um Licurgo que agrega a Lages um gradiente de universalidade, devido à sua trajetória internacional e junto às altas esferas de poder. Averiguar o caminho percorrido pelo autor, além das terras catarinenses, proporciona um entendimento dos vínculos entre os clãs familiares Ramos Costa e de Getúlio Vargas, os arranjos em busca de um posto de trabalho e ascensão, as relações sociais em um meio cultural e político, algumas glórias e decepções que fogem ao esplendor de um passado intocável, sobretudo a reclamação por nunca sido embaixador. Desta forma, o presente capítulo realiza uma abordagem sobre a vida de Licurgo no Rio de Janeiro na década de 1920 e seu trabalho como jornalista, a Era Vargas e sua relativa ascensão profissional nos 1930, e as relações construídas nos anos em que atuara no Itamaraty, a partir da década de O RIO DE JANEIRO NOS ANOS 1920 Em 1921, ao invés de retomar os estudos em Florianópolis, o pai de Licurgo o enviou para o Rio de Janeiro. Com apenas dezesseis anos de idade, o jovem lageano desembarcou na Capital Federal, uma cidade

90 90 efervescente, de muitas sociabilidades. O historiador Nicolau Sevcenko refere-se ao Rio de Janeiro das primeiras décadas do século XX como a capital irradiante, visto que se tratava de um grande centro cultural, sede administrativa da República, uma cidade que atraia pessoas dos mais diversos lugares (SEVSCENKO, 2001, p. 522). Era um cenário de transformações urbanas, palco de discussões artísticas e literárias sobre o Brasil e as questões nacionais. Figura 8: Avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro em 1920 Fonte: acervo do Arquivo Nacional As memórias de Licurgo denotam o êxtase com a cidade: Cheguei ao Rio de Janeiro numa tarde de terçafeira de carnaval, em princípios de Tantos anos decorridos não posso recordar exatamente as emoções do primeiro contato com uma cidade enlouquecida pela música, pelas fantasias coloridas, pela chuva de confetes e serpentinas e, sobretudo, pelas fragrâncias indescritíveis dos lança-perfumes. Era demais para o pobre caipira que uns dez dias antes ainda saia de pé no chão, para buscar as vacas no potreiro grande. Mas apenas deixei a humilde mala na pensão de Dona Maricas, para onde fora consignado por um primo prestimoso que estudava medicina no Rio, e

91 91 me mandei orientado pelo rumo das estrondosas músicas carnavalescas, para a Avenida Central, de onde,não sei como, cai num baile da Praça Tiradentes, no antigo teatro Carlos Gomes. Fiquei deslumbrado com a alegria, a graça do ambiente que depois soube ser formado, na maioria, por gente de teatro. Voltei, com alguma dificuldade em localizá-la, para a pensão, no clarear do dia de quarta-feira de cinzas, para o grande espanto de Dona Maricas que me recebeu sorrindo e dizendo: Menino, você promete... (COSTA, 2002, p. 38). Os encantos dessa cidade metrópole, capital política, cenário cultural denso e intenso, ganharam espaço nos registros das memórias do menino do interior, em uma época marcada por profundas transformações no cenário nacional. As vivências e as afetividades experimentadas nesse período dão sentido a certos traços do caminho do autor, como o gosto pelas artes e o aprimoramento estético. Um lugar de sociabilidades culturais, intelectuais e artísticas, que em seus registros de memória era comparado a Paris: O Rio era, como a Paris de Ernest Hemingway, uma festa. Oito teatros de revistas e comédias, seis cinemas também no centro da cidade, temporada anual de três meses de óperas, meia dúzia de cabarés, todos com jogos, duas vezes por ano largas temporadas de companhias francesas de vice de Villes e Variétes três ou quatro companhias portuguesas de revistas, conjuntos espanhóis, também de teatro, e até um mexicano, famosíssimo, a Companhia de Operetas Esperanza Iris, além de concertos de piano, violino e de cantores famosos. Tudo isso constituía um conjunto de atrações quase atordoantes. O Rio copiava Paris e eu tinha a impressão, no meu transbordante entusiasmo, de que não haveria nada no mundo comparável aos encantos das madrugadas cariocas, amenizadas sempre pela brisa que vinha do mar ou, segundo a hora, soprava da terra. A Avenida Central, com as suas luminárias de cinco focos, refletidos no asfalto reluzente da umidade dos carros pipas que a lavavam diariamente, depois da meia noite, lembrava gravuras parisienses da Avenida da

92 92 Ópera ou dos Campos Eliseus, que eu não cansava de admirar na La illustration que meu pai assinava (COSTA, 2002, p ). É possível entender o Rio de Janeiro dos anos 1920 como uma arena cultural 69, um ambiente propício a interações artísticas e estéticas, além, é claro, de toda uma dinâmica de relações políticas, afinal, tratavase da capital federal, sede administrativa do Brasil, palco de muitos episódios e decisões. Licurgo foi para o Rio matricular-se no Colégio Pedro II e fazer os exames preparatórios para ingressar na faculdade de medicina. Algo que não aconteceu exatamente assim, pois acabou cursando farmácia e, anos depois, direito. Além disso, ele se considerava um estudante um tanto relapso a lutar contra as tentações oferecidas pela cidade que me deslumbrava desde que desembarquei no cais do porto (COSTA, 2002, p. 39). O jovem Licurgo foi para a capital estudar e deu conta do empreendimento. Entretanto, os recursos financeiros enviados pela família não eram abundantes, de tal forma que, em 1922, antes de ingressar na faculdade, começou a trabalhar em um jornal chamado A Pátria. O proprietário era o deputado mineiro Francisco Valladares, mais conhecido como Chico Labareda (COSTA, 2002, p. 41). O responsável por intermediar o emprego foi Edmundo da Luz Pinto 70, a pedido do pai de Licurgo. 69 Do ponto de vista analítico, a cidade, enquanto arena cultural, é compreendida como um espaço dotado de variados e até, contraditórios sentidos sociais, que convivem lado a lado, tendo sido construídos e consolidados ao longo do tempo. Esse espaço é, portanto, produto e produtor das ações dos atores individuais e coletivos que nela vivem. Dito de outra forma, investigar quaisquer manifestações culturais sob a ótica do urbano é trabalhar com a cidade enquanto um campo de possibilidades que delimita as escolhas realizadas por seus atores, dando a elas significados apreensíveis pelas próprias experiências por eles compartilhadas (GOMES, 1999, p. 23). 70 Bacharel em direito e diplomata, tornou-se sócio da Academia Catarinense de Letras em 1963, alguns meses antes de falecer. Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro em 1898, a família era de Santa Catarina. Era primo-segundo de Hercílio Luz, um dos grandes expoentes do cenário político catarinense durante a Primeira República. Edmundo da Luz Pinto foi deputado estadual em Santa Catarina por 3 vezes ( , e ), e por duas vezes deputado federal pelo Partido Republicano Catarinense ( e ). Sobre ele, Licurgo publicou um livro intitulado O Embaixador de Ariel, breve notícia sobre a vida de Edmundo da Luz Pinto, o mais fascinante

93 93 Lembro-me perfeitamente do meu vestibular para ser admitido no grande matutino, fundado havia poucos anos por João do Rio, falecido em Era uma tarde de 9 de novembro de 1922, véspera do quarto aniversário da assinatura do armistício que pôs fim à primeira conflagração mundial. José Bezerra de Freitas, secretário da redação, a quem Valladares me apresentara, mandou-me escrever uma nota sobre o grande acontecimento, entregando-me um livrinho em francês, com o registro do fato. Animado, entusiasmado com a conquista que havia feito, numa época em que era muito difícil conseguir colocação na imprensa do Rio, sempre com uma imensa e aguerrida fila de nortistas candidatos a qualquer vaga, não percebi a malícia do secretário, entregando a uma foca que a apenas um mês havia completado 18 anos, tinha cara de 15, e que nunca havia trabalhado em jornal, a responsabilidade de escrever sobre um ato de evidente importância histórica, assunto para um dos editorialistas da casa. Li e reli o capítulo, ainda por cima sem o auxílio de dicionário, e depois com uma caneta e pena de molhar no tinteiro, enchi umas dez laudas de papel, de uns dois palmos cada e entreguei-as a Bezerra de Freitas, que me dispensou recomendando-me voltar no dia seguinte, às 4 horas da tarde (COSTA, 2002, p ). Observa-se, nessa memória, o registro sobre a aguerrida fila de nortistas, ou seja, a notável disputa pelos postos passíveis de serem arranjados para os filhos das oligarquias estaduais. Mais do que isso, é preciso considerar que os nortistas também faziam o mesmo percurso de reconversão de capital social e escolar que Licurgo, pois chegavam à capital para trabalhar como chefes de gabinete, editores de jornais, entre intérprete oral do Brasil no século XX, em 1999, pela Editora Insular, como uma forma de homenagear o centenário de Edmundo e, de certa forma, projetarse ao escrever sobre o referido personagem. Quanto à relação de Edmundo da Luz Pinto com o deputado mineiro Francisco Valladares, não foi possível localizar vestígios investigativos, ou seja, fontes que definam com maior exatidão os contornos objetivos desse contato.

94 94 outras atividades, as quais, de certa forma, estabeleciam uma conexão entre a função dos intelectuais e o campo da política. Se a concorrência entre as oligarquias estaduais era acirrada, então, os trunfos políticos da família de Licurgo Costa eram eficientes, já que ele adentrou no jornalismo a partir do contato com o referido Edmundo da Luz Pinto, que pertencia ao Partido Republicano Catarinense, o mesmo partido dos Ramos e dos Costa. Quanto à matéria escrita pelo autor, foi publicada no dia seguinte, na primeira página. Ele conseguiu o emprego, não exatamente como jornalista, pois ficou trabalhando mais de seis meses no setor de telegramas. Algum tempo depois, assumiu, de repente, inesperadamente (COSTA, 2002,p.42), a seção de política como repórter parlamentar, conforme ele próprio mencionou. Não registrou com maiores detalhes as circunstâncias dessa transição. Vale ressaltar que trabalhar como jornalista no Rio de Janeiro da época era um caminho oportuno para estabelecer contatos e arranjos sociais em busca de ascensão profissional e até mesmo política. Licurgo trabalhou uns três anos no jornal do senhor Valladares, muitas vezes, ouvindo as broncas e os corretivos do político, proprietário do jornal. Assim começou a vida de jornalista, um jovem de aproximadamente 19 anos, a fazer a cobertura política do que acontecia na Câmara dos Deputados Federais, ou seja, atuava quase que no coração da vida política brasileira naquela turbulenta década. É considerável a pertinência da Assembleia Legislativa na vida de Licurgo, não apenas como um lugar político, mas uma arena cultural e social, um espaço oportuno para construir relações. Nesse mesmo espaço e contexto, mencionou o quanto circulavam por lá bons oradores, dotados de boa cultura, figuras com as quais muito dialogava, afinal, era repórter parlamentar. Nessa lista incluem-se Lindolfo Collor 71, sobre quem escreveu um ensaio biográfico publicado em 1990, o já citado Edmundo Pinto da Luz, além de outros parlamentares Licurgo escreveu uma biografia intitulada: Ensaio sobre a vida de Lindolfo Collor. Florianópolis: Editora Lunardelli, Ruy Barbosa, Lauro Müller, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, Afrânio de Mello, João Luís Alves, Afonso Pena Junior, Getúlio Vargas, Gilberto Amado, Costa Rego, João Neves da Fontoura, Júlio Prestes, Flores da Cunha, Carlos de Campos, Cincinato Braga, Maurício de Lacerda, Augusto de Lima, Ildefonso Simões Lopes, Pandiá Calogerás, Francisco Valladares, Otávio Mangabeira, entre outros (COSTA, 2002, p. 46).

95 É notável, nas memórias de Licurgo, o esforço em somar à sua passagem pelo Rio de Janeiro uma proximidade com o cenário cultural. Observa-se um investimento em agregar a essas memórias um determinado capital simbólico (muito utilizado como recurso no retorno para Santa Catarina) em torno das possíveis relações travadas com personalidades. No entanto, para analisar as redes de relações mencionadas por Licurgo no contexto carioca dos anos 1920, convém recorrer ao estudo realizado por Angela de Castro Gomes, em seu livro Essa gente do Rio... Modernismo e Nacionalismo 73, no qual ela realiza uma investigação sobre os intelectuais que viveram no Rio de Janeiro nas primeiras décadas republicanas. A autora argumenta que a cidade, nesse período, era um lugar de atração de intelectuais que vinham de diversas partes do Brasil. Era também um espaço de encontro que agregava diferentes estilos e valores, que proporcionava a construção de uma rede de sociabilidade onde articulações aconteciam entre os que viviam na capital com outras regiões do país. (GOMES, 1999, p. 19). E é esse cenário, mais que o Rio do carnaval e da capital política administrativa, uma arena de intelectuais a pensar o Brasil. É nessa dimensão da cidade que Licurgo busca situar suas memórias sobre a sua vida no Rio de Janeiro, tanto que as intitula como A vida cultural pulsa no Rio (COSTA, 2002, p. 50). Em um rascunho de um texto localizado na pasta Licurgo Costa da ACL, consta o seguinte registro. 95 Eram, para mim, aqueles dourados e inesquecíveis tempos de fascinação pelo iluminismo da Capital Federal, em que eu, tanto pela audácia como pelo prazer de cultivar amizades, circulava em grupos de gente de variada idade, porém reunida numa faixa comum de pontos de vista e qualidade intelectual. 74 Licurgo não esclarece exatamente qual seria essa faixa comum de ponto de vista e qualidade intelectual. No entanto, é possível identificar nele, nesse momento, um jovem com certa ilustração cultural a viver as influências do meio onde convivia. Certamente, essas experiências e trocas sociais exerceram seu devido peso na ascensão profissional do jovem jornalista, na medida em que teceu várias 73 GOMES, Angela de Castro. Essa gente do Rio... Modernismo e Nacionalismo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.

96 96 relações, que foi contaminado por esse ethos sociocultural 75. É importante destacar que nessa mesma época descrita por Angela de Castro Gomes, Licurgo já trabalhava nos jornais, circulava pelas editoras, bares, confeitarias e salões, fazia parte desse universo, contaminado pela vida cultural que pulsa no Rio. Quando cheguei no Rio de Janeiro a vida cultural da cidade era intensa, como já assinalei no começo deste livro. Os fantasmas de Bilac, Emílio de Menezes, Paula Ney, Cruz e Souza, Luis Delfino, Machado de Assis e tantos outros, ainda povoavam os tradicionais pontos de convergência dos jornalistas, escritores, poetas, artistas ou simples boêmios profissionais. Minha entrada para uma redação prestigiosa como a de A Pátria, viveiro de grandes repórteres, redatores, facilitoume o contato com aquele ambiente que tanto me seduzia... Nesta fase da minha vida, ocupado em estudar, trabalhando na imprensa e ainda perambulando com os companheiros de redação pelas madrugadas adentro, na boemia dos bares e cabarés ou mesmo caminhando sem rumo pelo centro da cidade com eles, nem sei como achava tempo para ir às conferências das grandes personalidades internacionais que passavam pelo 75 Angela de Castro Gomes, ao investigar a intelectualidade carioca nas primeiras décadas republicanas, pontua o seguinte: Portanto, conhecer um certo meio intelectual em determinado momento e espaço implica, obrigatoriamente, conhecer essa dimensão organizacional, que não é aleatória aos significados contidos em um dado projeto cultural. No caso da cidade do Rio de Janeiro, este texto propõe que algumas variáveis precisam ser consideradas fundamentais para a análise da dinâmica do campo intelectual, especialmente sob o enfoque das relações entre tradições e projetos estético políticos desenvolvidos ao longo dos anos 20, 30 e 40. A primeira é de a cidade abrigar, por sua situação de capital da Corte e da República e, como decorrência, por seu estimulado e crescente aprimoramento urbano, um ethos sociocultural materializado tanto no esplendor dos salões das residências de políticos e intelectuais, como na luminosidade das ruas, plenas de vida boêmia. A casa, no espaço específico de transição entre o público e o privado que é o salão, e a rua, espraiada em lugares como bares, confeitarias, editoras e jornais, conformavam dinâmicas distintas mas complementares e necessárias à comunicação intelectual (GOMES, 1999, p. 27).

97 97 Rio, e ainda conseguia, duas ou três vezes por semana, me meter na Biblioteca Nacional para ler livros que eu não podia comprar. 76 O estudante e jornalista Licurgo foi também um boêmio, conforme se pode observar em suas memórias, amigo das gentes de teatro, como ele próprio se referiu, fascinado pelos meios literários, artísticos e intelectuais. Em síntese, os espaços também formadores do seu ethos cosmopolita. O gosto pelas artes tinha tal intensidade a ponto dele trabalhar como figurante de alguns espetáculos, que eram muito caros, de modo que assim ele encontrava uma forma de poder assisti-los. O Teatro Municipal do Rio de Janeiro recebia óperas europeias com espetáculos clássicos de música erudita. Havia nas faculdades cariocas um grande grupo de estudantes gamados pela música clássica e interessados em assistir, pelo menos as mais famosas óperas, ou melhor, os mais famosos cantores. A solução, naturalmente, seria as torrinhas, as galerias, mas também eram caríssimas. Pressionamos por todos os meios o empresário Mocchi, do Municipal, para obtermos uma redução: ofereceu a uns 50 estudantes a participação, nas óperas que exigiam elencos numerosos no palco, na situação de comparsas e nós aceitamos, além do mais, porque assistíamos ao espetáculo e ainda recebíamos, por noite, cinco mil réis. Entre as óperas de que participamos lembro-me do Parsifal, com aquela multidão de sacerdotes, todos de clâmides ou de batinas de rústico pano, postada à direita do palco imenso com o Santo Gral elevado, como o cálice consagrado na liturgia católica, enquanto tenores e sopranos se esganiçavam provocando frenéticos aplausos de uma assistência em trajes de gala. Na Aida fazíamos os soldados, na La Bohème, já em menor número, mas eu estava sempre entre eles, passeávamos de braços com coristas, vestidos a caráter, frente às janelas floridas do cenário representando como era uma rua (COSTA, 2002, p. 58). 76 Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.

