FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DE MILLER FISCHER
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1 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DE MILLER FISCHER Artigos científicos Physical Therapy In Miller Syndrome Fischer A Case Report Thiago Gonçalves Brito1 Fisioterapeuta, pós-graduado em Fisioterapia Respiratória pela Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCM-MG) e graduação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Correspondência Rua Gualter Duarte, nº. 349, Bairro José Brandão, em Caeté- MG , Brasil. thiagocaete@yahoo.com.br Recebido em 14/julho/2016 Aprovado em 14/julho/2016 RESUMO A síndrome de Miller Fisher, considerada uma neuropatia multifocal, cursa com a tríade: ataxia, oftalmoplegia e arreflexia. Diversas variações desta tríade já foram descritas, com ênfase nos sintomas que incluem também disbasia, astasia e ataxia de tronco. Esta síndrome é uma variante benigna da síndrome de Guillain-Barré, por sua vez, classificada como uma doença desmielinizante aguda inflamatória e autoimune que acomete o sistema nervoso periférico. O presente estudo descreve a recuperação de um paciente acometido pela síndrome, que apresentou melhora significativa em 2 meses de tratamento, com sessões de fisioterapia diárias e acompanhamento com fonoaudiologia, neurologia e oftalmologia. ABSTRACT Miller Fisher syndrome, considered a multifocal neuropathy progresses with the triad of ataxia, ophthalmoplegia and areflexia. Several variations of this triad have been described, with emphasis on symptoms that include disbasia, astasia and trunk ataxia. This syndrome is a benign variant of Guillain -Barre syndrome, in turn, classified as acute inflammatory demyelinating disease, and an autoimmune disorder affecting the peripheral nervous system. This study describes the recovery of a patient affected by the syndrome, which showed significant improvement in 2 months of treatment with daily physical therapy sessions and follow up with speech therapy, neurology and ophthalmology. Keyword: Miller Fisher syndrome; Physiotherapy; Exercises. INTRODUÇÃO A síndrome de Miller Fisher é uma desordem rara, esporádica, caracterizada por oftalmoparesia, ataxia e arreflexia, tendo sido descrita pela
2 primeira vez por Fisher no ano de 19561,2. O acometimento do segundo nervo craniano foi descrito em poucos casos, sugerindo envolvimento associado do sistema nervoso central (SNC) na patogênese desta síndrome 3,4. A doença é a variante mais frequente da Síndrome de Guillain-Barré (SGB)1, afetando 5% (cinco por cento) dos pacientes com SGB2. A aparição da sintomatologia da SMF ocorre frequentemente entre a 1ª e 2ª semana após um episódio de infecção respiratória ou digestiva7 que está comumente relacionada com bactérias e vírus, sendo eles: Campylobacter Jejuni, Haemophilus Influenzae, Citomegalovírus, Mycoplasma Pneumoniae, vírus de Epstein-Barr, vírus da Imunodeficiência Adquirida e Staphylococcus Aureus5, 6. Sua incidência anual é considerada baixa, de 0,09 (nove centésimos) por (cem mil) habitantes, afetando pacientes com idade entre 13 e 78 anos, sendo mais comum aos 40 anos e prevalente no sexo masculino com uma relação de 2:1. Na anamnese, em cerca de 70% (setenta por cento) dos casos, encontrou-se história de infecção do trato respiratório ou mesmo do trato gastrintestinal4. O diagnóstico é estabelecido por meio da anamnese, que visa algum quadro infeccioso antecedente e do quadro clínico, normalmente caracterizado pela tríade, além de estudo citológico do Líquido Cefalorraquidiano (LCR), sorologias (HIV, Epstein-Barr, citomegalovírus), Ressonância Magnética Nuclear (RMN), Eletroneuromiografia (ENMG) e estudo imunológico para anticorpos antiantígenos7, 8,9. Durante as duas últimas décadas, diversos estudos têm dado destaque