PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO ACÓRDÃO

Transcrição

1 ACÓRDÃO Registro: Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de Jardinópolis, em que é apelante MARIA DE LOURDES LIOTI DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados CONSTRUMEGA MEGACENTER DA CONSTRUÇÃO e CERÂMICA GYOTOCO LTDA. ACORDAM, em 25ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VANDERCI ÁLVARES (Presidente sem voto), HUGO CREPALDI E CLAUDIO HAMILTON. São Paulo, 27 de novembro de Marcondes D'Angelo RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Recurso de apelação com revisão nº Comarca: Jardinópolis. 01ª Vara Cível. Processo nº 397/2008. Prolator ( a ): Juiz Jorge Luís Galvão. Apelante ( s ): Maria de Lourdes Lioti da Silva; Cerâmica Gyotoco Limitada. Apelado ( s ): Construmega Megacenter da Construção; Cerâmica Gyotoco Limitada; Maria de Lourdes Lioti da Silva. VOTO Nº /2014. RECURSOS APELAÇÃO - BEM MÓVEL - PISO CERAMICO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. Aquisição de lote de piso cerâmico pela consumidora com determinado padrão de qualidade e certa tonalidade. Nova aquisição realizada junto à requerida vendedora com as mesmas especificidades da compra anterior, quando, então, o segundo lote fornecido se mostrou muito dispare no tocante à tonalidade daquele anterior. Reclamação administrativa em face da vendedora e da fabricante rejeitada, ao fundamento de que a consumidora não teria observado que o segundo lote de piso que lhe foi fornecido não correspondia ao anterior. Manejo da ação com o proposito de compelir as fornecedoras a entregarem novo lote de piso com tonalidade correspondente àquele adquirido originariamente, ademais de condená-las ao pagamento de reparação por danos morais. Distorção de tonalidade do produto vendido incontroversa nos autos. Escusas das fornecedoras que não se prestam a afastar o vício de fornecimento, porquanto, detentoras das informações técnicas a respeito do material fornecido, que têm o dever de alertar adequadamente aos consumidores acerca da qualidade dos produtos que fornecem. Incidência da teoria da qualidade. Obrigação de fornecimento devida. Reparação moral indevida. Improcedência. Sentença reformada. Recurso de apelação em parte provido. Apelação nº

3 Vistos. Cuida-se de ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos morais movida por MARIA DE LOURDES LIOTI DA SILVA contra CONSTRUMEGA MEGACENTER DA CONSTRUÇÃO LIMITADA e CERÂMICA GYOTOKU LIMITADA, sustentando a primeira nomeada ter adquirido da primeira requerida determinada quantidade de piso cerâmico fabricado pela segunda que se demonstrou viciado, porque depois de instalado em sua residência pôde perceber que sua tonalidade destoava em muito do material de mesma referência que adquirira anteriormente e que já se encontrava colocado no imóvel. Almeja que as requeridas sejam obrigadas a lhe entregar em substituição a quantidade de pisos adquirida na segunda compra ( 38 caixas de piso Roma ) com características idênticas àquelas dos pisos adquirido quando da primeira. Pretende, outrossim, que as requeridas sejam condenadas ao pagamento de reparação moral a ser fixada a prudente critério do juízo. A respeitável sentença de folhas 254 usque 264, cujo relatório se adota, firmou a convicção do juízo de origem no sentido de que os pisos adquiridos pela autora nas duas compras distintas não continham vícios, não se podendo considerar vício a diferença de tonalidade entre um lote e outro, porque a consumidora teria sido avisada pelos vendedores acerca da possível diferença entre os lotes distintos. Assim, julgou improcedentes os pedidos deduzidos na inicial. Por conta da sucumbência, carreou as despesas processuais à autora, bem como os honorários advocatícios dos patronos das requeridas, fixados em 20% ( vinte por cento ) sobre o valor da causa, cuja exigibilidade deve observar as disposições da Lei nº 1.060/50. Apelação nº