98 98 Licurgo viveu os intensos anos 1920 como um boêmio varão. Encantamentos, estudos, noites culturais e leituras. Depois de ficar por três anos no jornal A Pátria, conseguiu uma oportunidade no jornal A noite, por intermédio do jornalista gaúcho Leal Souza, na ocasião, secretário do referido periódico. Na década de 1930, muitas coisas iriam mudar. O Brasil, principalmente. Licurgo, nas ruas do Rio de Janeiro, viverá o fim da Primeira República, a transição desse universo político marcado pelas oligarquias rurais para um ambiente em que Getúlio Vargas irá empreender um projeto centralizador, de controle dos partidos regionais, que implicava negociações e acordos com as oligarquias dos Estados. É nessa década que os caminhos de Licurgo ganharão uma acentuada direção e dimensão. O menino do mundo oligárquico rural vai ocupar espaços singulares a partir da ascensão de Vargas. O autor reconhece em suas memórias o acentuado progresso profissional a partir dessa época, passando de secretário de redação e redator-chefe de vários jornais a diretor da Agência Nacional (COSTA, 2002, p. 43). Cumpre notar que, além das relações sociais oriundas do mundo oligárquico, a escolarização e certa sofisticação cultural e ilustração intelectual tornaram-se instrumentos de força no cenário da sociedade brasileira a partir da década de Contribui para pensar acerca desse cenário o sociólogo Sergio Miceli que, ao analisar os intelectuais e sua atuação entre os anos de , observa o recrutamento por parte do Estado de intelectuais para trabalharem nas esferas governamentais. É notável que, além da rede de relações sociais que mobilizavam o preenchimento desses cargos, tornou-se necessário dispor de trunfos escolares e culturais para concorrer no interior do campo intelectual (MICELI, 1979, p. xix). Licurgo soube muito bem se apropriar do capital das relações familiares e do capital escolar em prol de um lugar ao sol. 2.2 POLÍTICA, PROPAGANDA E ASCENSÃO PROFISSIONAL A ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República simboliza, na história do Brasil, uma série de eventos e transformações que marcaram toda uma época. A trajetória de Licurgo participa desse contexto político de forma significativa, na medida em que ocorre sua ascensão profissional como um agente ligado aos meios de comunicação e ao aparelho estatal de propaganda, um dos mais notáveis

99 investimentos do governo de Getúlio Vargas. É preciso registrar que o contato com Vargas é anterior a esse período, pois Licurgo o conheceu na Assembleia Legislativa, quando atuava como repórter político: 99 Conheci Getúlio Vargas, realmente, na Câmara dos Deputados, em 1923, mas por circunstâncias especiais cheguei a ter com ele uma convivência muito freqüente, fora do Palácio Tiradentes, e até uma certa intimidade (COSTA, 2002, p. 46). De acordo com suas memórias, essas circunstâncias especiais e certa intimidade (COSTA, 2002, p. 47) decorrem do fato de que eram vizinhos de pensão, pois Vargas morava com a família na pensão próxima à de Licurgo: Aos sábados e domingos, à tardinha ele saia com a família para caminhar ao longo da praia do Flamengo e sempre nos encontrávamos e fazíamos juntos o vagaroso footing (COSTA, 2002, p. 49). Contudo, o contato com o clã de Getúlio Vargas é anterior a esse encontro no Rio de Janeiro, já que ocorreu por ocasião da Revolução Federalista em 1894, conflito de caráter político com repercussão nacional, sucedido no Rio Grande do Sul, entre os anos de 1893 e 1895, mas que se estendeu com força em Santa Catarina e também no Paraná. Tanto as tropas que defendiam o governo republicano, os chamados pica-paus, sob o comando do general Pinheiro Machado, quanto as tropas contrárias, os federalistas, chamados Maragatos, sob o comando de Gumercindo Saraiva, passaram por Santa Catarina. Em novembro de 1894, ambas as tropas estiveram em Lages. Pinheiro Machado hospedou-se na casa do bisavô materno de Licurgo, Vidal Ramos Sênior, um dos nomes fortes da política imperial na região serrana de Santa Catarina. Um dos oficiais que acompanhava Pinheiro Machado era o Coronel Manoel do Nascimento Vargas, pai de Getúlio Vargas. As relações estreitaram-se com as lideranças locais, tanto que o coronel Manoel Vargas fez amizade com o avô paterno de Licurgo, João Costa. Inclusive na condição de tesoureiro do exército republicano, Manoel, quando chegou a Lages, encontrava-se sem recursos financeiros, contando, então, com um empréstimo de cinco contos de réis de João Costa, valor que, segundo Licurgo, foi pago uns dois meses depois (COSTA, 2002, p. 48). Esse episódio remete não apenas ao envolvimento das relações de poder local e da política regional em eventos nacionais, mas, em especial, à abordagem que Licurgo outorga a esse evento em seu livro

100 100 de memórias. No livro, apresenta-se uma reciprocidade entre os Vargas e os Ramos, uma atitude manifesta do autor para angariar alguma atenção de Vargas, sendo o sobrenome e o passado acionados como recursos para conquistar essa aproximação, que apelava às disposições políticas compartilhadas entre as oligarquias familiares: Como todo gaúcho, o Dr. Getúlio Vargas gostava dessas conversas sobre revoluções, Maragatos, Pica-paus, Pinheiro Machado, Gumercindo Saraiva e, fugindo da chatice do plenário, com seus grandes discursos, sem maior interesse, frequentemente me convidava para um cafezinho, no restaurante da Câmara, onde ficávamos recordando coisas da história de nossos Estados (COSTA, 2002, p. 48). Com a chamada Revolução de Trinta, ou mais apropriadamente, o golpe de Estado que marcou o fim da República Velha 77, houve transformações profundas e a ascensão de outras forças políticas e sociais que adentraram o cenário nacional. Em 1929, Licurgo trabalhava nos Diários Associados, empresa de Assis Chateaubriand, na redação do matutino O jornal. Havia sido fundado nesse mesmo ano o Diário da noite, também de propriedade de Chateaubriand. Licurgo foi trabalhar como repórter policial do recém-fundado jornal, mas, em pouco tempo, foi deslocado novamente para as páginas sobre política. Os recursos para a fundação do Diário da noite 78 vieram de João Neves da Fontoura 79, com apoio da aliança liberal, que se opunha ao poder republicano vigente em Esse jornal apoiou a candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República, contra Júlio Prestes, 77 Período da história política caracterizado, especialmente, pelas articulações eleitorais em torno dos poderes oligárquicos dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. 78 Informações pesquisadas no seguinte endereço: fault/files/verbetes/primeirarepublica/di%c3%81rio%20da%20noite.pf 79 Nascido no Rio Grande do Sul em 1889, foi advogado, diplomata, jornalista e político. Foi uma das lideranças da chamada Revolução de 30. Foi ministro das relações exteriores durante os governos de Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra. Foi também membro da Academia Brasileira de Letras. Seus estudos iniciais se deram no Ginásio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, a mesma instituição que muitos lageanos frequentaram, inclusive Otacílio Costa, pai de Licurgo.

101 101 candidato apoiado pelo então presidente Washington Luís. Com a vitória de Júlio Prestes, o assassinato do vice de Getúlio, João Pessoa, além das acusações de fraude eleitoral, deu-se inicio a um movimento que saiu do Rio Grande do Sul em 3 de outubro de 1929, em marcha até a capital federal. Contou com o apoio das forças políticas que faziam oposição às oligarquias cafeeiras de São Paulo. Em novembro de 1930, Getúlio Vargas assumiu a presidência da República. O Diário da noite carioca 80 apoiou o levante dos revoltados contra o governo federal, dando ampla cobertura. Antes de ser deposto, Washington Luís decretou estado de sítio, de forma que, conforme os registros de Licurgo: no Rio de Janeiro a Polícia Civil entrava em ação, com violência, invadindo redações, prendendo repórteres e redatores. Por três vezes fui recolhido ao quartel da polícia militar (COSTA, 2002, p. 64). Em 1929, Licurgo era redator tanto do Diário da noite quanto de O jornal, além de concursado como 3º oficial do Ministério do Interior. Fato é que, em um cenário de tantas turbulências, como jornalista encarregado de assuntos políticos, empregado dos Diários Associados, a empresa de comunicação que apoiou o movimento revoltoso, realizou a cobertura jornalística desses acontecimentos. Embora em suas memórias apenas tenha registrado que quando da deposição de Washington Luís, em 24 de outubro de 1930, fui incumbido de fazer a reportagem do seu embarque como exilado, para a Europa, ocorrido não estou bem certo, dois ou três dias depois (COSTA, 2002, p. 61). A reportagem foi publicada, entretanto, a atuação de Licurgo como jornalista nesse momento de transição política foi bem mais acentuada do que os relatos presentes no livro de memórias. Na biografia que escreveu sobre o pai, há indícios de uma maior participação de Licurgo, pois, ao comentar sobre a trajetória política do pai em 1930, em Santa Catarina, que à época era deputado estadual e não havia apoiado a chamada revolução, acabou se retirando da política por um tempo, após a vitória dos revoltosos. Há uma passagem nesse empreendimento biográfico sobre o pai que ilustra o seguinte: O que pouca gente sabe é que se retirou voluntariamente, pois contava, do outro lado, com velhos e poderosos amigos, alguns deles seus colegas no Colégio Nossa Senhora da Conceição, de São Leopoldo. Não era homem para certas 80 Assis Chateaubriand também era proprietário do Diário da noite de São Paulo.

102 102 transigências. Combatera a Revolução como Major do Estado Maior do General João Nepomuceno Costa, em Florianópolis e não podia, por elementares princípios de ética, acomodar-se com os vencedores, apesar da insistência de velhos companheiros colocados nas culminâncias do poder, no Rio de Janeiro e até de discreto convite de Getúlio Vargas, através de um seu filho, repórter político no diário líder da campanha aliancista no Brasil, o O Jornal de Assis Chateaubriand, e que acompanhou o chefe do movimento de 30, como redator pôsto a sua disposição. E como representante dos Diários Associados junto a ele, participou do memorável comício da Esplanada do Castelo, onde Getúlio leu sua plataforma de governo. Depois acompanhou-o sempre em toda a sua longa e arriscada movimentação no Rio de Janeiro. Foi na verdade o único jornalista que teve tal privilégio. Getúlio nunca esqueceu disto e dos riscos que o jovem lageano, filho de Otacílio Costa, passou ao seu lado. Sabia, também, o grande e inolvidável estadista, das perseguições de que ele fora vítima, durante os longos meses em que, como redator dos diários associados atacava, nas suas reportagens, Washington Luís, seu candidato Júlio Prestes e alguns integrantes do ministério. Daí ter procurado, num gesto generoso de reconhecimento pelos serviços prestados por aquele moço, atrair seu pai para o lado da revolução vencedora (COSTA, 1983, p. 22). Aquele moço, ou seja, o próprio Licurgo, pois Otacílio não tinha nenhum outro filho jornalista a ocupar o mesmo posto. Licurgo explorou muito pouco esse assunto nas memórias, e apesar de sua participação como jornalista na jornada de Vargas ao poder, afastou-se um pouco do Palácio do Catete nos primeiros tempos, segundo ele, porque não precisava de nada e a Presidência naqueles primeiros meses era uma Babel onde uma gauchada turbulenta, de lenço vermelho no pescoço, entupia todos os espaços (COSTA, 2002, p. 65). Nos registros que Licurgo escreveu acerca de sua trajetória ao retornar para Santa Catarina, geralmente pontuou a sua presença em eventos históricos de

103 103 destaque, uma forma de agregar valor à sua trajetória em busca de prestígio, como já mencionado. Distante do Catete naqueles primeiros tempos de Getúlio Vargas no poder, participou de outros movimentos como jornalista. Apesar de formado em Farmácia e Direito e ser funcionário público do Ministério do Interior, foi atuando como jornalista que se projetou profissionalmente nos anos Após se aposentar e voltar a residir em Santa Catarina, esporadicamente saíam matérias a seu respeito nos jornais estaduais, pelo fato de ser um dos fundadores da União dos Trabalhadores do Livro e do Jornal e o primeiro sindicalizado. Em uma matéria de 1996, publicada em um jornal de circulação estadual, A notícia, consta o seguinte título: Sindicalizado pioneiro vive em Florianópolis. Em 1931, o então ministro do trabalho Lindolfo Collor, criou a União dos Trabalhadores do Livro e do Jornal. Licurgo, referindo-se a esse assunto, fazia-o de forma a sublinhar a sua participação: O Sindicato foi organizado com dificuldade. A idéia era muito nova no Brasil (...) Ficou decidido que a diretoria seria composta por representantes dos principais jornais do Rio de Janeiro. Respeitado pelos colegas, Mário Hora, assumiu a presidência da entidade. Licurgo abriu mão de fazer parte da diretoria, para dar espaço aos demais órgãos de imprensa da cidade. Para recompensá-lo Lindolfo Collor determinou que a primeira matrícula fosse a dele (A notícia, 15 de abril de 1996). Apresentar-se como o primeiro sindicalizado do Brasil, era um título que Licurgo apreciava atribuir a si. Algumas imagens publicadas nos jornais, como também o retrato no livro de memórias, segurando a tal carteira sindical, denunciam o valor que o próprio Licurgo agregou a esse episódio em sua vida profissional como jornalista:

104 104 Figura 9: Licurgo Costa e a carteira sindical Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa A trajetória profissional percorrida por Licurgo esteve profundamente vinculada ao uso que o Estado fez da publicidade e propaganda como estratégia de poder. Principalmente a partir dos anos 30, os meios de comunicação foram utilizados como instrumentos poderosos de propaganda política por Getúlio Vargas. Foi nesse contexto que, em 1934, foi criado o Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural - DPDC, responsável por divulgar as ações do governo em atividades de rádio, cinema e turismo. Faltava a divisão de imprensa, e de acordo com Licurgo, alguém advertiu o Presidente Getúlio Vargas para o estranho lapso e ele mandou chamarme ao catete e organizar a divisão faltante (COSTA, 2002, p. 69). Fato é que, sob a gerência de Lourival Fontes, o DPDC foi reorganizado e deu origem ao Departamento Nacional de Propaganda - DNP. Esse departamento assumiu funções como editar programas de rádios, personalizar a propaganda e pautar ações segundo um compromisso cívico-pedagógico. Organizaram também um noticiário que era distribuído para toda a imprensa brasileira. Realizaram a distribuição de material para a imprensa estrangeira, via consulados e embaixadas. Dentro desde departamento foi criada a Agência Nacional de Notícias, responsável pela distribuição das informações, tanto no Brasil quanto no exterior, Licurgo era o encarregado desse setor. A partir de 1937, ano que corresponde aos primórdios da Ditadura Vargas, o chamado Estado Novo, o setor das comunicações passou por uma nova reestruturação. Logo, em 1939, conforme o Decreto Lei 1915 de 27 de dezembro, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda - DIP. Dotado de atribuições muito mais amplas

105 105 que seus antecessores, o DIP exerceu uma força muito significativa durante a Ditadura Vargas, não somente como um órgão de censura, mas também como o espaço responsável pela elaboração e difusão do discurso oficial do regime em vigor. Foi também um lugar de produção cultural, o qual possibilita analisar as relações entre os intelectuais e o Estado, sobretudo pelo fato de o órgão ter financiado jornais, revistas e escritores. E é exatamente no setor responsável pelas subvenções que se identifica uma das ocupações de Licurgo nesse lugar. Lourival Fontes permaneceu como diretor-geral. Licurgo argumentou em suas memórias que fora convidado insistentemente para o cargo de diretor da divisão de imprensa (COSTA, 2002, p. 71), mas que o recusou porque iria envolver-se em censura e, como jornalista profissional, repugnava-me a exercer aquelas funções (COSTA, 2002, p. 71). Se não aceitou esse cargo, aceitou o de diretor-administrativo, setor estratégico, entre outras funções, por administrar as verbas destinadas 81 à subvenção. Em suas memórias, elaborou o seguinte registro: Por sugestão do Presidente fiquei com a diretoria administrativa, importante porque dispunha o DIP de uma considerável verba secreta cujo valor é muito difícil calcular na moeda atual do Brasil. Esta considerável importância recebida mensalmente era distribuída a título de subvenção, para os jornais do Rio, alguns de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas e, se não me falha a memória, da Bahia. No Rio, a exceção era o Correio da Manhã, que só aceitava receber pelos anúncios publicados, como os do Banco do Brasil, Caixa Econômica, Instituto do Açúcar, Mensagens Oficiais, etc. E O Estado de São Paulo era ainda mais rigoroso, e não aceitava qualquer publicidade de órgão governamental. As 81 É difícil precisar o montante de verbas destinadas ao DIP. Contudo, há indicações de que manejava outras receitas. Assim, a partir de 1940, o Departamento centralizou verbas de publicidade do Banco do Brasil e de outras instituições, com liberdade para distribuí-las à imprensa simpática ao regime. Tampouco se pode esquecer que o órgão subordinava-se diretamente à Presidência da República, e que a Constituição de 1937 anulava, na prática, o poder fiscalizador do Tribunal de Contas da União. In: DE LUCA, Tania Regina. A produção do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) em acervos norte- americanos: um estudo de caso. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 31, número 61, p , 2011.

