PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 3ª REGIÃO

Transcrição

1 Recorrente: Recorrido : CENCOSUD BRASIL COMERCIAL LTDA. VERA LUCIA DOS SANTOS EMENTA: PERÍCIA. NÃO ACOLHIMENTO DA CONCLUSÃO. POSSIBILIDADE. Em que pese o resultado da perícia desfavorável à reclamante, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, nos termos do art. 436 do CPC. Vistos etc. RELATÓRIO O MM. Juiz da 2ª Vara do Trabalho de João Monlevade/MG, Newton Gomes Godinho, mediante sentença de fls. 536/543, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados na inicial, para condenar a reclamada a pagar para a reclamante as seguintes parcelas: a) adicional de insalubridade, em grau médio, à razão de 20% sobre o salário mínimo legal, pelo período contratual imprescrito, incidindo reflexos sobre aviso prévio, férias mais 1/3, 13º salários e FGTS mais 40%; b) horas extras, observando-se a jornada fixada, devendo ser consideradas, como extras, as horas laboradas acima da 44ª semanal, devendo, ainda, ser acrescidas do adicional legal, observando-se os dias efetivamente laborados, conforme controles juntados aos autos, incidindo reflexos sobre aviso prévio, férias mais 1/3, 13º salário, RSR e FGTS mais 40%. A reclamada apresentou recurso ordinário à fl Apresentadas contrarrazões à fl Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 82 do Regimento Interno deste Regional. É o relatório. VOTO formalidades legais. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Conheço do recurso ordinário, porquanto cumpridas as

2 JUÍZO DE MÉRITO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE A reclamada não se conforma com a condenação ao pagamento do adicional de insalubridade. Assim decidiu o Juiz a quo: O pleito em epígrafe foi objeto de prova pericial (fls. 503/513), tendo sido apurado que a reclamante exercia as atividades descritas no item 6 de fl. 505, ficando constatada a exposição da obreira ao agente físico frio, durante o exercício das atividades apontadas no subitem de fl. 506, as quais ocorriam no interior das câmaras frias. Conforme apurado na prova pericial (fl. 506), as atividades de colocar, acondicionar e retirar os produtos perecíveis no interior das câmaras frias ocorriam, em média, três vezes por dia, com tempo médio de um minuto por vez, e as atividades de limpeza de câmaras frias ocorriam, em média, uma vez por semana, com tempo médio de 20 minutos. Ao final, concluiu o perito pela descaracterização da insalubridade, sob o fundamento de que as exposições ao agente físico frio ocorriam de forma eventual. Neste ponto, o Juízo deixa de acolher o laudo pericial, não apenas em razão do quadro fático delineado pelo próprio perito, no subitem do laudo, à fl. 506, que denota exposição intermitente, jamais eventual, mas também em razão da prova oral colhida, que, no particular, deixou clara a exposição habitual da reclamante ao agente físico frio, sem uso do equipamento de proteção. A outra conclusão não se pode chegar ante as seguintes declarações:...que já presenciou a entrada da reclamante na câmara fria, o que acontecia de 15 a 20 vezes por dia; que a reclamante não usava protetor, porque o equipamento era pequeno para ela; que havia apenas 01 equipamento de proteção contra frio;... (cf. depoimento da testemunha Wilian da Cruz Valeriano, fl. 532)....que a reclamante entrava em câmara fria, sem usar equipamento de proteção contra frio, porque o equipamento não cabia na reclamante (cf. depoimento da testemunha Gislaine Cristina Campos, fl. 533)....que a reclamante entrava na câmara fria, para a retirada de material; que a reclamante não usava nenhuma proteção contra o frio, porque não havia roupa apropriada e suficiente, inclusive, pelo tamanho; era a reclamante entrava na câmara fria, todos os dias, várias vezes ao dia;... (cf. depoimento da testemunha Edivaldo de Assis Siqueira, fl. 533). Com efeito, ante o conjunto da prova, notadamente os depoimentos das testemunhas ouvidas, não há como deixar de se concluir pela habitual exposição da obreira ao agente físico frio. Neste contexto, levando-se em conta, ainda, o disposto na Súmula

