EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM OLHAR PARA A ALFABETIZAÇÃO BILÍNGUE
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- Sabina da Rocha Araújo
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1 EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: UM OLHAR PARA A ALFABETIZAÇÃO BILÍNGUE Andréa Marques Rosa (UFMS/CPAQ/DED) e, Claudete Cameschi de Souza (UFMS/CPAQ/DED). Como parte integrante do Projeto de Pesquisa Educação Escolar Indígena: língua, raça, cultura e identidade, coordenado pela Profª Drª Claudete Cameschi de Souza, o objetivo desta comunicação é compartilhar resultados parciais de pesquisa que se vem realizando sobre a educação escolar indígena na região de Aquidauana, MS, cujo plano de trabalho propõe o mapeamento das aldeias indígenas Terena e suas respectivas escolas e o trabalho que se realiza com a língua materna em salas de aula dos anos iniciais do ensino fundamental. Para tanto, valemo-nos da pesquisa bibliográfica e empírica, cujos procedimentos incluem, questionários e entrevistas com professores índios, pais, alunos e equipe técnico-administrativa das escolas, a fim de saber que escolas eles têm e que escola gostariam de ter, tendo como suporte teórico, principalmente os textos de Brito (2004); Grizzi e Silva (1981); Ladeira (1981 e 1999); Meliá (1981); Nascimento (2004); Ribeiro (1993); Silva (1981); e, Referencial Curricular Nacional para a Educação Indígena. A educação escolar indígena é um tema que está em discussão e análise há alguns anos, luta-se por uma educação indígena diferenciada, em que os valores culturais, étnicos, e lingüísticos dos povos indígenas sejam considerados pela sociedade não-índia e pela escola freqüentada por estes povos. Tais valores são extremamente importantes no processo de ensino-aprendizagem, pois, para que este processo se concretize é necessário que os alunos aprendam através dos conhecimentos que adquiriram em sua vivência cotidiana na aldeia. O processo de escolarização dos povos indígenas iniciou-se na época do Brasil colônia, em 1549, com a chegada dos Jesuítas ao país, para que fizessem um trabalho que atendesse as necessidades da coroa portuguesa e os interesses da Igreja Católica, dando-se, assim, início ao trabalho de evangelização, utilizando-se como meio para atingir esse objetivo, a escola de ler e escrever que, aparentemente preocupava-se com a instrução do índio e dos filhos dos colonos. Na prática o que ocorreria era a escolarização dos filhos dos colonos que davam continuidade aos estudos na Europa, enquanto os índios eram apenas catequizados para servirem de mão-de-obra escrava, pois os colonizadores não os consideravam adequados para a formação sacerdotal católica, restando-lhes apenas um ensino profissional e agrícola imprescindível para formar pessoas capacitadas em outras funções essenciais à vida da colônia (RIBEIRO: 1993, p.17-28). De acordo com Nascimento (2004),
2 Não é possível pensar a cerca do índio brasileiro sem a presença da instrução escolar em suas vidas e/ou no interior de suas comunidades. O contato com o colonizador trouxe consigo a escola. Com objetivos explícitos de catequização, de preparação para o trabalho, de integração, de assimilação e, mais contemporâneamente, de interculturalidade ou de bilingüismo, como alguns ainda chamam -, a escola indígena traz, em seu bojo, em sua essência, um problema que pode ser caracterizado como um problema político-social: a qualidade. A qualidade não só no sentido restrito do domínio de competências tradicionais (ler, escrever, calcular, definir, conceituar) mas principalmente a qualidade no sentido de conscientização dos alunos, através do conhecimento, de sua identidade como índice da afirmação ou não da diferença. (p. 33). A qualidade retratada por Nascimento (2004), caracterizada pela conscientização dos alunos indígenas sobre sua identidade, não é realidade, porque o que se vê é uma educação de cunho tradicional, pensada e analisada pelos nãoíndios desconhecedores