Relato de Caso Síndrome Miller Fisher

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1 RELATO DE CASO Relato de Caso Síndrome Miller Fisher Miller Fisher Syndrome A Case Report Bruna Pla Pujades dos Santos 1 Luz Marina Alfonso Dutra 2 1 Programa de Residência de Enfermagem em Clínica Cirúrgica do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília DF, Brasil. 2 Enfermagem em Clínica Médica do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília DF, Brasil. RESUMO O presente relato descreve o caso do paciente, 18 anos, sexo masculino, com diagnóstico clínico de Síndrome de Miller Fisher internado em um Hospital Escola do Distrito Federal. Esta síndrome é caracterizada pela tríade clássica de oftalmoplegia, ataxia e arreflexia. Ocorre por meio de mimetismo celular contra antígenos presentes nas bainhas de mielina dos nervos cranianos e periféricos, acarretando na degradação destes e a instalação da tríade. Estes sintomas são instalados, frequentemente, entre a 1.ª e 2.ª semana após uma infecção respiratória ou digestiva. A coleta de dados foi realizada, no período entre agosto e setembro de 2010, por meio de prontuário eletrônico e entrevista, bem como realizado o levantamento bibliográfico referente à patologia para posterior análise comparativa. Não foi evidenciado nenhum relato de cuidados de enfermagem voltado a este paciente, mas apenas o cumprimento da prescrição médica. Faz-se necessária a implementação da sistematização da assistência em enfermagem neste paciente, pois visa além dos cuidados voltados à sintomatologia e ao tratamento, como também a aplicação dos conhecimentos técnico-científicos do enfermeiro frente a esta patologia. Palavras-chave: Síndrome de Miller Fisher; Ataxia; Arreflexia; Oftalmoplegia Correspondência Bruna Pla Pujades dos Santos QE 03 Bloco B4 Apartamento 302, Lúcio Costa, Brasília-DF , Brasil. brunapla@gmail.com Recebido em 01/setembro/2011 Aprovado em 06/março/2012 ABSTRACT This report describes the patient, 18 year old, male, with a clinical diagnosis of Miller Fisher Syndrome in Hospital Escola do Distrito Federal. This syndrome is characterized by the classic triad: ophthalmoplegia, ataxia and areflexia. The illness occurs via cell mimicry against antigens present in myelin sheaths of cranial and peripheral nerves, leading to degradation and the installation of the triad. These symptoms are often installed between the 1st and 2nd week following a respiratory or digestive infection. Data collection took place between August and September 2010 by digital medical records and interviews, as well as 157

2 Santos BPP, Dutra LMA literature review based on a comparative analysis. No reports of nursing care to this patient were found, but solely the compliance to the medical prescription. It is necessary to implement the systematization of nursing care this case, once the systematization aims not only the care of symptoms and treatment, but also the application of technical knowledge of the nurse facing this disorder. Keywords: Miller Fisher Syndrome; Ataxia; Areflexia; Ophthalmoplegia INTRODUÇÃO A Síndrome de Miller Fisher (SMF) é a variante mais frequente da Síndrome de Guillain-Barré (SGB) 1, afetando 5% dos pacientes com SGB 2. A SMF foi descrita pela primeira vez por Fisher em 1956, caracterizada pela tríade clássica de oftalmoplegia, ataxia e arreflexia 3. A aparição da sintomatologia da SMF ocorre frequentemente entre a 1.ª e 2.