4 Interpostos embargos de declaração pela correquerida vendedora, CONSTRUMEGA MEGACENTER DA CONSTRUÇÃO LIMITADA ( folhas 266/268 ), restaram acolhidos para especificar que a verba honorária advocatícia de 20% ( vinte por cento ) deve ser divida igualmente entre os patronos das requeridas, ou seja, 10% ( dez por cento ) para os advogados que representam cada uma das partes ( folhas 276/277 ). Inconformada, recorre a autora objetivando a reforma do julgado ( folhas 269/273 ). Alega, com suporte no Código de Defesa do Consumidor ( Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 ), que os produtos fabricados e comercializados pela requerida são viciados, porque embora ofertados ao mercado de consumo com especificações idênticas a de lotes produzidos e vendidos anteriormente, destoam muito em tonalidade. Suscita violação do dever de informação e adoção de práticas de venda abusivas. Postula a reforma da respeitável sentença com julgamento de procedência dos pedidos deduzidos na petição inicial. Recurso tempestivo, devidamente processado e respondido apenas pela requerida vendedora ( folhas 294/314 - anote-se que a patrona da outra foi devidamente intimada para apresentar contrarrazões, como se vê à folha 292 ), subiram os autos. Este é o relatório. De início registra-se que a relação travada entre as partes é de consumo, portanto regida pelo Código de Defesa do Consumidor ( Lei nº 8.078/90 ). Apelação nº

5 No mais, verte dos autos que em 17 de abril de 2008 a autora adquiriu da CONSTRUMEGA MEGACENTER DA CONSTRUÇÃO LIMITADA 34 ( trinta e quatro ) caixas de piso Roma A45X45 Cx 1,63 GYOTOKU, fabricado pela correquerida CERÂMICA GYOTOKU LIMITADA? código do produto ?, os quais aplicou nos dormitórios de sua residência ( nota fiscal copiada à folha 23 ). Interessando-se em revestir o restante da residência, a autora efetuou nova compra de 38 ( trinta e oito ) caixas do mesmo tipo de piso, que lhe foram fornecidas pela requerida vendedora sob o mesmo código de produto e idêntica especificação ( cópia da nota fiscal à folha 24 ). Esses novos produtos também foram instalados na residência da autora, que, então, notou que a tonalidade dos novos pisos não era a mesma daquele outro lote que havia adquirido anteriormente. A autora formulou reclamação administrativa junto ao PROCON em desfavor das requeridas, o que levou a fabricante a inspecionar o piso adquirido pela consumidora e emitir o laudo técnico de folha 22, no qual consignou, em essência, ter constatado a divergência de tonalidade mencionada pela consumidora. Não obstante a constatação da divergência de tonalidade entre os pisos, a fabricante atestou não haver vício ao fundamento de que houve mistura indevida de lotes do produto fabricado, por não ter a autora atentado às recomendações constantes das embalagens dos produtos, que indicam a necessidade de conferência da uniformidade de identificação, antes de aplicação do piso. Apelação nº

6 Nesse panorama, tem-se como incontroverso que o último lote de pisos adquirido pela autora não guardava conformidade com o que adquirira anteriormente ( Código de Processo Civil, artigo 334, incisos I e III ), cabendo apenas se perquirir, então, se esta divergência incontroversa de cor caracteriza ou não vício do produto para efeitos de responsabilização de danos ( Código de Defesa do Consumidor, artigo 18 ). E, considerando que a perquirição poderá resultar na responsabilização civil das fornecedoras, anota-se que, enquanto fabricante e vendedora, respondem as requeridas solidariamente pelos vícios de qualidade pertinentes a produtos impróprios ou inadequados ao consumo, nos moldes do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor. Conquanto não se ignore a possibilidade de haver nuança a cada lote de cerâmica que a requerida fabricante produz, por influência dos fatores de produção incidentes ( mistura adequada ou inadequada, tempo de queima em fornos, cura e etc. ), não se pode receber na conta de variação comum decorrente de sua natureza ( parte final do caput do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor ) a diferença de tonalidade em elevado grau, tal como o tido como incontroverso nos autos, ocasionada por erro de fornecimento. E pode se falar em erro de fornecimento porque a fabricante confirma em sede de contestação, na mesma esteira de sua investigação administrativa, que os pisos enviados na segunda compra, conforme constatado através de vistoria técnica, não foram do mesmo modelo, que os adquiridos e enviados anteriormente - primeira compra. Apelação nº