da cultura dos povos indígenas e, exaltada por esses mesmos povos, que a vêem como meio de compreender a realidade mais ampla de que passam a participar e, de construir formas próprias de defesa contra a dominação e o desrespeito que sua inclusão inexorável, como minorias, em sociedades mais amplas, necessariamente lhes impõem (SILVA: 1981, p.12). É nítido que, as instalações de escolas tradicionais em áreas indígenas não funcionam apenas como veículos diretos de dominação das populações tribais, como, também, servem para convencer os índios e brancos de que o índio não aprende e para mostrar à sociedade que esses povos recebem assistência, como forma de comprovar a superestrutura. Mas, como aprender se esta escola que foi imposta, não considera o conhecimento prévio dessas sociedades? Se ensina a partir do desconhecido, através de uma língua diferente, de contextos diferentes daqueles que estão acostumados a vivenciar? A escola indígena deve contar com um currículo adequado a clientela que atende. O conteúdo a ser ministrado na escola, como aponta Brito (2004), Deve estar voltado para a discussão da situação indígena, de acordo com a função a ser assumida pela educação para o índio. Isto inclui também o uso de elementos da cultura tradicional na escola, como os mitos, por exemplo. As proposições convergem para a utilização destes relatos como elemento motivador dentro da escola. [...] Os mitos podem ser utilizados para motivar a aprendizagem escolar, embora a escola não deva substituir os espaços próprios da tradição oral. (p. 113).
3 Mesmo sendo importante um currículo adequado, geralmente, não passa de uma ilusão, um sonho distante. Embora, como aponta o Referencial Curricular Nacional para Educação Indígena (1998), Nos últimos anos, os professores indígenas, a exemplo do que ocorre em muitas outras escolas do país, vêm insistentemente afirmando a necessidade de contarem com currículos mais próximos de suas realidades e mais condizentes com as novas demandas de seus povos. Esses professores reivindicam a construção de novas propostas curriculares para suas escolas, em substituição àqueles modelos de educação que, ao longo da história, lhes vêm sendo imposto, já que tais modelos nunca corresponderam aos seus interesses políticos e às pedagogias de suas culturas. (p. 11). Para que as reivindicações dos povos indígenas sejam atendidas, parece ser necessário que os sistemas educacionais estaduais e municipais considerem a grande diversidade cultural e étnica desses povos, revendo seus instrumentos jurídicos e burocráticos, que sempre visaram a atender a uma sociedade supostamente homogênea. Uma escola diferenciada e específica pode contribuir muito com o exercício da cidadania indígena. Segundo o RECNEI, Parte do sistema nacional de educação, a escola indígena é um direito que deve estar assegurado por uma nova política pública a ser construída, atenta e respeitosa frente ao patrimônio lingüístico, cultural e intelectual dos povos indígenas. Esse esforço de projetar uma nova educação escolar indígena só será realmente concretizado com a participação direta dos principais interessados os povos indígenas, através de suas comunidades educativas. Essa participação efetiva, em todos os momentos do processo, não deve ser um detalhe técnico ou formal mas, sim, a garantia de sua realização. A participação da comunidade no processo pedagógico da escola, fundamentalmente na definição dos objetivos, dos conteúdos curriculares e no exercício das práticas metodológicas, assume papel necessário para a efetividade de uma educação específica e diferenciada. (p. 24). Ninguém melhor que o próprio índio para pensar sobre uma educação escolar indígena adequada. Ele é o conhecedor de sua cultura, de suas necessidades, de seus problemas. O Estado brasileiro, quando pensa em uma educação para os índios, visa, apenas, a tornar possível a sua homogeneização, transmitindo conteúdos valorizados pela sociedade de origem européia. Analisando o que foi exposto até aqui, uma condição fundamental para se chegar a uma escola adequada para os índios, além, é claro, da sua participação
