[Ano] A Prosa Romanesca dos Precursores ao Romance Feminino. Campus Virtual Cruzeiro do Sul
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- Fábio Cabral Amado
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1 [Ano] A Prosa Romanesca dos Precursores ao Romance Feminino
2 Unidade - A Prosa Romanesca dos Precursores ao Romance Feminino MATERIAL TEÓRICO Responsável pelo Conteúdo: Profª. Ms. Sandra Regina Fonseca Moreira Revisão Textual: Profª. Drª. Magalí Elisabete Sparano 2
3 A Prosa Romanesca: dos Precursores ao Romance Feminino Nesta unidade iniciaremos nossos estudos com as primeiras manifestações em prosa na Inglaterra que abrirão caminho para o gênero romanesco. Cabe fazermos a distinção de que não estamos falando de romance enquanto corrente literária, mas do gênero textual, e, dessa forma, das características que o identificam como enredo, personagens, tempo, espaço e ação. Dentre os trabalhos desenvolvidos e que dão origem ao gênero, destacaremos as obras de Daniel Defoe e Jonathan Swift. A seguir observaremos as características da primeira romancista inglesa que alcançou notoriedade: Jane Austen. Contextualização Geralmente se estabelece o surgimento do romance inglês a partir da segunda metade do século XVII e início do século XVIII. Entretanto, por mais de um século, o romance foi considerado um gênero inferior à poesia. Somente com o crescimento da burguesia e, dentro dessa, o surgimento de um novo público leitor, as mulheres, o romance passa gradativamente a ganhar espaço. Outro fator de importância para o florescimento do romance foi a imprensa. Conforme apresenta Burguess (2003, p.183): O desenvolvimento do jornal e dos periódicos é uma importante via lateral da literatura do século XVII. Não há dúvida de que a Guerra Civil estimulou o apetite por notícias detalhadas (tais notícias eram vitais), e o período da Restauração, com seu interesse por homens e negócios, seus serviços de informação nos cafés, desenvolveu este grande interesse por notícias internas e do estrangeiro que é tão vivo hoje. 3
4 É dentro desse panorama histórico que surge a figura do jornalista, ativista político e escritor Daniel Defoe. Daniel Defoe ( ) Jornalista considerado o pai dos periódicos modernos, mescla em seus textos o relato detalhado de notícias às suas opiniões pessoais, apresentadas, muitas vezes de forma irônica. Disponível em: niel-defoe.jpg Acesso: 10/04/11 Manifestou interesse constante pelas narrativas de viagens, pela religião e pela política e, por conta desses últimos, produziu muitos artigos críticos à Igreja e à monarquia inglesa, o que lhe rendeu a prisão em mais de um momento. A obra de Dafoe caracteriza-se por um estilo direto, simples e objetivo, como se ele estivesse escrevendo notícias jornalísticas. Seus textos também são destituídos de recursos estilísticos como metáforas e organizados de modo bastante próximo à linguagem coloquial. É reconhecido, por alguns, como o precursor do romance inglês, marcando a literatura por um realismo descritivo. Por outro lado, Dafoe alia à linguagem simples, muitas críticas à sociedade inglesa que são apresentadas de forma caricatural. 4
5 Sua obra mais famosa é Robinson Crusoe, texto que, tanto relata fatos históricos ocorridos com o navegador escocês Alexander Selkirk, quanto pode ser interpretado como uma alegoria irônica ao expansionismo inglês. Robinson Crusoe Romance publicado em 1719 tornou-se um sucesso imediato, sendo ainda hoje considerado uma das histórias mais famosas da literatura inglesa. A técnica literária utilizada por Defoe é a utilização da narrativa em primeira pessoa, fato responsável por enfatizar o sentido de verdade que emana do texto. Além disso, esse uso permite aproximar o leitor da narrativa, como se esse participasse com o personagem-narrador dos fatos apresentados. Nessa obra se relata a história de um homem que sofre um naufrágio e que precisa aprender a sobreviver por conta própria em uma ilha por mais de 28 anos. Disponível em: Acesso: 10/04/11 5