ª semana após um episódio de infecção respiratória ou digestiva 1 que está comumente relacionada com bactérias e vírus, sendo eles: Campylobacter jejuni, Haemophilus influenzae, citomegalovírus, Mycoplasma pneumoniae, vírus de Epstein-Barr, vírus da imunodeficiência adquirida e Staphylococcus aureus 4,5. Sua incidência anual é baixa de 0,09 por habitantes, afetando pacientes com idade entre 13 e 78 anos, sendo mais comum aos 40 anos e prevalente no sexo masculino com uma relação de 2:1 4. Esta variante é uma enfermidade aguda paralítica autoimune desmielinizante, causada pelo acometimento dos nervos cranianos e periféricos 1,6. Este ocorre por meio do fenômeno de mimetismo celular que atuará contra os antígenos GQ1b, GD3 e GT1a presentes nas bainhas de mielina destes nervos, ocorrendo sua degradação e a instalação da tríade 4,7,8. O diagnóstico é estabelecido por meio da anamnese, que irá visar algum quadro infeccioso antecedente, e do quadro clínico, normalmente caracterizado pela tríade, além de estudo citológico do Líquido Cefalorraquidiano (LCR), sorologias (HIV, Epstein-Barr, citomegalovírus), Ressonância Magnética Nuclear (RMN), Eletroneuromiografia (ENMG) e estudo imunológico para anticorpos antiantígenos 1,4,9. A medida terapêutica será instituída mediante escolha médica, levando em conta o quadro clínico e as possíveis contraindicações que o paciente venha apresentar. A administração de imunoglobulina endovenosa 1, sessões de plasmaferese 9 e uso de corticóides 7 são os métodos mais utilizados para o tratamento desta síndrome, bem como medidas complementares 8 como o suporte nutricional, respiratório, fisioterápico e a assistência de enfermagem. A implementação da assistência de enfermagem aos pacientes portadores desta síndrome tem como objetivos, além dos cuidados voltados à sintomatologia e ao tratamento, aplicar os conhecimentos técnico-científicos e proporcionar uma melhor qualidade de vida e a humanização destes cuidados prestados. MÉTODO A coleta dos dados foi realizada por meio de busca ativa ao prontuário eletrônico e entrevista com o paciente no período entre agosto e setembro de No momento da entrevista foi garantido ao paciente o sigilo e o anonimato, a orientação de que não haveria nenhum ônus ou dano ao seu tratamento e solicitando sua participação e concordância mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 158

3 Síndrome Miller Fisher RELATO DE CASO Paciente, sexo masculino, 18 anos de idade, pardo, estudante, solteiro, natural de Pernambuco e procedente do Cruzeiro-Distrito Federal (DF). Admitido na emergência de um hospital público do DF no dia 5 de julho de 2010 com história de vertigens há três meses e anorexia, náuseas, vômitos e picos hipertensivos há dois. Alega ter feito uso, um mês antes do início dos sintomas, de suplemento alimentar com creatina. Apresentou no ingresso creatinina: 21 mg/dl, uréia: 325 mg/ dl, CPK: 1248 U/ml, DHL: 945 U/L, amilase: 344 U/L; CKMB: 35 U/L; cálcio: 6,3 mg/dl; glicose: 80 mg/dl; sódio: 135 meq/l; potássio: 4,8 meq/l; hemoglobina: 11,2 g/dl; hematócrito: 33,4%, sendo indicado diálise de urgência. A indisponibilidade de leitos na UTI deste hospital propiciou sua transferência, via regulação de leitos de UTI, para um hospital conveniado do SUS. No dia seguinte de sua internação, foi admitido em hospital particular onde estava consciente e orientado, respirando em ar ambiente, hemodinamicamente estável sem aminas, com acesso venoso periférico, astênico e taquidispneico. Foi realizada punção de cateter duplo lúmen e iniciada a hemodiálise. Após a detecção de sopro cardíaco foi iniciada cobertura empírica para endocardite, com vancomicina e gentamicina. A endocardite e o sopro cardíaco foram confirmados com ecocardiograma e culturas posteriormente. Três dias após a internação evoluiu com edema agudo de pulmão e insuficiência respiratória, sendo intubado e mantido em ventilação mecânica. No terceiro dia de intubação foi suspensa sedação para avaliação neurológica e programação de desmame ventilatório. Cliente foi autoextubado e mantido em Máscara de Venturi apresentando boa saturação. Cinco dias após extubação, evoluiu com hipóxia e taquidispnéia sendo novamente intubado e reiniciada sedação. Foi realizada a substituição de gentamicina por piperacilina sódica e tazobactam sódico (Tazocin ) devido a uma pneumonia em lobo esquerdo diagnosticada pela tomografia computadorizada de tórax. Constatou-se no dia 20 de julho melhora radiológica e gasométrica, sendo extubado novamente e evoluiu com bom padrão