106 106 subvenções aos jornais iam de a dólares atuais, essa última para os Diários Associados (COSTA, 2002, p. 71). Licurgo mencionou ainda que tomava conta das verbas, trabalho que Lourival Fontes recusava realizar, alegando o bom trânsito de Licurgo em todas as redações, de tal forma que ele efetuava os referidos pagamentos e guardava os recibos, os quais manteve por toda a vida. Conservo-os porque a verba era secreta e embora nunca neste longo tempo, ninguém ousasse colocar qualquer dúvida sobre sua aplicação, eu sempre achei melhor guardar as provas de sua distribuição (COSTA, 2002, p. 72). Embora se tratassem de verbas utilizadas de forma secreta, essas subvenções eram oriundas de dinheiro público. Logo, os recibos que comprovam esses repasses são documentos públicos e não deveriam estar guardados nos pertences pessoais de Licurgo 82. Além dos assuntos relacionados à subvenção de jornais, há também alguns indícios sobre a atuação de Licurgo na censura. Foi citado pelo jornalista Joel Silveira 83, atuante também no período da Ditadura Vargas, que acompanhou com proximidade muitas ações repressivas efetuadas pelo DIP. Em entrevista concedida ao jornal Gazeta Mercantil, ao ser questionado sobre como Lourival Fontes controlava as rédeas dos intelectuais comunistas, Joel respondeu o seguinte: Ah, ele fez uma triagem e colocou nos cargos de confiança pessoas que lhe davam segurança, como o Licurgo Costa, o Lincoln Nery. Tudo passava por essas pessoas, que prestavam atenção para ver se havia alguma informação insidiosa, uma frase que levasse algum tipo de mensagem subversiva. 84 No empreendimento de memória que Licurgo produziu sobre si, pontuou que não havia aceitado determinados cargos porque, como jornalista, era contrário à censura, como também às manifestações de 82 Os mencionados recibos ainda não foram localizados na organização que está sendo realizada no acervo pessoal de Licurgo Costa. 83 Atuante jornalista brasileiro, publicou cerca de 40 livros. Em 1998, ganhou o prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. 84 Os intelectuais e o Estado Novo. Entrevista de Joel Silveira à Gazeta Mercantil, 1 a 4 de abril de 1999.

107 107 que o DIP sofreu e ainda sofre ataques virulentos e injustos. Licurgo, como jornalista, esteve a serviço das estratégias do aparelho do Estado. Em 1938, foi enviado para a Itália em missão oficial, junto com outros jornalistas, entre eles, Agripino Grieco 85 e Henrique Pongetti 86. Foram a convite do governo italiano para conhecer as realizações do partido fascista italiano e do próprio líder, Mussolini. Licurgo presenteou o Duce com os cinco volumes dos discursos de Vargas, intitulados Uma nova Política para o Brasil, com uma dedicatória: Ao senhor Benito Mussolini, com as cordiais saudações de Getúlio Vargas (COSTA, 2002, p. 76). A política adotada no governo Vargas concentrou muitas das características 87 do fascismo italiano e do nazismo alemão, sobretudo a utilização da propaganda como uma forma de conquistar e envolver a população. A viagem foi divulgada em um jornal lageano da época: Pelo rádio sabemos ter desembarcado em Milão, aos 14 deste, o notável jornalista brasileiro Dr. Licurgo Costa, nosso conterrâneo e filho do nosso distinto amigo e colaborador major Otacílio Costa. Licurgo havia seguido para Roma a bordo do transatlântico Neptunia como chefe da Agência Nacional de Propaganda e a convite do Governo italiano. Em companhia e compondo uma missão jornalística seguiram também os representantes dos grandes diários do Rio e de São Paulo A noite, O Jornal, A Vanguarda e Correio Paulistano e outros. O Dr. Licurgo Costa levou também o convite do Sr. Presidente Getúlio 85 Poeta e crítico literário nascido no Rio de Janeiro em 1888 e falecido em Foi colaborador em alguns jornais, entre os quais O Jornal, na década de Dono de uma biblioteca de mais de 50 mil livros. 86 Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1898, e falecido em Foi jornalista e dramaturgo. 87 Maria Helena Capelato, livre docente do Departamento de História da Universidade do Estado de São Paulo, realizou um estudo comparativo das imagens produzidas pela propaganda política varguista e peronista, apontando o seguinte: Considerando as especificidades históricas da Argentina e Brasil, não se pode definir o varguismo e o peronismo como regimes fascistas ou totalitários, mas é inegável a inspiração do nazismo na propaganda política varguista e peronista. CAPELATO, Maria Helena. Propaganda Política e Construção da Identidade Nacional Coletiva. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 16, n. 31 e 32, p , 1996.

108 108 Vargas que lhe deu essa honrosa incumbência, o livro Nova Política do Brasil de autoria do Presidente com uma dedicatória autographafo do Chefe da Nação que ofereceu ao Duce. Além da audiência aos jornalistas o nosso conterrâneo terá sido recebido em audiência especial para a entrega a Mussolini daquela obra. Consta-nos que o nosso conterrâneo a convite do governo nacionalista da Espanha visitará Burgos, seguindo depois para Paris e Londre (Guia Serrano, novembro de 1938). Esse recorte de jornal estava anexado à pasta Licurgo Costa da ACL. O autor registrou essa visita em suas memórias com relatos e imagens: Figura 10: Benito Mussolini e um grupo de jornalistas brasileiros, entre os quais, Licurgo Costa Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa Em 1939, Licurgo proferiu algumas palestras sobre a técnica da propaganda política. Conforme a matéria publicada em um jornal carioca em 1939, consta a notícia de que o Sr. Licurgo Costa fez na Rádio Cruzeiro do Sul uma interessante palestra sobre esse tema - O Presidente Getúlio Vargas e a Propaganda. O evento teria sido promovido pela Associação Brasileira de Propaganda, instituição da qual Licurgo fizera parte, sendo presidente por duas vezes. Na referida palestra, discursou sobre os métodos de propaganda pelo mundo, fez

109 109 referência às técnicas utilizada na Itália, as quais ele observou na viagem realizada em Citou a importância do cinema, rádio e jornal como modernos meios publicitários e destacou Vargas como o estadista que colocou a propaganda como órgão auxiliar do governo (A Batalha, 10 de maio de 1939). Além das palestras, publicou dois livros sobre essas experiências em 1939, Itália, numa visão panorâmica e Técnica de Propaganda Política 88. Seguindo essa linha temática da publicidade e propaganda, lançou, em 1940, em coautoria com o jornalista Barros Vidal, o livro História e Evolução da Imprensa Brasileira 89. Em 1943, quando já era Adido Comercial da Embaixada do Brasil no México, publicou o livro Cidadão do Mundo, pela José Olympio, cuja editora era bastante próxima dos autores financiados pelas políticas intelectuais do Estado Novo. Nessa obra, reuniu vários recortes de jornais sobre o que se publicava no exterior a respeito de Getúlio Vargas. A obra foi publicada no México, em 1945, edição da Livraria Cosmos. Ao prefaciar a obra, Licurgo elaborou os seguintes apontamentos: Tive, ao resolver a publicação do presente trabalho, apenas a idéia de mostrar aos brasileiros, numa obra de conjunto, a projeção mundial do Presidente Getúlio Vargas. Logo após a vitória do movimento de outubro, comecei a colecionar na redação do jornal que secretariava, tudo o que se dizia no estrangeiro sobre o chefe da revolução brasileira... Com o decorrer do tempo foram avultando nas Américas, e depois no mundo, as referências e as opiniões sobre Getúlio Vargas. Juntei centenas de recortes e livros que as contêm. E estou certo de que muita coisa do que se escreveu não chegou às minhas mãos (COSTA, 1943, prefácio). A historiadora Tânia Regina de Luca realizou uma pesquisa importante sobre a produção intelectual vinculada ao DIP em acervos norte-americanos, considerando que praticamente todo acervo do 88 A informação sobre a publicação dessas referidas obras consta no currículo anexado à pasta Licurgo Ramos da Costa, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Foram edições organizadas pelo Anuário Brasileiro de Literatura, financiadas com recursos públicos. 89 Edição organizada pela comissão dos Centenários de Portugal.

110 110 departamento, que funcionava no Palácio Tiradentes, se perdeu em um incêndio, além da dificuldade de se localizar acervos referentes ao DIP. Porém, por conta da política de propaganda do regime político do Estado Novo, as obras que davam publicidade ao governo de Vargas, eram também divulgadas no exterior, função desempenhada pela Agência Nacional. Assim, de Luca, ao consultar dois acervos norteamericanos, observou um rol significativo de obras publicadas que indicam uma relação entre autor, editor e gráfica. Em especial, as relações 90 entre a editora José Olympio e o Palácio do Catete. A editora publicou várias obras sobre Getúlio Vargas, inclusive, foi responsável pela publicação de vários volumes de seus discursos. Entre as obras citadas na pesquisa, não foi possível localizar Cidadão do Mundo. Embora fosse uma obra de propaganda de Vargas, e também editada pela José Olympio, sua publicação ocorreu em 1943, quando Licurgo já não residia no Brasil. Vale ressaltar que, em 1943, as atenções da propaganda política brasileira estavam voltadas aos episódios da Segunda Guerra Mundial. Em sua atuação como jornalista executor das políticas de propaganda do governo Vargas, Licurgo conviveu com figuras de projeção nacional, tais como Lourival Fontes, diretor geral do DIP, Alzira Vargas, filha de Getúlio Vargas, entre outros. Figura 11: Licurgo em companhia de Lourival Fontes e Alzira Vargas, em 1939 Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa 90 SORÁ, Gustavo. Brasilianas: a casa de José Olympio e a instituição do livro nacional. Tese de Doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.

111 111 Em um rascunho de texto sem data, escrito por Licurgo, localizado no acervo da Academia Catarinense de Letras, intitulado Algumas Impressões sobre as atividades literárias na Era Vargas, traços biográficos de Lourival Fontes 91, Licurgo teceu os seguintes apontamentos: Conheci Lourival Fontes por volta de 1925, quando aos 37 anos de idade, senhor de um dos melhores empregos da prefeitura do Rio de Janeiro, era do seu quadro de advogados, tinha portanto, uma confortável situação para viver o resto de sua vida. Apesar disto aceitou a direção de um órgão da administração federal que, por se envolver com setores sumamente delicados da sociedade e criado, era a impressão geral, para controlá-los, foi recebido com hostilidade ou desconfiança por todos os órgãos da imprensa contra o Departamento Nacional de Propaganda, depois departamento de Imprensa e Propaganda, o famoso DIP, que vinha para fazer, além da censura, a promoção, a propaganda do Presidente Getúlio Vargas. Vale ressaltar que o sergipano Lourival Fontes também chegou ao Rio de Janeiro na efervescência da década de Como já mencionado, o Rio era um polo de atração para jovens letrados. Ir para a capital trabalhar em jornal era um passo importante para construir uma rede de sociabilidade, e assim, se inserir nas esferas da política nacional. Tanto Licurgo quanto Lourival Fontes utilizaram o trabalho em jornais como uma forma de agregar capital social, ou seja, uma estratégia em busca de ascensão profissional. Em 1931, Fontes foi apresentado ao presidente Getúlio Vargas, ocasião que deu início a toda a trajetória de Fontes junto aos órgãos de política, propaganda e censura alimentados pelo governo Vargas (LOPES, 1999). Licurgo desenvolveu com Lourival Fontes uma proximidade bem mais estreita que as palavras publicadas nas memórias. As cartas e bilhetes encontrados no acervo pessoal de Licurgo, assim como as anotações em agendas, demonstram uma relação de trabalho, amizade e intimidade bem singulares. Relação que se estendida também à esposa do referenciado diretor geral do DIP, a poetisa Adalgisa Nery, segundo Licurgo, uma mulher 91 Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.

112 112 inteligentíssima e de trato social sumamente agradável 92. Fato é que essas relações serão estratégicas às aspirações de Licurgo Costa ao Itamaraty. É preciso considerar que ele, ao administrar o dinheiro das subvenções, situava-se em um contexto de favores e compromissos, implicados em uma relação de reciprocidade. Após se aposentar, Licurgo publicou tanto nos jornais de Santa Catarina quanto em seu livro de memórias os registros fotográficos dos encontros de Getúlio Vargas com a equipe do Departamento de Imprensa e Propaganda. Percebe-se, nessa ação, o esforço do autor em construir uma memória e imagem de si, próximas a personagens de renome nacional. Figura 12: Getúlio Vargas e a equipe do DIP, entre os quais, Licurgo Costa e Lourival Fontes Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa 92 Pasta Licurgo Costa, acervo da Academia Catarinense de Letras.

113 113 Figura 13: Licurgo Costa em reunião no gabinete do Presidente Getúlio Vargas Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa Figura 14: Licurgo e Darcy Vargas Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa Ao conviver e trabalhar com Lourival Fontes, Licurgo mediou episódios. Um exemplo foi o desentendimento de Lourival com o chefe da polícia, Felinto Müller, que resolveu fazer um cadastro de informações sobre várias personalidades influentes, industriais, comerciantes, médicos, advogados, entre outros. Essa ação se deu de modo um tanto exagerado e rendeu desconforto, pois várias pessoas foram intimadas a comparecer na chefia de polícia para receber o retrato de Getúlio Vargas para emoldurá-lo e colocá-lo em seus locais de trabalho:

114 114 Eu era, então, diretor do serviço de imprensa do Departamento Nacional de Propaganda e logo relatei a Lourival fontes o que estava ocorrendo. A resposta foi a seguinte: - Olha eu não me meto neste caso. O Felinto já anda bicudo comigo, sem qualquer motivo e imagine se eu me envolver com tal assunto -. Argumentei longamente contra seu ponto de vista e terminei dizendo que seria preferível até cortar relações com Felinto, a deixar que ele invadisse, com tamanha desenvoltura, a área da ação do nosso departamento. 93 Coube a Licurgo resolver tudo direto com Getúlio Vargas, já que Lourival, de acordo com o próprio Licurgo, era especialista em terceirizar problemas 94. Apesar dos episódios do DIP, Licurgo compartilhava de certa proximidade 95 com Felinto Müller, o que se observará nos corredores do Itamaraty em anos vindouros, como também da companhia de Lourival em outro ambiente, bem mais agradável, as rodas literárias, já que este era casado com a poetisa Adalgisa Nery. É verdade que gostava de freqüentar as rodas literárias e aquela dos fundos da livraria José Olympio, quando na Rua do Ouvidor, formada pelo José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Genolino Amado e Adalgisa Nery e outros escritores e poetas, era a de sua preferência. Aliás ali conheceu Adalgisa, com quem se casou em Algum tempo depois, Lourival e Licurgo se encontraram no México, onde este já atuava há algum tempo, enquanto aquele havia sido recém-nomeado embaixador no mesmo país. Esse era o país que Licurgo pontuou em suas memórias, nomeando Frida Khalo, Diego Rivera, entre outras figuras. Anos mais tarde, quando Getúlio Vargas foi 93 Acervo da Academia Catarinense de Letras. 94 Acervo da Academia Catarinense de Letras. 95 No acervo pessoal de Licurgo existem algumas cartas trocadas entre ele e Felinto Müller na época em que já servia ao Itamaraty no exterior. Em umas das cartas, inclusive, ele organizou um roteiro para Müller desfrutar de um passeio pelo continente europeu. 96 Acervo da Academia Catarinense de Letras.

115 115 eleito presidente no começo da década de 1950, escolheu Lourival Fontes para chefe da casa civil. Este, por sua vez, convidou Licurgo para secretário, que recusou. Nessa época, ele vivia em Roma, e não quis abandonar sua dolce vita romana. De certa forma, as agendas comprovam que o contato entre Licurgo e Lourival era constante. As relações construídas na década de 1930 acompanharão Licurgo na vida diplomática. 2.3 O ITAMARATY No começo da década de 1940, Licurgo começou a jornada que faz jus à expressão dos campos de Lages para o mundo (Diário Catarinense, 15 de julho de 2002), na condição de funcionário do Ministério das Relações Exteriores. Ele aceitou o convite para assumir o cargo de Adido Comercial na embaixada brasileira da cidade do México. Em suas memórias, registrou que recusou o cargo de diretor geral do DIP, já que Lourival Fontes estava sendo afastado do cargo por pressão dos militares (COSTA, 2002, p. 81). Licurgo preferiu ser adido comercial junto à embaixada do México, atitude que muitos amigos não compreenderam por se tratar de um cargo menor. Ingressou na vida diplomática como Adido Comercial em 1941, aposentando-se, como ministro de primeira classe, em primórdios da década de Viveu em várias cidades, como Nova York, Roma, Madri e Lisboa. Construiu amizades e relações que se somaram ao seu acervo de experiências, conformando um ethos cosmopolita muito utilizado por Licurgo em seu retorno a Santa Catarina, após a aposentadoria. Guardou documentos desse período, tanto enviados quanto recebidos: cartas, telegramas, relatórios, bilhetes, entre outros. Um memorial de autoprojeção que ressalta as suas articulações nos bastidores do cenário político nacional, como também algumas intimidades e certos desgostos. De acordo com (CHEIBUB,1984), que analisou aspectos institucionais do Ministério das Relações Exteriores, a partir de 1910 ocorreram reformas administrativas que deram início ao processo de transformação do Itamaraty em uma estrutura racional e burocrática. Esse processo acompanha as transformações organizacionais do próprio país, especialmente a partir de Datam desse período a criação de concursos públicos para a entrada na burocracia estatal e a padronização de carreiras. Apesar da burocratização do serviço público, outros fatores também se sobressaem quando se analisam as trajetórias profissionais

116 116 individuais, assim como uma influente rede de relações. Licurgo, nas embaixadas e consulados pelos quais passou, recorreu, em diversas situações, aos seus contatos pessoais para angariar progresso dentro da vida diplomática. Além disso, em suas memórias, recorre a um intenso desfile de celebridades artísticas, literárias e políticas do século XX. Estratégias para agregar a si notabilidade: Mantive boa correspondência com muita gente interessante, sobretudo até os anos quarenta, quando as facilidades de comunicação internacional pelo telefone relegaram as cartas para um segundo plano. Ainda assim, vivendo longe, no estrangeiro, minhas atividades epistolares continuaram, embora menos intensas. Tenho umas duas ou três centenas de cartas de Menotti Del Picchia, Josué de Castro, Érico Veríssimo, Adalgisa Nery, Peregrino Junior, Josué Montello, Aliomar Baleeiro, Diniz Junior, Juscelino Kubitschek, Augusto Frederico Schmidt, Alzira Vargas, Ivette Vargas, Orestes Barbosa, Orígenes Lessa, Luis Edmundo, Giorgio de Chirico, e muitos outros brasileiros e estrangeiros ilustres, que dariam matéria para um livro talvez interessante (COSTA, 2002, p. 111). Ao se acessar parte do acervo pessoal, que ainda está sendo organizado, foi possível localizar algumas dessas cartas. Licurgo ao mencionar tantos nomes ilustres e guardar cópia das cartas que enviara, junto das que recebera, demonstra o desejo de construir uma memória de si. Essa memória quase monumento de si, muito utilizada como recurso para obter poder simbólico no meio cultural catarinense, permite compreender meandros das relações construídas na vida diplomática que vão além dos salões, das galerias de arte e das embaixadas e consulados. Algumas relações construídas ao longo na década de 1930, especialmente nos corredores do DIP, permanecerão ladrilhando os circuitos percorridos por Licurgo Costa no Itamaraty. Ele guardou registros dessas ações, como o bilhete enviado por Lourival Fontes para Alzira Vargas: Alzira: Se eu compusesse um manual dos atributos do homem perfeito, eu incluiria Licurgo Costa. Nele

117 117 se reúnem inteligência, capacidade, dedicação, probidade, trabalho, decência e fidelidade ao dever. Há ainda uma qualidade aplicada, que é a devoção inalterável ao Presidente e a sua obra de governo. Estou informado que ele tem neste momento uma pretensão dependente dos favores de tua estima. Escrevo por isso esta carta, não como um pedido sem valia, mas como uma imposição de consciência. Receba-a assim, com um abraço afetuoso do Lourival (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Esse bilhete, de 1951, data do período que Licurgo servia na Itália. Contudo, ele passou quase seis meses no Brasil nesse mesmo ano, retornando à Itália apenas em julho. Ao se analisar a agenda de 1951, encontram-se registros de conversas e eventos quase diários com Lourival Fontes e sua esposa Adalgisa. Licurgo sempre solicitava que eles intercedessem por uma nomeação junto ao presidente Vargas. Nessa época, Lourival Fontes era chefe de gabinete da casa civil. O próprio Licurgo escreveu uma carta para Getúlio solicitando a retomada de uma colocação: Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1951 Excelentíssimo Senhor Presidente Getúlio Vargas Vossa Excelência, em primórdios de outubro de 1945, teve a generosidade de nomear-me de conselheiro comercial no quadro do Ministério das Relações Exteriores. Em novembro do mesmo ano, o governo Linhares anulava o decreto de criação de três cargos de conselheiro comercial, para um dos quais fui nomeado e assim perdi uma situação que tanto desejei (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Apesar das solicitações, Licurgo permaneceu como Adido Comercial até Nos registros da agenda de 1951, ao retornar para a Itália, além das funções econômicas de seu cargo, assumiu também a recepção social de muitos brasileiros que chegavam a Roma como, por exemplo, o então vice-presidente Café Filho, o escritor Rubem Braga e a 97 Apenas ao final de 1953 ocorre a mudança de cargo, quando foi nomeado ministro de assuntos econômicos junto à Embaixada de Madri.

