CORPO E SUJEITO: QUANDO O DEFEITO SUPERA O FEITO
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1 CORPO E SUJEITO: QUANDO O DEFEITO SUPERA O FEITO Autor : Tenila Ferreira LOPES Bolsista PIBIC-IFC; Lisiane DE CESARO Orientadora IFC-Ibirama). Introdução O presente texto, com base nas publicidades das mídias impressa e digital, discute sobre as relações que se estabelecem entre a moda, o corpo e o sujeito a partir dessas publicações. Nossa reflexão tem como viés teórico os postulados da Análise de Discurso de linha francesa, uma vez que essa teoria considera a não transparência da linguagem e sim a opacidade e, também, porque a respeito da constituição do sujeito está ligada a constituição do sentido e isso necessita ser analisado sob o viés dos processos de interpelação-identificação do sujeito. Nosso objetivo é elaborar uma reflexão que possibilite o entendimento de como atuam os processos discursivos acerca das discursividades produzidas pela/na mídia, na construção de um imaginário de corpo e moda, considerando a ideologia constitutiva dessa relação imaginária entre os sujeitos, suas condições de existência e seus efeitos. Visto que, toda campanha publicitária, envolvendo moda, nunca está desvinculada de um estereótipo de corpo e de sujeito e também de classe social. Assim, esperamos também com este trabalho demonstrar que, a moda, o corpo e o sujeito estabelecem uma relação com o linguístico e com o ideológico que se materializa no discurso, o qual constitui um local de análise, pois é por intermédio da língua que temos acesso ao discurso e, através dele poderemos observar como a mídia realiza nele a manutenção da ideologia de um padrão de corpo e de uma tendência de moda como únicos autorizados em detrimento de outros padrões que existem, mas que não são dignos de destaque e prestígio social. Material e Métodos A Análise de Discurso, quando considera as condições de uso da linguagem, busca apreender a singularidade desse uso procurando estabelecer os limites entre um
2 discurso e outro, isso ao mesmo tempo em que visa construir uma generalidade, ou seja, a inserção do uso particular desse discurso em um domínio comum. Esses objetivos um tanto contraditórios revelam, à primeira vista, um dilema na constituição do objeto da análise de discurso. Orlandi (2012) coloca a necessidade metodológica do estabelecimento de um ou vários gêneros do discurso. Segundo a autora, o tipo, em análise de discurso, tem a mesma função classificatória, metodológica, que têm as categorias na análise linguística como princípio organizador: primeiro passo para a possibilidade de se generalizarem certas características, se agruparem certas propriedades e se distinguirem classes. Pensar de maneira sistêmica sobre o objeto da análise de discurso implica refletir acerca da tipologia e do estatuto das diferentes espécies de contexto. A forma mais abrangente de estabelecer uma tipologia conforme a perspectiva da AD é a que inclui a referência ao contexto no sentido lato. Nessa perspectiva, nossa posição enquanto analista de discurso é de que todo o discurso deve necessariamente ser referido a uma formação ideológica, ou seja, deve-se estabelecer a relação entre o discurso e a ideologia. Seguindo em conformidade com essa perspectiva é que desenvolvemos a nossa pesquisa, visto que a Análise de Discurso não é uma teoria positivista, o analista de discurso não dispõe de um método pronto, préestabelecido, os procedimentos metodológicos são construídos a partir do recorte realizado no arquivo que constitui o corpus. Os procedimentos metodológicos baseiam-se na seleção de recortes de discursividades que foram publicadas na grande mídia e que se alinham ao eixo temático de nosso projeto de pesquisa que são as publicações envolvendo o imaginário sobre corpo, moda, sujeito e gênero considerando a ideologia constitutiva desse efeito. Na sequência, elegemos quais recortes/publicações receberiam nosso olhar, pois em virtude do grande volume de publicações que constituem o nosso arquivo não é possível analisar todas. Por isso, realizamos recortes os quais foram organizados em sequências discursivas (Sds). Posteriormente, analisamos essas Sds sob o viés da Análise de Discurso. Nesse sentido, remetemos à Orlandi (1984) que trabalha a concepção de recorte realizando um deslocamento da noção de texto utilizada pela linguística, definindo o texto como unidade de significação/ processo de significação. Segundo Orlandi, o recorte é uma unidade discursiva. Por unidade discursiva entendemos fragmentos correlacionados de linguagem-e-situação. Assim, o recorte é um fragmento
3 da situação discursiva. Cabe ainda ressaltar, que o recorte distingue-se do segmento porque o segmento é, simplesmente, uma unidade ou da frase ou do sintagma. No caso da segmentação, o linguista visa à relação entre unidades dispostas linearmente. O princípio sob o qual se efetua o recorte varia segundo os tipos de discurso, segundo a configuração das condições de produção, e mesmo o objetivo e o alcance da análise. A Análise de Discurso não é um nível diferente de análise, mas um ponto de vista diferente que instaura o seu objeto de conhecimento, diferente da linguística imanente, pelo fato da linguística não levar em conta as condições de produção. Destacamos, no entanto, que em virtude do espaço disponível para esse estudo, não será possível apresentarmos a análise envolvendo todos os aspectos que descrevemos. Resultados e discussão Trouxemos, para essa análise, uma publicação que circulou nas redes sociais e provocou vários comentários. Trata-se de uma matéria que foi publica no jornal A Folha de São Paulo. Nessa publicidade, destacamos uma Sd (sequência discursiva) para delinearmos nosso olhar analítico-reflexivo. Figura 01 Recorte do Jornal Folha de São Paulo, edição 1 de julho de 2013 Fonte: /?type=3&theater