4 na construção do currículo, é que seja utilizado o ensino bilíngüe/multilíngüe, porque, de acordo com o RECNEI, [...] as tradições culturais, os conhecimentos acumulados, a educação das gerações mais novas, as crenças, os pensamentos e as práticas religiosas, as representações simbólicas, a organização política, os projetos de futuro, enfim, a reprodução sociocultural das sociedades indígenas são, na maioria dos casos, manifestados através do uso de mais de uma língua. Mesmo os povos indígenas que são hoje monolíngue em língua portuguesa continuam a usar a língua de seus ancestrais como um símbolo poderoso para onde confluem muitos de seus traços identificatórios, constituindo, assim, um quadro de bilingüismo simbólico importante. (p. 25). A diferença lingüística não é um empecilho para que os povos indígenas se relacionem entre si, casem-se, façam trocas, festas e estudem juntos. As pessoas podem viver lado a lado sem necessariamente terem que falar a mesma língua. É evidente, que nesse contexto, uma língua acaba sendo mais utilizada no processo de comunicação, tornando-se a língua-franca. A língua-franca é utilizada por todos, quando estão reunidos, a fim de superar as barreiras de compreensão. Para compreender esta questão, o RECNEI aponta que, [...] é importante entender que se os falantes de uma certa língua têm poder econômico e político, esta língua é, geralmente, respeitada, tem prestígio: sua gramática é estudada, seu vocabulário é documentado em dicionários, sua literatura é publicada. Ela é a língua do governo, das leis, da imprensa e por isso ela é chamada de língua dominante. Quando, por outro lado, os falantes de uma certa língua não têm poder, sua língua é vista pelos que falam a língua dominante como se tivesse pouco ou nenhum valor. Línguas assim são chamadas de língua dominadas ou línguas subalternas. Basta olhar para a posição ocupada pelas populações indígenas na história do Brasil para entender, então, por que as línguas indígenas brasileiras são desconhecidas ou têm sido ignoradas no país. (p. 117). Os falantes das línguas dominantes, para manterem o seu poder lingüístico, demonstram desprezo pelas línguas minoritárias, referindo-se a estas como gírias, dialetos, línguas pobres e imperfeitas. Tal atitude colabora para que as populações indígenas passem a se envergonharem de suas línguas, permitindo que estas desapareçam por completo. Esses são efeitos de preconceito e ignorância. Toda língua tem sua complexidade, seu valor, suas palavras, sua gramática, entre outros aspectos relevantes, como, por exemplo, a representatividade da identidade dos povos. Um outro fator que colabora com o desaparecimento da língua indígena, é o fato de que com a vergonha que sentem de utilizarem suas línguas, os povos
5 indígenas passam a utilizar a língua portuguesa em contextos que não lhe pertencem. Sendo assim, a língua indígena desaparece porque passa a não ter sentido de existir, deixando de ter funções dentro da aldeia. Existem meios de impedir que uma língua indígena venha a desaparecer. Primeiramente, é necessário que os falantes verifiquem qual o fator que coloca em risco a sobrevivência de sua língua e, em segundo, é preciso que se comprometam em brecar os avanços das línguas dominantes, através de estratégias criadas para tanto. Outro meio capaz de impedir que a língua indígena desapareça é a educação escolar, pois, de acordo com Ladeira (1999), O estabelecimento de uma grafia, bem como a documentação impressa das línguas em desuso, seriam as maneiras hipoteticamente possíveis para a conservação do uso da língua indígena. No interior da escola, dentro da sala de aula, a língua tradicional, em desuso pelo grupo, poderia revitalizar-se entre os alunos, para assumir, novamente, seu papel de veículo de comunicação formal e informal na fala cotidiana da população. (p. 03). Refletindo