respiratório e hemodinâmica estável nesse momento. Posteriormente devido à incapacidade de expansibilidade pulmonar relacionado à patologia de base evoluiu com atelectasia total de pulmão esquerdo sendo realizadas manobras de reexpansão e ventilação não-invasiva obtendo boa resposta. Sete dias após a extubação foi constatado que o paciente evoluiu com a perda total da força muscular e arreflexia, associada a alterações como a oftalmoplegia, disfagia, disfasia e disartria, sendo levantada a hipótese diagnóstica de Síndrome de Miller Fisher. Foi confirmada posteriormente com os resultados da punção lombar, ressonância magnética de crânio e eletroneuromiografia. Apesar do diagnóstico tardio - 25 dias após o começo dos sintomas -, foi implementado o tratamento com plasmaferese, pois havia contraindicações de imunoglobulina e corticosteróides devido ao quadro de insuficiência renal crônica e o risco de cardiotoxicidade. Após a primeira sessão de plasmaferese apresentou melhora do quadro neuromotor e melhora da fala. Foram concluídas cinco sessões até o dia 9 de agosto, apresentando melhora da deglutição e começando a dar poucos passos com apoio. Após o início da hemodiálise diária e o tratamento com as sessões de plasmaferese, o paciente apresentou melhora clínica e paraclínica com referência dos exames mostrados na tabela 1, a seguir: Tabela 1 Exames laboratoriais do paciente. Resultados Cloro 97,7 meq/l Cálcio iônico 1,18 mmol/l Magnésio 1,77 mg/dl Fósforo 3,65 mg/dl Glicose 152 mg/dl Uréia 120 mg/dl Creatinina 4,73 mg/dl Sódio 135 meq/l Potássio 5,2 meq/l Hemácias 3,60 milhões/mm 3 Hemoglobina 10,60 g/dl Hematócrito 31% Leucócitos /mm 3 Bastonetes 7/mm 3 Segmentados 72/mm 3 Linfócitos 18/mm 3 Plaquetas /mm 3 159

4 Santos BPP, Dutra LMA Histórico de Medicamento Fez uso das seguintes medicações no hospital particular, apresentadas na tabela 2. Tabela 2 Histórico de medicações do paciente. Histórico de Medicações SF 0,9% 50ml ACM Losartan 100mg SNE 12/12h Atensina 0,1mg SNE 8/8h Norvasc 5 mg SNE 12/12h Seloken 50 mg 1/2comp SNE 1x/dia Pantozol 40 mg 1x/dia EV Plasil 10mg Novalgina 3ml 6/6h EV Plamet 1 amp. 6/6h EV Solucortef 100mg Kanakion 1 amp. 1x/dia EV Fluimucil 600mg Gluconato de cálcio 10% (10ml) + SF 0,9% 10ml Floratil 200mg SNE 8/8h Tiorfan 1 comp. SNE 8/8h Eprex 4000UN 1x/sem SC DISCUSSÃO A SMF é uma polirradiculopatia monofásica inflamatória autoimune 1,9, resultante da desmielinização dos nervos cranianos e periféricos. Esta acarretará na diminuição dos reflexos e da força muscular, paralisia parcial ou completa dos músculos do olho, dificuldade na deglutição, perturbação da linguagem e perda da coordenação e equilíbrio motor 1,3. Segundo Blanco, Marcial e colaboradores 1,4, o tempo de manifestação da tríade ocorre entre a 1.ª e 2.ª semanas após a instalação de uma infecção digestiva ou respiratória. Esta síndrome atinge pacientes com idade entre 13 e 78 anos, sendo mais comum aos 40 anos e prevalente no sexo masculino 4. O paciente, no dia de sua internação, apresentou em seus exames laboratoriais indicadores do início da SMF e Insuficiência Renal, tais como o aumento de Creatina Fosfoquinase (CPK), Desidrogenase Lática (DHL), Creatinina e Uréia e diminuição de hematócritos e hemoglobinas. Posteriormente foi confirmada Insuficiência Renal Crônica (IRC) e submetido à hemodiálise. Foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), evoluiu com o quadro de pneumonia em pulmão esquerdo diagnosticado por tomografia computadorizada. Assim como relatado na literatura, foram constatadas a infecção respiratória e o aparecimento de oftalmoplegia, ataxia, disfasia, disartria, disfagia e arreflexia, após 11 dias do diagnóstico desta pneumonia necessitando de sedação e intubação. Este fator pode ter influenciado para o diagnóstico tardio da SMF relacionado às complicações respiratórias que necessitaram de sedação e intubação. O diagnóstico diferencial da SMF foi mediante os seguintes exames: punção lombar onde foi