7 Ora, não restam dúvidas de que se o segundo lote de piso comercializado tivesse seguido o mesmo padrão de variação de tonalidade do piso anterior, a diferença encontrada pela autora não teria ocorrido em tão alto grau a ponto de ser necessária a substituição das peças oriundas do segundo lote. E esse vício de fornecimento pode ser atribuído tanto à fabricante como à vendedora: àquela, fabricante, por não incluir nas embalagens do produto que produz advertência destacada direcionada ao consumidor final no sentido de que deve observar o código de uniformidade e de variação de tonalidade de cada lote; a esta última por ter comercializado lote de piso de modelo diverso ( tonalidade diversa ) dos que a autora havia adquirido anteriormente. Além disso, a responsabilidade solidária pelo fornecimento viciado decorre do fato de as requeridas, conjuntamente, terem inserido no mercado de consumo bem que não se mostrou adequado no aspecto da qualidade ( cadeia de fornecimento ). E nem se diga, nesse contexto, que a vendedora informou adequadamente a consumidora da possibilidade de variação tão severa de tonalidade, como quer fazer crer em juízo amparada nos testemunhos de seus prepostos, os mesmos que conduziram as vendas ( folhas 200 e seguintes ). Cuidando-se a variação de tonalidade de piso questão tão recorrente, como se vê no cotidiano do foro, não se pode afastar dos fornecedores em cadeia, detentores da informação técnica a respeito do produto, o dever de providenciar o atendimento adequado do Apelação nº

8 consumidor para que não se sujeitem a distorções que poderiam ser facilmente evitadas caso as devidas cautelas fossem tomadas. Convém lembrar, neste ponto, que a relação de consumo é fundada também na teoria da qualidade? além da confiança e outras? positivada no sistema protetivo, que impõe a todo fornecedor, seja ele vendedor ou fabricante, o dever anexo de fornecer com qualidade. Diante disso, constatado no caso que o produto fabricado por uma requerida e vendido pela outra não atende a essa exigência de qualidade esperada, devem ser obrigadas a reparar os danos que causaram à consumidora independentemente de ter ela colocado o piso viciado em sua residência. O ato de instalação do produto viciado, por si só, não exime as fornecedoras da responsabilidade pelo fornecimento viciado, importando apenas na concorrência da autora para o agravamento do seu dano, que, assim, deve arcar com os custos de reinstalação da cerâmica viciada, porquanto poderia ter evitado o prejuízo com mínima diligência. Destarte, o acolhimento do pedido de obrigação de fazer articulado na petição inicial? na verdade obrigação de dar coisa certa? é medida de rigor, cabendo às requeridas solidariamente entregar à requerida, no prazo de 30 ( trinta ) dias, a mesma metragem de piso respeitante à segunda aquisição, com a observância, porém, de identidade de tonalidade com relação àquele anteriormente instalado. Apelação nº

9 Eventual impossibilidade ou descumprimento se resolverá em perdas e danos junto ao juízo de origem. O pedido de reparação de danos morais não comporta acolhida, quer porque não se extrai do que fora visto lesividade aos direitos da personalidade da autora, que pode até ter sofrido severos incômodos? para os quais concorreu, como visto?, mas não abalo psíquico significativo. Destarte, julga-se procedente em parte os pedidos deduzidos na petição inicial, e, em consequência, extingue-se o processo com resolução do mérito ( Código de Processo Civil, artigo 269, inciso I ). Dada a sucumbência recíproca cada parte arcará com a metade das despesas processuais e com os honorários advocatícios de seus respectivos patronos. Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao recurso de apelação, nos moldes desta decisão. MARCONDES D'ANGELO DESEMBARGADOR RELATOR Apelação nº