Janeiro Revista Adusp. educação básica. José Marcelino de Rezende Pinto Professor da FFCL-RP D O S S I Ê E D U C A Ç Ã O
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- Luciano César Canejo
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1 D O S S I Ê E D U C A Ç Ã O Limites do pacto federativo no financiamento da educação básica José Marcelino de Rezende Pinto Professor da FFCL-RP 60
2 Janeiro 2010 No intervalo de uma década ( ) a participação dos municípios no total de matrículas públicas da educação básica saltou de 37% para 52% (no ensino fundamental o índice já é de 60%). O Fundeb termina em 2020 e se até lá não se resolver o desequilíbrio entre esta crescente responsabilidade e as receitas dos municípios, a educação básica no Brasil entrará em colapso, por falta de recursos. Uma solução seria a criação de um sistema público único que reuniria as atuais escolas estaduais e municipais, ficando a gestão a cargo de conselhos locais de Educação, os quais carreariam recursos municipais, estaduais e federais Gráfico 1 Responsabilidade pelo atendimento da educação básica Talvez uma das mudanças mais radicais que o país tenha vivido em toda sua história educacional e que ocorreu na última década, em especial com a aprovação do Fundef, refere-se à divisão de responsabilidade entre estados e municípios na oferta da educação básica. De uma forma geral, desde o Ato Adicional de 1834 coube aos estados a tarefa de principal responsável pelas matrículas na educação básica pública. Essa situação, que se manteve durante quase todo o século XX, sofre uma rápida inflexão ao final deste século, como pode ser observado no Gráfico 1. Como se observa, no curto intervalo de uma década (1996 a 2006) a participação dos municípios nas matrículas públicas da educação básica saltou de 37% para 52% do total. Analisando, agora, especificamente o ensino fundamental (Gráfico 2), observa-se que a rede municipal saiu de uma participação, em 1991, de 35%, que vem em um patamar estável desde a década de 1930, para atingir 60% do total de matrículas públicas em Considerando as séries iniciais do ensino fundamental esta participação, no mesmo período, quase dobrou, saindo de 43% para 76%, enquanto nas séries finais este índice cresceu 2,5 vezes, saindo de 17% para 42%. 61
3 Como se sabe, o grande indutor deste processo foi o Fundef, pois, ao vincular a redistribuição dos recursos vinculados à educação que o compõem à matricula no ensino fundamental regular, ele viabilizou a municipalização em larga escala desta etapa da educação, desejo antigo de vários governadores e que naquele momento contava com o apoio integral do MEC na gestão Paulo Renato/FHC. Não foi à toa que a inflexão mais radical nesta divisão de responsabilidades aconteceu no Estado de São Paulo, que desde aquela época (gestão Mario Covas) se articulava em linha direta com o Executivo federal. Neste estado, a participação municipal nas matrículas de ensino fundamental público saltou de 12,5%, em 1996, para 43% em Municípios que não possuíam qualquer estrutura administrativa e de apoio pedagógico, e cujas escolas apresentavam péssimos indicadores de qualidade, viram sua rede de ensino ampliada, tornando ainda mais difícil a superação de problemas existentes Esta mudança foi grave, por dois motivos especialmente. Em primeiro lugar, municípios que não possuíam qualquer estrutura administrativa e de apoio pedagógico, e cujas Gráfico 2 Evolução da participação municipal na matrícula do ensino fundamental público escolas apresentavam péssimos indicadores de qualidade, viram sua rede de ensino ampliada em curto intervalo de tempo, tornando ainda mais difícil a superação dos problemas pré-existentes. Isto ocorreu principalmente nos estados mais pobres da federação. Já nos estados mais ricos, onde o índice de municipalização era baixo, e os recursos contabilizados pelo Fundef não eram tão pequenos, abriu-se um generoso mercado para o setor privado lucrativo e para ONGs venderem seus pacotes de material didático e assessorias (ADRIÃO et al., 2009; NICOLETI, 2009). A própria ex-secretária estadual da Educação de São Paulo, Teresa Roserley Neubauer da Silva, que comandou a