evidenciada dissociação proteíno-citológica, por meio da RMN se descartou uma possível lesão na região encefálica e na ENMG constatou-se a perda total da condução nervosa motora e dos reflexos motores. Segundo Marcial e colaboradores 4, a terapêutica deve ser iniciada duas semanas após surgimento dos sintomas. Uma vez tendo iniciado o tratamento, a recuperação completa se dá em um período de 3 a 6 meses 4,5. A terapêutica neste paciente foi instituída 3 dias após o diagnóstico e 25 dias após sua internação, sendo a plasmeferese o tratamento de escolha dentre os três tipos terapêuticos (plasmaferese, imunoglobulina e corticóides) listados na literatura. Este tratamento foi selecionado devido ao quadro de IRC e ao risco de cardiotoxicidade, oriunda de uma endocardite. Apesar do diagnóstico e tratamento tardio o paciente apresentou melhora significativa da força muscular, da marcha, da deglutição e da fala. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Sistematização da Assistência de Enfermagem neste paciente é o modelo ideal para que o enfermeiro aplique seus conhecimentos técnicos científicos na prática assistencial, favorecendo o cuidado e a organização das condições necessárias para que ele seja realizado 10. O papel do enfermeiro no plano de cuidados aos pacientes portadores da SMF é voltado à sintomatologia e as complicações que estes venham a desenvolver, bem como sua recuperação e qualidade de vida. A adoção visa proporcionar a melhora no padrão respiratório, fortalecimento muscular, deglutição, dicção e ansiedade. Além destes, é importante o trabalho da assistência de enfermagem prestada aos pacientes submetidos ao tratamento com plasmaferese, pois este, assim como qualquer outro tratamento invasivo, tem riscos e complicações potenciais. 160

5 Síndrome Miller Fisher Apesar da importância da sistematização no cuidado deste paciente, não foi observado no prontuário, os registros dos cuidados sistematizados pelo enfermeiro e sim apenas os registros de cumprimento da prescrição médica. Há necessidade de oferecer um cuidado desvinculado do modelo biomédico, que assista o ser humano de forma integral, atendendo suas necessidades biopsicossociais e espirituais, acreditamos já que o tratamento indicado mediante a prescrição médica e a tecnologia encontrada não são suficientes. REFERÊNCIAS 1. Blanco-Marchite CI, Buznego-Suárez L, Fagúndez- Vargas MA, Méndez-Lltas M, Pozo-Martos P. Síndrome de Miller Fisher, oftalmoplejía interna y externa tras vacunación antigripal. Arch Soc Esp Oftalmol 2008; 83: Yerdelen D, Kucugoz U, Karatas M. Association between acute motor axonal neuropathy and ophthalmoplegia during pregnancy. Journal of Clinical Neuroscience. 2011; 18: Fisher M. An unusual variant of acute idiopathic polineuritis (Syndrome of Ophthalmoplegia, Ataxia and Areflexia). N Engl J Med Jul 12; 255(2): Marcial ES, Aldana EEC, Emmanuel FG, Mario JH, Benítez RH, Orta DSJ et al. Síndrome de Miller Fisher. Arch Neurocien (Mex) 2007; 12(3): Uranga JJR, López FD, Macías EF, Arjona MBS, Quesada CM, García AP. Síndrome de Miller-Fisher: hallazgos clínicos, infecciones asociadas y evolución en 8 pacientes. Med Clin (Barc) 2004; 122(6): Carvalho AAS, Galvão MLS, Rocha MSG, Piccolo AC, Maia SC. Síndrome de Miller Fisher e neurite óptica Relato de caso. Arq Neuropsiquiatr 2000; 58(3-B): Portillo R, Rojas E, Vera J, Loo O, Gonzales W. Síndrome de Miller Fisher recurrente. An Fac Med Lima 2004; 65(3): Fonseca T, Cardoso T, Perdigão S, Sarmento A, Morgado R, Costa MM. Síndrome de Guillain-Barré. Acta Médica Portuguesa 2004; 17: Zúñiga AS, Loyola MAA, Guevara OA. Síndrome de Miller Fisher: Reporte de dos casos manejados con plasmaféresis. Rev Sanid Milit Mex 2000 Mar-Abr; 54(2): Garcia TR, Nóbrega MML. Sistematização da assistência de enfermagem: reflexões sobre o processo livro resumo. In: Anais do 52o Congresso Brasileiro de Enfermagem; 2000 Out 21-26; Recife, Brasil. Recife (PE): Associação Brasileira de Enfermagem. Pág.680,2000.= 161