118 118 modelo Danusa Leão. Ele registrou em sua agenda atividades culturais, empréstimo de dinheiro para Rubem Braga, compra de tecidos finos com Café Filho. Aliás, com este, Licurgo desenvolveu uma amizade mais próxima, verificada em outras cartas e registros de favores. Dessa viagem que Café Filho realizou em 1951, Licurgo arquivou a cópia de uma carta em que Café Filho, na condição de vice-presidente da República, escreveu para o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, elogiando a atuação de Licurgo Costa na Embaixada do Brasil na Itália: Tenho tido a oportunidade, em minha recente viagem à Europa e ao Oriente Próximo, de visitar os escritórios comerciais do Brasil nos países por onde passei, julgo meu dever transmitir a Vossa Excelência a magnífica impressão que me deram os de Bonn na Alemanha, e Roma, na Itália, respectivamente a cargo do Srs. Alcides Brandão de Mendonça Lima e Licurgo Costa, o primeiro dos quais inaugurado em minha presença. É de inteira justiça ressaltar o trabalho inteligente e fecundo que está realizando o de Roma, em cuja atuação se nota entusiasmo e idealismo verdadeiramente dignos de louvores. João Café Filho Rio 10/10/51 (Acervo pessoal de Licurgo Costa) Ao mencionar as cartas e agendas 98 analisadas, identifica-se não somente o desejo de Licurgo em transformar a sua trajetória em um monumento, como também destacar a própria presença nos bastidores de acontecimentos políticos memoráveis. Em cartas recebidas de Alzira Vargas, no começo de 1954, há uma solicitação marcadamente privada, mas profundamente relacionada com o tumultuoso cenário político de 1954: Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1954 Meu caro Licurgo: Você que já acompanhou esse caso em outras épocas e condições poderia ajudar mais uma vez o Luthero a resolver em definitivo sua situação. Devido à urgência e falta de tempo, transcrevo, 98 Obteve-se acesso às agendas dos seguintes anos: 1946, 1947, 1948, 1949, 1951, 1952, 1953, 1956, 1962, 1964, 1966, 1967, 1968, 1969, 1982 e 1987.

119 119 por enquanto, sem maiores explicações as notas ditadas pelo advogado dele: Tenho necessidade de saber, em condições as mais seguras possíveis, tudo quanto se relacione com o casamento de Ingeborg Anita Elizabeth Ten Haeff com Paul Wiener, que em primeiras núpcias, foi casado com Alice Morgenthau, irmã do ex-secretário de comércio do Presidente Roosevelt (...) Como você já deve ter percebido trata-se de uma tentativa para anulação do casamento religioso do Luthero. Peço-lhe, por isso, que se você aceitar a incumbência, revista as indagações do maior sigilo, para evitar explorações em caso de fracasso (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Ingeborg Ten Haeff, artista plástica de origem alemã, foi casada com Luthero Vargas, médico e filho mais velho de Getúlio Vargas. O casamento aconteceu em 1940 e durou até Ingeborg, quando já radicada nos Estados Unidos, casou-se novamente em 1948 com o arquiteto Paul Lester Wiener 99. No cenário turbulento de 1954, a forte oposição ao governo democrático de Getúlio Vargas, tendo como figura ímpar nesses embates o jornalista Carlos Lacerda, que se utilizou de especulações sobre a sexualidade de Ingeborg para, de alguma forma, fragilizar publicamente Luthero, embora o casamento já tivesse acabado há mais de dez anos. Alzira, a irmã de Luthero, procurou em Licurgo uma possibilidade discreta de documentar a possível anulação do casamento, solicitando documentos que comprovassem o casamento religioso da artista plástica com o segundo marido, para assim conseguir anular o casamento com Luthero. Licurgo, então, respondeu em carta de 3 de fevereiro de 1954: Minha cara comadre e amiga: Conforme lhe mandei dizer em meu telegrama de ontem, sua carta de 18 de janeiro já não me encontrou em New York. E foi pena porque, pessoalmente, eu poderia realizar com segurança e o necessário sigilo, as indagações básicas para desvendar o assunto. Tenho lá pessoas que poderiam incumbir-se do assunto, mas, receio que não saibam guardar a indispensável reserva. 99 Disponível em:

120 120 Contudo, como a Susy ficou em N.Y. esperando que Lilian termine o ano letivo, vou fazer imediatamente uma tentativa partindo das declarações feitas por D. Ingeborg às autoridades da imigração. Teremos ali assentamentos relativos à religião, casamento e residência, podendo, portanto localizar o distrito em que se realizou o casamento, para, então, requerer certidões (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Licurgo já estava trabalhando em Madri à época em que essas íntimas solicitações foram enviadas, mas tanto a esposa Susy quanto a filha Lilian haviam ficado em Nova York. De acordo com o conteúdo da carta que Licurgo enviou a Alzira Vargas em 5 de março de 1954, ele lamentou novamente não poder estar pessoalmente em Nova York para tratar do assunto. Argumentou que Susy procurou resolver a questão, sem alcançar o êxito esperado. Porém, descobriu o endereço do escritório do Paul Lester Wiener. Recomendou ainda alguns nomes de advogados com os quais Alzira Vargas poderia tratar com sigilo essa questão. Apesar dos esforços de Alzira, nada amenizou os combates travados pelo jornalista Carlos Lacerda na imprensa brasileira em Um cenário turbulento que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas. As ações do Licurgo em relação ao cenário político brasileiro nos primeiros anos da década de 1950 não ficaram restritas às solicitações sigilosas de Alzira. Em 1952, Licurgo foi transferido de Roma para Nova York, posto que ocupou até final de Nessa passagem pelos Estados Unidos, foi incumbido de chefiar a parte comercial da Embaixada, o Brazilian Government Trade Bureau. Em suas memórias, mencionou que havia recebido instruções diretas de Vargas para buscar informações seguras sobre o comércio com os norte-americanos (COSTA, 2002, p. 96). Ao analisar os relatórios em relação às importações e exportações, Licurgo descobriu um desfalque de aproximadamente 600 milhões de dólares anuais. Além disso, mediou outras negociações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil. Em 6 de outubro de 1953, na condição de diretor comercial do escritório brasileiro em Nova York, enviou a seguinte carta ao senhor John Lewis, à época presidente internacional do sindicato dos trabalhadores de minas dos Estados Unidos. O conteúdo da carta expressa com clareza questões financeiras em torno das relações comerciais entre os dois países:

121 121 Fiquei um tanto quanto surpreso de ler na edição da Time desta semana, sua sugestão para o Comitê Consultivo de Negócios, que os $70 milhões ganhos pelo Brasil anualmente da venda de café para os EUA ser reservado para compras brasileiras neste país. Embora percebendo que a sua reputação tenha sido adquirida em campos de ação para além do comércio internacional, eu acredito que um melhor conhecimento dos fatos do caso teria levado você a falar diferente sobre as relações comerciais entre Brasil ante os Estados Unidos. Em primeiro lugar, as vendas de café do Brasil para os Estados Unidos, ao longo dos últimos cinco anos, tiveram um valor médio de $550 milhões por ano, e não $70 milhões. Segundo, as compras Brasileiras nos Estados Unidos, ao longo dos últimos cinco anos, têm um valor médio $700 milhões. Além destes $700 milhões anuais, o Brasil ainda pagou para os Estados Unidos várias centenas de milhões de dólares, incluindo remessas em dólares dos lucros obtidos no Brasil por empresas americanas em cruzeiros, amortização sistemática de dívidas em dólares, e uma variedade de itens menores pagos em dólares, tais como serviços, seguro e frete. Você vai ver a partir destes números, Sr. Lewis, que se o Brasil tivesse gasto neste país apenas os dólares recebidos das vendas do café aqui, o comércio entre nossas duas nações não estaria no nível habitual de segundo lugar, inferior apenas ao comércio entre os Estados Unidos e Canadá em valor. Em vez disso, os exportadores americanos teriam encontrado nas suas vendas para o Brasil, ao longo do período de cinco anos, o valor de cerca de um bilhão de dólares a menos do que eles realmente faturaram. Com base nos números apresentados, tenho certeza que você vai concordar que a melhor solução reside em um aumento do mercado dos EUA para as exportações brasileiras, para que o Brasil tenha dólares para retornar em compras dos Estados Unidos. Comércio, como você sabe, não pode ser uma rua de sentido único.

122 122 Eu acredito que você vai ficar feliz em ter o dado acima, que permitirá para você formar um novo conceito do comércio entre os Estados Unidos e o Brasil - um dos elementos que tem contribuído decisivamente para mais de um século de fortalecimento da amizade entre os nossos dois países, uma amizade que, por sua vez, é um exemplo para o resto do mundo (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Conforme a organização de seu acervo pessoal, observa-se que Licurgo arquivou em uma mesma pasta o documento ao Sr. Lewis e a carta testamento, que Vargas escrevera antes do suicídio. O cenário brasileiro dos anos 1950 foi marcado por tumultuadas questões políticas e econômicas, cujo desfecho mais trágico foi a atitude do presidente Vargas de dar fim à própria vida e entrar para a história. As ações de Licurgo, na condição de diretor comercial do Brasil nos Estados Unidos, alcançaram certa repercussão em terras brasileiras. O jornal O Diário Carioca noticiou a carta ao Sr. Lewis, intitulando o acontecimento como Licurgo Costa defende o Brasil, a grande resposta (O Diário Carioca, 10 de outubro de 1953). Esse episódio também é comentado por Auro de Moura Andrade 100, em uma carta de 10 de outubro de 1953: Prezado Licurgo Acabo de ler, no Diário Carioca de Hoje, em grande título e subtítulo, o seguinte: Licurgo Costa defende o Brasil - a Grande Resposta. A notícia é relativa à sua carta dirigida a John Lewis e vem perfeitamente explicada, no que se refere a compras e vendas recíprocas entre Brasil e Estados Unidos. Enviar-lhe-ei amanhã o recorte. Não o faço com esta carta porque vou precisar dele para a sessão da Câmara, onde pretendo pronunciar um discurso sobre a sua patriótica atitude, lendo A Grande Resposta e mostrando como Licurgo Costa está vigilante e sabe defender a sua Pátria. 100 Amigo pessoal de Licurgo, com quem trocou e arquivou muitas e significativas cartas, como também figura emblemática na história política do Brasil, pois, quando ocorreu o golpe militar de 1964, Moura Andrade era o presidente do senado e fazia oposição ao então presidente João Goulart, sendo que, na ocasião do golpe, declarou vaga a presidência da República.

123 123 O Itamaraty ficará com dor de cotovelo; e, mais uma vez ficará demonstrado que o Brasil necessita, no Exterior, de homens como você, integrados em nossos problemas econômicos, conhecedores profundos de nossas relações internacionais no campo comercial e possuidores de um espírito atento às nossas condições de país exportador de matérias primas e produtos primários, tão indispensável às nações preparadas a transformá-los industrialmente (Acervo pessoal de Licurgo Costa). A amizade com Moura Andrade estendeu-se aos bastidores, tanto do cenário político brasileiro quanto dos arranjos pessoais de Licurgo em relação à sua vida profissional no Itamaraty. Mais adiante se abordarão as entrelinhas dessa amizade na trajetória do autor. Em função das atividades desenvolvidas como diretor comercial nos Estados Unidos, Licurgo conseguiu uma projeção em sua carreira no Itamaraty, sendo promovido a ministro de assuntos econômicos junto à Embaixada do Brasil em Madri. Em carta enviada a um amigo, datada de janeiro de 1954, um pouco antes de seguir para Madri, contou sobre a sua nomeação, ressaltando o papel do chefe, Getúlio Vargas: Muito obrigado pelas felicitações que me envia por motivo da minha nomeação. Realmente foi uma vitória, que me deu a maior alegria. Mas eu sabia, de antemão, que era certa porque nosso caríssimo chefe não falha nunca para com os seus velhos e leais servidores e amigos (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Observa-se o quanto o acesso a determinados cargos no governo eram baseados em relações de reciprocidade interpessoal, em muitas situações traduzidas em manifestações de fidelidade ao líder, ao chefe, ou à causa: defender o governo. Na trajetória percorrida nos corredores internacionais do Itamaraty, a proximidade com Vargas será um recurso nas articulações de Licurgo por ascensão, ao menos até agosto de Com a morte de Vargas, ele continuará recorrendo aos amigos e próximos de ambos, uma rede de sociabilidade formada por nomes já citados, tais como Lourival Fontes, Café Filho, Alzira Vargas e, principalmente, Auro de Moura Andrade e Ivette Vargas, sobrinha de Getúlio Vargas e deputada federal eleita algumas vezes. Um pouco antes

124 124 do suicídio de Vargas, em uma das cartas que Licurgo enviara a Ivette, além de compartilhar com ela suas pesquisas sobre as origens da família Vargas na Espanha, Licurgo fez o seguinte pedido: E o nosso caro Xavier da Rocha, como vai e por onde anda? Nem escrevi a ele, felicitando pela justíssima promoção, porque não sei onde está: se em Roma, Oslo, Rio ou Santa Maria da Boca do Mato. Entretanto, como sei que se trata de mais uma grande vitória sua, quero também lhe felicitar. Agora o caminho está aberto para você, com aquela sua técnica e precisão que nunca falha dar um impulso final na vida deste seu cupim. Mesmo porque se você não fizer isto agora, nunca mais, depois da saída do nosso chefe, ninguém me promoverá. De todos os brasileiros que vivem no exterior, ninguém é mais marcado por seu queremismo do que eu. Com muita honra e satisfação para mim, que, de resto, não perco a oportunidade de demonstrar a minha alegria por esse privilégio. Mas os inimigos depois que o Dr. Getúlio sair não me darão nem água. Assim precisamos agir a letra o desde já (Acervo pessoal de Licurgo Costa). A letra o, um código utilizado entre Licurgo e Ivette, fazia referência ao cargo definitivo como ministro de assuntos econômicos. A relação com Ivette rendeu muitas correspondências com assuntos pessoais e também pertinentes comentários e opiniões sobre questões políticas e econômicas. Eram bastante íntimos, Ivette e os pais se hospedavam com frequência na casa de Licurgo nas cidades onde havia morado. Auro de Moura Andrade e a família também desfrutavam de uma convivência mais próxima com Licurgo e os seus. Os arranjos acerca de Vargas terão continuidade nos contatos com Ivette e Auro, sendo que as primeiras cartas que Licurgo compartilhara as dolorosas impressões sobre a trágica morte do presidente foram escritas para eles. Para Ivete: Somente agora, decorridos 13 dias da tremenda tragédia que acabamos de assistir, é que começo a emergir da mais dolorosa das emoções que já sofri. E esta é a primeira carta que escrevo depois do drama que de tão inconcebível parece irreal. E

125 125 não poderia escrever está carta senão a você, que sabe o que ele representava para mim. E o mais angustioso é que para essa perda não há consolo possível. Nem mesmo o da certeza que todos temos, de que, passada a onda das paixões e estigmatizados pelo desprezo geral os miseráveis que o levaram à morte, o seu nome há de viver no coração dos brasileiros, como o maior e o melhor de todos os que já nasceram em nossa terra. Porque o que nós queríamos é que depois de terminado o seu governo ele retornasse às Coxilhas que tanto amou e que de lá, como compensação por todo bem que semeou, pudesse assistir a sua definitiva glorificação e já bem velhinho, quando partisse para sempre, levasse a doce impressão de que a sua bondade infinita fora um pouco repartida pelo coração de todos os brasileiros, tornando-os melhores. O Destino, porém, marcou outro final para a sua epopéia e agora o que nos resta é honrar o nome de Getúlio Vargas e nunca trair as suas ideias e o seu ideal (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Para Auro: Ainda estou sob a impressão dolorosa e surpreendente do suicídio do nosso presidente. Foi para mim um golpe tremendo. Sabia da crise que se avolumava no Brasil mas nunca poderia esperar um desfecho tão dramático. Tenho, sinceramente, a impressão de que a morte do presidente foi uma desgraça imensa para o nosso país. Eu tinha por ele, como você sabe, a mais profunda devoção e gratidão, mas ao procurar avaliar o que sua perda representa para o Brasil, evito, tanto quanto possível, que esses dois sentimentos me induzam a juízos menos rigorosos. E quanto mais repasso a sua obra de governo, iniciada e terminada com uma força revolucionária quase telúrica, mais me convenço de que ele foi, realmente, um estadista excepcional na história latino americana. Humberto de Campos ou Leopoldo Lugones, não me lembro bem, tem uma imagem que se aplica muito bem ao caso e que é esta: a verdadeira

