Da Atenção Primária Ambiental para a Atenção Primária em Saúde Ambiental: construção de espaços saudáveis e convergências no Brasil
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- Cláudio de Sousa Carvalho
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1 Da Atenção Primária Ambiental para a Atenção Primária em Saúde Ambiental: construção de espaços saudáveis e convergências no Brasil Fernando Ferreira Carneiro (Coordenação Geral de Vigilância Ambiental em Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde CGVAM/SVS/MS - fernando.carneiro@funasa.gov.br), Márcia Moisés (CGVAM/SVS/MS), Frederico Peres (Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana FIOCRUZ), Waltency Roque de Sá e Valéria Andrade Bertolini (Centro Mineiro de Estudos Epidemiológicos e Ambientais CEMEA). A Reforma Sanitária Brasileira possibilitou a construção de um Sistema Único de Saúde que faz do Brasil ser considerado um dos únicos países latino-americanos que preservou a saúde, ainda que não na totalidade dos serviços, da onda neoliberal de privatização, garantida em nossa constituição como um direito de todos e dever do estado. Entretanto, o SUS ainda não rompeu com a medicalização de nossa sociedade. As pressões relacionadas à assistência médica ainda dominam o orçamento e a pauta política da maior parte dos municípios brasileiros, em detrimento das questões de promoção da saúde (principalmente nas ações que atuam antes do acontecimento dos agravos à saúde). Este artigo busca realizar uma reflexão crítica sobre as possibilidades de transformação deste modelo à partir do desenvolvimento da integração de estratégias intersetoriais e de participação social na construção de espaços saudáveis. Trataremos este desafio por meio da estratégia da Atenção Primária Ambiental-APA, não com o objetivo de valorizá-la em detrimento de outras estratégias que serão abordadas como a Agenda 21 Local, Municípios Saudáveis, Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável; mas para mostrar que existem possibilidades de integração que podem preservar a identidade de qualquer uma destas. De acordo com a Organização Pan-americana da Saúde ( ), A atenção primária ambiental é uma estratégia de ação ambiental, basicamente preventiva e participativa em nível local, que reconhece o direito do ser humano de viver em um ambiente saudável e adequado, e a ser informado sobre os riscos do ambiente em relação à saúde, bem-estar e sobrevivência, ao mesmo tempo que define suas responsabilidades e deveres em relação à proteção, conservação e recuperação do ambiente e da saúde. 1 Atenção Primária Ambiental (APA). Organização Pan-americana da Saúde Divisão de Saúde e Ambiente: Programa de Qualidade Ambiental. Washington, D.C. 1999
2 As bases para o conceito de Atenção Primária Ambiental encontram-se na vertente da Atenção Primária em Saúde (APS), definida na Declaração de Alma-Ata ( ) como a assistência sanitária essencial baseada em métodos e tecnologia práticos, cientificamente fundamentados e socialmente aceitáveis, colocada ao alcance de todos os indivíduos e famílias da comunidade mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam suportar, em todas e cada uma das etapas de seu desenvolvimento, com um espírito de auto-responsabilidade e autodeterminação. A APA baseia-se nos valores da APS porém inclui também a descentralização, a interdisciplinaridade, a intersetorialidade, a participação ativa e efetiva, a organização, a prevenção e proteção do entorno, a diversidade, a co-gestão, e a solidariedade. Procura valorizar as ações orientadas a mudanças nos modos de produção, consumo e práticas que deterioram o ecossistema. Entretanto, já se pode fazer uma crítica a expressão utilizada para caracterizar a estratégia, pois no Brasil as iniciais se confundem com o termo APA - Área de Proteção Ambiental. Além desta questão não se utiliza a terminologia "Atenção Secundária ou Terciária Ambiental". Como a APA é uma estratégia promovida pelo setor saúde, o termo novamente carece de qualquer referência a este, o que pode contribuir para a confusão de competências entre os setores de saúde e ambiente. Frente a esta questão propomos a redefinição de APA para Atenção Primária em Saúde Ambiental (APSA). Esta definição busca respeitar o setor saúde como promotor do processo e recoloca a saúde ambiental como o objeto agregador das ações no nível local. No Brasil, as discussões sobre Atenção Primária a Saúde inspiraram a definição da estratégia da Atenção Básica. Enquanto a primeira se baseia nos princípios de Alma Ata que preconizam a realização de ações que privilegiem o nível local, multisetoriais, com tecnologias apropriadas e participação social; a segunda já significou a adaptação desta estratégia ao contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. A estratégia da APSA no Brasil somente ganha sentido se visualizada como um componente da atenção básica. Afinal, seus princípios focalizam o papel do nível local na construção de espaços saudáveis. 2 Declaração de Alma-Ata. Conferência Mundial da Saúde de Alma-Ata
