Jadir Antunes. Os planos de elaboração de O Capital e o problema das crises em Marx
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- Geovane Borja Chaplin
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1 Os planos de elaboração de O Capital e o problema das crises em Marx Comunicação apresentada no Congrès International Marx VI. Paris - França, Versão em língua portuguesa. Jadir Antunes Nossa comunicação pretende mostrar que podemos encontrar em O Capital de Marx uma teoria completa e sistemática sobre o problema da crise na sociedade capitalista. De modo geral, os diversos comentadores da crise buscaram encontrar nos textos de O Capital uma passagem determinada que mostrasse a causa principal que impulsionaria a produção capitalista a entrar regularmente em choque consigo mesma. Nessa busca, autores clássicos como Kautsky, Rosa Luxemburg, Henryk Grosman e Hilferding deram ênfase a três fragmentos de textos distribuídos entre os três livros de O Capital. O primeiro destes fragmentos encontra-se na Seção III do Livro II, onde Marx estuda o problema da reprodução global do capital social, isto é, o problema de como se distribui o trabalho global dentro da sociedade capitalista e de como se realiza a maisvalia global. O segundo fragmento de texto é a Seção III do Livro III, onde Marx estuda o problema da lei da queda tendencial da taxa de lucro. O terceiro fragmento utilizado para explicar a crise do capital a 1
2 partir da noção de causa é o Capítulo XVII do Livro II de Teorias sobre a mais-valia, onde Marx analisa e critica as concepções de Ricardo sobre a reprodução social do capital em seu conjunto. Roman Rosdolsky, um clássico estudioso dos Grundrisse e da relação deste com O Capital, 1 foi um dos poucos, talvez o único grande clássico marxista que tentou entender Marx e o problema da crise a partir da noção de modo de exposição dialético (Darstellungsweise). Porém, para ele Marx não possuía uma teoria sistemática sobre a crise do capital. Segundo ele, Marx planejara realizar uma elaboração sistemática sobre a crise apenas nos planos projetados para a redação de O Capital no ano de Planos que ele abandonara em De acordo com Rosdolsky, Marx elaborou dois planos distintos para a redação de O Capital, o primeiro em 1857 e o segundo em Entre esses nove anos ocorre um período de experimentação e 1 Roman Rosdolsky. Génesis y estructura de El capital de Marx: estudios sobre los Grundrisse. Siglo Veintiuno Editores: México, busca constante de uma forma expositiva adequada aos complexos temas de O Capital. Ao longo destes nove anos, desenvolve-se, ao mesmo tempo, uma progressiva restrição dos temas inicialmente projetados. Um dos temas que sofre restrição neste intervalo de tempo, segundo Rosdolsky, é exatamente o tema da crise. Em seu plano original de 1857, Marx planejara editar suas descobertas teóricas dividindoas em seis partes distintas. Este plano, de acordo com Rosdolsky, previa a seguinte divisão da obra 2 : I. Livro do Capital. a. O capital em geral. 1. Processo de produção do capital. 2. Processo de circulação do capital. 3. Lucro e juros. 2 Rosdolsky, op. cit., pp. 38/39. Sobre os planos de elaboração de O capital de acordo com Rosdolsky, a elaboração original e as posteriores modificações, veja-se o Capítulo 2 da Primeira Parte Introdutória de Génesis y estructura..., chamada La estructura de la obra de Marx, pp. 37 a 100 principalmente. 2
3 b. Seção da concorrência. c. Seção sobre o sistema de crédito. d. Seção sobre o sistema acionário. II. Livro da propriedade da terra. III. Livro do trabalho assalariado. IV. Livro do Estado. V. Livro do comércio exterior. VI. Livro do mercado mundial e as crises. Como podemos perceber, o tema da crise aparece neste esquema como o último de todos os temas a ser desenvolvido e, além disso, como tema merecedor de um tratamento especial: o Livro VI, que trataria do mercado mundial e, exatamente, da crise. No intervalo de nove anos de reflexões, contudo, Marx modifica este plano original e o substitui pelo seguinte: Livro I. Processo de produção do capital. Livro II. Processo de circulação do capital. Livro III. Síntese do processo global. Livro IV. História da teoria (Teorias sobre a Mais-valia). Esta é a forma definitiva de exposição de O Capital concebida por Marx em Como podemos observar, nesta forma definitiva foi suprimido não apenas o Livro VI sobre o mercado mundial e a crise, mas ainda os livros sobre o Estado, sobre o comércio exterior, sobre o trabalha assalariado e sobre a propriedade da terra, projetados em Todos os temas do Livro I de 1857 foram, de uma forma ou de outra, absorvidos dentro da estrutura definitiva encontrada por Marx em 1866, assim como os temas dos Livros II e III. Os temas sobre a propriedade da terra (Livro II) e sobre o trabalho assalariado (Livro III) foram tratados, mesmo que tenham deixado de possuir livros específicos em 1866, nos Livros I e III definitivos. Foram suprimidos, porém, também os Livros IV, V e VI de 1857, sem 3