3 47/TST, segundo a qual o trabalho executado, em caráter intermitente, em condições insalubres, não afasta, só por essa circunstância, o direito à percepção do respectivo adicional, tem-se por caracterizada a insalubridade, na hipótese dos autos. (fl. 538) Não cabe a reforma da v. sentença. A recorrente insiste que a exposição da recorrida ao frio era de forma eventual e que recebeu os EPIs necessários e suficientes para proteção. Não é o que as provas revelaram. Consta do laudo pericial (fl. 506) que uma das atividades da autora era colocar, acondicionar e retirar os produtos perecíveis no interior das câmaras frias, em média, três vezes por dia, com tempo médio de um minuto por vez, e outra atividade era de limpeza das câmaras frias, em média, uma vez por semana, com tempo médio de 20 minutos. O perito concluiu que a reclamante realizava de modo eventual as atividades no interior da câmara fria. Em que pese o resultado da perícia favorável à pretensão da reclamada, o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, nos termos do artigo 436 do CPC. No caso dos autos, não se pode considerar como eventual a exposição da recorrida ao agente físico frio, pois, aplicada por analogia a Súmula 364/TST ( Tem direito ao adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. ), eventual é considerado o fortuito. Tampouco pode ser considerada habitual por tempo extremamente reduzido, pois além da exposição diária por um minuto, havia uma exposição semanal por 20 minutos. A exposição da reclamante foi corretamente classificada em primeiro grau como intermitente, ou seja, não contínua. Por conseguinte, deixa-se de acatar a conclusão da prova técnica realizada, reconhecendo-se que a reclamante laborava exposta a condição insalubre. Até porquê as três testemunhas deram informações sobre a exposição ao frio em período superior ao constatado pelo perito. Vejamos: Wilian da Cruz Valeriano declarou que já presenciou a entrada da reclamante na câmara fria, o que acontecia de 15 a 20 vezes por dia; que a reclamante não usava protetor, porque o equipamento era pequeno para ela; que havia apenas 01 equipamento de proteção contra frio (fl. 532); Gislaine Cristina Campos declarou que a reclamante entrava em câmara fria, sem usar equipamento de proteção contra o frio, porque o equipamento não cabia na reclamante (fl. 533); Edivaldo de Assis Siqueira declarou que a reclamante entrava na câmara fria para a

4 retirada de material; que a reclamante não usava nenhuma proteção contra o frio, porque não havia roupa apropriada e suficiente, inclusive pelo tamanho; que a reclamante entrava na câmara fria, todos os dias, várias vezes ao dia (fl. 532). E a prova oral vai contra a alegação da recorrente de que fornecia à recorrida os EPIs necessários e suficientes para proteção, o que não restou comprovado. HORAS EXTRAS A reclamada não se conforma com o pagamento de horas extras. Alega a veracidade dos horários registrados nos cartões de ponto e a existência de acordo para prorrogação e compensação de horas de trabalho. Assim decidiu o Juiz a quo: A reclamante impugnou os controles de ponto juntados com a defesa, afirmando que os mesmos não espelham a real jornada cumprida, conforme salientado na inicial. A prova oral, corroborando as alegações da inicial, demonstra que, de fato, os horários consignados nos controles de jornada não denotam as jornadas efetivamente laboradas pela reclamante. É o que se conclui, ante as seguintes declarações:...que a reclamante trabalhava de 08:00 às 22:00 horas, em média; que, quando o depoente chegava, a reclamante já estava trabalhando; que o estabelecimento comercial reclamado fecha às 22:00 horas; que, na média de 05 vezes por semana, a reclamante saía do trabalho às 22:30 horas;...que acontecia de os empregados, inclusive a reclamante, marcarem o cartão de ponto e continuarem trabalhando;... cf. depoimento da testemunha Wilian da Cruz Valeriano, fl. 532)....que a reclamante começava a trabalhar em torno das 08:00 horas; que a depoente trabalhava até às 19:00 horas e, quando saía, a reclamante continuava em serviço; que era comum bater o cartão e continuar no trabalho;...que a reclamante trabalhava de 2ª a sábado;... (cf. depoimento da testemunha Gislaine Cristina Campos, fl. 533)....que cumpria jornada de 14:00 às 22:00 horas; que, quando chegava, a reclamante estava em serviço e, quando o depoente saía, às 22:00 horas, a reclamante continuava no trabalho;...que acontecia constantemente a prática de baterem cartão de ponto e continuarem trabalhando;...que já viu a reclamante marcar o cartão de ponto e continuar trabalhando, o que se deu às 18:00 horas, horário de intervalo do depoente, quando a reclamante marcou o cartão e continuou trabalhando. (cf. depoimento da testemunha Edivaldo de Assis Siqueira, fl. 533). Ante as declarações prestadas pelas testemunhas ouvidas, as quais foram unânimes, ao declarar que era comum existir trabalho após o registro de saída nos cartões de ponto, não há como dar credibilidade aos registros consignados nos controles de jornada

