COMARCA DE PORTO ALEGRE 10ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10

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1 COMARCA DE PORTO ALEGRE 10ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10 Nº de Ordem: Processo nº: 001/ Natureza: Ordinária - Outros Autor: Mirela dos Santos Guedes Réu: Habitasul Crédito Imobiliário S.A. Juiz Prolator: Juíza de Direito - Dra. Patricia Fraga Martins Data: 18/12/2009 Vistos etc. MIRELA DOS SANTOS GUEDES ajuizou AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA COM PACTO ADJETO DE HIPOTECA COM PEDIDO LIMINAR DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA DE SUSPENSÃO DE LEILÃO contra HABITASUL CRÉDITO IMOBILIÁRIO S/A, todos qualificados na exordial. Asseverou que firmou com a parte ré Contrato Particular de Compra e Venda com Pacto Adjeto de Hipoteca, em 15/04/2003, sendo que a avença encontra-se eivada de vício e deve ser revisada. Teceu considerações sobre a natureza do contrato firmado entre as partes e sua finalidade, e postulando pela exclusão da Tabela Price, devendo ser expurgado do contrato qualquer forma de capitalização de juros, com a adoção da forma simples ou linear no cálculo dos juros. Pugnou pela antecipação de tutela determinando a suspensão do leilão do imóvel e, no mérito, pela procedência da ação para ser declarada a abusividade da 1

2 aplicação da Tabela Price, bem como, sejam as parcelas recalculadas adotando a forma simples ou linear dos juros, autorizada a compensação e/ou repetição de indébito. Juntou documentos. O pedido de tutela antecipada foi deferido (fl. 63/64). Em resposta, a parte ré aduziu quanto a legalidade da utilização da Tabela Price e quanto a não existência de capitalização de juros nos contratos do Sistema Financeiro de Habitação. Impugnou os valores indicados pela parte autora na exordial como corretos. Afirmou não ser aplicável o Código de Defesa do Consumidor nos contratos celebrados sob a normas do SFH. Descabe a repetição do indébito. Os índices aplicados às prestações e ao saldo devedor estão corretos, logo, não possui a parte requerente direito à devolução nem compensação de valores. Requereu a improcedência da ação. Acostou documentos. A parte autora não se manifestou em réplica. É O RELATÓRIO.DECIDO. Na forma do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, despicienda a produção de provas em audiência, sendo a matéria exclusivamente de direito. Assim, passo ao julgamento antecipado da lide. DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR EM CONTRATOS REGIDOS PELO SFH Deve ser reconhecida a incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos regidos pelo SFH. O STJ editou a Súmula 297, estabelecendo que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável as instituições financeiras, tendo a jurisprudência pacificado o entendimento de que tal súmula aplica-se, também aos contratos de financiamento imobiliário regidos pelo SFH. 2

3 Nesse sentido: PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. MÚTUO HABITACIONAL. CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INCIDÊNCIA. ABUSIVIDADE NÃO EVIDENCIADA. TAXA REFERENCIAL. ORIENTAÇÃO PACÍFICA. 1. A jurisprudência deste STJ é unânime em admitir a incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Entretanto, há que se comprovar a existência de abusividade nas cláusulas contratuais, o que não se verificou na espécie. 2. Orientação pacífica desta Corte Superior no sentido de ser possível a utilização da Taxa Referencial - TR como índice de correção monetária nos contratos de financiamento habitacional, ainda que anterior ao advento da Lei n.º 8.177/ Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos modificativos, tão-somente para esclarecer que é possível a utilização da Taxa Referencial - TR como índice de correção monetária nos contratos de financiamento habitacional. (EDcl no REsp /PR, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 02/02/2009) Porém, apenas para não deixar in albis, refiro que o reconhecimento da incidência do retro citado diploma legal no contrato em análise leva a possibilidade de revisão de cláusulas contratuais desde que verificada a abusividade e mediante pedido expresso da parte interessada, na 3