ferro e fogo o já citado processo de municipalização da rede estadual paulista, hoje é diretora-presidente do Instituto de Protagonismo Jovem e Educação (Protagonistés), ONG que presta assessoria educacional às prefeituras do estado de São Paulo. O interesse por parte do setor privado (cujas matrículas só caíram nos últimos 20 anos) pelas redes municipais é tão grande que o Sistema COC apoiou a realização da Conferência Intermunicipal de Educação preparatória para a Conae-2010 que aconteceu em Ribeirão Preto, com a inclusão de sua logomarca e de material de propaganda nas pastas do evento, com destaque para o Núcleo de Apoio à Municipalização do Ensino (NA- ME), sigla cujo significado já diz tudo sobre sua finalidade. Esse evento reuniu cerca de mil delegados de 50 municípios da região. Curiosamente, embora o autor deste artigo, membro da Comissão Organizadora, tenha protestado, juntamente com outra colega, ambos representantes da USP, contra tal apoio, por entendê-lo desnecessário uma vez que o MEC havia repassado R$ 150 mil para a realização do evento e por haver uma clara intenção mercantil por parte da instituição apoiadora, nada foi feito por parte da Secretaria Municipal da Educação (SME) de Ribeirão Preto, 62
4 Gráfico 3 Brasil: Impostos por habitante Fonte: elaborado pelo autor a partir de dados da STN Município Estados Janeiro 2010 Fundeb promovem a transferência de recursos dos estados para os municípios. Estas transferências, hoje, são superiores a R$ 10 bilhões. Trata-se de uma verdadeira reforma tributária. O grave da questão é que o Fundeb termina em 2020 e, portanto, se até lá não se encontrar uma solução definitiva para este desequilíbrio, a educação básica no Brasil entrará em colapso por falta de recursos para os municípios assegurarem o funcionamento de suas redes de ensino. Gráfico 4 Evolução da participação do atendimento da rede municipal no ensino fundamental público responsável pela operacionalização do evento. Cabe comentar que a atual prefeita da cidade teve, durante anos, um programa na emissora de TV mantida pelo grupo COC; e funcionários que ocupam cargos de direção na SME possuem vínculos com esta empresa de ensino. Em segundo lugar, este processo de municipalização representou um grave desequilíbrio entre a participação dos municípios na receita de impostos e sua participação nas matrículas da educação básica. Pelo Gráfico 3 podemos observar que a participação dos governos estaduais nas receitas de impostos (já contempladas as transferências) é, em média, o dobro da participação municipal. Esta diferença é ainda maior nos estados das regiões mais pobres do país, que são exatamente aqueles nos quais a municipalização mais avançou (Gráfico 4). Esta situação só não atingiu um impasse porque o Fundef, antes, e agora o Os integrantes dos conselhos locais de Educação seriam eleitos diretamente pela comunidade escolar sob sua jurisdição. Sua forma jurídica poderia ser a autárquica. Lei nacional fixaria o custo aluno/qualidade, valor suficiente para assegurar um ensino de qualidade Tendo em vista o desequilíbrio apresentado, é evidente que algo precisa ser feito, e os 11 anos que nos separam deste apocalipse passarão sempre mais depressa que a capacidade de nossos governantes para encontrar soluções que sejam algo além do mais do mesmo, como prorrogar o Fundeb, por exemplo. Neste sentido, o primeiro passo envolve a garantia da ampliação do gasto por aluno praticado no país. 63
5 Em valores de 2008, o gasto médio mensal por aluno na educação básica foi de cerca de R$ 157 (um valor inflado, pois muitos estados e municípios contabilizam como gastos em educação as despesas com aposentadoria dos trabalhadores da área, uma vez que a LDB é omissa sobre este ponto), um montante que é cerca de um terço daquele encontrado nas escolas privadas freqüentadas pela classe média. Estudo deste autor (PINTO, 2008) aponta para a necessidade de um valor equivalente ao dobro da média nacional da rede pública indicada acima para se garantir condições básicas de qualidade. Para que qualquer ampliação dos gastos públicos com educação ocorra no país é fundamental ampliar a participação da União no financiamento