PODER JUDICIÁRIO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara

Transcrição

1 APELAÇÃO SEM REVISÃO N /1 NOVO HORIZONTE Apelante: Ana Rosa Marcondes Machado Apelado : Sandro Tadao Sujuki ESTATUTO DA TERRA. CONTRATOS DE PARCERIA AGRÍCOLA E DE CESSÃO ONEROSA DE DIREITOS A ELE RELACIONADOS. Duas são as relações jurídicas que ligam os contratantes, cada qual com o seu regime jurídico: a) A pretendida alteração do contrato original implicaria em distrato, total ou parcial, da avença primitiva, exigindo equivalente instrumentação nos termos do artigo do Código Civil. b) O Instrumento Particular de Venda e Compra de Direitos de Parceria não se refere a qualquer modificação do vínculo juridico anterior (parceria) para a criação de um novo (arrendamento). Simplesmente definiu a cessão de direitos e a forma de pagamento. A parceria agrícola continuou unindo os contratantes, apenas com os direitos da parceriaoutorgante adquiridos pelo parceiro-outorgado. Os contratos são válidos porque preenchem os requisitos essenciais, de maneira especial, o preço, a coisa e o consentimento. Mas a fixação de valores em desacordo com a legislação de regência não pode prevalecer porque não se afigura como o melhor critério diante da natureza e das conseqüências dos fatos. Voto n º Visto. SANDRO TADAO SUJUKI ingressou com AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULA CONTRATUAL DE CONTRATO DE PARCERIA AGRÍCOLA contra ANA ROSA MARCONDES MACHADO, partes qualificadas nos autos, perseguindo a modificação da cláusula que prevê o porcentual 1 dos parceiros e daquela que restringe a livre disposição sobre a venda dos produtos. 1 - Porcentagem. Da loc. por cento + agem. Parte proporcional calculada sobre uma quantidade de 100 unidades: Igual a percentagem, do lat. per centum = por cento + agem

2 Formalizada a angularidade, em audiência a conciliação foi rejeitada e a Requerida ofereceu contestação, que foi impugnada. Houve a entrega da prestação jurisdicional acolhendo em parte o pedido para determinar: a) A modificação da cláusula 4 a do contrato particular de parceria agrícola, para nela constar que a PARCEIRA-OUTORGANTE receberá uma parte de 10%... da produção colhida na área. O PARCEIRO- OUTORGADO, por sua vez, ficará com 90%... da produção colhida na área da parceria. b) A modificação da cláusula 3 a do instrumento particular de venda e compra de direitos de parceria e outras avenças, para nela constar que os direitos da parceira-outorgante na produção colhida são vendidos ao parceiro-outorgado pelo preço de 36,6 sacas de 60 Kg... de milho por alqueire/ano, mantendo-se o contrato quantos aos demais termos... (folha 513). ANA ROSA MARCONDES MACHADO apelou. Argumenta que:... na formalização deste documento particular de venda e compra de direitos, houve a verdadeira transformação do contrato de parceria em contrato de arrendamento... (folha 520).... examinando a r. sentença apelada, tem-se que houve excessivo rigor formal de seu prolator ou, ainda, desvio de perspectiva com relação a interpretação de ditos contratos... (folha 521).... no contrato em questão, a verdadeira intenção das partes foi a de firmar contrato de arrendamento, em razão de suas próprias peculiaridades... (folha 527). SANDRO TADAO SUJUKI rebateu:... insiste a apelante em sustentar a inexistência de um contrato de parceria, entendendo que a lide envolve um arrendamento... (folha 532).... ante a soberba fundamentação da V. Sentença, a impotência jurídica da peça recursal em dar outro rumo ao entendimento jurídico em tela e, em especial, o reconhecimento do direito do autor sustentado pela legislação, doutrina e jurisprudência trazidos ao feito, tem a defesa absoluta confiança que - 2 -

3 esse preclaro Tribunal ad quem manterá o R. Julgamento na forma em que foi prolatado... (folha 536). É o relatório, adotado no mais o da r. sentença. A Lei n /64 e o Decreto n /66 definem o arrendamento rural e a parceria agrícola, destacando os pontos comuns e as distinções. Não importa o nomen juris atribuído pelas partes, pois ao juiz compete definir a natureza jurídica do contrato nos casos submetidos à sua apreciação É certo que o contrato pode eventualmente ser alterado de parceria para arrendamento 2, mas não é o que ocorreu na hipótese sub judice. As partes firmaram um contrato de parceria agrícola com todos os elementos e, após, um (segundo) contrato de cessão onerosa de direitos a ele relativos. Duas são as relações jurídicas que ligam os contratantes, cada qual com o seu regime jurídico. A pretendida alteração do contrato original implicaria em distrato, total ou parcial, da avença primitiva, exigindo equivalente instrumentação nos termos do artigo do Código Civil 3. O documento de folha 13 não se refere a qualquer modificação do vínculo jurídico anterior (parceria) para a criação de um novo (arrendamento). Simplesmente definiu a cessão de direitos e a forma de pagamento. A parceria agrícola continuou unindo os contratantes, apenas com os direitos da parceiraoutorgante adquiridos pelo parceiro-outorgado. Só isso. Eventual rescisão da cessão de direitos, porque independente, faria as partes retornarem ao status quo ante. E a Apelante só não... tem a ver com o sucesso da lavoura... (folha 525) porque cedeu seus direitos, que representavam porcentual sobre os frutos, para o Apelado. A Apelante faz confusão entre a modificação da titularidade do direito conferido pelo contrato com a alteração do próprio contrato. 2 - Decreto nº /66, artigo O distrato faz-se pela mesma forma que o contrato

