ACÓRDÃO. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores GALDINO TOLEDO JÚNIOR (Presidente), MAURO CONTI MACHADO E ALEXANDRE LAZZARINI.

Transcrição

1 fls. 1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante SANDRA BENFICA MESSIAS (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados CRIA SIM PRODUTOS DE HIGIENE LTDA e LABORATÓRIO SARDALINA LTDA (MASSA FALIDA). ACORDAM, em do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores GALDINO TOLEDO JÚNIOR (Presidente), MAURO CONTI MACHADO E ALEXANDRE LAZZARINI. São Paulo, 3 de dezembro de Galdino Toledo Júnior RELATOR Assinatura Eletrônica

2 fls. 2 Apelação Cível nº Comarca de São Paulo Apelante: Sandra Benfica Messias Apeladas: Cria Sim Produtos de Higiene Ltda. e outra RESPONSABILIDADE CIVIL? Danos morais e materiais Utilização do óleo bronzeador Sol de Verão Surgimento de manchas e bolhas na pele Produto indicado para peles morenas e pouco sensíveis, que não é o caso da autora Fitodermatite Laudo pericial que concluiu pela predisposição individual da consumidora Responsabilidade objetiva afastada Defeito do produto inexistente Dever de segurança que deve estar limitado àquilo que se espera do produto Improcedência mantida - Apelo desprovido. 1. Ao relatório constante de fls. 277/278, acrescento que a sentença julgou improcedente ação de indenização promovida pela apelante, fundada em danos materiais e morais sofridos em razão do uso de produto bronzeador solar, produzido pelas empresa requeridas. Apela a vencida pretendendo em suas razões recursais de fls. 281/289, a reversão do julgado, sob o argumento de que este não se encontra em consonância com as normas que regem a matéria e a Jurisprudência dos Tribunais. Aduz que no dia 28/12/1999 utilizou o bronzeador marca Sol de Apelação nº São Paulo - p. 2

3 fls. 3 Verão e após 24 horas notou o surgimento de bolhas e manchas pelo corpo, acompanhadas de fortes odores e desconforto, tendo entrado em contato com a empresa ré que se prontificou a agendar uma consulta com uma médica, para avaliação, em janeiro de 2000, acrescentando que a profissional lhe informou que havia desenvolvido dermatite de fotocontato ao metilbenzilideno cânfora, substância contida no bronzeador. Diz que a perícia foi realizada apenas em 05/05/2009 e, apesar do tempo decorrido constatou que houve nexo entre a utilização do produto e a reação apresentada, tendo havido dano estético, sem apresentar lesões no momento. Argumenta que o julgador foi contraditório uma vez que concordou que houve fotossensibilidade, contudo, discordou da sua origem e que apesar de possuir o frasco do produto até hoje ele nunca foi periciado. Defende que estão presentes os elementos ensejadores da indenização, colacionando julgados a respeito do tema, salientando que o MM Juiz fundamentou-se apenas no laudo pericial do juízo, desconsiderando aquele realizado à época dos fatos pela recorrida. Assevera que restou devidamente demonstrado que as lesões da pele foram causadas pelo uso do bronzeador, que permaneceram por meses, sendo que as cicatrizes somente agora, passados mais de dez anos, estão desaparecendo, não havendo que se falar em ligeiro dano estético, até porque logo depois dos fatos sequer conseguia Apelação nº São Paulo - p. 3

4 fls. 4 colocar suas roupas e deixava de usar biquíni em razão da aparência das queimaduras. Afirma que os recorridos foram imprudentes e negligentes ao colocar no mercado produto que oferecia este risco, pugnando pela reforma do julgado. Recurso regularmente processado, com oferecimento de contrarrazões (fls. 292/298). A D. Procuradoria manifestou-se pelo parcial provimento do apelo (fls. 303/313). 2. Não comporta reparo o decisum. Trata o caso dos autos de ação de indenização promovida por consumidora em face da fabricante, em razão do uso do bronzeador Sol de Verão Apelação nº São Paulo - p. 4 DAVENE ÓLEO BRONZEADOR, no dia 28/12/1999, tendo se exposto uma hora ao sol, sendo que no dia seguinte surgiram bolhas e manchas pelo corpo, causando-lhe ardores e desconforto. Relata que em contato com a empresa requerida, esta prontamente agendou e arcou com os custos de uma consulta junto a uma dermatologista, a qual concluiu que a autora desenvolveu uma dermatite de fotocontato a uma das substâncias do produto. Discorre que, mesmo com o tratamento, sofreu intensas dores, ausentou-se do trabalho por uma semana, necessitando posteriormente faltar inúmeras vezes