4 que os temas ali projetados aparecessem claramente desenvolvidos dentro da estrutura de Rosdolsky argumenta que a redação desses três últimos livros de 1857 (Livro IV Estado; Livro V comércio exterior; e Livro VI mercado mundial e crise) nunca foi totalmente abandonada por Marx porque o plano de redação desses livros foi sendo abandonado entre os anos de 1857 e 1866, sendo reservado para um eventual prosseguimento futuro da obra, prosseguimento que nunca ocorreu segundo Rosdolsky. Assim, para Rosdolsky, a dificuldade de encontrarmos uma exposição sistemática sobre a crise em Marx decorreria exatamente da ausência desta teoria no próprio O Capital, ausência que teria dado origem a uma lacuna no conjunto da obra. O que Rosdolsky não compreende é que o que está em jogo nos planos de exposição não é a crise em suas manifestações empíricas e ordinárias, mas, sim o conceito de crise. Apesar de Rosdolsky avançar em alguns pontos na compreensão do problema da forma de exposição de O Capital, reflexão ausente na ampla maioria dos estudiosos da obra e do tema da crise, pensamos ao contrário dele e de toda a bibliografia sobre o tema, que a aparente ausência de uma teoria sistemática sobre a crise do capital deve-se à falta de compreensão do caráter dialético da exposição em O Capital. Sustentamos que Marx possuía e realizou, sim, uma exposição completa e sistemática das crises do capital. Contudo, esta teoria não está depositada empiricamente, aqui ou ali, em nenhum texto específico ou passagem canônica de O Capital nem numa soma aritmética de passagens. Esta teoria está, sim, desenvolvida em todo o percurso dialéticoexpositivo de O Capital, aparecendo e começando a se desenvolver logo nas primeiras páginas do Livro I e se encerrando nas últimas páginas do Livro III. De um livro a parte e separado dos outros livros em 1857, o tema da crise passou a ser um tema imanente a todos os livros concebidos na estrutura definitiva de
5 Somente tomando a noção dialética de exposição como pressuposto, consideramos que se possa atingir uma correta compreensão sistematizada do tema da crise. Tema que envolve todas as categorias de O Capital, desde a circulação simples, a produção da mais-valia, a acumulação originária, a reprodução anual do capital social e a realização global da mais-valia até atingir finalmente a noção plena de crise como e enquanto resultado 3 no Livro III. 3 Em grego clássico, a palavra krisis significa a ação de distinguir, a ação de separar, mas também, justamente, a decisão, o resultado final, o resultado (de uma guerra). Nesse sentido, sobre o modo de exposição dialético de O Capital veja-se Hector Benoit: Sobre a crítica (dialética) de O capital, in Revista Crítica Marxista número 03, São Paulo, editora Brasiliense, No mesmo sentido, cf. Hector Benoit, Da lógica com um grande L à lógica de O capital, in Marxismo e Ciências Humanas, Diversos autores, São Paulo, Xamã, Mostra-se nesses textos que as diversas supostas ausências descobertas, posteriormente, na obra de Marx, seriam apenas resultado da incompreensão do seu método Como o próprio Rosdolsky em parte indica, nos anos que vão de 1857 a 1866, Marx percebe que suas análises não poderiam ser expostas sem uma determinada forma rigorosa. Marx foi percebendo, cada vez mais, que o conteúdo era inseparável de uma certa forma ou lexis específica. Assim, nesse período, Marx foi reconstruindo e re-ordenando o conteúdo analítico de suas pesquisas em uma forma superior. Neste intervalo de nove anos, através do método expositivo da dialética, o único capaz de dar conta da complexa estrutura categorial do capital, Marx superou o conteúdo analítico das suas descobertas, chegando a dialético de exposição. Nesse sentido, segundo Benoit, a própria noção de Estado, como aquela de crise, teria sido absorvida no modo dialético de exposição das contradições do capital. Daí o desaparecimento do livro IV, projetado em 1857, sobre o Estado, como o desaparecimento do livro VI, sobre o mercado mundial e as crises. Cf. também Hector Benoit, Pensando com (ou contra) Marx? Sobre o método dialético de O capital, in Crítica Marxista, nº8, 1999, editora Xamã, São Paulo. 5
