ECLI:PT:TRE:2010:661.A
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- Gabriella Prado
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1 ECLI:PT:TRE:2010:661.A Relator Nº do Documento Silva Rato Apenso Data do Acordão 05/05/2010 Data de decisão sumária Votação unanimidade Tribunal de recurso Processo de recurso Data Recurso Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público Meio Processual Decisão Apelação Indicações eventuais Área Temática expropriações Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores declaração de utilidade pública; força probatória plena; expropriação por utilidade pública; presunção registral; Página 1 / 7
2 Sumário: 1 - A DUP, enquanto documento autêntico, tem força probatória plena quanto à identificação da Entidade Expropriante e ao interesse público da expropriação, o que é praticado no uso da competência própria de quem profere a DUP. 2 - Tem igualmente força probatória plena de que os dados relativos à descrição, área e confrontações do prédio a expropriar e a classificação do solo, foram retirados dos documentos em que se baseou (no caso, aparentemente, da descrição predial e da inscrição matricial), mas não que sejam verdadeiros; 3- Tendo a parcela a que se pretende seja alargada a expropriação, sido expropriada em 1963, integrada num prédio maior, passou a integrar o domínio público, dada a sua afectação à utilidade pública, como estrada e seus acessórios, passou a estar fora do comércio, não podendo ser objecto de direitos privados, não podendo ser objecto de posse privada e consequentemente ser adquirida, mormente por usucapião. 4- E mesmo que seja vendida no comércio privado, por quem se arroga ser seu proprietário, e sujeita a registo pelo adquirente, tal venda é nula, por violar expressamente disposição legal (art.º 294º do Cód. Civ.). 5 - E a presunção de que o direito de propriedade sobre o prédio, e consequentemente sobre a dita parcela, existe e que a mesma pertence aos Expropriados, que então o adquiriram por compra, derivada do disposto no art.º 7º do CRP, fica ilidida pela prova da anterior expropriação e consequente integração no domínio público do Estado. Decisão Integral: I.Nestes autos de expropriação em que é Entidade Expropriante I.E.P. Instituto das Estradas de Portugal e Expropriados M e M, vieram estes, ao abrigo do disposto no art.º 55º do CE de 1999, requerer a ampliação da expropriação a uma parcela de terreno com a área de 367m2. A Entidade Expropriante contestou que a parcela em apreço seja propriedade dos Expropriados, alegando que a mesma foi expropriada nos anos 60. Foi proferida sentença, em que se decidiu julgar improcedente o pedido dos Expropriantes. Inconformados, vieram os Expropriados interpor recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões: A declaração de utilidade pública proferida no âmbito do processo expropriativo, tem como efeito directo a determinação da possibilidade de aquisição, por via expropriativa, de determinadas parcelas de terreno Como documento autêntico, a força probatória plena dessa declaração incidirá sobre os pressupostos verificados pela entidade declarante para a produção de tal declaração, que lhe compete em exclusivo Essa força probatória não se pode estender, nos termos legais do artigo 371. CC, a quaisquer outros elementos dessa declaração, nem sequer à identificação e elementos das parcelas a expropriar, elementos que são objecto da proposta da entidade requerente e interessada na expropriação A referência incluída no mapa anexo ao despacho de "área expropriada na década de 60" não recebe qualquer valor probatório por ali estar incluída, dado que o despacho nem se refere à mesma, Página 2 / 7
3 sendo certo que não resulta de acto da entidade declarante nem de facto que tenha conhecimento por sua percepção alegado acto expropriativo e aquisitivo e sua substância cabiam no âmbito de prova imposta à ora Recorrida, nos termos do disposto no artigo 342.o CC à ora Recorrida Assim, o Tribunal infringiu directamente o disposto no artigo 371. n.o 1 CC, bem como o disposto no artigo do CC, ao considerar como matéria provada a matéria transcrita no ponto A correcta aplicação das normas legais determinaria a eliminação desse ponto da matéria considerada assente Consequentemente, face à restante matéria provada, a propriedade dos ora Recorrentes sobre a referida parcela de terreno, deveria considerar-se provada, quer por efeito da prova documental, quer por efeito de usucapião, que deveria ser declarada Trata-se