ECLI:PT:TRL:2016: T2SNT.B.L1.1
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1 ECLI:PT:TRL:2016: T2SNT.B.L1.1 Relator Nº do Documento Maria Do Rosário Gonçalves rl Apenso Data do Acordão 19/04/2016 Data de decisão sumária Votação unanimidade Tribunal de recurso Processo de recurso Data Recurso Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público Meio Processual Decisão Apelação procedente Indicações eventuais Área Temática Referencias Internacionais Jurisprudência Nacional Legislação Comunitária Legislação Estrangeira Descritores venda por negociação particular; valor; Página 1 / 7 22:15:
2 Sumário: I-Na venda de imóvel por negociação particular, não existe qualquer preceito que obrigue a venda por um valor mínimo, como sucede na modalidade de venda mediante propostas em carta fechada. II-Efectivamente, a lei apenas fixa um valor base para a venda na modalidade de propostas em carta fechada, nos termos plasmados no nº. 2 do art. 816º do CPC., mas tal valor já não será aplicável quando se está no âmbito da venda por negociação particular. Decisão Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa. 1-Relatório: Na execução comum movida pelo exequente N. B., SA., contra os executados, Manuel.J...Z... e Maria.Z...B..., foi proferido o seguinte despacho: «Na medida em que a venda executiva visa a satisfação, o mais integral e rapidamente possível (sendo que uma venda por valor inferior ao que se mostra ajustado levará a que o crédito exequendo continue a não estar satisfeito, ainda que, muitas vezes o bem a vender que não poucas vezes, é o único bem penhorado -até tenha sido arrematado pelo exequente), do crédito exequendo e não proporcionar oportunidades para bons negócios ao exequente ou a terceiros e não se perscrutando razões objetivas (e concretas e não meramente genéricas) para que a venda ocorra por valor inferior a 85% do valor atribuído no auto de penhora (sendo que não podemos olvidar que a baixa de valores de mercado também se deve ao facto de, não poucas vezes, terem sido vendidos/adjudicados em processos executivos imóveis por valores claramente inferiores ao seu valor real), não se autoriza a venda por valor inferior a 85% do valor atribuído». Inconformado recorreu o exequente, concluindo nas suas alegações: 1º.Na diligência de abertura de propostas em carta fechada designada para o dia 01 de Julho de 2014, nos autos de processo executivo supra identificado, para venda da fracção autónoma designada pela letra "T", correspondente ao 6. andar direito, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua Esperança nº 34 e Largo Gama Barros, nºs 11, 11A e 11B, freguesia do Cacém e concelho de Agualva Cacém, inscrito na matriz sob o artigo 766, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o nº 245 daquela freguesia, não foram apresentadas quaisquer propostas. 2º.Na referida diligência, o bem imóvel seria adjudicado a quem oferecesse melhor preço em carta fechada, acima do valor de ,00, que correspondia a 85% do valor base anunciado de ,00. 3º.Na supra referida diligência, e pelo montante mínimo para a apresentação de propostas, não Página 2 / 7
3 foram apresentadas quaisquer propostas, pelo que a venda se frustrou, tendo, consequentemente, sido proferido despacho a determinar o prosseguimento da metade daquela venda daquela fracção autónoma por negociação particular, nos termos 822., nº 2 do C.P.C. 4º.A determinação da venda por negociação particular surge, assim, em consequência da ausência de propostas (artigo 832. alínea d) do CPC). 5º.No âmbito desta modalidade de venda, o imóvel objecto de venda é colocado no mercado para obter a melhor oferta de aquisição. 7º.Não faz sentido manter o mesmo valor mínimo que existia para a diligência de abertura de propostas em carta fechada, quando por esse valor não foi apresentada nenhuma proposta. 8º.Neste sentido veio a decisão proferida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de , segundo o qual:" Não faria sentido que o legislador tivesse querido prolongar na venda por negociação particular exigências previstas para a venda por propostas em carta fechada, que o não tivesse dito, podendo muito bem tê-lo feito (técnica que chegou mesmo a usar noutros aspectos que colocou nas disposições gerais relativas às venda, v.g. no nº 2 do artigo 886º do CPC, com menção expressa das modalidades de venda a que teriam aplicação: "O disposto nos artigos 891º e 901º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as devidas adaptações, às restantes modalidades de venda, e o disposto nos artigos 892º e 896º a todas, exceptuada a venda directa ''). 