6 Se nos ativermos apenas a essa consideração, o romance pode ser lido como uma fábula de sobrevivência em louvor ao espírito humano, por conta de todas as conquistas alcançadas pelo personagem em condições adversas. Entretanto, o texto nos autoriza outras interpretações. O tema de Robinson Crusoe, aparentemente romântico (o indivíduo que sofre e que vive solitário) é abordado de forma bastante realista: o personagem, ao ser obrigado a viver longe do mundo civilizado, procura recriar no ambiente da selva hostil a mesma sociedade de seu tempo. Robinson Crusoe transforma a ilha em que vive em seu próprio reino, construindo uma sociedade de dois homens, com Friday (Sextafeira) como seu único companheiro. Nessa sociedade, Robinson procura educar o ingênuo Friday com seus conhecimentos e sua fé, de forma a transformá-lo em um ser civilizado, assim como o faziam os colonizadores ingleses em seu movimento expansionista. Disponível em: Acesso: 10/04/11 Observemos como ocorre o início da amizade entre Robinson e Friday, após o primeiro ter salvado o indígena de ser morto por selvagens de tribos rivais. 6
7 Eu tinha saído para ordenar as cabras do curral próximo quando, meia hora depois, apareceu o selvagem que vinha ansioso à minha procura. Ao ver-me, ajoelhou-se aos meus pés e voltou a fazer muitos gestos de submissão, colocando de novo a cabeça no chão e o meu pé sobre ela. Da minha parte, tratei de fazer-lhe entender, com sorrisos e gestos de satisfação, que estava muito feliz de tê-lo em minha companhia. Comecei a falar-lhe e a ensinar-lhe a minha língua. Começamos pelo seu nome: Sexta-Feira, por ter sido numa sexta-feira que o salvara da morte. Ensinei-lhe a chamar-me Amo, repetindo muitas vezes a palavra, para que compreendesse que me deveria chamar sempre assim. [...] Dei-lhe leite, acabado de ordenhar, numa tigela de barro, e mostrei-lhe como se bebia, molhando um pedaço de pão no líquido. [...] Pernoitamos na caverna e mal amanheceu fiz sinal a Sexta- Feira para me acompanhar, pois lhe daria roupas, do que pareceu alegrar-se muito, pois estava completamente despido. (DAFOE, 2001, p.91,92) Observamos pelo fragmento apresentado que o índio não é reconhecido como um igual, antes, cabe ao homem branco dar-lhe um nome, ensinar-lhe a alimentar-se, vesti-lo e intitular-se de Amo. Friday, por ser selvagem, é considerado inferior, sua religião é ridicularizada e sua ignorância necessita ser curada pelo protagonista. Enquanto isso, Robinson enriquece e quando retorna à sociedade ele é considerado como modelo do novo capitalismo europeu, para o qual a propriedade e o poder são mais importantes do que valores como o amor ou o casamento (a narração sobre o casamento de Robinson ocupa apenas uma página da história). Você pode acessar a versão digitalizada desse livro pelo site: Outra obra importante de Dafoe é Moll Flanders (1722), texto em que se relata a história de uma mulher que levou uma vida devassa, de adúltera à ladra e prostituta, acabando na prisão. A história, contada pela personagem em momento posterior, possui um fundo moral: ela leva o leitor a vivenciar as experiências narradas para perceber a importância de se realizar as escolhas certas. 7
8 Jonathan Swift ( ) O maior prosador da primeira metade do século talvez do século todo é Jonathan Swift. Um grande humorista e um satirista selvagem, sua comida é, às vezes, forte demais até mesmo para um estômago saudável. Ele é capaz de fazer algo puramente divertido como em alguns de seus poemas e de fazer piadas joviais, mas há um fundo de amargura nele, que afinal revela um ódio louco à humanidade. (BURGUESS, 2003, p.185) Jonathan Swift costumava dizer que odiava o animal homem e, ainda que tenha em mais de uma ocasião lutado em defesa dos mais fracos, como quando era deão da Catedral de Saint Patrick, em Dublin, seus textos sempre apontam, ridicularizam e criticam a sociedade de sua época. Disponível em: han+swift+%5b1%5d.jpg Acesso: 10/04/11 Em As cartas de um comerciante de tecidos, Swift elabora uma série de ataques contra os abusos monetários. Esse texto foi utilizado pelo Governo Inglês para identificar os responsáveis por esses atos que lesavam a Coroa e, desse modo, Swift acabou sendo considerado um herói. 8
9 Em outro texto intitulado Proposta modesta, o autor sugere ironicamente que a fome na Irlanda poderia ser liquidada com o canibalismo e que as crianças famintas poderiam ser utilizadas como alimento. Por mais absurdo que nos pareça, algumas pessoas acreditaram que ele estivesse falando sério. Sua maior obra, contudo, Gulliver s Travels (As Viagens de Gulliver), escrita como uma crítica mordaz à sociedade em geral, foi identificada como uma fábula, ou como um conto de fadas infantil. Gulliver s Travels O romance, publicado em 1726, é dividido em quatro partes que se desenvolvem em uma crítica crescente, conforme veremos a seguir. Na primeira parte, o personagem Gulliver viaja até Lilliput, local em que ele se depara com habitantes minúsculos, todos extremamente preocupados com assuntos tão insignificantes quanto eles próprios. Disponível em: Acesso: 10/04/11 A seguir, numa próxima viagem, Gulliver vai parar na terra dos gigantes: Brobdignag. Nessa parte, são ridicularizadas principalmente a religião e a política como exemplificado pela fala do Rei dos Gigantes que, após ter ouvido de Gulliver o relato de como se organizava a sociedade inglesa, comenta: 9