126 126 altura das grandes arvores só se conhece quando elas tombam. Parece-me, dos poucos jornais brasileiros que me chegaram às mãos, depois da tragédia, que mesmo os seus inimigos mais ferrenhos, sentiram imediatamente, a grandeza da árvore que ajudaram a decepar. Agora, com algum tempo mais, estou certo que irão apavorar-se com a extensão e profundidade de suas raízes. E o Brasil que o perdeu é que sofrerá as consequências (Acervo pessoal de Licurgo Costa). As palavras sobre a morte de Vargas encerram expressões acerca dos impactos pessoais desse episódio. De modo particular, nas cartas enviadas para Ivette, Licurgo se declarava um getulista. Além das cartas com manifestações mais íntimas, enviou, por ocasião do trágico ocorrido, telegramas para cada membro da família Vargas, como também para Lourival Fontes e o vice-presidente Café Filho. Em cada telegrama, uma mensagem diferente. Em um deles, enviado para Alzira Vargas, expressou que Ele foi para mim mais que um pai (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Depois da morte de Getúlio, Licurgo ainda permaneceu mais uns anos em Madri. No entanto, sempre atento às questões políticas do Brasil. Entre os anos de 1954 e 1955, a instabilidade e as disputas permearam o cenário brasileiro. Ivette Vargas, na condição de deputada e amiga do Licurgo, enviou-lhe cartas sobre os entraves políticos que caracterizavam o momento: Meu caro Licurgo Embora não lhe deva cartas, porque minha última ainda está sem resposta, envio-lhe as notícias sobre os recentes acontecimentos da nossa terra. Desde há muito a reação interna se uniu ao capital internacional, tentando impedir a marcha ascensional dos trabalhadores na conquista integral da justiça e a liberação do Brasil pelo seu desenvolvimento econômico. Você sabe que um homem encarnou os princípios do nacionalismo e do trabalhismo e, amparado na fé e na coragem, enfrentou grupos poderosos, consubstanciando, na sua atitude e na sua obra, o sonho que ele viveu intensamente de emancipação do povo e do Brasil. Tentaram destruí-lo pela infâmia e pela calúnia, mas a resposta foi três de outubro de mil

127 127 novecentos e cinqüenta. Pretenderam impedir sua posse, nada conseguiram porém. Iniciaram imediatamente a planificação sistemática e persistente de sua destruição. Veio 24 de agosto e ele que em vida fora adversário destemido e temível, morto tornou-se invencível. Procuraram vincular ao seu nome um dos candidatos e foi precisamente isto que deu a vitória a Juscelino. Repetem-se agora as investidas que o Brasil assistiu há cinco anos atrás. O país, há muitos e muitos meses, vive um clima de tensão e intranquilidade, acarretando esse estado de coisas os mais sérios prejuízos para todos os setores da vida nacional (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Após o suicídio de Vargas, assumiu o seu vice, Café Filho, que organizou uma equipe que se afastava da política varguista. Em 1955, aconteceram as previstas eleições presidenciais, Juscelino Kubistchek do PSD (Partido Social Democrático) fez uma coligação com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), enquanto a oposição ferrenha era representada pela UDN (União Democrática Nacional). Juscelino foi eleito presidente e João Goulart, que fora ministro do trabalho no governo Vargas, foi eleito vice-presidente pelo PTB. À época, os cargos de presidente e vice-presidente eram votados separados. A UDN, inconformada, fez vários conchavos para impedir a posse, afinal, as figuras de Juscelino e Goulart remetiam diretamente à de Vargas. Na referida carta de Ivette sobre essa sequência de acontecimentos, ela explicou todos os detalhes das articulações para garantir a posse de Kubistchek. A partir desses novos contornos políticos, identificam-se, nas cartas de Licurgo, ações e opiniões sobre JK, como também uma proximidade. A aliança com JK fazia parte das articulações que os Vargas haviam estabelecido com ele no contexto de uma luta pelo legado de Getúlio. Do lado do PTB, a luta era travada entre os sindicalistas e a família de Vargas, que também tinham no Distrito Federal, em Amaral Peixoto, o braço do PSD varguista. Sendo Licurgo próximo de Alzira, e tendo em Vargas um pai, sugeriu que a família seguisse na campanha presidencial, até mesmo, por uma questão de sobrevivência nos meandros governamentais. Já no começo de 1956, antes ainda da posse, JK realizou uma viagem 101 aos Estados Unidos e 101 No início do seu mandato como presidente do Brasil, Juscelino procurou manter as alianças com os E.U.A., com o objetivo de colocar em prática seu

128 128 também a alguns países da Europa, entre os quais, a Espanha. Licurgo enviou uma carta a Auro, contando as impressões do contato com o então presidente: Tive alguns contactos com o Presidente, na sua rápida passagem por aqui. É, sem dúvida, um homem de grande valor. O seu diálogo como o Brasil, na campanha eleitoral, deu-lhe um conhecimento seguro da nossa situação e fez dele, como era inevitável, um político que pensa em função da economia do país. Tive a impressão de que elegemos um economista para a presidência. E nesta fase que estamos atravessando a escolha foi feliz. Não sei se essa obsessão pelo lado econômico será favorável a ele. Para o Brasil, sem dúvida que o será, se tivermos uns dois anos de calma, pelo menos. Por outro lado, observei-lhe uma característica bem curiosa: o quase completo desinteresse pelo tema político. Só o fato econômico o preocupa. Sua memória para estatísticas e o gosto pelo confronto de dados brasileiros com o de outros países, são extraordinários. Como vivemos no Brasil um período eminentemente político, talvez ele seja obrigado a rever o esquema de ação com que subiu à Presidência. E, na minha modesta opinião, será uma pena porque essa mentalidade que agora o caracteriza é a que mais convém ao Brasil Atual (Acervo pessoal de Licurgo Costa). De certa forma, conforme e as cartas e os registros que constam nas agendas evidenciando jantares e outros compromissos sociais envolvendo Juscelino e a família, há evidências documentais que retraçam a rede de reciprocidades envolvendo Licurgo e o presidente projeto desenvolvimentista. Com a intenção de buscar parcerias econômicas, antes mesmo de sua posse, Kubitschek empreendeu, em janeiro de 1956, uma viagem aos Estados Unidos e alguns países da Europa. A inclusão da Espanha na agenda de visitas e as preparações para a recepção do novo presidente pelo governo de Franco foram um dos pontos altos das relações bilaterais entre Brasil e Espanha nos anos 50. In: SOUZA, Izepe Ismara. Caminhos que se Cruzam: relações históricas entre Brasil e Espanha ( ). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História da USP, São Paulo, 2009, p. 204.

129 129 Juscelino. Como exemplo, uma carta do amigo Josué Montello, membro da Academia Brasileira de Letras, em que ele comunica o seguinte: Rio, 16 de abril de 1960 Esta carta é mais um bilhete, rascunhado às pressas, em véspera de irmos assistir à inauguração de Brasília. O que quero lhe dizer é que está na hora do pagamento para o retrato do Presidente. A quota é de CR#25.000,00. Você deve mandar um cheque nominal para Candido Portinari, por meu intermédio. Estou recolhendo todos os cheques assim. Hoje o Presidente fará a primeira pose. Em setembro o retrato será entregue a ele em Brasília, lembrança de vinte de seus amigos, entre os quais está você (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Carta que Licurgo respondeu em 30 de abril de 1960, na qual reclamou da demora do serviço de correio entre o Rio de Janeiro e Montevidéu. Deve ter vindo em lombo de mula, como no tempo da conquista. Registrou também que sentiu imensa pena de não poder ir à inauguração de Brasília (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Agradeceu imensamente a Montello poder fazer parte dessa homenagem ao presidente, como também pagou a quantia solicitada para custear o presente, um retrato de JK realizado por Portinari. Josué Montello ocupava, nessa época, a posição de diretor do Museu Histórico Nacional, nomeado pelo próprio Juscelino, de acordo com uma carta enviada a Licurgo em 12 de dezembro de 1959 (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Entre as décadas de 1950 e 1960, após as articulações investindo em uma tentativa de transferência para Paris, Licurgo manifestou, em carta a Auro, outras articulações: Quando vi que, apesar de contar com decisiva atuação sua junto ao Presidente, a promoção ainda iria ser muito retardada e tive aviso de que o Franchine tratava de conseguir outro posto escrevi ao SETTE, pedindo Montevidéu. A solução também veio prontamente. Também escrevi ao ministro Lafer. Não sei se com isso prejudiquei um pouco a outra meta, mas, por outro lado, com a minha passagem pelo Rio, espero conseguir amolecer o Jango... Vou exibir ao Presidente um

130 130 livro de quase 600 páginas e espero que ele se comova e atenda o seu pedido. Além disto eu precisava, por vários motivos, sair daqui. E precisava também ficar mais perto da terra. Já ando cansado de quase 20 anos no exílio (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Há indícios de uma tentativa, ou de uma demonstração de querer um posto como embaixador, utilizando, entre outros recursos, o livro Uma política para as Américas. Em carta enviada ao amigo Franchini, datada de 2 de janeiro de 1960, Licurgo, ainda em Madri, narrou os preparativos da mudança para Montevidéu e as perspectivas em relação à eleição de Jânio Quadros para a Presidência da República, assim como registrou alguns apontamentos sobre o livro que estava escrevendo: É bem capaz de, após a publicação do livro, o nosso grande JK pensar em me nomear embaixador numa somalandia qualquer... Mas eu não trocarei por Montevidéu... (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Em 1968, Juscelino enviou uma carta para Licurgo: Meu caro amigo Licurgo, Agradeço-lhe muito a atenção que teve para comigo, remetendo-me por intermédio do Paulo Tarso Flexa de Lima, o seu magnífico livro - Uma Nova Política para as Américas. Já estou quase no fim e lhe confesso que o reli agora como se o fizesse pela primeira vez, tal a soma de conhecimento que ele proporciona e a orientação que dá ao espírito da gente, no tocante à política internacional. Estou agora ativando a conclusão do meu livro e me encontro exatamente no capítulo referente ao meu governo. A memória não está tão boa que me permita lembrar todos os passos da Operação Pan Americana e seu livro está sendo muitíssimo útil para mim... Não sei quando pretende vir ao Brasil, mas espero que nessa ocasião me dê o prazer de jantar em nossa casa (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Há registros da relação com Juscelino em anotações nas agendas sobre jantares em família e passeios em Nova York, e também registros da amizade pessoal com Alzira Vargas, filha de Getúlio, e Ivette Vargas,

131 131 sobrinha dele 102. Contudo, ao se analisar os registros, tanto nas memórias quanto nas trocas epistolares, destaca-se, nessa rede de sociabilidades mobilizada em favor do próprio sucesso pessoal, a amizade com Auro Moura de Andrade, na década de 1960, presidente do senado. Em carta enviada a Licurgo, datada de 28 de março de 1960, consta o seguinte: Prezado Licurgo Recebi seu telegrama de congratulações pela minha investidura na liderança, onde poderei servi-lo melhor mas ainda assim, não tanto quanto desejo e você merece. De qualquer maneira conte sempre com a boa vontade, o trabalho e a imensa sinceridade deste seu amigo que lhe envia um abraço (Acervo pessoal de Licurgo Costa). De certo modo, as negociações com vistas a conseguir algum crédito profissional nos últimos anos de percurso no Itamaraty, foram depositadas, sobretudo, na amizade com Auro. Ainda na década de 1960, Licurgo registrou com relevo, em seu livro de memórias, o episódio que envolveu a renúncia do então presidente, Jânio Quadros. Nessa ocasião, o vice-presidente, João Goulart, viajou para o Uruguai para negociar a posse, já que o cenário político brasileiro não lhe era favorável. À época, Licurgo era, desde o final de 1959, ministro de primeira classe em Montevidéu. Segundo ele, cidade agradável, mas cargo difícil, considerando que, quando a situação se complicou no Brasil, muitos se refugiaram para o país vizinho: Foi assim quando da renúncia de Jânio Quadros e João Goulart o Jango, vice-presidente vindo da China, passou alguns dias em Montevidéu, negociando a posse como seu substituto. Coubeme receber no aeroporto a Tancredo Neves, enviado das forças políticas brasileiras em avião da FAB, para negociar a volta do vice-presidente a Brasília. Antes de nos dirigirmos à Embaixada, onde Jango estava hospedado, Tancredo pediu-me para dar umas voltas pela cidade, a fim de falarmos sobre o estado de espírito de Jango, suas 102 As cartas programando viagens e as compras de presunto espanhol.

132 132 conversas na intimidade. Expliquei-lhe claramente a situação, que poderia ser resumida, afinal, em poucas palavras: Jango mostrava evidente receio de ser feito prisioneiro pelo Exército, que segundo informações recebidas de Leonel de Moura Brizola Governador do Rio Grande do Sul não o aceitava na presidência da república. Depois de bem informado Tancredo pediu para irmos para a Embaixada, onde trancou-se com Jango no dormitório do Embaixador, o único lugar não ocupado por jornalistas, políticos e amigos. Por volta das 16 horas levei Tancredo e seu companheiro de viagem, ao aeroporto, de regresso a Brasília, disse-me que estava tudo acordado, que Jango concordara com a adoção do parlamentarismo no Brasil e que voltaria, provavelmente no dia seguinte, para Brasília (COSTA, 2002, p ). Figura 15: Ocasião em que Licurgo Costa recebeu Tancredo Neves no Uruguai para negociar a posse de João Goulart Fonte: Acervo pessoal de Licurgo Costa Conforme as palavras de Licurgo, Jango retornou ao Brasil no dia seguinte, mas com medo, inclusive, de o avião ser derrubado pelo exército brasileiro. Licurgo registrou esse episódio de forma a elaborar uma memória da própria importância nos bastidores do ocorrido. Não muito tempo depois, em dezembro de 1963, ele foi convidado para

133 133 assumir o posto de embaixador do Brasil no Uruguai, cargo que recusou: Consegui falar com o senador Auro Moura Andrade, em Brasília, Presidente do Senado e meu fraternal amigo, contando-lhe o que estava acontecendo e rogando-lhe encarecidamente que procurasse o Presidente para dizer que eu não podia ser nomeado, até porque não andava bem de saúde e o posto era extremamente trabalhoso. Auro me respondeu: Mas isso é incrível! Todo mundo pede para ser embaixador e você pede para não ser?. Então expliquei-lhe: Auro, acabo de voltar de Porto alegre e isto aí está podre, vai desmoronar a qualquer momento e se eu estiver como embaixador vou de roldão na enxurrada. E não quero, por questão de família, que você conhece, sair daqui. Eu tinha razão. Uns quatro meses depois Jango foi deposto, mas eu, esquecido em Montevidéu fiquei em paz. Veio então um período agitado nas relações entre o Brasil e o Uruguai, no qual as minhas ligações de amizade com muitos dos governantes do país foram de grande utilidade. Mas desta fase da minha vida prefiro falar em outra oportunidade (COSTA, 2002, p ). As turbulências do cenário político mundial na década de 1960 conduziram muitos países a um regime ditatorial. Em 31 de março de 1964 foi selado o golpe militar no Brasil. João Goulart foi deposto. O senador, Auro de Moura Andrade, amigo pessoal de Licurgo, declarou vaga a presidência da República, concretizando a via parlamentar do golpe. Nesse dia, Licurgo estava em Lages, conforme o registro da agenda abaixo, e rabiscou o seguinte: rebentou a revolução em Minas, São Paulo e Guanabara, para depor João Goulart, pensei viajar imediatamente de regresso, depois resolvi esperar para amanhã. Conforme suas anotações, regressou já no dia 1º de abril para o Uruguai. Dia 4 de abril viajou com a esposa Suzy para a fazenda de João Goulart no Uruguai a fim de lhe prestar solidariedade.