9º.No mesmo sentido veio também a decisão proferida no Acórdão do Tribunal da Relação do Évora de , no processo nº 1764/12.4TBABF-B.E1, segundo o qual: " Cremos que a solução correcta é a primeira, isto é, o bem pode ser vendido por valor inferior ao seu valor base, designadamente, por valor inferior ao estabelecido no art. 816º, nº2. Desde logo porque não há lacuna a este respeito, queremos dizer, não vamos aplicar o art. 816º, nº 2, por a situação não estar prevista para a venda por negociação particular quando ela devia ser regulada pelas mesmas razões (art.10 nº2, Cód. Civil). O facto de aquela disposição legal estar arredada do conjunto de outras, que, pertencendo à mesma forma comum de venda, a lei manda aplicar a outras modalidades (conforme consta do artigo 811º nº 2), revela-nos que foi intenção inequívoca do legislador afastar da venda por negociação particular a regra dos 85% do valor base dos bens como valor mínimo de venda. Além disso a modalidade de venda em negociação particular é uma medida de recurso, queremos dizer, uma medida que se toma para vender os bens apenas porque a medida principal e normal (a de propostas em carta fechada) não logrou o seu objectivo. Precisamente por a venda não ter sido feita pela forma principal é que se recorre a esta modalidade, nestes termos, subsidiária (art. 812º, al. d). Daí que o seu formalismo seja menor; daí também que o seu materialismo seja menor. Não seria congruente que o preço tivesse que ser um na venda por propostas em carta fechada (pública e aberta a quaisquer interessados) e que tivesse que ser um superior na venda por negociação particular. Página 3 / 7
4 Por último, o valor base dos bens, a que se refere o artigo 812º, nº 2, al. b), não serve para afirmar que ele é o valor mínimo de venda. Como acima se disse, e resulta do artigo 812º, nº2, ele é um valor de referência e esta não é aproveitável na venda por negociação particular. Querer dar ao valor base um estatuto de preço mínimo não tem, a nosso ver, correspondência na lei. " 10º.A proposta de aquisição apresentada pelo ora Recorrente ao Agente de Execução foi notificada por este às demais partes no processo, que não lograram obter propostas por valor mais elevado, do que o valor proposto pelo ora Recorrente de ,00. 11º.Desta forma e pelo supra exposto, verifica-se que o despacho proferido está em desconformidade com a lei, violando, no mínimo, os artigos 832. e 833. do C.P.C. 12º.Assim, a proposta apresentada pelo ora Reclamante deverá ser considerada válida e o Senhor Agente de Execução deverá actuar em conformidade, mediante a aceitação da mesma, dado que não se logrou em obter melhor proposta. Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos. 2-Cumpre apreciar e decidir: As conclusões de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 608º, nº2, 5º, 635º e 639º todos do CPC. A questão a dirimir consiste em aquilatar, se a venda de imóvel por negociação particular está sujeita ao valor limite de 85% previsto no nº. 2 do art. 816º do CPC. A factualidade pertinente para a decisão é a constante do presente relatório para o qual se remete e ainda a seguinte: -Foi designado o dia 1 de Julho de 2014 para a abertura de propostas em carta fechada, para venda da fracção autónoma designada pela letra T, correspondente ao 6º andar direito, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua. e Largo G, nºs freguesia do Cacém e concelho de Agualva Cacém, inscrito na matriz sob o artigo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva - Cacém sob o nº daquela freguesia. -O imóvel seria adjudicado a quem oferecesse melhor preço, acima do valor de ,00, o qual correspondia a 85% do valor base de ,00. -Na diligência de abertura de propostas em carta fechada, verificou-se a ausência de qualquer proposta. -Foi então determinada a venda por negociação particular, constando do auto que a mesma apenas poderia ser efectuada por valor inferior a 85% do valor a anunciar para a venda, mediante prévia autorização judicial. -O exequente apresentou uma proposta de no valor de ,00. Página 4 / 7
5 Vejamos: Insurge-se o apelante relativamente ao despacho proferido, o qual não autorizou a venda do imóvel por negociação particular em valor inferior a 85%, relativamente ao que havia sido fixado para a venda na modalidade de propostas em carta fechada. Com efeito, está em causa saber se quando se procede à venda por negociação particular há que estipular um preço mínimo de venda em valor igual a 85% do valor base dos bens. Na situação dos autos foi inicialmente determinada a venda do imóvel mediante propostas em carta fechada. Porém, a venda naquela modalidade veio a frustrar-se, dado que, não foi apresentada qualquer proposta. Desta feita, foi então determinada a venda do bem pela modalidade de negociação particular. Ora, nos termos constantes do nº. 1 do art. 811º do CPC., encontram-se ali expressas as modalidades que a venda pode revestir. O nº. 2 deste mesmo preceito indica, por seu turno, em termos de disposições gerais, quais os artigos que por