4 medida em que a jurisprudência do STJ, (Súmula nº 381), expressamente afastou a possibilidade do julgador reconhecer de ofício a abusividade das cláusulas contratuais. CAPITALIZAÇÃO DA TABELA PRICE / DO ANATOCISMO E DA Deve ser afastada a aplicação da Tabela Price. Ao revés do asseverado pela parte ré a Tabela Price configura a prática de anatocismo o que é vedado em lei, pois ela calcula as prestações mensais composta de juros e amortização do saldo devedor, sendo que grande parte das prestações iniciais tem por finalidade o pagamento de juros e o restante é que irá amortizar o saldo devedor, apenas com o passar do tempo e com o decorrer dos adimplementos das prestações mensais é que a situação se inverte, e, se passa a pagar um menor percentual dos juros e um maior percentual de amortização do saldo devedor. Não se pode olvidar que há incidência de capitalização de juros no referido sistema, na medida em que os juros são calculados por ocasião de cada pagamento, incidente sobre o saldo devedor e, como, apenas a parte relativa a amortização é deduzida do saldo devedor, os juros acabam não sendo abatidos, o que leva a uma amortização menor e pagamento de juros maiores em cada prestação. A capitalização dos juros somente é possível nas situações autorizadas por lei, com, por exemplo, nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial, estando em pleno vigor o art. 4º, do Decreto-lei /33 e a Súmula 121 do STF, que vedam a capitalização de juros fora do previsto em lei, isto é, em contrato de financiamento como o presente. Manifesta-se a jurisprudência: 4

5 SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA, COM PACTO ADJETO DE HIPOTECA, CESSÃO E OUTRAS AVENÇAS. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO PACTO E INCIDÊNCIA DO CDC NA ESPÉCIE. Não há impossibilidade de revisão e as negociações que envolvem o crédito bancário, por traduzirem relação de consumo, sujeitam-se à disciplina da lei 8.078/90. JUROS REMUNERATÓRIOS. Os juros nos contratos de financiamento habitacional estão limitados em 12% ao ano pela Lei nº 8.692/93, art. 25. No caso, os juros foram pactuados dentro do limite legal. TABELA PRICE. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. O sistema Price consubstancia acumulação mensal de juros e configura capitalização. Afasta-se a incidência da Tabela Price, adotando-se o método de cálculo de juros simples. Inadmissível capitalização em qualquer periodicidade, por ausência de previsão legal. CORREÇÃO MONETÁRIA DO SALDO DEVEDOR. REMUNERAÇÃO BÁSICA DOS DEPÓSITOS DE POUPANÇA. UTILIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL - TR. AFASTAMENTO DOS JUROS DE 0,5% COMO COMPONENTE DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA POUPANÇA. A TR é o indexador da Caderneta de Poupança, enquanto que a remuneração das Cadernetas de Poupança, além da TR, inclui juros. No presente caso, impõe-se o fastamento dos juros de 0,5% ao mês como componente do índice de remuneração da poupança, devendo permanecer apenas o reajuste pela variação da TR. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. Viável, na forma simples, por aplicação do CDC. Admissível a compensação. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. (Apelação Cível Nº , Nona Câmara Cível, Tribunal de justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini 5

6 Bernardi, Julgado em 14/10/2009) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. HSBC. SFH. CONTRATO DE COMPRA E VENDA, COM PACTO ADJETO DE HIPOTECA, CESSÃO E OUTRAS AVENÇAS. CARTEIRA HIPOTECARIA a alegação do mutuante de que o contrato se enquadra na modalidade de carteira hipotecária não resultou satisfatoriamente demonstrada, porque o contrato foi celebrado de acordo com o art. 61, 5º e 6º da lei 4.380/1964, legislação que regulamenta o sistema financeiro da habitação ANTECIPAÇÃO DE TUTELA: a) CADASTRO DE INADIMPLENTES. É ilícita a conduta da ré que inscreve o nome da autora nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito em descumprimento à decisão judicial que determinou que se abstivesse de tal conduta até o trânsito em julgado da decisão da ação revisional ajuizada; b) DA ONEROSIDADE DA MULTA FIXADA Em relação ao quantum da astreinte, entendo que o valor de R$ 100,00/dia, efetivamente não se revela por demais elevado, para fixação da multa ora determinada. Cabe frisar que a pena não poder ser baixa a ponto de não inibir o réu a cumprir a determinação judicial, também não poderá ensejar enriquecimento sem causa, mas, deve ser alta o suficiente para fazer o réu sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o valor da multa fixada pelo juiz. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. AFASTADA. inadmissível a capitalização de juros em qualquer periodicidade. TABELA PRICE. Mostra-se absolutamente ilegal a utilização da Tabela Price no contrato em revisão, devendo ser substituída pelo sistema de amortização de juros lineares e observados os juros nominais. REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. Inviável a repetição do indébito em dobro (art. 42, parágrafo único, do CDC), que só tem lugar quando 6