5 fls. 5 para realizar o acompanhamento médico, despendendo valores com medicamentos, pretendendo o ressarcimento dos danos materiais, no valor de R$ 2.000,00, bem como indenização por danos morais, diante do sofrimento vivido, estimados em R$ ,00. Em defesa, alega a corré Massa Falida do Laboratório Sardalina Ltda., preliminarmente, incompetência do Juízo, diante da falência da requerida decretada em 16/12/2003, e, no mérito, que a autora não utilizou o produto corretamente, se expôs ao sol sem a utilização de um protetor solar, que os alegados danos morais não restaram demonstrados e que há evidente litigância de má-fé da apelante (fls. 80/93). Por sua vez, contesta a co-requerida Cria Sim Produtos de Higiene Ltda., aduzindo preliminarmente, a ocorrência da prescrição, ilegitimidade ad causam, impossibilidade jurídica do pedido e, no mérito, que não há dever de indenizar em razão da inexistência de comprovação do nexo causal e dos danos alegados. Pelo MM Juízo, foi saneado o feito, com afastamento das preliminares (fls. 212/213), sem interposição de qualquer recurso contra a decisão. No mérito, do exame dos autos, não se deflui solução diversa da que chegou o juízo recorrido. Apelação nº São Paulo - p. 5

6 fls. 6 Não se olvida que a Lei nº 8.078/90 considera ser objetiva a responsabilidade do fornecedor por defeito relativos a produto ou serviço (artigo 14 do mesmo Codex), determinando o artigo 12, que O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. Contudo, ressalva o 3º, II, do citado dispositivo que o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste. Acerca do tema esclarece Sergio Cavalieri Filho que ninguém responde por aquilo a que não tiver dado causa, mesmo em sede de responsabilidade objetiva. E o dano só pode ser considerado causado por um produto quando este tiver um defeito que o enseje. Destarte, dano que não tenha por causa um defeito do produto (e isso pode decorrer de diversos outros fatores, inclusive da própria conduta do usuário) não pode ser imputado ao empresário (Programa de Apelação nº São Paulo - p. 6

7 fls. 7 Responsabilidade Civil p ª ed.). No caso em tela, com efeito, indiscutível que os fatos descritos na exordial ocorreram em decorrência do uso do óleo bronzeador, na época fabricado pela corré Laboratório Sardalina Ltda. Davene e atualmente pela coapelada Cria Sim Produtos de Higiene Ltda.. Contudo, em momento algum, foi alegado qualquer defeito intrínseco do produto produzido pelas rés ou em sua formulação a ofender o dever de segurança que dele se espera, ultrapassando o patamar da normalidade e da previsibilidade, que são características do risco inerente do bem, em razão de sua própria natureza. Note-se que, como todo produto cosmético há um risco intrínseco de que seu uso cause reações alérgicas ao consumidor que possuir essa característica individual, não respondendo o fornecedor pelo ocorrido, posto que o que se espera do produto é uma segurança dentro dos padrões da expectativa legítima dos usuários. Nesse ponto, explica o já citado doutrinador que a expectativa de segurança não é aquela do usuário-vítima, não é o padrão estabelecido com base na concepção individual de determinado usuário, mas sim a concepção coletiva da sociedade de consumo (ob. cit. fl. 181), ou seja, o grau de segurança não é absoluto, mas sim, limitado Apelação nº São Paulo - p. 7