3 Mesmo com a implantação do Programa Saúde da Família -PSF no contexto da atenção básica, este ainda conta com um enorme desafio em termos da aplicação sistemática dos princípios da APSA em sua prática. O PSF vem avançando na perspectiva da melhoria do acesso das populações à assistência e aos cuidados médicos. Quanto às ações sobre o meio as equipes ainda necessitam de formação específica. Mesmo assim, percebe-se que existe uma grande demanda da população para que as ações do programa possam se voltar para o cuidado com a água, lixo, saneamento e etc) 3. Em face deste contexto é fundamental o desenvolvimento de estratégias participativas e de co-gestão direcionadas para a construção de espaços saudáveis, para que o trabalho não reproduza e legitime os saberes médico-científicos calcados na medicalização e na assistência curativa, fortemente subsidiada pelo capital industrial químico-farmacológico. Entretanto, existem possibilidades de mudança deste quadro que pode ser percebida na própria definição da Atenção Básica pelo MS que inclui que a ampliação deste conceito se torna necessária para avançar na direção de um sistema de saúde centrado na qualidade de vida das pessoas e de seu meio ambiente 4. Implementar as ações de APSA nesta estratégia é, portanto, um grande desafio, que choca com os mecanismos de mercado que contribuem para a medicalização de nossa sociedade, para o reforço da atenção terciária e para as ações que tentam inviabilizar a participação da sociedade nos processos de gestão. Um primeiro passo contra esta tendência foi a criação do Grupo de Trabalho de APA e Agenda 21 no SUS GT APRIMA no âmbito da Comissão Permanente de Saúde Ambiental do Ministério da Saúde - COPESA. Esta comissão tem como função assessorar o MS na construção da política nacional de saúde ambiental. Já o GT APRIMA vem propiciando relatos de experiências e discussões sobre a temática da construção de ambientes saudáveis, com objetivo de estabelecer com alguns agentes de processo de transformação e mudança, a ampliação do grau de comprometimento das instituições e organizações para um desenvolvimento sustentável, humano e solidário a partir do olhar da saúde. Este grupo já inaugurou um canal de diálogo com a sociedade civil organizada por meio da participação em suas reuniões de integrantes do Conselho Nacional de Saúde, 3 MINISTÉRIO DA SAÚDE,. Relatório de Avaliação do PSF,1999. Disponível em < 4 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Manual para a organização da Atenção Básica. Brasília: Secretaria de Assistência à Saúde, 3 a Edição, junho de 1999.
4 Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento Popular de Saúde e setores de governo como a Agenda 21, Ministério da Educação, Fundação Nacional de Saúde, áreas técnicas do Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde/Coordenação de Vigilância Ambiental em Saúde, Secretaria de Gestão Participativa e outras) organismos internacionais como a OPAS, no sentido de desenvolver mecanismos de implantar a APA e a Agenda 21 no SUS. Este trabalho, entretanto, ainda encontra-se em estágio embrionário. Paralelamente, novas iniciativas têm se desenvolvido no nível local refletindo as discussões que este GT tem potencializado. Podemos citar a experiência de mapeamento ambiental de riscos a saúde desenvolvida pelo Consórcio Ambiental da Macro Região número 5 no Estado do Rio de Janeiro. Esta área também denominada região dos Lagos, é responsável pela produção de mais de 80% do petróleo brasileiro. O processo envolve o governo em seus níveis federal, estadual e municipal em diálogo com a sociedade civil organizada e ambiciona realizar um amplo diagnóstico dos riscos ambientais à saúde de forma a promover ações de Atenção Primária Ambiental em Saúde Ambiental para mitigar estes riscos. Caso esta metodologia fosse empregada corretamente na região de Cataguases/MG, onde ocorreu o rompimento da barragem de resíduos da Indústria de Papel Cataguazes com o respectivo derramamento destes nos rios da região, em abril de 2003, as chances para se evitar este grave acidente poderiam ser maiores. Iniciativas neste sentido, que também fomentam a construção de indicadores de saúde ambiental no nível local também estão sendo realizadas no âmbito do Complexo do Alemão no Município do Rio de Janeiro/RJ e em municípios do Espírito Santo, Região Sul e Nordeste. Em relação ao campo, a discussão desta estratégia tem encontrado um espaço privilegiado no âmbito do MST. Praticamente, a temática tem sido trabalhada em todos os espaços de formação desenvolvidos pelo setor de saúde do Movimento. Isto envolve desde o módulo de saúde ambiental de seu curso técnico em saúde comunitária até os encontros regionais dos coletivos de saúde. Em perspectiva se apresenta a possibilidade de construção de uma nova estratégia: o Campo Saudável. Como um resultado concreto das articulações do GT APRIMA foi realizada uma parceria inédita com o Ministério do Meio Ambiente/Fundo Nacional do Meio Ambiente com lançamento do Edital para financiamento de projetos relacionados à Agenda 21 Local, que incorporou a utilização da ferramenta da APSA. Ou seja, estamos iniciando o