10 - Como a grandeza humana pouco vale, pois que vis insetos têm também ambição pelas classes e distinções entre si! Têm pequenos farrapos que envergam, tocas, gaiolas, caixas, a que chamam palácios e solares; equipagens, librés, títulos, empregos, funções, paixões, como nós. Entre ele ama-se, odeia-se, engana-se, trai-se, como aqui. (SWIFT, 2004, p.141) Após um período em que vive as mazelas de ser considerado um pequenino, Gulliver volta para sua casa e, na terceira parte do livro, a crítica é dirigida à comunidade científica da época, representada pela Royal Society, organização fundada em 1662 e que se estabeleceu como centro para desenvolvimento da ciência e da cultura inglesa. De acordo com Swift, mesmo os homens mais sábios não possuíam senso prático que os habilitasse a viver no mundo real. A última parte do livro é certamente aquela em que a crítica e a sátira se tornam mais fortes e mordazes. Nessa viagem, Gulliver tem contato com uma raça de cavalos extremamente letrados e com altos instintos morais, chamados de Houyhnhnms. A essa raça superior de cavalos, contrasta-se a de outro povo, os Yahoos, representantes de uma humanidade semi-selvagem, imundos e depravados. As fêmeas recebem pouco mais ou menos a mesma educação que os machos, e lembro-me de que meu amo achava desarrazoado e ridículo o nosso costume sobre esse ponto. Dizia que metade da nossa espécie só tinha talento para se multiplicar. (SWIFT, 2004, p.350) Disponível em: Acesso: 10/04/11 10
11 É bastante interessante observar que, além de Gulliver participar de cada universo fantástico que ele visita, observando os hábitos e culturas de dos diversos povos (que ilustram e satirizam os hábitos da sociedade da época), o personagem ainda se submete àqueles que lhe são superiores, como quando se torna servo dos gigantes, ou dos cavalos. Swift rompe, portanto, com as convenções e expectativas sociais que, principalmente em sua época, situavam a nação e hábitos ingleses como os mais superiores dentre os povos conhecidos. Leia o romance As Viagens de Gulliver, fazendo o download do arquivo em: Alguns anos depois de Dafoe e Swift e já situada no período do romantismo, surge uma escritora que irá se destacar como a primeira figura feminina da literatura inglesa: Jane Austen. Jane Austen ( ) Jane Austen nasceu em Hampshire, uma pequena cidade do interior da Inglaterra e, sendo filha de um clérigo, foi incentivada desde muito cedo a ler e a escrever. Viveu uma vida bastante reclusa e sem grandes eventos, restringindo-se a visitar seus irmãos e poucos amigos em vilarejos próximos. 11
12 Disponível em: Acesso: 10/04/11 Por conta disso, seus textos revelam pouca preocupação em abordar assuntos como a Revolução Francesa ou a Industrial; esse fato fez com que fosse criticada em mais de uma ocasião. Seu grande tema, por outro lado, são as relações familiares. Jane Austen é reconhecida como a primeira mulher a ganhar destaque na literatura inglesa, sendo considerada uma das maiores romancistas do período. Seus textos apresentam um olhar extremamente observador e crítico sobre a vida e os costumes da classe média inglesa. Outra característica importante em sua produção literária diz respeito aos ricos diálogos, repletos de inteligência e delicada ironia. As histórias apresentadas em seus principais romances não abordam grandes eventos, restringindo-se a registros sobre situações cotidianas de algumas famílias inglesas. Interessa a Austen delinear seus personagens, descrevendo as diferenças comportamentais que distinguem homens e mulheres. Questões como o papel da mulher na sociedade, a importância do casamento e as convenções sociais são temas recorrentes em suas obras. 12