6 uma forma ao mesmo tempo analítica e sintética, ou seja, à forma da dialética superior 4. Em 1866, Marx estabeleceu, então, de forma mais clara todo o seu conteúdo analítico, superou as formas empíricas de suas investigações e elevou-as ao caminho da exposição dialética. Caminho que deve partir da totalidade tomada como um concreto indeterminado (como um concreto pressuposto). Deste momento, a exposição deve caminhar pelo abstrato, expondo detalhadamente as diversas formas particulares da totalidade chegando, enfim, ao 4 Tal dialética superior, Hegel a chamava de propriamente especulativa ou o momento do método absoluto (Cf. Ciência da Lógica, A lógica subjetiva ou a doutrina do conceito, terceira seção, terceiro capítulo Die absolute Idee (pp , edição de Hermann Glockner). Platão chamava tal momento de nóesis (cf. livro VI de A república), seria o momento onde se supera o momento analítico da dianoia, o momento onde se superam todas as hipóteses anteriores e se avança para o princípio não-hipotético, pressuposto da totalidade, fim que, na verdade, é princípio (originário), ou arkhé, fundamento, Grund. terceiro momento, onde pouco a pouco ocorre a superação destas formas abstratas que devem retornar ao concreto reconstruído, então, como concreto determinado (como totalidade concreta ou universal concreto). Este seria o método que daria vida à matéria (Leben des Stoffs), como afirma Marx no Posfácio da segunda edição do Capital. Ou seja, este seria o método que reconstrói o concreto histórico na teoria a partir de suas determinações mais simples e abstratas conduzindo-o ao movimento contraditório que transforma a teoria em vida e em práxis revolucionária 5. Por isso, pensamos que para Marx o 5 Como escreve Marx no Posfácio da Segunda Edição: É sem dúvida necessário distinguir o modo de exposição formal (die Darstellungsweise formell) do modo de investigação. A investigação tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real. Caso se consiga isso, e espelhada idealmente agora a vida da matéria, talvez possa parecer que se esteja tratando de uma construção a 6
7 conceito de crise é inseparável do próprio conceito de capital e o estudo de um implica necessariamente no estudo do outro. Uma análise dialética do conceito de crise deve se desenvolver, portanto, simultaneamente com a análise e desenvolvimento do conceito de capital. A obra O Capital, como sabemos, tem como meta expor o conceito de capital, o fundamento da sociedade burguesa. Assim, no trajeto expositivo dos priori. (MEW, volume 23, p. 27). No célebre trecho dos Grundrisse conhecido como O método da Economia Política, escrito em 1857, (MEGA, pp ) esse processo não é exposto com tanta clareza. Conferir, particularmente, p. 43, onde Marx descreve 5 seções, sendo a última seção o mercado mundial e as crises, como no plano dos livros de O capital, desse período. Porém, nesse texto, já corretamente afirma na p. 36: O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações, isto é, a unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo (wirkliche Ausgangspunkt) e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. Grifos nossos. três livros de O Capital, ressaltamos quatro questões fundamentais para a compreensão de nosso trabalho. 1) Primeira questão: os Livros I e II possuem como objeto o conceito mais genérico e mais abstrato de certos momentos do movimento do capital. Nestes livros, vemos o movimento do conceito de capital em suas formas mais puras e abstratas, o conceito de capital enquanto tal, sem consideração por suas formas particulares como o capital comercial e a juros. Os Livros I e II não possuem como objeto, portanto, as leis e contradições do capital em sua atualidade (enérgeia), mas as leis e contradições do capital em sua forma potencial (dynamis) 6. O capital 6 Essa diferenciação entre o que está em dynamis (potência) e o que está en-érgon (em ato) é um lugar comum no pensamento filosófico grego dos séculos V e IV a. C.; essa diferenciação não remete, assim, necessariamente, à forma pela qual esses conceitos foram consagrados em Aristóteles, que sempre permaneceu no pensamento analítico e em uma lógica da não-contradição. 7