ainda, no nosso entender, de questão nova, pelo que sempre seria necessário ouvir as partes sobre a mesma, antes de ser proferida decisão, nos termos do disposto no artigo 3. n. 3 do CPC Pelo que ainda por este fundamento, a decisão teria que ser revogada quanto a este ponto E, ao contrário do que considerou o Tribunal, aquela parcela de terreno nunca poderia ser considerada coisa pública O domínio público resulta de lei, não existindo, até hoje, uma definição exaustiva dos bens que a integram Podemos no entanto conhecer que a dominialidade pública corresponde a uma natureza própria bem como à titularidade por entidade pública Não se esgota nem sobrepõe à utilidade pública, existem imóveis de utilidade pública que permanecem no domínio privado do estado Ao contrário do que considerou o Tribunal, os terrenos à beira das estradas não são, por natureza, coisas públicas, razão pela qual a Lei lhe estende a sujeição a servidões de utilidade pública E ainda que se provasse a aquisição por via expropriativa deste terreno, o mesmo não se deveria considera enquadrado como coisa pública, por tal não resultar expressamente de qualquer acto ou lei Assim, o disposto no artigo 202. CC não é aplicável ao terreno a que se refere o pedido dos ora Recorrentes, devendo ser reconhecida, face aos factos provados, a usucapião a seu favor A decisão proferida pelo Tribunal a quo, atingindo os bens fundamentais protegidos pela Constituição, no seu artigo 2. é também inconstitucional A existência de um registo aquisitivo, acompanhado de uma aquisição válida, de boa fé que perdura no tempo de forma pública e pacífica tem que ser considerado como um fundamental princípio de prova de propriedade, sob pena de um proprietário ficar totalmente despido de direitos perante o Estado Nesta consideração coexistem o princípio da segurança jurídica bem como a da confiança jurídica Veja-se que o ora Recorrente foi efectivamente expropriado apenas pretende que relativamente a esta área, o Estado cumpra o dever de o indemnizar, quer pelas benfeitorias que introduziu no prédio, de boa fé, quer pela própria propriedade, de que se viu já privado. Página 3 / 7
4 Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, é a presente para pedir que julgue procedente o presente Recurso, eliminando-se da factualidade provada o ponto 22 e proferindo-se em consequência decisão como peticionado inicialmente, em que se determine a expropriação desta parcela,. *** II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual : 1. A presente expropriação e a declaração de utilidade pública apenas dizem respeito a uma parcela de 189 m2. 2. Mas o expropriante ocupou uma área total de 557 m2, alegando que a restante área já havia sido expropriada "nos anos 60". 3. A área de 189 m2, que é objecto da presente expropriação, divide em duas partes o prédio urbano sito em Marchil, Montenegro descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n, freguesia de S. Pedro, deixando separada da parte principal, que tem 972 m2, a área com 367 m2. 4. Consumada a expropriação a que se referem os presentes autos, o requerente não tem acesso àquela área. 5. Pela cota G-3, apresentação 01/ os requerentes inscreveram no registo predial a aquisição a favor dos mesmos, por compra, do prédio que, estando inscrito na matriz sob o artigo 8350 e tendo sido construído no lote designado como n.º 1, é descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o n.º, freguesia de S. Pedro. 6. O referido prédio é descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o número como sendo composto por casa de morada com três pavimentos, com a área coberta de 285 m2, incluindo terraços com a área de 101 m2 e 255 m2, garagem com a área de 80 m2 e logradouro com a área de 1243 m2, totalizando a área de 1528, 20 m2. 7. O referido lote n.º 1 resultou do loteamento titulado pelo alvará n.º 2/85 da Câmara Municipal de Faro. 8. No alvará identifica-se o lote d.9 1 com a área de 1.528, 20 m2. 9. E consta o mesmo do mapa de loteamento prédio de onde proveio o lote ora pertença dos autores encontrava-se descrito sob o n.º do B8. 11.Os autores adquiriram este lote por escritura de compra e venda, lavrada em 30 de Dezembro de 1987 e a folhas 10v do livro 32 D do 1.9 Cartório Notarial de Faro. 12. Nele construíram a sua casa de morada de família de acordo com o projecto licenciado pela Câmara Municipal de Faro. 13.A moradia foi implantada no terreno tendo em conta a sua configuração total e, nomeadamente, a distância a que a estrada se encontrava devido ao ruído e poluição causada pelo trânsito. 