aos mecanismos autoimunes envolvendo as neuropatias periféricas. O alvo do sistema imunológico parece realmente ser os gangliosídeos. Apesar de muita pesquisa, ainda não se conseguiu compreender por completo os mecanismos que desencadeiam a produção de autoanticorpos contra estes gangliosídeos: o que se questiona ainda é se realmente esses anticorpos iniciam a doença ou se há outro fator que a precipite e, na presença desses anticorpos, o processo lesivo às fibras nervosas se instale10, 11. Na grande da maioria dos casos a recuperação se inicia com quatro semanas contadas a partir do quadro clínico. Aproximadamente 80% (oitenta por cento) dos pacientes apresentam recuperação completa em alguns meses ou até anos uma pequena porção continua a apresentar hiporreflexia ou arreflexia. Em 5% (cinco por cento) a 10% (dez por cento) dos casos há déficit permanente devido à incapacidade de regeneração axonal. A taxa de mortalidade mundial está em torno de 2% (dois por cento) a 3% (três por cento). Em 5% (cinco por cento) a 10% (dez por cento) dos casos podem ocorrer recaídas, sendo denominadas polineuropatia inflamatória desmielinizante crônica12, 13. MÉTODO A coleta dos dados foi realizada por meio de busca ativa ao prontuário eletrônico e entrevista com o paciente no período entre agosto e novembro do ano de No momento da entrevista foi garantido ao paciente o sigilo e o anonimato, a orientação de que não havia nenhum ônus ou dano ao seu tratamento. Foi solicitada, também, sua participação e concordância mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). CASO O presente relato descreve o caso de um paciente de 54 (cinquenta e quatro) anos, sexo masculino, com diagnóstico clínico de Síndrome de Miller
3 Fisher internado no Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte Minas Gerais. Os sintomas foram instalados, frequentemente, entre a 1ª e 2ª semana após uma infecção respiratória ou digestiva. A coleta de dados e o acompanhamento da fisioterapia foram realizados no período entre agosto e novembro de 2015, por meio de prontuário eletrônico, entrevista e acompanhamento fisioterapêutico, bem como realização de levantamento bibliográfico referente à patologia para posterior análise comparativa. No dia 31 de julho de 2015, o paciente apresentou quadro de diplopia e sensação de desequilíbrio. Estava em tratamento para sinusite a 2 dias com uso de amoxilina e história pregressa de DM e blefarite. Procurou os serviço no dia 01 de agosto e, desde essa data, o quadro evoluiu com ataxia apendicular e de tronco, ptose palpebral progressiva, parestesia distais nos 4 (quatro) membros, oftalmoplegia completa e midriase nao fotoreativa. No dia 03 de agosto o paciente foi encaminhado para o CTI para melhor monitorização do quadro e também devido a uma imagem de dissecção de artéria vertebral esquerda. Neste mesmo dia foi inciado o uso de imunoglobulina 35g/dia por 5 (cinco) dias. No dia 04 de agosto foi coletado o Liquor para análise e no dia seguinte o resultado mostrou uma proteinorraquia e pleocitose. Desde o primeiro dia de internação o paciente teve acompanhamento com a fisioterapia, com sessões diárias, realizadas com alongamentos, exercícios ativos-assistidos, treino de transferência, trabalho de tronco e tentativas de ortostatismo e deambulação. No dia 14 de agosto o paciente teve alta hospitalar e no dia 17 iniciou fisioterapia domiciliar, mantendo as sessões diárias além do acompanhamento de fonoaudiologia 3 (três) vezes por semana, neurologia e oftalmologia. As sessões de fisioterapia foram realizadas em domicilio, diariamente, com duração de 1 (uma) hora, alterando o local do atendimento entre o domicilio, a academia do condomínio e caminhadas em ambiente aberto nas ruas próximas ao apartamento do paciente. No início do acompanhamento as sessões