5 carreados aos autos, não restando ao Juízo outra alternativa a não ser fixar, ante o conjunto da prova, a jornada obreira, como sendo de segunda a sexta-feira, das 08:00h às 22:00h e, aos sábados, das 08:00h às 16:00h, sempre com intervalo de uma hora para refeição. Defere-se, pois, pelo período contratual imprescrito, o pagamento das horas extras, conforme se apurar em liquidação de sentença, observando-se a jornada fixada, devendo ser consideradas, como extras, as horas laboradas acima da 44ª semanal, devendo, ainda, ser acrescidas do adicional legal, observando-se os dias efetivamente laborados, conforme controles juntados aos autos, cujos registros não foram desconstituídos no particular, descontandose as faltas e os períodos de férias e afastamentos. Tratando-se de pedido acessório e ante a habitualidade verificada, deferem-se, ainda, os reflexos das horas extras apuradas sobre aviso prévio, férias mais 1/3, 13º salário, RSR e FGTS mais 40%. (fl. 539) grifos originais Aqui também não cabe a reforma da v. sentença. Beira a má-fé a pretensão da recorrente para aplicação do disposto no artigo 334 do CPC, verbis: Art Não dependem de prova os fatos: I (...) II - admitidos, no processo, como incontroversos; III - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. É que a reclamada alega que a reclamante confessou a veracidade do controle de ponto no depoimento pessoal, ao dizer que registrava pessoalmente os cartões de ponto fl Eis o teor do depoimento pessoal da autora: "que registrava pessoalmente os cartões de ponto, mas os cartões não eram corretos; que as jornadas da depoente sempre foram cumpridas de 08:00 às 23:00 horas, de 2a. a 6a,. feira, e de 08:00 às 16:00 horas aos sábados, sempre com intervalo de 01 hora; que, após o fechamento do estabelecimento, para atendimento ao público, a depoente continuava no trabalho interno; que trabalhava no setor de padaria, na função de confeiteira". (fl. 532) grifei Fica a advertência à parte, com suporte no artigo 17, incisos II, V e VIII ( Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que: II - alterar a verdade dos fatos; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. ) e artigo 18, ambos do CPC. Seja na inicial, na impugnação e no depoimento pessoal, a

6 recorrida manifestou-se pela invalidade das anotações, o que foi corroborado pelas testemunhas, cujos depoimentos foram transcritos na sentença e serviram de base para a condenação. Lado outro, os acordos para prorrogação e compensação de horas de trabalho revelaram-se imprestáveis, pois diante da jornada de trabalho reconhecida de segunda a sexta-feira, das 08:00h às 22:00h e, aos sábados, das 08:00h às 16:00h, sempre com intervalo de uma hora para refeição, não há que se falar em prorrogação, pois nunca houve compensação. JUSTIÇA GRATUITA A reclamada insurge-se contra o deferimento dos benefícios da Justiça Gratuita. Alega que a reclamante não preencheu os requisitos da Lei 5.584/70. A assistência judiciária pelo sindicato profissional não é requisito para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita. A Lei 1.060/50 (artigo 2º, parágrafo único) autoriza a outorga dos benefícios da Justiça Gratuita aos necessitados, pessoas físicas, assim considerados aqueles cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família. Na mesma direção o preceito inserto no parágrafo 3º, do artigo 790 da CLT, segundo o qual fazem jus ao pálio da justiça gratuita aqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. A reclamante declarou o estado de miserabilidade jurídica (fl. 09), militando em seu favor a presunção de veracidade, nos termos do parágrafo 1º do artigo 4º da Lei 1.060/50, inexistindo prova em contrário. Assim, a autora preencheu as exigências legais para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita. HONORÁRIOS PERICIAIS A reclamada requer a redução do valor dos honorários periciais para um valor mais condizente com o trabalho realizado. Os honorários periciais foram arbitrados no valor de R$1.500,00, valor que remunera, de forma adequada, o trabalho prestado pelo expert à fl. 502 e segs. e está de acordo com os parâmetros que a praxe processual tem revelado como razoáveis. FUNDAMENTOS PELOS QUAIS

7 O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Segunda Turma, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento. Belo Horizonte, 23 de setembro de DEOCLECIA AMORELLI DIAS Desembargadora Relatora DAD/lpm