8 fls. 8 ao que dele se espera. Dessa forma, conquanto tenha a loção bronzeadora causado reação alérgica à autora, tal fato, por si só, não gera o dever de indenizar da fabricante, considerando que se trata de uma fragilidade individual da consumidora. In casu, a prova pericial realizada pelo IMESC (fls. 236/238) concluiu que através da história clínica, podemos caracterizar como fotossensibilidade, como desenvolvimento ou a exacerbação de uma erupção cutânea seguindo-se de exposição solar... Tanto medicamento sistêmico quanto tópicos, são causas frequentes de fotossensibilidade... Podemos concluir que, pericianda pelos relatos apresentou uma 'fitodermatite', podendo ser ocasionado pelo produto em questão, mas sabe-se, que as lesões são semelhantes a de uma queimadura provocada por sol, e que, o produto utilizado com fotoproteção 2 (FPS) não tem proteção contra os raios ultra violetas (UV), visto que a mesma tem pele clara, e o produto é indicado para peles morenas e pouco sensíveis (fl. 238). Destaca-se, a respeito, resposta ao quesito 13 (fls. 219/220), afirmando o expert que a provável causa da reação é uma fitofotodermatose, existindo uma predisposição individual. No mesmo sentir o laudo médico pericial complementar (fl. 267), que respondendo aos Apelação nº São Paulo - p. 8

9 fls. 9 questionamentos formulados pelo Juízo (fls. 212/213), em nada alterou esse quadro, principalmente no tocante aos quesitos c e d, afirmando que o óleo bronzeador possui o fator de proteção 2 e, portanto, não protege a pele dos raios solares, sendo indicado para peles morenas, conforme consta no rótulo e não para o caso da pericianda que apresenta um fototipo ½, enfatizando ainda que a intensidade da reação apresentada pela autora é individual. Também a médica que examinou a autora logo após a ocorrência dos fatos, em 31/01/2000, concluiu que a paciente desenvolveu Dermatite de Fotocontato (fl. 33). Além disso, sabidamente, produtos dermatológicos dessa natureza devem ser manipulados de acordo com as precauções de uso da rotulagem, observando-se o tipo de pele do consumidor, diante da possibilidade de surgimento de reações alérgicas ou outros desconfortos, como a que ocorreu no caso dos autos. Insta salientar que o invólucro continha precauções e indicações de uso, conforme consta no catálogo juntado pela própria autora (fl. 120) - e no laudo (fl. 267), e que se encontrava devidamente registrado o produto à época dos fatos (fl. 267 quesito b de fls. 212/213), tendo sido o registro revalidado pela ANVISA (fls. 178/190). Apelação nº São Paulo - p. 9

10 fls. 10 A propósito, julgado deste Egrégio Tribunal, de relatoria do eminente Desembargador Francisco Loureiro: Não se pode olvidar que as alergias e intolerâncias do ser humano são infinitas e atingem indistintamente quase todos os produtos e substâncias. A advertência geral é inócua em produtos comuns. Não se cogita que o vendedor de frutos do mar, ou de travesseiros, ou de produtos lácteos alerte o consumidor quanto a possível intolerância no momento do consumo. O mesmo pode-se dizer de cosméticos, como desodorantes, shampoos, sabonetes que embora não contenham nenhum componente especialmente agressivo, podem desencadear alergias de contato em determinados consumidores com sensibilidades especiais. Cuida-se de informação tão genérica e difundida que não atingiria a finalidade de evitar danos aos consumidores. Basta ao fabricante, em tais casos, fornecer tal como no caso concreto todos os componentes do produto, cabendo ao consumidor evitar o uso de substâncias que lhe cause alergias. Somente em casos de fármacos e cosméticos que produzam efeitos danosos a grupos especiais de consumidores gestantes, cardiopatas é que o dever de informação avulta, diante da existência de periculosidade agravada. É por isso que, no dizer de João Calvão da Silva, não será defeituoso um produto (ainda que um fármaco) que provoque alergia num doente, em virtude de Apelação nº São Paulo - p. 10

11 fls. 11 predisposição subjetiva, individual, quando ao conjunto de consumidores se mostre inofensivo (Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, p. 636) (6 Turma de Direito Privado Apelação Cível nº ) Soma-se, a tudo, a inexistência de qualquer incapacidade para o trabalho, tendo ocorrido apenas lesões, que obtiveram melhoras com o tratamento e que desapareceram completamente (fl. 267). Logo, por qualquer ângulo que se examine o recurso, não há como referendar a tese nele defendida. Sendo assim, de rigor a manutenção da decisão monocrática porquanto insuficiente para caracterizar a existência de ato ilícito indenizável o cenário acima relatado. provimento ao recurso. 3. Ante o exposto, meu voto nega Galdino Toledo Júnior Relator Apelação nº São Paulo - p. 11