4 Não é possível pretender a modificação do todo se apenas foi transferida a titularidade de parte dele, sem reflexos. E a questão é de fácil compreensão porque eventuais cessões de direitos para terceiros (não os contratantes), não iriam transformar o contrato de pareceria agrícola em arrendamento rural. Então não é pelo fato de que os direitos foram cedidos entre as próprias partes que isso ococrreu. Independente da denominação que se queira dar à avença, o fato é que se trata de parceria agrícola, cuja hipótese deve submissão aos ditames do estatuto da terra. Não convencem as alegações da Apelante no sentido de que o aditamento a transformou em "arrendamento rural. Na parceria agrícola, o lucro é sempre representado por uma quota ou percentual, sofrendo reflexo do êxito ou malogro da colheita, ao contrário do arrendamento rural em que a remuneração é certa e independe de ter havido, ou não, sucesso na exploração das terras 4. Rejeitado o argumento principal, o caso era mesmo de procedência parcial do pedido. Os contratos são válidos porque preenchem os requisitos essenciais, de maneira especial, o preço, a coisa e o consentimento. Mas a fixação de valores em desacordo com a legislação de regência não pode prevalecer porque não se afigura como o melhor critério diante da natureza e das conseqüências dos fatos. Não houve contrariedade formal à alegação inicial de que... a parceira outorgante ofereceu ao parceiro outorgado, apenas e tão somente uma gleba de terras absolutamente nua... (folhas 4/5). A r. sentença bem decidiu que:... Estabelece o Decreto Nº , no artigo 35, I, que na partilha dos frutos da parceria a cota do parceiro outorgante não pode ser superior a 10% quando ele concorrer apenas com a terra nua. No parágrafo 3º, o Decreto Nº estabelece a nulidade dos acordos de divisão de produtos que contrariem os percentuais fixados no artigo 35. Por fim, o artigo 2º, assim como o parágrafo único do mencionado decreto, 4 - JTA (RT) 127/

5 estabelecem a obrigatoriedade de todos os contratos agrários adotarem as suas normas, atribuem a característica de irrenunciabilidade aos direitos e vantagens instituídos e tornam nula qualquer estipulação que contrarie as normas estabelecidas neste artigo 2º. Confrontada com a norma legal, a cláusula 4ª do contrato é nula de pleno direito, pois estabelece, quanto ao parceiro-outorgante, participação superior a 10% na partilha dos produtos. Rejeita-se a alegação da ré, relativa à permissão legal para que se afaste o carater cogente das normas de direito agrário. De fato, as normas que regem os contratos agrários são irrenunciáveis, e sua obrigatoriedade não pode ser afastada pelas convenções particulares, por expressa disposição legal. As normas mencionadas pela ré não afastam a obrigatória observância das normas acima referidas... (folhas 510/511). E com a redução do porcentual sobre a participação da Apelante no contrato de parceria agrícola, mostra-se justo o equacionamento com valor da cessão desse direito, na mesma proporção: se houve redução de 2/3 da sua cota nos frutos, o preço certo e ajustado para a cessão (dessa cota) deve sofrer igual diminuição (2/3). A sentença de primeiro grau deu adequado desate à lide e merece ser prestigiada. Inspirando-se em valores de nítido alcance social, o chamado Estatuto da Terra visa a assegurar os objetivos político-fundiários a que se propõe, evitando a exploração do homem do campo pelo proprietário da terra. Este o fundamento básico e transparente de suas limitações à autonomia privada, nos contratos agrários, cujas cláusulas, desconformes com as regras imperativas da lei (ius cogens), se consideram nulas e inoperantes, por que irrenunciáveis os direitos e vantagens nela instituídos (art. 2º e parágrafo único do Decreto , de 14 de novembro de 1966). Daí, a invalidade das disposições negociais que, acordando participação nos frutos, desatendam aos princípios e aos limites máximos da cota do proprietário, qualquer que seja a natureza da lavoura 5. recurso. Em face ao exposto, nega-se provimento ao 5-2º TACivSP - Ap. Sum ª Câm. - Rel. Juiz CEZAR PELUSO - J

6 IRINEU PEDROTTI Relator - 6 -