14.A parte da propriedade que confronta com a Estrada encontrava-se arborizada por forma a dar privacidade à casa. 15. Desde a data da aquisição, os autores utilizavam o prédio como seu. 16. Iniciaram a construção e arborização do terreno após a aquisição e, finalizada a moradia, aí instalaram a sua casa de morada até à presente data que fizeram sem qualquer oposição, de forma pública, e sem qualquer interrupção, desde a data da aquisição pelos expropriados. 18.Foi requerida à Câmara Municipal de Faro a constituição do loteamento, foram definidas as áreas dos lotes e as das cedências e áreas comuns. 19. Todos estes actos foram praticados no pressuposto de que o loteador era o proprietário do Página 4 / 7
5 terreno, incluindo as áreas que a expropriante alega terem sido expropriadas em A área de 367 m2 foi expropriada na década de 60 para a construção da EN "Acesso ao Aeroporto de Faro". 21.Assim, a 21 de Novembro de 1963 e perante o chefe da secretaria da Câmara Municipal de Faro foi celebrado o auto de expropriação da parcela 4 entre a Junta Autónoma das Estradas e o proprietário J, sendo certo que por tal expropriação foi paga a quantia de Esc $ A parcela então denominada de 4 deu origem à parcela hoje identificada como 25 e pela sobreposição das coordenadas das plantas de expropriação verifica-se que a área ora objecto de pedido de expropriação total já foi expropriada, mas não ocupada, já foi paga e ocupada quer pelos anteriores proprietários que pelo ora proprietário. *** III. Nos termos do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 660º do mesmo Código. As questões a decidir resumem-se, pois, a saber: a)se deve ser dado como não provado o ponto 22 da matéria de facto dada como assente; b)em face da matéria dada como provada qual a solução a dar ao pleito. Comecemos por analisar a primeira questão que se prende com a pretensão dos Apelantes de ser dada como não provada a matéria de facto constante do ponto 22. A decisão do Sr. Juiz a quo de dar como provada esta matéria teve vários fundamentos que cumpre apreciar. Desde logo o Sr. Juiz a quo elege como primeiro fundamento a força probatória plena da DUP, cuja cópia está junta a fls. 52 destes autos de recurso. A DUP é o acto administrativo, pelo qual se reconhece que determinados bens são necessários à realização de um fim de utilidade pública mais importante do que o destino a que estão afectados (Marcelo Caetano, Manual, vol. II, págs. 1024). Por via da DUP, define-se a relação jurídica de expropriação, indicando-se a entidade expropriante, o expropriado e o objecto da expropriação. Isto para além, de se consagrar o fim do interesse público em expropriar e a fundamentação de tal interesse. Mas como se pode retirar do disposto nos art.ºs 9º, 10º, 13º e 17º, todos do CE, a identificação do expropriado é efectuada em função do que consta nas inscrições registrais ou matriciais ou, na falta destas, tendo em conta o que for público e notório, e a descrição do prédio a expropriar é efectuada tendo em conta os dados registrais ou matriciais ou na falta destes de planta topográfica com as respectiva coordenadas. O que quer dizer que, acolhendo a DUP o princípio da legitimidade aparente quanto à titularidade dos bens, os dados que foram retirados da inscrição registral ou matricial ou do conhecimento público, relativamente à titularidade do bem a expropriar, não têm qualquer valor probatório acrescido, para além do que resulta da própria fonte donde emanam. O mesmo acontecendo quanto à descrição, área e confrontações do prédio a expropriar e a classificação do solo. Daí que a DUP, enquanto documento autêntico, apenas tem força probatória plena quanto à identificação da Entidade Expropriante e ao interesse público da expropriação, o que é praticado no uso da competência própria de quem profere a DUP (art.º 371º, n.º1, 1ª parte, do Cód. Civ.). Página 5 / 7