sobre a alfabetização nas escolas indígenas, destacam-se duas posições em relação ao uso da língua, tanto indígena, como portuguesa, conforme apontam Grizzi e Silva (1981), Uma defende a alfabetização em língua indígena, argumentando logicamente em favor da maior facilidade de aprendizado num idioma já conhecido a língua mãe e em favor da capacidade de perpetuação da língua indígena através da escrita (a alfabetização como recurso de preservação da língua indígena). A outra defende a alfabetização em português, apoiando-se nos argumentos fornecidos pelos índios, ou seja, a inutilidade da escrita na língua indígena no seio das próprias sociedades indígenas, baseadas na oralidade, bem como a premência do domínio da escrita em português como arma de defesa dos índios na situação de contato com os brancos. (p. 20). A primeira posição engloba duas visões antagônicas do uso da alfabetização em língua indígena. Os que concordam com o uso da língua indígena inicialmente na alfabetização, como recurso para o aprendizado da técnica da escrita visando, em última análise, a facilitar o aprendizado do português, defendem a alfabetização em língua indígena como recurso de revitalização da cultura própria do grupo, como ressalta Ladeira (1981), A justificativa da alfabetização na língua indígena como um mecanismo significativo de reforço e coesão étnica, de valorização da cultura indígena, repousa nas afirmações do tipo: é importante
6 para o índio ver que sua língua vale tanto quanto a do branco ou a língua indígena escrita está mais próxima da estrutura do pensamento indígena, e assim é capaz de melhor reproduzir os mitos, a sua cultura. (p. 171). Em relação a concretização da alfabetização bilíngüe, os problemas principais estão relacionados à escassez de pesquisa cientifica sobre a língua indígena, a quase impossibilidade de acompanhamento do trabalho concreto pelos poucos lingüistas do país e, pela resistência dos próprios índios. Já, em relação à alfabetização em português, têm-se dúvidas de qual português ensinar: o culto, o falado ou o regional. Reconhece-se que definir em que língua se vai alfabetizar é um problema que exige análise da situação lingüística e das necessidades objetivas decorrentes do tipo de contato vivido, e do grau de aculturação do grupo, além de exigir a efetiva participação da comunidade no processo de escolha da língua. De acordo com Grizzi e Silva (1981), Muitos índios que freqüentaram a escola nacional, com o ensino em português, são aparentemente alfabetizados: copiam textos, escrevem algumas palavras, mas não são capazes de ler, nem de se expressar através da escrita; isso acontece em grande parte pelo fato de não dominarem o português. Alfabetizar não é ensinar a escrita de umas poucas palavras do português conhecido. Só se pode falar que uma pessoa esta alfabetizada quando ela é capaz de se expressar através do código escrito. E o processo de alfabetização será muito mais eficaz quando feito na língua materna e não numa segunda língua, ou uma língua desconhecida. (p. 21). Considerando-se os problemas advindos da alfabetização em língua portuguesa, a língua indígena deverá ser a língua de instrução oral do currículo para a escola indígena. O RECNEI explica que, Chama-se de língua de instrução a língua utilizada na sala de aula para introduzir conceitos, dar esclarecimentos e explicações. A língua indígena será, nesse caso, a língua através da qual os professores e os alunos discutem matemática, geografia, etc... Esse tipo de procedimento permite que os alunos que tem pouco domínio do português possam aprender melhor e mais rapidamente os novos conhecimentos de fora, necessários devido ao contato com a sociedade envolvente. (p. 119). Além, de ser a língua de instrução oral, a língua indígena deverá ser também a língua de instrução escrita predominante em situações relacionadas aos conhecimentos étnicos e científicos tradicionais ou a síntese desses relacionados aos novos conhecimentos escolares adquiridos.