foram realizadas no quarto do paciente com alongamentos gerais, treino de transferência de deitado para sentado e de pé, exercícios ativos para mmii e mmss com carga de 0,5 kg, exercícios de ponte, exercícios sentado para tronco e alguns exercícios para ganho de equilíbrio e coordenação. À medida que o tempo foi passando, o paciente ganhou força e equilíbrio, e os exercícios evoluíram com aumento de carga para 1 kg e início de treino de marcha sem apoio. As sequelas mais importantes foram a ataxia, diplopia, hemioftalmoplegia e a redução da força muscular. O paciente fez uso, ainda, da academia do condomínio, com utilização do espaldar para alongamentos gerais, bicicleta ergométrica para ganho e manutenção de condicionamento físico e exercícios ativos para mmss e mmii, com ganho gradativo de sobrecarga com os pesos. O equilíbrio do paciente evoluiu, porém evidenciou-se a necessidade de apoio para atividades mais complexas como subir e descer degraus, saltar e realizar exercícios em cama elástica. Após 1 (um) mês de acompanhamento o paciente apresentou melhora da força, da ataxia e do equilíbrio, mas constatou-se a necessidade de melhora em situações de instabilidade postural, na medida em que o paciente ainda apresentava diplopia e parestesia na região do tronco. No 2º mês o paciente
4 deambulou sozinho, apesar de as sequelas ditas anteriormente ainda estarem presentes. Entretanto, realizava atividades de vida diárias. As sessões de fisioterapia focaram em ganho de equilíbrio e coordenação. No final desse mês o paciente já tolerava saltar, subir e descer degraus tanto de frente como de costas e pequenas corridas em velocidade baixa e sem obstáculos. Após os 2 (dois) meses de tratamento fisioterapêutico, o paciente apresentou melhora completa da força muscular, da ataxia, da diplopia/oftalmoplegia, do equilíbrio/coordenação, da marcha e após 15 (quinze) dias voltou ao trabalho. A única sequela, mesmo sendo mínima, foi a parestesia no tronco DISCUSSÃO O paciente era portador de uma dissecção de artéria vertebral esquerda e fazia tratamento para sinusite e estes fatores podem ter influenciado para o diagnóstico tardio da SMF. O diagnóstico diferencial da SMF foi mediante os seguintes exames: punção lombar onde restou evidenciada dissociação proteíno-citológica; por meio da RMN se descartou uma possível lesão na região encefálica e na ENMG constatou-se a perda total da condução nervosa motora e dos reflexos motores. Segundo Marcial e colaboradores4, a terapêutica deve ser iniciada duas semanas após surgimento dos sintomas. Uma vez iniciado o tratamento, a recuperação completa se dá em um período de 3 (três) a 6 (seis) meses6,8. A terapêutica neste paciente foi instituída 3 dias após o diagnóstico e 25 (vinte e cinco) dias após sua internação, sendo a plasmeferese o tratamento de escolha dentre os três tipos terapêuticos (plasmaferese, imunoglobulina e corticóides) listados na literatura. Este tratamento foi selecionado devido ao quadro de IRC e ao risco de cardiotoxicidade oriunda de uma endocardite. Apesar do diagnóstico e tratamento tardios o paciente apresentou melhora significativa da força muscular, da marcha, da deglutição e da fala. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudos relacionados com a fisioterapia e a síndrome de Miller Fischer são escassos e relatos de casos envolvendo o tratamento não foram encontrados. Importa ressaltar e enaltecer a imprescindibilidade do acompanhamento da fisioterapia durante todo o tratamento, desde a fase hospitalar até a fase ambulatorial e alta. O tratamento do paciente relatado neste artigo apresentou evolução satisfatória a partir da introdução da imunoglobulina, com melhora gradativa da ataxia. Portanto, possibilitou rendimento nos exercícios de força muscular, alongamentos e treino de transferência, tronco