remissão se aplicam às modalidades da venda. E nos termos plasmados no art. 812º do CPC., dentro ainda do capítulo das disposições gerais da venda, alude-se no seu nº 1 que, quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender. E a alínea b) do nº. 2, que a decisão tem como objecto o valor base dos bens a vender. Continuando o nº. 3 que, o valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores: a)valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efectuada há menos de seis meses; b)valor de mercado. Passando para as disposições específicas das respectivas modalidades de venda, temos que, no concernente à venda mediante propostas em carta fechada, dispõe o nº. 2 do art. 816º do CPC., que o valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens, ou seja, nesta modalidade é a própria lei que determina a base do valor, podendo ser aceites propostas de valor inferior se o exequente, o executado e todos os credores com garantia real sobre os bens acordarem na sua aceitação, nos termos do nº. 3 do art. 821º do CPC. Contudo, frustrando-se a venda nesta modalidade, como sucedeu, passou-se para a venda por negociação particular, atento o disposto na alínea d) do art. 832º do CPC. Página 5 / 7
6 Ora, sobre a realização da venda por negociação particular se debruça o art. 833º do CPC. Da análise deste preceito não encontramos qualquer paralelo com o disposto no nº 2 do art. 816º do CPC., nem feita qualquer remissão para o disposto no nº. 2 do art. 811º do mesmo diploma legal, ou seja, na venda por negociação particular não existe qualquer preceito que obrigue a venda por um valor base mínimo, como sucede na modalidade de venda mediante propostas em carta fechada. O que dispomos é do que resulta das regras gerais, ou seja, do teor dos nºs1, 2 e 3 do art. 812º do CPC., a que já aludimos supra, mas sem estipulação de qualquer regra equivalente ao mencionado no nº. 2 do art. 816º do CPC. Se o legislador pretendesse aplicar à venda por negociação particular o valor que adoptou para a venda na modalidade de propostas em carta fechada, tê-lo-ia transposto para a inerente disciplina da venda por negociação particular, sendo certo que, nos termos do nº. 3 do art. 9º do Código Civil, se presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. E sempre se dirá que tal raciocínio está conforme com a realidade legal, na medida em que, é efectuada a venda na modalidade de negociação particular, quando se frustram outras modalidades, não fazendo sentido, como se verifica no caso concreto, que não tendo logrado obter êxito a venda por propostas em carta fechada se mantivesse a mesma base para a modalidade de negociação particular, pois, provavelmente continuaria a não haver interessados, colocando num impasse a diligência. Efectivamente, a lei apenas fixa um valor base para a venda na modalidade de propostas em carta fechada, nos termos plasmados no nº. 2 do art. 816º do CPC., mas tal valor já não será aplicável quando se está no âmbito da venda por negociação particular. Porém, uma coisa é o valor base do bem a vender e outra coisa diferente, a autorização do juiz para a venda. Como aludem Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC., Anotado, vol.3º, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 905º do CPC., cujo texto se reproduz no actual art. 833º, «Se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução, corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente de execução é encarregado da venda ou escolha da pessoa que a fará, lhe coubesse baixar o valor base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder, que já tinha, de autorizar a venda por preço inferior ao valor base». Assim, da conjugação de todos estes preceitos, resulta que não incumbirá ao juiz a fixação do valor base para a venda por negociação particular, mas, apenas lhe incumbirá autorizar a venda depois Página 6 / 7
7 Powered by TCPDF ( de ponderação dos valores que lhe forem apresentados. Destarte, assiste razão ao apelante, pelo que, há que revogar o despacho proferido quando entende que a venda do imóvel não possa ser efectuada por valor base inferior a 85%. Em síntese: -A lei apenas fixa um valor base para a venda na modalidade de propostas em carta fechada, nos termos plasmados no nº. 2 do art. 816º do CPC., mas tal valor já não será aplicável quando se está no âmbito da venda por negociação particular. 3-Decisão: Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho proferido que fixou um valor base para a venda por negociação particular, seguindo os autos a pertinente tramitação. Sem custas. Lisboa, 19 de Abril de 2016 Maria do Rosário Gonçalves Graça Araújo José Augusto Ramos Página 7 / 7
(Sumário elaborado pela Relatora) Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:
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