7 Da mesma forma que acontece com a oralidade, os alunos aumentarão sua competência escrita em língua indígena. Mais ainda, esse tipo de procedimento poderá contribuir para a criação e para o desenvolvimento de funções sociais da escrita nessas línguas. Como isso só poderá ocorrer se houver uso intenso e extenso da língua escrita, em todos os espaços e situações possíveis, a escola é, sem dúvida, o local ideal para se desencadear e reforçar tal processo. (RECNEI: 1998, p ). O direito de ser alfabetizado na própria língua tem sido quase sempre negado aos índios, por desconhecimento lingüístico, por dificuldades técnicas e principalmente por razões ideológicas. E, sua língua tem servido apenas como uma das formas mais viáveis para ensinar o português. Fato que não pode ser generalizado, pois há comunidades em que a língua materna se perdeu quase que totalmente e que, portanto precisa ser ensinada às crianças, juntamente com a língua portuguesa. Essa prática, no entanto pode acarretar outros problemas, como, por exemplo, a mistura dos elementos de uma e de outra língua que, os professores indígenas que atuam nas séries iniciais do Ensino Fundamental têm dificuldades para resolver. As relações socioeconômicas têm levado aos grupos indígenas a necessidade de aprender a língua majoritária do país. Tornou-se necessário saber essa língua para compreender as relações de trabalho, consumo, escoamento de produção e as negociações de forma geral. Esta língua é necessária para que as populações indígenas conheçam o funcionamento da sociedade envolvente e, ainda, que elas tenham acesso a informações e tecnologias variadas. Somente com a participação efetiva da comunidade, o índio terá a sua autonomia e liberdade. Deixando, assim, de ser sufocado pelas idéias e ações paternalistas que se quer combater, adquirindo uma educação que considere sua vida cultural e respeite sua língua materna. Baseando-se nas leituras realizadas, que deram origem às discussões apresentadas acima e buscando uma aproximação com os sujeitos da pesquisa, foram realizadas, até o momento, observações de aulas nas séries iniciais do Ensino Fundamental, na Escola Municipal Indígena Pólo General Rondon, localizada na Aldeia Bananal, a 70km da sede do município de Aquidauana. As observações estão sendo realizadas a três meses, com doze horas semanais, totalizando cento e quarenta e quatro horas aulas observadas. Durante esse curto período de tempo, foi possível chegar a alguns resultados parciais da pesquisa. Verifica-se, na instituição supracitada, a ausência de um currículo específico para a escola indígena. As aulas ocorrem tradicionalmente, não são considerados os conhecimentos prévios dos alunos, nem aspectos importantes de sua cultura. As aulas de alfabetização na primeira série do Ensino Fundamental são realizadas a partir da cartilha de língua portuguesa. Os textos utilizados nessas
8 aulas não estão inseridos em um contexto significativo e, são seguidos por atividades de complete, circule, separe as silabas, entre outras. Todos os professores que ministram aulas nas séries iniciais do Ensino Fundamental são indígenas, com exceção do professor de Educação Física. Apesar de os professores serem índios, apenas dois falam a língua materna e, apenas um a utiliza, pelo menos em 85%, no decorrer de suas aulas para esclarecer dúvidas e ministrar conteúdos. A professora responsável pela primeira série não fala a língua Terena, diz, apenas, compreendê-la. As aulas ocorrem, na integra, em Língua Portuguesa. Mas, mesmo não sabendo falar e escrever a língua materna, essa professora ministra aulas de língua Terena para seus alunos. Em uma das aulas observadas a atividade realizada foi a seguinte: desenhou-se na lousa um poço, uma nuvem, uma casa e uma goiaba; em seguida, a professora solicitou aos alunos que escrevessem sob os desenhos os nomes que designavam as imagens em língua Terena, considerando que, acima da lousa, haviam cinco cartazes, que continham as formas desenhadas na lousa com seus respectivos nomes em Terena, facilitando ao aluno colar a resposta da atividade. Logo após, a professora passou ao trabalho com a família silábica: fa-fe-fi-fo-fu; em língua portuguesa, pois em Terena não existe o fonema /f/ e nem o grafema f. Diante do fato, a idéia que se tinha era a de que aquela era a primeira aula de língua Terena do ano letivo, entretanto, já