da educação básica. Essa ampliação do papel da União se justifica porque, embora o governo federal fique com cerca de 60% da receita tributária líquida (já se considerando as transferências constitucionais para estados e municípios), sua participação nos gastos com educação básica no período de 2000 a 2005 foi em média de 6% (CASTRO, 2007). O segundo passo implica resolver a contradição vivida atualmente pelo sistema de fundos. Embora tenha sido estruturado um fundo único por unidade da federação, que aglutina a maior parte dos recursos públicos de estados e municípios destinados à educação básica, continuam a existir duas redes públicas de ensino (estadual e municipal) que pouco se articulam entre si. Ademais, as redes estaduais, cuja fiscalização fica a cargo dos conselhos estaduais de Educação (os quais, no mais das vezes, omitem-se neste papel), tendem a ficar abandonadas à própria sorte. Para dar fim a esta contradição (um fundo e duas redes) aponta-se como possibilidade a criação de um sistema público único que reuniria as atuais escolas estaduais e municipais, ficando a gestão dos recursos a cargo de conselhos locais de Educação, para os quais seriam carreados os recursos municipais, estaduais e federais. Os integrantes destes conselhos seriam eleitos diretamente pela comunidade escolar sob sua jurisdição. Sua forma jurídica poderia ser a autárquica, como ocorre hoje com várias universidades públicas, o que garante financiamento público associado a autonomia administrativa e financeira, além de obediência aos princípios do direito público na utilização dos recursos financeiros. Lei nacional fixaria o custo aluno/qualidade, valor monetário suficiente para assegurar as condições de oferta de um ensino de qualidade, cabendo à União o papel de complementar os recursos nas unidades federadas nas quais os recursos próprios forem insuficientes para propiciar este valor por aluno. Seria um grande passo para resolver o impasse que se desenha para 2020 e não envolveria grandes mudanças em relação ao formato do atual sistema de fundos. Com relação aos atuais profissionais que trabalham nas redes estaduais e municipais de ensino, seus direitos seriam assegurados, compondo um quadro em extinção, com a criação de uma nova carreira, baseada em diretrizes nacionais, mas vinculada aos conselhos locais de Educação que seriam criados. Os profissionais da educação básica seriam admitidos através de concursos públicos promovidos por estas autarquias, de forma análoga ao que acontece hoje nas universidades públicas. Se quisessem mudar de município, por exemplo, eles prestariam um novo concurso. Com isso evitar-se-ia a grande rotatividade de professores entre escolas, muito comum de ocorrer na rede estadual. Vale insistir, ter-se-ia uma estrutura muito similar às atuais universidades públicas, constituindose tantas autarquias quantos são os municípios brasileiros, nada impedindo, inclusive, que se estruturassem enquanto instituições federais. Trata-se de uma proposta que envolve mudanças em um sistema que já possui mais de 200 anos de história, o que não é fácil, mas ela não é nova; Anísio Teixeira já sugerira algo similar. Enfim, o sistema que se traz ao debate permite aliar a necessária autonomia local à garantia de um padrão básico de qualidade de ensino, viabilizado através de um financiamento de base tripartite (União, estados e municípios) e referenciado na gestão democrática. Referências bibliográficas ADRIÃO, T. ; GARCIA, Teise ; BORGHI, R. ; ARELARO, L. R. G.. Sistemas apostilados e gestão privada da educação pública em São Paulo. Educação e Sociedade, 2009 (no prelo). CASTRO, J.A. Financiamento e gasto público na educação básica no Brasil: Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 100, p , out NICOLETI, J.E. Ensino Apostilado na Escola Pública: tendência crescente nos munícipios da região de São José do Rio Preto-SP Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar) Unesp, Araraquara. PINTO, J.M.R. O custo de uma educação de qualidade. In CORREA, B.; Garcia, T.O. Políticas educacionais e organização do trabalho na escola. São Paulo: Xamã,
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