8 e a sociedade capitalista em sua configuração mais real e concreta são analisados somente no Livro III 7. Será, portanto, somente neste Livro III que a sociedade capitalista será concebida com todas as suas determinações, sobretudo, com aquelas provocadas pela pluralidade de capitais e pela concorrência. 7 Ainda que, desde o primeiro capítulo do Livro I, seguindo um movimento em espiral, as formas abstratas vão sendo superadas, gradualmente, e retomadas em formas cada vez mais determinadas. O Livro I, por exemplo, como totalidade própria, contem abstratamente todo o movimento dos três livros: a forma mercadoria, a circulação, a produção de mais-valia, a acumulação de capital, e a superação do capital com a expropriação dos expropriadores (cap. XXIV). Já o Livro II, recomeça o movimento novamente da circulação, mas agora, a mercadoria inicial, com as determinações conquistadas no Livro I, desde o início é M, ou seja, contem a extração de mais-valia e, assim, todas as contradições expostas no Livro I. O Livro III continuará a ampliação em espiral dos dois livros anteriores tentando realizar a síntese final. Os Livros I e II são livros mais abstratos exatamente porque neles colocam-se entre parênteses, em grande parte, a pluralidade de capitais e a concorrência. A luta entre os diversos capitais individuais que reciprocamente se odeiam não aparece de forma mais desenvolvida antes do Livro III, apesar de já ser mencionada mesmo no Livro I 8. Porém, postas a pluralidade de capitais e a concorrência de forma desenvolvida no Livro III, a exposição sobre o conceito de capital passa, então, a possuir todas as determinações na sua forma plena. 2) Segunda questão que gostaríamos de ressaltar: nos Livros I e II analisa-se, particularmente, o conceito de crise também de modo mais puro e abstrato. As muitas contradições que remetem ao conceito de crise, que já aparecem nesses livros, mostram-se como contradições ainda bastante 8 Escreve Marx ainda no Livro I: Essa expropriação se faz por meio do jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, por meio da centralização de capitais. Cada capitalista mata muitos outros. (ed. alemã cit., p. 790; tradução da edição Abril, 1984, p. 293). 8
9 formais, potenciais e abstratas. Nesses livros Marx fala apenas da crise potencial ou da possibilidade abstrata da crise. NOTA A crise se converte em realidade plena somente no Livro III porque somente ali serão postas de forma desenvolvida a pluralidade de capitais e a concorrência. No Livro III seriam postas ainda, de forma plenamente desenvolvida, também as classes sociais, objeto do capítulo LII, do qual, como sabemos, só temos algumas linhas. 3) Terceira questão: nos dois primeiros livros a concorrência foi abstraída da exposição exatamente porque ela não funda as leis e tendências gerais da sociedade capitalista, mas porque ela apenas converte essas leis em realidade 9. 9 A concorrência, para Marx, é sempre fonte de perturbação e engano para o pensamento e, por isso, para apreendermos o conceito de capital em sua imanência é necessária sua abstração. Na concorrência [diz Marx] aparece, pois, tudo invertido (es erscheint also in der Konkurrenz alles verkehrt). A figura acabada (fertige Gestalt) das relações econômicas, tal como se mostra na superfície, em sua existência real e, 4) Quarta questão: no Livro I analisam-se de modo formal e abstrato as leis da produção da maisvalia enquanto tal, da mais-valia em seu nível mais puro e idealizado. No Livro II se analisam, do mesmo modo formal e abstrato, as condições puras e idealizadas para a realização da mais-valia global, ainda que esta já esteja posta mais abstratamente desde o início pelo Livro I. No Livro III, analisa-se a repartição desta mais-valia global já produzida e realizada entre a pluralidade dos capitais individuais. Assim, uma exposição dialética do conceito de capital e de crise deve ser dividida em três grandes momentos. O primeiro momento abrange a exposição das contradições mais genéricas e portanto, também nas concepções mediante as quais os portadores e os agentes dessas relações procuram se esclarecer sobre as mesmas, difere consideravelmente, sendo de fato o inverso (verkehrt), o oposto (gegensätzlich), de sua figura medular (Kerngestalt) interna, essencial mas oculta (wesentlichen aber verhüllten), e do conceito (Begriff) que lhe corresponde. O capital. Livro Primeiro Volume II. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p MEW , p