4 Sd: Quase Perfeita Maria Sharapova supera a chuva, mas não a celulite, e arrasa rival em Roland Garros (grifos nossos). Observamos algumas, dentre várias possibilidades, que podem ser recuperadas da materialidade linguística dessa Sd, a qual nos permite inferir que o discurso midiático mantém a sanção aos sujeitos que não desfrutam de um corpo perfeito não importando os feitos do sujeito, essa punição é sempre mais evidente e reiterada nos discursos relacionados ao gênero feminino. Essa Sd evidencia o funcionamento de uma formação imaginária em favor de uma ideologia que determina e legitima o que é ou não permitido/aceitável em relação ao corpo do sujeito. Assim, o colunista do jornal ao afirmar que a tenista é quase perfeita, só não é por ter celulite, coloca em destaque o corpo da atleta em vez da conquista. Com isso, observamos a manutenção de uma ordem simbólica que aponta para uma forma única, consagrada e aceita de corpo. Tanto é, que a vitória arrasadora sobre a adversária pela tenista que superou dificuldades como a chuva no momento da partida fica em segundo plano, e o que é reforçado, é o fato de ela não vencer a celulite. Dessa forma, a celulite recebe mais ênfase e relevância que a vitória, que a conquista da jogadora. Nesse sentido Bourdieu afirma: [...] o conluio inconsciente dos médicos e nutricionistas (com suas tabelas de relação de peso com altura no homem normal ), a dos costureiros que conferem a universalidade às medidas dos manequins, a dos publicitários que encontram nos novos usos obrigatórios dos corpos, importados e impostos pelas férias, ocasião de inúmeras chamadas à ordem ( fiscalize seu peso ), contribui para produzir e impor como legítimo, isto é como evidente, uma nova imagem de corpo, a saber: que a nova burguesia da sauna, da sala de ginástica e do esqui descobriu por si mesma. (2004, p. 184). Assim, a Sd reitera os saberes impostos pela nova burguesia que juntamente com os costureiros, com os publicitários dão credibilidade e universalidade a esse modelo de corpo. Assim, os jornalistas dos periódicos com suas publicações fornecem a sua contribuição para a manutenção da ordem simbólica a respeito desses padrões descobertos pela nova burguesia. Nem mesmo atletas estão livres dessas críticas a respeito do corpo, porque ainda que não apresentem problemas com peso; a estética é vigida. Ou seja, não basta estar em dia com a balança ou vencer um campeonato, atletas não podem ter celulite. Dessa forma, a mídia trabalha na reiteração de um imaginário de
5 corpo que é da ordem do impossível, haja vista que nem atletas conseguem alcançar esse ideal de corpo e de beleza. Com esse discurso midiático constatamos, conforme Bourdieu que: o poder das palavras não está nas palavras, mas nas condições que dão poder às palavras criando a crença coletiva, ou seja, o desconhecimento coletivo do arbitrário da criação de valor que se consuma através de determinado uso das palavras (2004, p.161) É evidente, que a mídia desempenha com maestria, através do discurso, o papel de criar as condições necessárias a fim de dar poder às palavras e, assim, trabalha na manutenção dessa crença coletiva de que corpo bonito é corpo magro igual ao da modelo que ilustra a capa da revista. Conclusão Com o pouco que se apresentou, já é possível constatar que a mídia, com sua equipe, através de suas publicações, exercem forte influência na naturalização e na cristalização de um imaginário de corpo que está sempre sob o efeito de corpo em suspenso, difícil de ser alcançado, mas sempre referendado pelas mídias. Modelo esse que não se sustenta em todas as esferas da sociedade, nem mesmo atletas estão livres das sanções e das críticas da mídia, pois nem uma celulite passa ilesa às lentes dos fotógrafos. Observamos que essas sanções são sempre mais evidentes e contundentes quando direcionadas às mulheres, muito embora atletas masculinos já tenham sido criticados por não estarem em plena forma como aconteceu com os jogadores de futebol Adriano e Ronaldo Nazaro, no entanto, nunca a mídia se deteve a desmerecê-los e a menosprezar seus feitos como fez com a tenista Maria Sharapova dando mais importância à celulite que a vitória arrasadora sobre a rival em Roland Garros. Assim, a Sd que apresentamos ilustra materialmente a ilusão da imparcialidade da mídia diante dos acontecimentos. Referências BOURDIEU.P. O costureiro e sua grife. In: A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos / Pierre Bourdieu. 2. ed. São Paulo: Zouk, ORLANDI, Eni Pulcinelli. Segmentar ou recortar? Estudos, Uberaba, n.10, p.9-26, Análise de discurso: princípios e procedimentos: Campinas, 2012.
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