13 Conforme Burguess (2003, p.209): O interesse primordial de Jane Austen está nas pessoas, não nas idéias, e seu êxito reside na apresentação meticulosamente exata das situações humanas, no delineamento de personagens que são efetivamente criaturas vivas, com defeitos e virtudes, tal como na vida real. Seus principais romances são Sense and Sensibility (Razão e Sensibilidade), de 1811, Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito), de 1813, Mansfield Park, de 1814, Emma, de 1816, e as publicações póstumas Northanger Abbey (A Abadia de Northanger) e Persuasion (Persuasão), de Pride and Prejudice Nesse romance conhecemos a família Bennet, em particular a saga das irmãs Jane e Elizabeth que, donas de personalidades diferentes, buscam encontrar a felicidade em um grande amor. Enquanto Jane tipifica a heroína romântica, bela e passiva, Elizabeth contesta a ordem social reinante. Desenha-se nessa obra um panorama das relações familiares e sociais das famílias de classe média do interior da Inglaterra do final do século XVIII e início do século XIX. Temas abordados são os jogos de interesse, o orgulho e o preconceito que restringiam as relações entre as várias classes sociais. Disponível em: Acesso: 10/04/11 13
14 A narrativa é marcada pelos diálogos estabelecidos entre os personagens. Nessas situações, devemos estar atentos à multiplicidade de sentidos presentes, em que as atitudes tomadas contradizem as palavras proferidas. Observemos a ironia apresentada nas primeiras linhas do romance: É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro possuidor de um boa fortuna, deve estar necessitado de uma esposa. Por pouco que os sentimentos ou as opiniões de tal homem sejam conhecidos ao se fixar numa nova localidade, essa verdade se encontra de tal modo impressa nos espíritos das famílias vizinhas que o rapaz é desde logo considerado a propriedade legítima de uma das suas filhas. (AUSTEN, 1982, p.9) A narradora habilmente faz uma colocação que tem sentido diametralmente oposto, pois, conforme podemos compreender pela leitura do romance, são as moças solteiras que, de fato, precisam encontrar um bom marido. No diálogo que segue a essas considerações iniciais, estabelecido entre o Sr. e a Sra. Bennet, somos informados da preocupação dos pais, e, em particular, da Sra. Bennet, em encontrar bons maridos para suas cinco filhas. Caro Mr. Bennet disse-lhe um dia a sua esposa, já ouviu dizer que Netherfield Park foi alugado afinal? Mr. Bennet respondeu que não sabia. Pois foi assegurou ela. Mrs. Long acabou de sair daqui e me contou tudo. Mr. Bennet não respondeu. Afinal não deseja saber quem é o locatário? gritou a mulher, impacientemente. Você é quem está querendo me dizer e eu não faço nenhuma objeção a isto. Este convite foi suficiente. Pois, meu caro, você deve saber que Mrs. Long disse que Netherfield foi alugado por um rapaz de grande fortuna, oriundo da Inglaterra. E que além disso ele chegou segunda-feira numa elegante caleça a fim de visitar a propriedade. Ficou tão encantado que entrou imediatamente em negócio com Mr. Morris; Mrs. Long falou também que ele entrará na posse do prédio antes do dia de São Miguel. Alguns dos seus criados devem chegar já na próxima semana. Como se chama ele? Bingley. É casado ou solteiro? 14
15 Oh, solteiro, naturalmente, meu caro. Solteiro e muito rico! Quatro ou cinco mil libras por ano. Que boa coisa para as nossas meninas, hem? Como assim? De que modo pode isso afetá-las? Meu caro Mr. Bennet replicou a esposa, como você, às vezes, é enfadonho! Deve saber que ando pensando em casar uma delas... (AUSTEN, 1982, p.9) Desse modo, a narrativa se desenvolverá intercalando momentos cômicos, protagonizados principalmente pela figura caricatural da Sra. Bennet, com situações mais sérias, em que se discute o papel da mulher na sociedade, os hábitos e preconceitos existentes nas relações estabelecidas entre os personagens. Clique aqui para fazer o download do romance Orgulho e Preconceito. Observamos desse modo, o percurso de desenvolvimento do romance inglês, marcado principalmente por uma grande diversidade quanto aos temas abordados e por não restringir-se a um único estilo literário. 15
16 Anotações 16
17 Referências AUSTEN, Jane. Orgulho e Preconceito. Disponível em: Acesso: 15 abr BURGESS, Antony. A Literatura Inglesa. Trad. Duda Machado. São Paulo: Editora Ática, CARTER, Ronald; MCRAE, John. The Penguin Guide to Literature in English: Britain and Ireland. Edinburgh: Pearson Education Limited, DAFOE, Daniel. Robinson Crusoé. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Editora Martin Claret, SENA, J. A Literatura Inglesa. São Paulo: Cultrix, SWIFT, Jonathan. Viagens de Gulliver. Disponível em: Acesso: 15 abr
18 Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, São Paulo SP Brasil Tel: (55 11)
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