se transcorria o quarto mês do semestre letivo. Durante o período de observação, pode-se constatar que o trabalho com a língua materna não tem tanta ênfase, quanto deveria ter, dentro da instituição. As aulas ocorrem apenas por ser uma disciplina, isso quando elas ocorrem, pois, na maioria das vezes as aulas destinadas a ensinar Terena são utilizadas para revisar conteúdos de outras áreas do conhecimento. Outra questão importante é que tais aulas sempre estão lotadas nos últimos tempos do horário semanal, considerando que, o término das aulas está previsto para às onze horas e encerram-se, geralmente dez horas ou dez e meia, resultando em pouco aproveitamento. Outra disciplina incluída no currículo da escola é Arte e Cultura Terena, que tem recebido tanto interesse quanto ou pior que a Língua Terena, pois, durante os três meses de observação das aulas das séries iniciais do Ensino Fundamental, nunca foi presenciada uma aula de Arte e Cultura Terena, embora conste no currículo e no horário de aulas. Dentre as explicações oferecidas pelos professores diante de todos os problemas, encontram-se a falta de materiais didáticos e um currículo diferenciado, o que é um fato verídico. Realmente não há materiais e o currículo segue os parâmetros das escolas municipais urbanas do município de Aquidauana. Mas, estes não são os únicos problemas. Percebe-se também uma certa comodidade dos professores e administradores da instituição diante dos fatos. Não é mantida em sala de aula, a organização, a disciplina. Não se quer dizer aqui que o professor deva manter seus alunos como estátuas, como meros receptores de conhecimentos em
9 sala de aula, mas, que lhes seja esclarecido que o professor desempenha um papel importante em suas vidas e que, portanto, merecem ser respeitados. Por outro lado, vale registrar que, a maioria desses professores não se preocupa em parar para refletir sobre o método que utilizam em sala para ensinar seus alunos e, depois reclamam que os alunos não conseguem interpretar e produzir textos. Mas, como desenvolver essas atividades se sempre propõem situações de aprendizagem que levam à memorização mecânica, sem significado. Falta cursos de capacitação para esses profissionais, porém, há e o descaso dos órgãos governamentais com a questão. Os professores devem se preocupar em realizar leituras, esclarecer suas dúvidas, refletir sobre suas atitudes, seus métodos, pois, infelizmente, como afirma Meliá (1981: p. 09), a educação indígena, como tal, se apresenta inviável; a educação para o índio um fracasso. O que dizer, então, da proposta de ensino bilíngüe e intercultural? Em nossa região, essa proposta, ainda, está longe de acontecer. Acredita-se que se faz necessário o índio valorizar sua língua em detrimento da língua portuguesa, para que se possa buscar o equilíbrio inicial, fundamental para se iniciar uma proposta de educação bilíngüe e intercultural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Educação e Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC/SEF, BRITO, S. H. A. de. Educação e Diversidade em questão: examinando os projetos alternativos de escolas para o índio nos anos 70. In: CAETANO, C. V.; BRITO, S. A. de (Orgs). Educação e diversidade cultural. Campo Grande: UNIDERP, GRIZZI, D. C. S.; SILVA, A. L. da. A Filosofia e a Pedagogia da Educação Indígena: um resumo dos debates. In: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. A Questão da Educação Indígena. São Paulo: Brasiliense, LADEIRA, M. E. Sobre a língua da alfabetização indígena. In: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. A Questão da Educação Indígena. São Paulo: Brasiliense, O uso da Língua Terena segundo uma análise macro sociolingüística. ANPOCS/1999. s.d.t. MELIÁ, B. Trançados da Educação Indígena. In: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. A Questão da Educação Indígena. São Paulo: Brasiliense, NASCIMENTO, A. C. Escola Indígena: palco das diferenças. Campo Grande: UCDB, (Coleção teses e dissertações em educação, V. 2).
10 RIBEIRO, M. L. S. História da Educação Brasileira: a organização escolar. 13. ed. São Paulo: Autores Associados, SILVA, A. L. da. Por que discutir hoje a Educação Indígena? In: COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO. A Questão da Educação Indígena. São Paulo: Brasiliense, 1981.
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