5 desenvolvimento de uma integração transversal das iniciativas, preservando suas definições e espaços de atuação, mas agregando novos olhares. Iniciativas como a de APSA, Agenda 21 Local, Municípios Saudáveis, Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável DLIS, possuem na sua essência princípios em comum como os apresentados a seguir: Quadro 1: Conceitos e convergências Estratégias Conceitos Agenda 21 Local Municípios/Cid ades ou Comunidades Saudáveis Desenvolviment o Local Integrado e Sustentável É um processo de desenvolvimento de políticas para o alcance da sustentabilidade, cuja implementação depende, diretamente, da construção de parcerias entre o Poder Público e a Sociedade Civil, representando um dos maiores desafios à sua implementação. Sua formulação resulta em um cenário para o futuro e para o desenvolvimento sustentável ( É uma filosofia e também uma estratégia que permite fortalecer a execução das atividades de promoção da saúde como a mais alta prioridade dentro de uma agenda política local. Uma cidade saudável, na definição da OMS, "... é aquela que coloca em prática de modo contínuo a melhoria de seu meio ambiente físico e social utilizando todos os recursos de sua comunidade". Um dos principais pilares desta iniciativa é a ação intersetorial ( É uma estratégia de indução ao desenvolvimento que prevê a adoção de uma metodologia participativa, pela qual mobilizam-se recursos das comunidades, em parceria com atores da sociedade civil, de governos e empresas, em todos os níveis, para a realização de diagnósticos da situação de cada localidade, a identificação de potencialidades, a escolha de vocações e a confecção de planos integrados de desenvolvimento ( Elementos de Convergência Participação Social Intersetorialidade Desenvolvimento Sustentável Entretanto, como estas iniciativas constituem movimentos de diferentes setores (saúde, ambiente, etc.,) não há uma reflexão sobre como estas estratégias possam ser integradas no nível local, foco principal de todas elas. Isto acontece principalmente quando estes processos criam movimentos coorporativos. Um município passaria por dificuldades em escolher uma destas iniciativas para implementar suas ações, principalmente no caso de querer utilizá-las criando comissões específicas. Nosso desafio é avaliar como estes princípios possam ser aplicados a nível local de forma integrada e coerente. Até mesmo os sistemas de vigilância devem conter componentes que possibilitem a vigilância cidadã de seu ambiente para se alcançar uma vida mais saudável. Existem muitos
6 contextos, principalmente o das populações mais isoladas que vivem no campo e que necessariamente exigem esta estratégia, o que implicará no desenvolvimento de uma vigilância participativa de suas condições ambientais que tenham repercussão na saúde. Estas iniciativas (APSA, Agenda 21 Local e etc) devem ser incorporadas como um componente de todos os subsistemas do Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde - SINVAS. A Vigilância da qualidade da água, do ar, solos, desastres, substâncias químicas e etc devem buscar parcerias que possam ir além do âmbito estritamente governamental. Um dos importantes desafios trazidos pelo Governo Lula no Brasil nos coloca a possibilidade de construir a organicidade das políticas públicas, ou seja, a sociedade civil organizada participando das decisões e dos processos de implementação das ações de governo. Para este diálogo e construção com a sociedade, novas ferramentas adaptadas a esta tarefa terão que se desenvolver. Metodologias simplificadas, tecnologias adaptadas, utilização de práticas pedagógicas problematizadoras e participativas, que valorizem a criticidade e a criatividade terão que ser construídas para contribuir na abordagem dos problemas de saúde ambiental visando a construção de uma sociedade mais justa e sustentável. O encontro das iniciativas que adotam a participação social e a intersetorialidade rumo a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável neste VII Congresso da ABRASCO, a continuidade da articulação alcançada entre os movimentos sociais no campo da saúde & ambiente no III Fórum Social Mundial, e a realização das Conferências das Cidades, Ambiente e da Saúde serão grandes oportunidades para consolidação de novas políticas públicas, mais comprometidas com a construção de um Projeto Popular para o Brasil.
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