7 demonstrado erro ou má-fé na cobrança, o que não se dá quando está o banco a exigir o crédito nos moldes do contrato. Viável, na forma simples, por aplicação do CDC. Admissível a compensação. PREQUESTIONAMENTO. Dá-se por prequestionadas as disposições legais mencionadas no apelo. NEGADO PROVIMENTO AO APELO. SENTENÇA CONFIRMADA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº , Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em 16/09/2009) Assim, tratando-se de contrato de financiamento habitacional não é possível a capitalização de juros em qualquer periodicidade, devendo ser afastada a utilização da Tabela Price, sendo os juros contratados, cobrados pela forma simples ou linear, pela taxa nominal de 7,800%ao ano que consta na avença e, não a taxa de 8,085%, pois apesar de inferior à 12% ao ano, é taxa efetiva e, via de consequência esta capitalizada, o que não é permitido conforme retro citado. DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DA COMPENSAÇÃO/DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS À MAIOR Em tendo sido revisada a avença cabível a compensação/devolução dos valores pagos eventualmente a maior, na forma simples. Não é possível a repetição do indébito em dobro, como estabelecido no art. 42, paragrafo único, da Lei nº 8.078/1990, uma vez que não comprovada a má-fé ou culpa do credor essenciais a aplicação da penalidade. Sobre o tema: CONSUMIDOR. REVISÃO CONTRATUAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO.RESTITUIÇÃO EM DOBRO 7

8 DE VALORES PAGOS A MAIOR. PENALIDADE PREVISTA NO ART. 42 DO CDC. ELEMENTO SUBJETIVO. NECESSIDADE. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem procedeu à revisão das prestações e do saldo devedor de contrato de financiamento imobiliário regido pelo Plano de Equivalência Salarial do SFH e determinou o abatimento do valor pago a maior nas parcelas vincendas. 2. A recorrente se insurge contra a negativa da restituição em dobro do montante indevidamente cobrado, ao argumento de que tal medida independe da existência de má-fé ou de culpa da parte contrária. 3. A ressalva quanto ao erro justificável, constante do art. 42, parágrafo único, do CDC, afasta a aplicação da penalidade nele prevista de forma objetiva, dependendo, ao menos, da existência de culpa. Precedentes do STJ. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp /RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 24/03/2009) DAS TUTELAS ANTECIPADAS. Revisada a avença e sendo reconhecido que a parte ré, em razão de encargos considerados abusivos, exige valor superior ao efetivamente devido, sendo que tal valor será determinado em sede de liquidação de sentença, mantenho a tutela antecipada concedida nas folhas 63/64. ANTE O EXPOSTO, mantenho a tutela antecipada concedida e julgo procedente o pedido revisional deduzido por MIRELA DOS SANTOS GUEDES contra HABITASUL CRÉDITO IMOBILIÁRIO S/A, para: 8

9 a) reconhecer que incide sobre o contrato em análise as normas do Código de Defesa do Consumidor; b)determinar o afastamento da Tabela Price, sendo os juros contratados, cobrados pela forma simples ou linear, pela taxa nominal de 7,800% a.a; maior; c) determinar a compensação simples dos valores cobrados à e)manter os demais termos do contrato. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado ao procurador da parte contrária que fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigidos monetariamente pelo IGP-M, a partir dessa data, observadas as diretrizes do art. 20, 4º do CPC, considerando o trabalho desenvolvido na demanda e a ausência da produção de provas em audiência. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Porto Alegre, 18 de dezembro de Patricia Fraga Martins, Juíza de Direito 9