134 134 Figura 16: Página da agenda de Licurgo Costa, em 31 de março de 1964 Fonte: Acervo Pessoal de Licurgo Costa Estabelecida a ditadura militar no Brasil, Licurgo continuou em Montevidéu até aposentar-se ao início da década de 1970, apesar do registro pessoal de solidariedade a João Goulart, a amizade dedicada a Auro Andrade ocupava na vida de Licurgo uma ênfase maior. Tanto, que em uma carta que enviara a Auro, em 23 de dezembro de 1965, recomendou que ele não fosse ao Uruguai devido à necessidade de se resguardar dos melindres do cenário político brasileiro para com Jangos e Brizolas : Se você vier incógnito, saberão, mais dia, menos dia, e então a exploração será maior e você aparecerá conferenciando, às escondidas, com Jangos e Brizolas (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Um ato que foge das intenções evocadoras elaboradas por Licurgo é a passagem escrita sobre ele no livro de memórias de Laurita Mourão 103, filha do general Olimpio Mourão Filho 104. Laurita expôs 103 MOURÃO, Laurita de Irazabal. À mesa do jantar. Rio de Janeiro: Editorial Nórdica, Militar, foi um dos principais líderes da ação integralista brasileira, redator do plano Cohen, documento falsamente atribuído ao intento comunista,

135 135 algumas passagens vivenciadas com Licurgo e algumas observações sobre o mesmo. É oportuno destacar que o referido livro, À mesa do jantar, escandalizou o Itamaraty, pois Laurita, que havia sido funcionária do ministério das relações exteriores em algumas embaixadas do Brasil pelo mundo, tornou públicos episódios bem íntimos, como certos romances e intimidades sexuais envolvendo nomes conhecidos. Licurgo escapa dessas revelações, pois os comentários sobre ele dizem respeito às suas qualidades humanas, às suas ações como chefe 105. Dele, no entanto, Laurita ressalta as festas que organizava, as quais sempre agregavam pessoas muito diferentes entre si: Homem inteligente e culto, de forte personalidade, foi um professor de vida para mim. Conhecia bem o coração humano e me pedia para contar-lhe tudo que me acontecia. Sempre me elogiava e trazia à conversa uma explicação para o problema, muitas vezes até um pito. Licurgo está casado com uma mulher maravilhosa, que se vestia muito bem, cheia de virtudes e com uma grande força espiritual. Nunca teria podido enganá-la. Não teria lhe causado um desgosto por nada deste mundo. Minha amizade com Licurgo nunca a preocupou demasiado, penso hoje, pois ela sabia que entre nós não acontecia nada de cama. Não sei se teria sido sua amante, tivesse eu continuado a morar em Montevidéu. Mas confesso que a predileção dele por mim me enchia de um tremendo orgulho, me enchia de gozo. Não porque ele tivesse carros último modelo, casa-palácio, filha simpática e bonita, esposa completa, um círculo aristocrático de amizades. Não. Meu orgulho é porque ele era cultíssimo, inteligente, justo e bondoso com todo ser humano. Era sua bondade que me fazia bem ao coração. Licurgo conhecia minhas deficiências no trabalho; como pessoa sabia dos meus atropelos, conhecia meu caso pretérito com Daniel, sabia que eu tinha sido adúltera e havia parido uma filha utilizado como motivo da implantação do Estado Novo, ditadura Vargas, em Licurgo chefiou o departamento em que Laurita trabalhou em Montevidéu.

136 136 que não era do meu marido, mas ele me tratava com carinho e amor. Como chefe, era calmo e sereno para enfrentar os problemas: magnânimo com os relapsos, exigente com as tarefas distribuídas, generoso com seu bolso, tratava de mitigar as dificuldades de todos. Era muito querido por todos nós. Fiquei devendo a ele muitas atenções e, sobretudo, a idéia de ter deixado o Uruguai e começado uma vida nova na Europa. Ele dizia que fica espantado com a minha sinceridade para tudo, a minha maneira aberta de ser. Ele sempre foi um produto típico do ambiente onde fez sua carreira: hipocrisia como modus vivendi. Nunca fazia nada abertamente. Suas festas eram magníficas de organização, bem servidas, abundantes, embora sem unidade. Poderse-iam encontrar, por exemplo, o ministro de tal ou qual pasta, de passagem pela cidade, o importador brasileiro, o rico industrial em viagem de negócios, a viúva do embaixador tal, o expresidente de uma republiqueta sul americana, o pintor não sei quanto, dois amigos jovens da filha solteira, e...eu! (MOURÃO, 1979, p ). Na menção sobre as recepções em que Licurgo era o anfitrião, nota-se o ecletismo do capital social de que dispunha. Como também é perceptível, na relação com Laurita, a figura de um chefe/pai, tal como Getúlio havia sido, ou seja, a questão família como um elemento estruturante dessas relações tecidas no interior da alta burocracia do Estado. Antes de lançar o livro, Laurita enviou uma carta para Licurgo, datada de 26 de junho de 1979, esclarecendo algumas escolhas e expressando sua gratidão pelo ex-chefe, a quem considerava o grande incentivador de sua carreira diplomática: Querido Licurgo O motivo desta carta é para comunicar-lhe que escrevi um livro e que ele sai à luz na primeira semana de setembro. O nome é A MESA DO JANTAR - onde eu creio que cada família tem seu próprio altar e onde se educam os filhos e se passam a eles os ensinamentos que vêm dos nossos antepassados (...). Você aparece no livro e muitas são as páginas que lhe dedico, com muito amor e muito agradecimento. Falo rapidamente na

137 137 Susie. Desejo comunicar-lhe hoje, tudo isso, antes que o livro saia. Minha intenção é mostrar como você foi importante na minha vida, na minha realização e do quanto lhe sou grata (...). Espero, entretanto, que você compreenda as minhas intenções e aceite meus julgamentos, todos levados só pela grande amizade que lhe dedico e à Susie (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Em 1979, ano em que Laurita publicou suas memórias, Licurgo já estava aposentado e residia em Lages. Em outras correspondências, de 10 anos antes, quando ainda morava no Uruguai, enviou uma carta a ela cobrando uma quantia de 500 dólares, alegando que estava para se aposentar e precisava reunir recursos para voltar a Lages (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Fato é que, ao ler as memórias de Laurita e as cartas trocadas entre eles, nota-se que a carreira dela, como funcionária do Itamaraty, recebeu grande incentivo e empenho por parte de Licurgo, inclusive financeiro. No mais, é possível observar que, embora estivesse nos bastidores das embaixadas, cuidando de assuntos econômicos, transitava em outros departamentos, promovia contatos sociais frutuosos, respaldados por um ethos de discrição, refinamento e cosmopolitismo, tão utilizado em seu retorno a Santa Catarina. Apesar das articulações ao redor de figuras que representavam prestígio e poder, Licurgo nunca foi embaixador. De certa forma, isso significava uma frustração de suas aspirações pessoais, bem disfarçada nas memórias que produzira sobre sua trajetória. No entanto, em uma carta enviada a Auro, em 11 de novembro de 1967, essa frustração foi expressa: Vou tentar, no Rio, obter remoção para Paris. Lilian está bem integrada na vida Uruguaia e já não nos dá preocupações. De sorte que estamos desejando voltar para Europa e como Paris está vago desde que o Soiolete foi aposentado, procurarei agora satisfazer uma velha aspiração. Lá, além de outras vantagens teremos, sobretudo, a de contar anualmente com uma visita de vocês. Só isto, já me animaria a tentar, junto ao Ministro Magalhães Pinto, uma remoção que, afinal, representará senão uma reparação pelo menos uma compensação por nunca ter tido uma embaixada, por modesta que fosse. Vamos ver se

138 138 consigo sensibilizar o chanceler (Acervo pessoal de Licurgo Costa). Paris não foi possível, tampouco uma embaixada. Destino, ou escolha, foi retornar ao torrão natal e acertar as contas com o passado, justamente no lugar que poderia lhe conferir um prestígio social e cultural. Nas últimas três décadas do século XX, a ação protagonizada por Licurgo foi a de construir um lugar de memória de si e de seus familiares através de sua obra, fixada em continentes da história.

139 CAPÍTULO 3 DO RESTO DO MUNDO PARA OS CAMPOS DAS LAGENS 139 Se, nos primórdios da década de 1920, Licurgo havia saído de Santa Catarina para o Rio de Janeiro, e na de 1940, disparado para o o resto do mundo, via Itamaraty, na década de 1970, voltou do resto do mundo para os campos das Lagens. Esse capítulo versa sobre as ações empreendidas por ele nesse retorno e seu investimento em produzir uma memória autobiográfica, familiar e territorial. A cada uma dessas dimensões, executa estratégias de viabilização. Na biográfica: reenquadrar o passado, adequando a trajetória e a experiência às necessidades do presente é o que ele fez, por exemplo, com a conversão da imagem de inventor da propaganda oficial de um governo autoritário em pioneiro do jornalismo e defensor da liberdade de imprensa. Ao rever e reenquadrar sua trajetória, atualiza-a, além de afirmar sua autoridade intelectual dentro da família, em Lages e no meio erudito da capital como intelectual. Ao assumir o triplo (e inconciliável) papel de historiador, personagem e testemunha da história de Lages e do Brasil, ele se consagra como autor de um texto de corte autobiográfico. Em sua produção, recorre à experiência pessoal e familiar para legitimar a autoridade do texto em que reivindica para Lages o lugar que lhe corresponderia, e que até então, lhe teria sido negado, na história regional. Ao evocar sua trajetória como figura destacada na história nacional, cumpre a missão reparadora de projetar sua família no espaço público, de dar-lhe o merecido assento na história política do estado, consagrando a si e à sua linhagem como os legítimos representantes e guardiões da memória de Lages. As experiências sociais e culturais nesse percurso de Licurgo para além de Santa Catarina foram utilizadas como um recurso para angariar prestígio e poder simbólico por ocasião de seu retorno. Além da produção em torno dessa memória sobre o caminho trilhado, investiu na escrita da história de seu lugar de origem, Lages, ação que confere ao seu torrão natal um lugar no mapa político da história catarinense. O Continente pode ser compreendido como um monumento sobre a cidade de Lages, que remete, principalmente, à memória do clã de Licurgo Costa, conferindo a ele o lugar de conservador da memória local e familiar. Neste capítulo, a abordagem é sobre o retorno de Licurgo à sua terra natal, a inserção em espaços culturais de Santa Catarina, como a ACL e o IHGSC, e também sobre os motivos que o levaram a escrever

140 140 O Continente das Lagens. Assim como observar nas representações sobre o passado de Lages, construídas no Continente, a exaltação do legado familiar em espaços da cultura. 3.1 AS AÇÕES DO FIDALGO DA SERRA Em uma matéria publicada na página de cultura do jornal O Estado, alguns meses após o falecimento de Licurgo, intitulada Quadro de De Chirico em Florianópolis, há um breve apontamento antes do título da matéria: Licurgo Costa, pouco reconhecido em seu Estado, foi retratado por um dos mais respeitados pintores do mundo. Trata-se de uma publicação que menciona um quadro com a imagem de Licurgo, pintado por Giorgio de Chirico, pintor greco-italiano 106 : 106 Giorgio de Chirico ( ) foi um pintor grego, representante da pintura metafísica. Nasceu em Vólos, na região grega da Tessália. Estudou artes em Munique e Paris, onde estabeleceu amizade com importantes artistas como Apollinaire e Picasso. Na Itália, criou o grupo Pittura Metafísica. Em 1919, liderou outro grupo de artistas, o Valori Plastici. Sua pintura apresenta características diversas, do surrealismo (identificado em sua obra durante bom tempo) ao dadaísmo. Nela, são constantes os elementos que usavam grandes espaços, como praças e ambientes oníricos e características misteriosas. De Chirico era considerado um pintor metafísico, influência que obteve através do pintor italiano Carlo Carrà, que fazia parte dessa corrente. Sua obra foi bastante inspirada pelas leituras dos filósofos Nietzsche e Schopenhauer, o que deu certo teor pessimista e melancólico às suas pinturas. No Brasil, vários pintores levaram a sua influência: Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Ismael Nery. Suas obras proeminentes são O Enigma da Hora (1912), Melancolia de uma Bela Tarde (1913), O Sonho Transformado (1913), Heitor e Andrómaca (1917) e as Musas Inquietantes (1916). Faleceu em Roma.

141 141 Figura 17: Imagem de Giorgio de Chirico e Licurgo Costa Fonte: Academia Catarinense de Letras Como funcionário do Itamaraty, Licurgo esteve a serviço na Itália, durante o pós-guerra, lugar em que o referido artista realizou a pintura. Na imagem acima, é possível observar o próprio pintor ao lado da obra. A matéria versa sobre a importância dessa obra de arte, mencionando Licurgo como um diplomata catarinense que fez amigos em todos os países por onde representou o Brasil, principalmente intelectuais. O jornalista responsável pelo artigo, Norberto de Carvalho e Silva, teceu afirmações como: Nenhum outro brasileiro teve esse privilégio de ser retratado por um artista com obras em todos os grandes museus do mundo. Por isso, o quadro, pode-se afirmar que é hoje o maior patrimônio artístico cultural no Estado de Santa Catarina (O Estado, 9 de dezembro, 2002). É notável o significado do quadro, embora afirmar como maior patrimônio artístico cultural de Santa Catarina seja um exagero, até porque Licurgo não foi o único brasileiro a ser retratado por De Chirico, e mesmo que fosse, questões patrimoniais demandam uma reflexão mais aprofundada acerca do assunto. Entretanto, essa matéria de jornal, publicada alguns meses após a morte de Licurgo, traz dois apontamentos pertinentes para analisar o seu movimento de construção de uma trajetória no exterior e a volta para casa, pois, ao mesmo tempo que o jornalista pontuou sobre as amizades com pessoas ilustres e as singularidades da vida profissional no exterior, citando o quadro realizado por De Chirico como um testemunho material disso, também

A PROFISSÃO COMO RECURSO PARA A INSERÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E MILITÂNCIA NO MST Autor(es): Apresentador: Orientador: Revisor 1: Revisor 2: Instituição:

A PROFISSÃO COMO RECURSO PARA A INSERÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E MILITÂNCIA NO MST Autor(es): Apresentador: Orientador: Revisor 1: Revisor 2: Instituição: A PROFISSÃO COMO RECURSO PARA A INSERÇÃO, SOCIALIZAÇÃO E MILITÂNCIA NO MST Autor(es): Apresentador: Orientador: Revisor 1: Revisor 2: Instituição: MUSZINSKI, Luciana; PETRARCA, Fernanda Rios Luciana Muszinski

Leia mais

Resenha do livro Viver e escrever - Cadernos e escritas ordinárias de um professor catarinense (século XX)

Resenha do livro Viver e escrever - Cadernos e escritas ordinárias de um professor catarinense (século XX) e - I S S N 1 9 8 4-7 2 3 8 Resenha do livro Viver e escrever - Cadernos e escritas ordinárias de um professor catarinense (século XX) CUNHA, Maria Teresa Santos; SOUZA, Flávia de Freitas. Viver e escrever.

Leia mais

Personalidades da Política Externa Brasileira

Personalidades da Política Externa Brasileira Fundação Alexandre Gusmão CPDOC da Fundação Getúlio Vargas Personalidades da Política Externa Brasileira Alzira Alves de Abreu Sérgio Lamarão (organizadores) 2007 Direitos de publicação reservados à Fundação

Leia mais

Desigualdade e exclusão social no romance brasileiro contemporâneo

Desigualdade e exclusão social no romance brasileiro contemporâneo Desigualdade e exclusão social no romance brasileiro contemporâneo Fernanda Serafim Alves 1 Priscila Cristina Cavalcante Oliveira 2 Sofia Salustiano Botelho 3 RESUMO: O trabalho que se segue procura apresentar

Leia mais

Cidade, imprensa e arquitetura: as crônicas e os debates de modernização em Porto Alegre,

Cidade, imprensa e arquitetura: as crônicas e os debates de modernização em Porto Alegre, Universidade de São Paulo Escola de Engenharia de São Carlos Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Departamento de Arquitetura - SAP Programa de Pós-Graduação em Arquitetura Cidade, imprensa e arquitetura:

Leia mais

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONHECIMENTOS TECIDOS NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REGIÃO SUL FLUMINENSE

EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONHECIMENTOS TECIDOS NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REGIÃO SUL FLUMINENSE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONHECIMENTOS TECIDOS NO COTIDIANO DE UMA ESCOLA PÚBLICA DA REGIÃO SUL FLUMINENSE Educação ambiental e conhecimentos tecidos no cotidiano de uma escola pública da região Sul Fluminense.

Leia mais

Resenha do livro A liturgia escolar na Idade Moderna

Resenha do livro A liturgia escolar na Idade Moderna Resenha do livro A liturgia escolar na Idade Moderna e - I S S N 1 9 8 4-7 2 3 8 BOTO, Carlota. A liturgia escolar na Idade Moderna. Campinas, SP: Papirus, 2017. 319 p. Universidade do Estado de Santa

Leia mais

Resenha. O passado no presente e no futuro: memória televisiva na televisão por assinatura

Resenha. O passado no presente e no futuro: memória televisiva na televisão por assinatura Antonio de Andrade Universidade Metodista de São Paulo (Umesp). Mestre em Comunicação Social. Professor do Curso de Rádio, TV e Internet da Faculdade de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.

Leia mais

DOM E DOCÊNCIA NA NARRATIVA DE PROFESSORES E PROFESSORAS APOSENTADOS DE HISTÓRIA

DOM E DOCÊNCIA NA NARRATIVA DE PROFESSORES E PROFESSORAS APOSENTADOS DE HISTÓRIA DOM E DOCÊNCIA NA NARRATIVA DE PROFESSORES E PROFESSORAS APOSENTADOS DE HISTÓRIA Bruna da Silva Cardoso¹ Dernival Venâncio Ramos Junior² RESUMO A partir do Annales, o campo de pesquisa em História foi

Leia mais

Dossiê: Pierre Bourdieu e a Literatura

Dossiê: Pierre Bourdieu e a Literatura Dossiê: Pierre Bourdieu e a Literatura APRESENTAÇÃO Tania Regina de LUCA 1 A revista Estudos de Sociologia traz nesse número um dossiê intitulado Pierre Bourdieu e a Literatura. A iniciativa merece ser

Leia mais

Priscila Rosa Martins*

Priscila Rosa Martins* Resenha UM PASSEIO CARIOCA Priscila Rosa Martins* Afinal, mais importante do que o suicídio, mais importante do que a morte, é a vida, que nem sequer pede licença para prosseguir. (Luiz Carlos Simon)

Leia mais

Potencialidades de atividades baseadas em Categorias do Cotidiano em uma sala de aula da Educação Básica

Potencialidades de atividades baseadas em Categorias do Cotidiano em uma sala de aula da Educação Básica Potencialidades de atividades baseadas em Categorias do Cotidiano em uma sala de aula da Educação Básica Cleiton Ramos de Souza 1 GD 7 Formação de Professores que Ensinam Matemática Este trabalho tem porobjetivo

Leia mais

PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Movimento fenomenológico hermenêutico para o diálogo com professores de Viana do Castelo

PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Movimento fenomenológico hermenêutico para o diálogo com professores de Viana do Castelo PERCEPÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: Movimento fenomenológico hermenêutico para o diálogo com professores de Viana do Castelo Experiência de uma pesquisadora brasileira no CMIA de Viana do Castelo Denise Lemke

Leia mais

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ COORDENADORIA DE CONCURSOS CCV. Evento: Seleção para o Semestre I das Casas de Cultura Estrangeira 2013.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ COORDENADORIA DE CONCURSOS CCV. Evento: Seleção para o Semestre I das Casas de Cultura Estrangeira 2013. Questão 42 A catequese tinha por objetivo incutir nas populações indígenas alguns dos elementos da cultura europeia, tais como a religião, hábitos morais e valores ocidentais. Entre estes, inclui-se a

Leia mais

CONSTRIBUIÇÕES DO PIBID NA FORMAÇÃO DOCENTE

CONSTRIBUIÇÕES DO PIBID NA FORMAÇÃO DOCENTE 1 CONSTRIBUIÇÕES DO PIBID NA FORMAÇÃO DOCENTE Joana D`arc Anselmo da Silva Estudante do Curso de Licenciatura em Pedagogia, bolsista PIBID Universidade Federal da Paraíba. UFPB Campus IV, joanadarc945@gmail.com

Leia mais

MINHA VIDA E A REVISTA AO PÉ DA LETRA

MINHA VIDA E A REVISTA AO PÉ DA LETRA MINHA VIDA E A REVISTA AO PÉ DA LETRA Cinthya Torres Melo 1 Universidade Federal de Pernambuco 1. Uma Breve Retrospectiva ao Fim dos Anos 90... Tudo começou em 1998 com uma bolsa de Aperfeiçoamento Científico

Leia mais

A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA 1

A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA 1 A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA 1 Sirlane de Jesus Damasceno Ramos Mestranda Programa de Pós-graduação Educação Cultura e Linguagem PPGEDUC/UFPA.