e de marcha. O paciente evoluiu muito bem em relação aos alongamentos (ganho de ADM), força muscular e controle de tronco, porém a marcha apresentou maior dificuldade devido a presença de dor e parestesia na região do tronco e da ofltalmoplegia, diplopia e queda da pálpebra. Essas alterações visuais fizeram com que o paciente apresentasse muita dificuldade para deambular, principalmente em situações que o levasse a instabilidades como subir e descer degraus, deambular em ambientes íngrimes, momentos onde houve necessidade de se desviar de objetos, pessoas, bem como se exigiu alteração da posição da cabeça do paciente de forma a retirar o ponto fixo onde olhava. A reabilitação do paciente apresentou dois momentos importantes. A introdução da imunoglobulina melhorou muito a força muscular e a marcha, as questões visuais para fins de equilíbrio, coordenação e a capacidade de lhe dar em ambientes
5 instáveis também foram satisfatórias. Tolerou, ainda, início de corrida sem alterações do equilíbrio. São necessários novos estudos, principalmente com foco na fisioterapia e no tratamento da Síndrome de Miller Fischer, visto que esta patologia apresenta sinais e sintomas variados onde os pacientes acometidos não apresentam a mesma sintomatologia na sua qualidade e quantidade. Portanto, cada paciente deve ser diagnosticado individualmente, porque uns apresentam sintomas mais intensos que outros e isso pode alterar toda a evolução ou involução do tratamento fisioterapêutico. REFERÊNCIAS 1. Fisher M. An unusual variant of acute idiopathic polyneuritis (syndrome of ophthalmoplegia, ataxia and areflexia). N Engl J Med 1956;255: Arnason BGW, Soliven B. Acute inflammatory demyelinating polyradiculoneuropathy. In Dick JP, Thomas PK, Griffin JW, Low PA, Poduslo JF (eds). Peripheral neurophathy. 3. Ed. Philadelphia: Saunders, 1983: Toshniwal P. Demyelinating optic neuropathy with Miller Fisher syndrome: the case for overlap syndromes with central and peripheral demyelination. J Neurol 1987;234: Ouhabi H, Bourazza A, Rouimi A, Boutaleb N, Mosseddaq R. Névrite optique bilatérale et atteinte ponto-mésencéphalique à l IRM au cours d un syndrome de Miller-Fisher. Rev Neurol (Paris) 1998;154: Paparounas K. Anti-GQ1b ganglioside antibody in peripheral nervous system disorders: pathophysiologic role and clinical relevance. Arch Neurol 2004;61(7): Uranga JJR, López FD, Macías EF, Arjona MBS, Quesada CM, García AP. Síndrome de Miller-Fisher: hallazgos clínicos, infecciones asociadas y evolución en 8 pacientes. Med Clin (Barc) 2004; 122(6): Blanco-Marchite CI, Buznego-Suárez L, FagúndezVargas MA, Méndez-Lltas M, Pozo-Martos P. Síndrome de Miller Fisher, oftalmoplejía interna y externa tras vacunación antigripal. Arch Soc Esp Oftalmol 2008; 83: Marcial ES, Aldana EEC, Emmanuel FG, Mario JH, Benítez RH, Orta DSJ et al. Síndrome de Miller Fisher. Arch Neurocien (Mex) 2007; 12(3): Zúñiga AS, Loyola MAA, Guevara OA. Síndrome de Miller Fisher: Reporte de dos casos manejados con plasmaféresis. Rev Sanid Milit Mex 2000 Mar-Abr; 54(2):
6 10. Deodhar A, Allen E, Daoud K, et al. Vasculitis secondary to staphylococcal protein A immunoadsorption (Prosorba column) treatment in rheumatoid arthritis. Semin Arthritis Rheum 2002;32(1): Willison HJ, Townson K, Veitch J, et al. Synthetic disialylgalactose immunoadsorbents deplete anti-gq1b antibodies from autoimmune neurophaty sera. Brain 2004;127(Pt 3): Griffin JW, Li CY, Ho TW, et al. Guillain-Barré syndrome innorthern China. The spectrum of neuropathological changes in clinically defined cases. Brain 1995;118(Pt 3): McKhann GM, Cornblath DR, Ho T. Clinical and electrophysiological aspects of acute paralytic disease of children and young adults in northern China. Lancet 1991;338(8767):
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