6 Quanto ao mais, apenas tem força probatória plena, que os restantes dados foram retiradas das fontes em que a DUP se baseou (art.º 371º, n.º1, 2ª parte, do Cód. Civ.). Em cumprimento do disposto nos art.ºs 9º, 10º, 13º e 17º, todos do CE, a DUP já citada (Despacho n.º B/2000), indicou a Entidade Expropriante (Instituto para a Construção Rodoviária) e, por via de remissão para o Mapa de Expropriações em anexo, os Expropriados (entre outros M e M ), as parcelas a expropriar (entre as quais a parcela 25, com a área de 189m2, a destacar do prédio dos expropriados) e o fim do interesse público da expropriação (parcelas de terreno necessárias à execução da obra EN125 e EN125-10). Constam ainda do Mapa anexo à DUP os elementos retirados da descrição e inscrição prediais e matricial, conforme determina o disposto no n.º 2 do art.º 10º e no n.º 3 do art.º 17º, ambos do CE. E ainda as Áreas Expropriadas na década de 60 relativamente aos prédios agora objecto de expropriação parcelar. Conforme acima dissemos, e no que ao caso interessa, a DUP tem força probatória plena de que os dados relativos à descrição, área e confrontações do prédio a expropriar e a classificação do solo, foram retirados dos documentos em que se baseou (no caso, aparentemente, da descrição predial e da inscrição matricial), mas não que sejam verdadeiros. Já quanto aos dados descritos sob a epígrafe de Área já expropriada na década de 60, dada a sua falta de rigor e documentação, sem referência a qualquer DUP ou outro documento, ficam sujeitos à livre apreciação do julgador. Concluindo, não se pode conceder à DUP de 2000, qualquer força probatória plena, quanto ao facto de ter sido expropriada, em 1963, uma parcela de terreno com a área de 367m2, que está integrada no prédio que os Expropriados adquiriram em Outro dos fundamentos para dar como provada a matéria constante do n.º 22 é a perícia efectuada. Está assente que em 21 de Novembro de 1963 e perante o chefe da secretaria da Câmara Municipal de Faro foi celebrado o auto de expropriação da parcela 4 entre a Junta Autónoma das Estradas e o então proprietário Jerónimo dos Santos cuja cópia consta de fls. 97 destes autos, cuja DUP foi publicada no DR, II Série, n.º 235, de 7 de Outubro de Parcela essa que a Entidade Expropriante entende que faz parte do prédio mais tarde vendido aos Expropriados. Chamado a pronunciar-se sobre a matéria, o Sr. Perito, após ter-se pronunciado no sentido de, através da documentação disponível, não saber qual a implantação da parcela expropriada em 1963 (fls. 601), veio a concluir mais tarde, por via dos esclarecimentos pedidos, que admito que os taludes da estrada se encontravam incluídos no prédio expropriado, lote n.º1, com 1.528,20 m2 e que a área expropriada na década de 60 esteja incluída nesse lote (fls. 631 e 632). Em face desta prova pericial, que deve ser valorada livremente pelo Tribunal, mas que tem subjacente uma apreciação dos documentos existentes no processo relativos às duas expropriações, somos levados a concluir, tal como concluiu a 1ª Instância, que efectivamente a parcela de terreno, com a área de 367 m2, foi expropriada em 1963 e mais tarde integrada num terreno que foi vendido aos ora Expropriados. Face ao exposto é de manter a matéria constante do n.º2. Resta-nos definir a solução a dar ao pleito. Tendo a parcela de 367m2, que mais tarde foi vendida aos Expropriados, integrada num prédio mais amplo, sido expropriada em 1963, passou a integrar o domínio público, dada a sua afectação Página 6 / 7
7 Powered by TCPDF ( à utilidade pública, como estrada e seus acessórios, o que aliás veio a ser legalmente declarado nos termos da alínea h), do art.º 4º do Decreto-Lei 477/80, de 15 de Outubro. Pelo que tal parcela passou a estar fora do comércio, não podendo ser objecto de direitos privados (n.º2 do art.º 202º do Cód. Civ.). O mesmo é dizer que tal parcela não pode ser objecto de posse privada e consequentemente ser adquirida, mormente por usucapião. E mesmo que seja vendida no comércio privado, por quem se arroga ser seu proprietário, e sujeito a registo pelo adquirente, tal venda é nula, por violar expressamente disposição legal (art.º 294º do Cód. Civ.). E a presunção de que o direito de propriedade sobre o prédio, e consequentemente sobre a dita parcela, existe e que a mesma pertence aos Expropriados, que então o adquiriram por compra, derivada do disposto no art.º 7º do CRP, fica ilidida pela prova da anterior expropriação e consequente integração no domínio público do Estado. Concluindo, sendo a parcela em apreço pertença da Entidade Expropriante, por via da expropriação realizada em 1963, não podem os Expropriados pretender que a expropriação seja alargada a essa parcela. Improcede assim o presente recurso. IV. Decisão Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelos Apelantes. Registe e notifique. Évora, 05 de Maio de 2010 (Silva Rato - Relator) (Abrantes Mendes - 1º Adjunto) (dispensei o visto) (Mata Ribeiro - 2º Adjunto) (dispensei o visto) Página 7 / 7
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