Leia mais

Minhas senhoras e meus senhores:

Minhas senhoras e meus senhores: 1 Magnífico Reitor em Exercício, Doutor Eurico Lobo Excelentíssimos membros do Conselho Universitário da UFAL Excelentíssimos membros do CEPE Excelentíssimos professores e alunos da Faculdade de Direito

Leia mais

Confira esta aula em: Professor Danilo Borges

Confira esta aula em:  Professor Danilo Borges Aula anterior... Os Movimentos Sociais Confira esta aula em: http://www.joseferreira.com.br/blogs/sociologia/ Professor Danilo Borges PARTICIPAÇÃO DO JOVENS NOS MOVIMENTOS SOCIAIS BRASILEIROS SÉCULO XIX

Leia mais

VOCÊ CONHECE A SUA HISTÓRIA? PRODUÇÃO DE JOGO SOBRE A GUERRA DO CONTESTADO

VOCÊ CONHECE A SUA HISTÓRIA? PRODUÇÃO DE JOGO SOBRE A GUERRA DO CONTESTADO VOCÊ CONHECE A SUA HISTÓRIA? PRODUÇÃO DE JOGO SOBRE A GUERRA DO CONTESTADO CONTE, Higor Donato Lazari 1 ; LIDANI, Rangel 2 ; GRÜMM, Cristiane A. Fontana 3 ; LIMA, Adriano Bernardo Moraes 4 Instituto Federal

Leia mais

A história de uma Diva Fabiane Pereira da Rosa

A história de uma Diva Fabiane Pereira da Rosa A história de uma Diva Fabiane Pereira da Rosa A história de vida de Fabiane Pereira da Rosa foi escrita conforme a biografia deixada em arquivo bem como dos depoimentos de seu pai Darlan e dos irmãos,

Leia mais

3º INTEGRAR - Congresso Internacional de Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação e Museus PRESERVAR PARA AS FUTURAS GERAÇÕES

3º INTEGRAR - Congresso Internacional de Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação e Museus PRESERVAR PARA AS FUTURAS GERAÇÕES Preservação da memória extensionista da Universidade Federal Fluminense Ellen Cortez Contreiras Eloisa Ramos Sousa Rafael Haddad Cury Pinto Lucia Helena Marchon Leão Ramalho Eixo temático: Preservação

Leia mais

Saiba o que é Sociologia Católica

Saiba o que é Sociologia Católica Saiba o que é Sociologia Católica Em nome do pai, do filho e do espírito sociológico!? Notas sobre a Sociologia Católica no Brasil Por Marcelo Pinheiro Cigales* É comum entre os estudantes de Ciências

Leia mais

TÍTULO: 100% PERIFERIA - O SUJEITO PERIFÉRICO: UM OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL?

TÍTULO: 100% PERIFERIA - O SUJEITO PERIFÉRICO: UM OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL? TÍTULO: 100% PERIFERIA - O SUJEITO PERIFÉRICO: UM OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA SOCIAL? CATEGORIA: EM ANDAMENTO ÁREA: CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS SUBÁREA: PSICOLOGIA INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

Leia mais

Projeto de pesquisa. Introdução. O que é o projeto de pesquisa FIQUE ATENTO

Projeto de pesquisa. Introdução. O que é o projeto de pesquisa FIQUE ATENTO Projeto de pesquisa Introdução Quando se tem um objetivo, procura-se cumprir com a meta traçando as etapas e estratégias necessárias para atingir o resultado esperado. Para isso, é preciso planejamento.

Leia mais

Desigualdades étnico/raciais e de gênero no romance brasileiro contemporâneo

Desigualdades étnico/raciais e de gênero no romance brasileiro contemporâneo Desigualdades étnico/raciais e de gênero no romance brasileiro contemporâneo Daniela Alves de Morais 1 Nara Andejara Gomes do Vale 2 Vanessa Pereira Cajá Alves 3 RESUMO: O presente trabalho procura mostrar

Leia mais

Mestrado Acadêmico em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde. Ementas 2016

Mestrado Acadêmico em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde. Ementas 2016 Mestrado Acadêmico em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde Obrigatórias Ementas 2016 Disciplina: Divulgação científica: história, conceitos e modelos O objetivo da disciplina é fazer uma introdução

Leia mais

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 1. Ana Luisa Klein Faistel 2.

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 1. Ana Luisa Klein Faistel 2. HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 1 Ana Luisa Klein Faistel 2. 1 RELATO DE EXPERIÊNCIA 2 Professora estadual, bolsista PIBID RELATO DE EXPERIÊNCIA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS Autores: Ana Luisa Klein Faistel Gabriela dos

Leia mais

PRESENÇA JESUÍTICA NA VILA DE PARANAGUÁ: O PROCESSO DE ESTABELECIMENTO DO COLÉGIO JESUÍTICO ( ).

PRESENÇA JESUÍTICA NA VILA DE PARANAGUÁ: O PROCESSO DE ESTABELECIMENTO DO COLÉGIO JESUÍTICO ( ). PRESENÇA JESUÍTICA NA VILA DE PARANAGUÁ: O PROCESSO DE ESTABELECIMENTO DO COLÉGIO JESUÍTICO (1708-1759). Meiri Cristina Falcioni Malvezzi * RUCKSTADTER, Vanessa Campos Mariano. Presença jesuítica na Vila

Leia mais

ENTREVISTA JANINE SOARES DE OLIVEIRA

ENTREVISTA JANINE SOARES DE OLIVEIRA IDENTIFICAÇÃO: Nome: Janine Soares de Oliveira Cidade: Florianópolis Estado: Santa Catarina País: Brasil Formação: Doutora em Estudos da Tradução Profissão: Docente do Magistério Superior Local de Trabalho:

Leia mais

O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS Autores: Vanessa Martins Mussini 1 Taitiâny Kárita Bonzanini 1,2

O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS Autores: Vanessa Martins Mussini 1 Taitiâny Kárita Bonzanini 1,2 O TRABALHO COM GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS Autores: Vanessa Martins Mussini 1 Taitiâny Kárita Bonzanini 1,2 1 Universidade de São Paulo/Univesp Licenciatura em Ciências semipresencial/ Polo

Leia mais

REFLEXÕES SOBRE A UNIDADE FAMILIAR: UMA PROPOSTA DIDÁTICA SOBRE VIDAS SECAS

REFLEXÕES SOBRE A UNIDADE FAMILIAR: UMA PROPOSTA DIDÁTICA SOBRE VIDAS SECAS REFLEXÕES SOBRE A UNIDADE FAMILIAR: UMA PROPOSTA DIDÁTICA SOBRE VIDAS SECAS Igor Duarte Ismael Moreira Jardim 1. APRESENTAÇÃO Partimos do ponto comum que literatura é toda forma de manifestação poética,

Leia mais

EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD

EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD EMENTÁRIO HISTÓRIA LICENCIATURA EAD CANOAS, JULHO DE 2015 DISCIPLINA PRÉ-HISTÓRIA Código: 103500 EMENTA: Estudo da trajetória e do comportamento do Homem desde a sua origem até o surgimento do Estado.

Leia mais

3º INTEGRAR - Congresso Internacional de Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação e Museus PRESERVAR PARA AS FUTURAS GERAÇÕES

3º INTEGRAR - Congresso Internacional de Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação e Museus PRESERVAR PARA AS FUTURAS GERAÇÕES Informações da arte pública no Recife no Repositório Agadê da UFPE David Oliveira de Carvalho Bruno Tenório Ávila Gilda Maria Whitaker Verri Eixo temático: Preservação das coleções físicas e digitais.

Leia mais

A construção do tempo nacional na historiografia brasileira do século XIX Estágio docente da doutoranda Nathália Sanglard

A construção do tempo nacional na historiografia brasileira do século XIX Estágio docente da doutoranda Nathália Sanglard UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA A construção do tempo nacional na historiografia brasileira do século XIX Estágio docente da doutoranda Nathália Sanglard Ementa:

Leia mais

Rodrigo Perez Oliveira 1

Rodrigo Perez Oliveira 1 A representação de si através do culto à memória de outrem: a inauguração do monumento em homenagem a Manoel Luís Osório nos últimos dias do governo de Floriano Peixoto (1894) Rodrigo Perez Oliveira 1

Leia mais

Olhares em movimento: cidade e autoria no cinema de Pedro Almodóvar

Olhares em movimento: cidade e autoria no cinema de Pedro Almodóvar Fabiana Crispino Santos Olhares em movimento: cidade e autoria no cinema de Pedro Almodóvar Tese de Doutorado Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de

Leia mais

Michelle Cunha Sales. Radiografia da metrópole carioca: registros da cidade no cinema e os paradoxos da sua imagem. Dissertação de Mestrado

Michelle Cunha Sales. Radiografia da metrópole carioca: registros da cidade no cinema e os paradoxos da sua imagem. Dissertação de Mestrado Michelle Cunha Sales Radiografia da metrópole carioca: registros da cidade no cinema e os paradoxos da sua imagem Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do

Leia mais

MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL

MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL ZL VÓRTICE MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL em parceria com o SESC ZL VÓRTICE MAPEAMENTO SOCIOCULTURAL O PERIGO DA HISTÓRIA ÚNICA Se ouvimos somente uma única história sobre uma outra pessoa ou país, corremos

Leia mais

FORMAÇÃO INICIAL NOS CURSOS DE LICENCIATURA E PEDAGOGIA: QUAL O SEU IMPACTO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE UM BOM PROFESSOR?

FORMAÇÃO INICIAL NOS CURSOS DE LICENCIATURA E PEDAGOGIA: QUAL O SEU IMPACTO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE UM BOM PROFESSOR? 1 FORMAÇÃO INICIAL NOS CURSOS DE LICENCIATURA E PEDAGOGIA: QUAL O SEU IMPACTO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE UM BOM PROFESSOR? Elisa Gomes MAGALHÃES 1 RESUMO: O presente trabalho versa sobre a formação

Leia mais

JORNAL DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ

JORNAL DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ JORNAL DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ Histórico Editado pela Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba, há seis anos Atualmente o jornal está na edição número 75 Primeira edição: agosto de 2011, destacando

Leia mais

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO NAS PESQUISAS ACADÊMICAS INTRODUÇÃO A do Campo tem sido um dos aspectos a ser considerado na formação de professores, uma vez que esta modalidade de ensino tem ganhado

Leia mais

IRMÃOS E A GUERRA FERNANDA RODRIGUES GALVE *

IRMÃOS E A GUERRA FERNANDA RODRIGUES GALVE * IRMÃOS E A GUERRA FERNANDA RODRIGUES GALVE * [Livro: Thompson, E.P. Más Allá de la fronteira La política de uma misión fracassada: Bulgaria, 1944. Traducción de Teresa Palomar.El Viejo Topo,1997.] Na conjuntura

Leia mais

ISSN: VII COLÓQUIO DO MUSEU PEDAGÓGICO 14 a 16 de novembro de 2007

ISSN: VII COLÓQUIO DO MUSEU PEDAGÓGICO 14 a 16 de novembro de 2007 CASA DE CULTURA AFRANIO PEIXOTO: INSERÇÃO NO CENÁRIO TURÍSTICO DO MUNICÍPIO DE LENÇÓIS- BA Daniela Azevedo Mangabeira47 (UESB) Mariella Pitombo (UESB) INTRUDUÇÃO Este trabalho pretende analisar como a

Leia mais

Antonio Reis Ribeiro de Azevedo filho. Graduando de História. Faculdade de Educação e Tecnologia da Amazônia.

Antonio Reis Ribeiro de Azevedo filho. Graduando de História. Faculdade de Educação e Tecnologia da Amazônia. Historicizando e analisando a visão do agente social aluno sobre o Sindicato dos trabalhadores da Educação no município de Abaetetuba. 1 Antonio Reis Ribeiro de Azevedo filho Graduando de História Faculdade

Leia mais

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PLANO DE TRABALHO INDIVIDUAL. PROFESSOR DEPTO SEMESTRE Bárbara Giese DH 2008/2

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA PLANO DE TRABALHO INDIVIDUAL. PROFESSOR DEPTO SEMESTRE Bárbara Giese DH 2008/2 Bárbara Giese DH 2008/2 Efetivo Mestre 20 20/04/1994 Prática Curricular: Imagem e Som II* História/Lic.-Bach. 3ª 08 ESTÁGIO 12 História 3ª 12 DISSERTAÇÃO Crer sendo no sertão 1 9276/2007 01/02/2008 31/12/2008

Leia mais

o menino transparente

o menino transparente projeto pedagógico o menino transparente Rua Roma, 90 Edifício Roma Business 7 o andar Lapa São Paulo SP CEP 05050-090 divulgação escolar (11) 3874-0884 divulga@melhoramentos.com.br www.editoramelhoramentos.com.br

Leia mais

Curso: (curso/habilitação) Licenciatura em História Componente Curricular: História Antiga II Carga Horária: 50 horas

Curso: (curso/habilitação) Licenciatura em História Componente Curricular: História Antiga II Carga Horária: 50 horas FACULDADE SUMARÉ PLANO DE ENSINO Curso: (curso/habilitação) Licenciatura em História Componente Curricular: História Antiga II Carga Horária: 50 horas Semestre/ Módulo 2 Semestre Unidade Santana Professor(es):

Leia mais

Resenha. {Resenha {Tradução. História oral de vida ou entre- vista {Dossiê

Resenha. {Resenha {Tradução. História oral de vida ou entre- vista {Dossiê Resenha { História oral de vida ou entre- {Resenha {Tradução vista {Dossiê A música contando a vida: Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção Marcela Boni Evangelista Marcela Boni Evangelista

Leia mais

Conteúdos e Didática de História

Conteúdos e Didática de História Conteúdos e Didática de História Professora autora: Teresa Malatian Departamento de História da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais UNESP / Franca. Bloco 2 Disciplina 21 Didática dos Conteúdos Conteúdos

Leia mais

A HISTÓRIA É UM PROBLEMA ÉTICO

A HISTÓRIA É UM PROBLEMA ÉTICO A HISTÓRIA É UM PROBLEMA ÉTICO DOI: 10.5935/2177-6644.20160014 HISTORY AS AN ETHICAL PROBLEM LA HISTORIA ES UN DIFICULTAD ÉTICA Rodrigo dos Santos* BONA, Aldo Nelson. História, verdade e ética: Paul Ricoeur

Leia mais

A Arqueologia brasileira e o seu papel social

A Arqueologia brasileira e o seu papel social Universidade de São Paulo Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI Museu de Arqueologia e Etnologia - MAE Livros e Capítulos de Livros - MAE 2014 A Arqueologia brasileira e o seu papel social

Leia mais

T pft FAZ Al UL/iX CABEÇA

T pft FAZ Al UL/iX CABEÇA T pft FAZ Al UL/iX CABEÇA Vocaçoes Luís Fernando Veríssimo Os bons ladrões Paulo Mendes Campos O nariz Luís Fernando Veríssimo O lugar do negro Ana Lúcia E.F. Valente Por que vaiam tanto assim o rapaz,

Leia mais

CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO EM UM INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO EM UM INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA 957 CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO EM UM INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA Amanda Carlou Andrade Santos Cristina Angélica Aquino de Carvalho Mascaro Carla Fernanda

Leia mais

O TEXTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL II: CONTEXTO DESAMOR

O TEXTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL II: CONTEXTO DESAMOR O TEXTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL II: CONTEXTO DESAMOR Resumo: Autor(a) : Lidiane Gomes dos Santos Universidade Estadual da Paraíba Campus I; lidianegomessantos@hotmail. O contexto social vivenciado

Leia mais

jornalistas identifica como peculiar, como formador de seu caráter, de suas visões do que significa ser e fazer jornalismo.

jornalistas identifica como peculiar, como formador de seu caráter, de suas visões do que significa ser e fazer jornalismo. 1. Introdução Afinal, o que significa ser jornalista e fazer jornalismo? Estas perguntas foram feitas primeiramente a mim mesma, ainda nos tempos de graduação, durante a faculdade de Jornalismo. E, mesmo

Leia mais

CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA ENTRE DOCENTES DE ENSINO SUPERIOR: A EDUCAÇÃO FÍSICA EM QUESTÃO

CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA ENTRE DOCENTES DE ENSINO SUPERIOR: A EDUCAÇÃO FÍSICA EM QUESTÃO 1 CONCEPÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA ENTRE DOCENTES DE ENSINO SUPERIOR: A EDUCAÇÃO FÍSICA EM QUESTÃO Danielle Batista Mestranda em Educação Universidade Federal de Mato Grosso Bolsista Capes Profº. Dr.

Leia mais

Livro conta história sobre as tradicionais bonecas de pano artesanais

Livro conta história sobre as tradicionais bonecas de pano artesanais Livro conta história sobre as tradicionais bonecas de pano artesanais A publicação Que boneca é essa? é fruto das pesquisas de Macao Goés e Graça Seligman. As duas conversaram com mulheres de 50 a 90 anos.