10 potenciais contidas no Livro I, onde se realiza uma primeira totalização abstrata da produção capitalista, desde a sua forma elementar (a mercadoria) até a sua destruição, a negação da negação exposta no capítulo sobre a acumulação primitiva. No segundo momento, aquele do Livro II, se realiza a exposição das contradições potenciais contidas na esfera da circulação, porém, já com as determinações obtidas no Livro I. Por isso, no Livro II parte-se não mais da forma mercadoria em geral, mas sim, da mercadoria como produto do capital e supondo já a mais-valia (M ). Porém todo o processo contraditório decorre ainda com a abstração da pluralidade de capitais e da concorrência e a crise aparece ainda apenas em suas formas potencias e abstratas. Finalmente, no terceiro grande momento, aquele formado pelo Livro III, produção e circulação (Livros I e II) são unificadas e se analisa a conversão em realidade de todas as contradições potenciais descritas anteriormente, contradições submetidas agora à existência da pluralidade de capitais e da concorrência. O Livro III, como sabemos, tem exatamente como subtítulo O processo total da produção capitalista (Der Gesamtprozess der kapitalistischen Produktion). Nele, trata-se da síntese dos resultados obtidos nos dois primeiros livros agora transformados pelas determinações da concorrência entre os múltiplos capitais e onde a crise torna-se realidade. Partindo de categorias abstratas como valor de uso e valor, substância e forma do valor, trabalho abstrato e trabalho concreto, dinheiro, produção de mais-valia, acumulação de capital, acumulação originária, reprodução do capital, realização global do capital anual e assim por diante, chega-se até as determinações mais concretas, como a forma lucro, a taxa de lucro e a queda tendencial da taxa de lucro expostas no Livro III. Desse modo, é a partir de uma concepção metodológica dialética que procuramos desenvolver nosso trabalho e mostrar que Marx possui, sim, uma teoria sistemática e completa sobre as crises do capital. Pensamos que esta teoria é uma teoria 10
11 dialética porque só pode ser compreendida a partir da análise do desenvolvimento das possibilidades mais abstratas e formais da crise (expostas nos Livros I e II) até sua efetividade mais concreta (exposta no Livro III). Procuramos, assim, sustentar que o processo de desenvolvimento da crise (o processo de conversão de sua possibilidade formal e abstrata em realidade) é o mesmo processo que concretiza todas as contradições mais simples e abstratas do capital, mostrando essas contradições, finalmente, como luta de classes, expropriação dos expropriadores, negação da negação, superação do modo de produção capitalista, último e derradeiro desenvolvimento da teoria marxista da crise. Somente partindo dessa concepção dialética de exposição podemos desvelar, então, como se desenvolve, de forma mais detalhada, o conceito de crise ao longo dos três livros de O Capital. Conceito que segundo Marx desembocaria na derrocada inevitável, mais cedo ou mais tarde, do sistema capitalista como um todo. Derrocada provocada pelas contradições imanentes e fundamentais do capital: as contradições das classes em luta Como escreveu H. Benoit: o capítulo 52 [do Livro III], mesmo apenas começado, evidentemente, pretendia retomar, de maneira mais determinada, o capítulo XXIV do livro I, a luta de classes, a expropriação dos expropriadores, a derrocada do sistema capitalista (p.92 in Pensando com (ou contra) Marx? Sobre o método dialético de O capital, in Crítica Marxista, nº8, 1999, editora Xamã, São Paulo. Assim, em 1868, descrevendo o plano final de sua obra, Marx enviava carta a Engels, afirmando:...as fontes de ingresso das três classes, dos proprietários da terra, dos capitalistas e dos trabalhadores assalariados a luta de classes (Klassenkampf ; grifo do próprio Marx) como conclusão (Schluss), na qual o movimento se dissolve e dissolução de toda essa merda (Auflösung der ganzen Scheisse) (MEW, 32, carta de 30/4/1868, p. 75). 11
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