Leia mais

Palavras de Apresentação

Palavras de Apresentação Palavras de Apresentação Luís Adão da Fonseca O Prof. Doutor Humberto Carlos Baquero Moreno, licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas pela Universidade de Lisboa em 1961, iniciou as suas actividades

Leia mais

Percepções sobre o acesso à justiça: olhares dos usuários da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

Percepções sobre o acesso à justiça: olhares dos usuários da Defensoria Pública do Estado de São Paulo Juliana Ribeiro Brandão Percepções sobre o acesso à justiça: olhares dos usuários da Defensoria Pública do Estado de São Paulo Universidade de São Paulo Faculdade de Direito São Paulo 2010 Juliana Ribeiro

Leia mais

O PAPEL DAS INTERAÇÕES PROFESSOR-ALUNO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA

O PAPEL DAS INTERAÇÕES PROFESSOR-ALUNO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA O PAPEL DAS INTERAÇÕES PROFESSOR-ALUNO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA Autor: Almir Lando Gomes da Silva (1); Co-autor: Antonio Fabio do Nascimento Torres (2); Coautor: Francisco Jucivanio

Leia mais

PLANO DE ENSINO. [Digite aqui] Copyrights Direito de uso reservado à Faculdade Sumaré

PLANO DE ENSINO. [Digite aqui] Copyrights Direito de uso reservado à Faculdade Sumaré PLANO DE ENSINO Curso: Pedagogia Disciplina: História da Educação Carga Horária: 50 horas Semestre Letivo / Turno: 1º Semestre Professoras: Período: 1º semestre de 2015 Dados de acordo com o Projeto do

Leia mais

Avaliação Capes, aprovação do doutorado (trechos parecer CAPES):

Avaliação Capes, aprovação do doutorado (trechos parecer CAPES): Avaliação Capes, aprovação do doutorado (trechos parecer CAPES): Os indicadores de produção de artigos são bons, com boa equivalência da produção distribuída da seguinte forma: A1: 4; A2: 7; B1: 26 (...)

Leia mais

Revista Educação, Arte e Inclusão. Trata-se de revista

Revista Educação, Arte e Inclusão. Trata-se de revista Caros leitores, É com prazer que lançamos o v. 11, n.1 de 2015 da Revista Educação, Arte e Inclusão. Trata-se de revista científica do Grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão vinculado a UDESC (Universidade

Leia mais

[T] SOUZA, E. C. de; MIGNOT, A. C. V. (Org.). História de vida e formação de professores. Rio de Janeiro: Quartet; FAPERJ, 2008.

[T] SOUZA, E. C. de; MIGNOT, A. C. V. (Org.). História de vida e formação de professores. Rio de Janeiro: Quartet; FAPERJ, 2008. RESENHA doi: 10.7213/dialogo.educ.7218 ISSN 1518-3483 Licenciado sob uma Licença Creative Commons [T] SOUZA, E. C. de; MIGNOT, A. C. V. (Org.). História de vida e formação de professores. Rio de Janeiro:

Leia mais

O ACESSO E PERMANÊNCIA DE JOVENS DE ORIGEM POPULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA BAHIA RESUMO

O ACESSO E PERMANÊNCIA DE JOVENS DE ORIGEM POPULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA BAHIA RESUMO 02794 O ACESSO E PERMANÊNCIA DE JOVENS DE ORIGEM POPULAR NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA BAHIA ANNA DONATO GOMES TEIXEIRA Mestre em Educação (UFMG) Docente do DEDC XII / UNEB Pesquisadora do Grupo de Pesquisa

Leia mais

REGISTRO DE AUTORIDADE ARQUIVÍSTICA DE EDMUNDO CARDOSO

REGISTRO DE AUTORIDADE ARQUIVÍSTICA DE EDMUNDO CARDOSO REGISTRO DE AUTORIDADE ARQUIVÍSTICA DE EDMUNDO CARDOSO 1 ÁREA DE IDENTIFICAÇÃO 1.1 Tipo de entidade Pessoa 1.2 Forma(s) autorizada(s) do Cardoso, Edmundo, 1917-2002 nome 2 ÁREA DE DESCRIÇÃO 2.1 Datas de

Leia mais

RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE INTELECTUAIS, IMPRENSA E DEVOTOS DE SANTOS REIS,

RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE INTELECTUAIS, IMPRENSA E DEVOTOS DE SANTOS REIS, RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE INTELECTUAIS, IMPRENSA E DEVOTOS DE SANTOS REIS, 1945-2002. UBERLÂNDIA/MG 2005 RICARDO VIDAL GOLOVATY CULTURA POPULAR: SABERES E PRÁTICAS DE

Leia mais

Palavras-chave: Formação e Profissionalização docente; Estado da arte; ANPEd

Palavras-chave: Formação e Profissionalização docente; Estado da arte; ANPEd A FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE: UM ESTUDO NO GRUPO DE TRABALHO 4 DIDÁTICA DA ANPED ENTRE 2002 E 2013 Belarmina Vilela Cruvinel Camila Alberto Vicente de Oliveira Universidade Federal de Goiás

Leia mais

Pensar a política do livro: dados estatísticos sobre o comportamento do leitor e o mercado editoral e livreiro em Minas Gerais

Pensar a política do livro: dados estatísticos sobre o comportamento do leitor e o mercado editoral e livreiro em Minas Gerais Pensar a política do livro: dados estatísticos sobre o comportamento do leitor e o mercado editoral e livreiro em Minas Gerais por Isa Maria Marques de Oliveira 1 1 Mestre em Estudos de Linguagens, Cefet/MG,

Leia mais

VER CLARO : uma leitura do projeto literário de augusto abelaira através de contribuições em periódicos de mídia impressa e de prefácios de livros

VER CLARO : uma leitura do projeto literário de augusto abelaira através de contribuições em periódicos de mídia impressa e de prefácios de livros Daniel Marinho Laks VER CLARO : uma leitura do projeto literário de augusto abelaira através de contribuições em periódicos de mídia impressa e de prefácios de livros Dissertação de Mestrado Dissertação

Leia mais

Pelo Fortalecimento das Relações Parlamentares Itália-Brasil

Pelo Fortalecimento das Relações Parlamentares Itália-Brasil GABINETE DO VEREADOR FLORIANO PESARO DATA: 3/06/2014 DISCURSO 15 Pelo Fortalecimento das Relações Parlamentares Itália-Brasil Sr. Presidente da Câmara Municipal, srs. Vereadores, telespectadores da TV

Leia mais

Obs. Todas as disciplinas relacionadas já são registradas e codificadas. Pertencem ao DFCH com Carga Horária - 60 horas Créditos: 2T1P.

Obs. Todas as disciplinas relacionadas já são registradas e codificadas. Pertencem ao DFCH com Carga Horária - 60 horas Créditos: 2T1P. Anexo DISCIPLINAS OPTATIVAS DO CURSO A) Disciplinas Optativas do Eixo da Formação Científico-Cultural FCH358 - Antropologia do Imaginário: Analisar a constituição do imaginário social, a partir de uma

Leia mais

Susana Maria Loureiro Restier Grijó Poças

Susana Maria Loureiro Restier Grijó Poças Susana Maria Loureiro Restier Grijó Poças PhD Candidate Former collaborator Research Line: Modern & Contemporary Philosophy Research Group: Aesthetics, Politics & Knowledge Email susanarestierpocas@gmail.com

Leia mais

Patrimônio Histórico. Tradicionalmente refere-se à herança composta por um complexo de bens históricos.

Patrimônio Histórico. Tradicionalmente refere-se à herança composta por um complexo de bens históricos. Patrimônio Histórico Tradicionalmente refere-se à herança composta por um complexo de bens históricos. Todavia, esse conceito vem sendo substituído pela expressão patrimônio cultural, que é muito mais

Leia mais

Rômulo Rafael Ribeiro Paura. Leituras do passado para a infância brasileira: Cultura histórica e livros de leitura ( ) Dissertação de Mestrado

Rômulo Rafael Ribeiro Paura. Leituras do passado para a infância brasileira: Cultura histórica e livros de leitura ( ) Dissertação de Mestrado Rômulo Rafael Ribeiro Paura Leituras do passado para a infância brasileira: Cultura histórica e livros de leitura (1909-1917) Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para

Leia mais

PROJETOS EDUCACIONAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

PROJETOS EDUCACIONAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA PROJETOS EDUCACIONAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA PROJETOS: Conceitos e fundamentos Prof. Me. Renato Borges Palavras-chave: projetos; fundamentos; educação básica. www.youtube.com/c/profrenatoborges www.professorrenato.com

Leia mais

Planaltina história e cultura

Planaltina história e cultura Planaltina história e cultura Planaltina Planaltina tem a peculiaridade de ser uma cidade no Planalto Central que antecede a construção de Brasília e traz em sua identidade características sertanejas.

Leia mais

DANÇA TRADICIONALISTA GAÚCHA: VALORIZAÇÃO DA CULTURA REGIONAL

DANÇA TRADICIONALISTA GAÚCHA: VALORIZAÇÃO DA CULTURA REGIONAL DANÇA TRADICIONALISTA GAÚCHA: VALORIZAÇÃO DA CULTURA REGIONAL Guzzi, Gustavo Andres 1 ; Rosetto, Wagner Jose 1 ; Bevilaqua, Cheila Aparecida 2 ; De Oliveira, Matias Marchesan²; Viecelli, Danieli²; Instituto

Leia mais

Igreja da Penha de França, vista da avenida Almirante Reis (c. 1900)

Igreja da Penha de França, vista da avenida Almirante Reis (c. 1900) Igreja da Penha de França, vista da avenida Almirante Reis (c. 1900) Projeto dirigido à população idosa e que tem como objetivo recuperar, preservar e divulgar histórias de vida, testemunhos, relatos e

Leia mais

ANEXO II. Guião de Entrevista de Episódio em Profundidade: Relatos de Vida

ANEXO II. Guião de Entrevista de Episódio em Profundidade: Relatos de Vida ANEXO II Guião de Entrevista de Episódio em Profundidade: Relatos de Vida CONSENTIMENTO INFORMADO A presente entrevista narrativa integra uma investigação a desenvolver no concelho de Lagoa, com o intuito

Leia mais

A Leitura Literária no Ensino Fundamental:

A Leitura Literária no Ensino Fundamental: A Leitura Literária no Ensino Fundamental: Possibilidades de trabalhos em sala de aula de Língua Portuguesa a partir de uma perspectiva de formação continuada do professor Profª Ms. Joyce Rodrigues Silva

Leia mais

Vídeo Áudio Tema Comentário imperdível (interno ao material)

Vídeo Áudio Tema Comentário imperdível (interno ao material) Número da fita: 0060 Título: Entrevista com João Olegário da Silva Festa do Arremate Mídia: Mini DV Time Code in out 00:04 00:52 Imagem de um senhor com roupa típica de folia. Vídeo Áudio Tema Comentário

Leia mais

2ª FEIRA 21 de janeiro INTRODUÇÃO. Vídeo REFLEXÃO ORAÇÃO SEGUE-ME! ESTOU CONTIGO NA AMIZADE COM JESUS!

2ª FEIRA 21 de janeiro INTRODUÇÃO. Vídeo REFLEXÃO ORAÇÃO SEGUE-ME! ESTOU CONTIGO NA AMIZADE COM JESUS! 2ª FEIRA 21 de janeiro INTRODUÇÃO Bom dia! Esta semana ouviremos falar de amizade. Mas, antes de mais, vamos escutar o que alguns de nós pensam sobre este tema. Vídeo O vídeo está disponível na pasta _BomDiaDiario

Leia mais

Revista Tempo e Argumento E-ISSN: Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil

Revista Tempo e Argumento E-ISSN: Universidade do Estado de Santa Catarina. Brasil Revista Tempo e Argumento E-ISSN: 2175-1803 tempoeargumento@gmail.com Universidade do Estado de Santa Catarina Brasil dos Santos Gianelli, Carlos Gregório. FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. As estórias a

Leia mais

JORNADA RESERVA LITERÁRIA CONTOS CARIOCAS MARTA MAU-OLHADO CURADOR: JOSÉ DE PAULA RAMOS JR.

JORNADA RESERVA LITERÁRIA CONTOS CARIOCAS MARTA MAU-OLHADO CURADOR: JOSÉ DE PAULA RAMOS JR. JORNADA RESERVA LITERÁRIA CONTOS CARIOCAS MARTA MAU-OLHADO CURADOR: JOSÉ DE PAULA RAMOS JR. Com o objetivo de lançar a coleção Reserva Literária e discutir o processo que subjaz à construção do cânone

Leia mais

A CULTURA ESCOLAR NA ACADEMIA DA POLÍCIA CIVIL DE SANTA CATARINA ( ) 1

A CULTURA ESCOLAR NA ACADEMIA DA POLÍCIA CIVIL DE SANTA CATARINA ( ) 1 1 A CULTURA ESCOLAR NA ACADEMIA DA POLÍCIA CIVIL DE SANTA CATARINA (1967-1977) 1 Educação, Linguagem e Memória Maria Aparecida Casagrande 2 Introdução O presente trabalho problematiza a cultura escolar

Leia mais

Frederico João Bertrand Cavalcante de Oliveira

Frederico João Bertrand Cavalcante de Oliveira Frederico João Bertrand Cavalcante de Oliveira O Delfim de José Cardoso Pires e os mecanismos formais de um escritor para ler a realidade do seu tempo Dissertação de mestrado Dissertação apresentada como

Leia mais

CURRÍCULOS E PROGRAMA

CURRÍCULOS E PROGRAMA CURRÍCULOS E PROGRAMA CURRÍCULO: Conceitos e fundamentos Prof. Me. Renato Borges Palavras-chave: currículo, fundamentos; educação básica. www.youtube.com/c/profrenatoborges www.professorrenato.com contato@professorrenato.com

Leia mais

TRABALHO DE CAMPO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: AULA TEÓRICO- PRATICA EM ESPAÇOS ALÉM DA SALA DE AULA.

TRABALHO DE CAMPO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: AULA TEÓRICO- PRATICA EM ESPAÇOS ALÉM DA SALA DE AULA. TRABALHO DE CAMPO NO ENSINO DE GEOGRAFIA: AULA TEÓRICO- PRATICA EM ESPAÇOS ALÉM DA SALA DE AULA. Brunno da Silva Ferreira Matos (IC)* brunnoopala@hotmail.com Uelinton Barbosa Rodrigues (PQ) Alexsander

Leia mais

Mais do que um retrato

Mais do que um retrato Faculdade Cásper Líbero Mais do que um retrato Os detalhes nas personagens de Van Dick Luciana Fernandes dos Reis 2º JO D História da Arte Jorge Paulino São Paulo/ 2009 A Marquesa Lomellini e os Filhos

Leia mais

REFLEXÕES INICIAIS SOBRE LETRAMENTO

REFLEXÕES INICIAIS SOBRE LETRAMENTO REFLEXÕES INICIAIS SOBRE LETRAMENTO Jéssica Caroline Soares Coelho 1 Elson M. da Silva 2 1 Graduanda em Pedagogia pela UEG- Campus Anápolis de CSEH 2 Doutor em Educação e docente da UEG Introdução O objetivo

Leia mais

HISTORIOGRAFIA EM TRABALHO E EDUCAÇÃO

HISTORIOGRAFIA EM TRABALHO E EDUCAÇÃO HISTORIOGRAFIA EM TRABALHO E EDUCAÇÃO O termo historiografia significa a graphia ou a escrita da história. Seus significados correntes são a arte de escrever a história e os estudos históricos e críticos

Leia mais

PROJETO DE PESQUISA PARA INICIAÇÃO CIENTÍFICA

PROJETO DE PESQUISA PARA INICIAÇÃO CIENTÍFICA PROJETO DE PESQUISA PARA INICIAÇÃO CIENTÍFICA O Gênero Resenha Literária nas Crônicas de Olavo Bilac publicadas na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro Beatriz Cristine Honrado (NºUSP: 9305799) Orientador:

Leia mais

APRESENTAÇÃO. Emblemas - Revista do Departamento de História e Ciências Sociais - UFG/CAC 9

APRESENTAÇÃO. Emblemas - Revista do Departamento de História e Ciências Sociais - UFG/CAC 9 APRESENTAÇÃO Os estudos e pesquisas acerca do tema da memória já há muito tempo perpassa por várias áreas do conhecimento. Mais do que investigações vagas, a valorização deste campo de estudos tem se tornado

Leia mais

José Veranildo Lopes da COSTA JUNIOR 1 Josilene Pinheiro MARIZ 2

José Veranildo Lopes da COSTA JUNIOR 1 Josilene Pinheiro MARIZ 2 124 LOPES, Paulo Henrique Moura. A LEITURA DE OBRAS LITERÁRIAS NOS CURSOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA: DE JUSTIFICATIVA PARA AVALIAÇÃO ORAL A UM USO EFICAZ PARA O FOMENTO DA COMPETÊNCIA LEITORA. Dissertação

Leia mais

OS DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO NAS PROPAGANDAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS

OS DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO NAS PROPAGANDAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS Anais do VIII Seminário dos Alunos dos Programas de Pós-Graduação do Instituto de Letras da UFF Estudos de Linguagem OS DISCURSOS SOBRE EDUCAÇÃO NAS PROPAGANDAS GOVERNAMENTAIS BRASILEIRAS Milene Maciel

Leia mais

O SUJEITO MÍNIMO DO SALÁRIO: OS DISCURSOS E AS REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO E DO TRABALHADOR NA CRIAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO NO BRASIL ( )

O SUJEITO MÍNIMO DO SALÁRIO: OS DISCURSOS E AS REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO E DO TRABALHADOR NA CRIAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO NO BRASIL ( ) O SUJEITO MÍNIMO DO SALÁRIO: OS DISCURSOS E AS REPRESENTAÇÕES DO TRABALHO E DO TRABALHADOR NA CRIAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO NO BRASIL (1920-1940) Modalidade: ( ) Ensino ( X ) Pesquisa ( ) Extensão Nível: (

Leia mais