No campo. campo. Quando, numa tarde de sol, Páro para olhar o céu, O mundo cresce aos meus olhos E sonho-o inteiramente meu. céu,

Transcrição

1 CONTRAPONTO

2 Maria Stella contraponto 2016

3

4 No campo campo Quando, numa tarde de sol, Páro para olhar o céu, O mundo cresce aos meus olhos E sonho-o inteiramente meu. mundo tarde céu, sol, olhos Na contemplação do azul, o infinito, A tranquilidade, a paz. contemplação tranquilidade, a paz. infinito Os pés assentes na terra Sentem o chão, a vida a pulsar. Nas mãos, uma única flor. pés terra chão, vida. mãos, flor. A simplicidade do momento Transcende o tempo, A eternidade ao alcance da mão. Respiro fundo, Encho-me deste sentimento E o mundo é meu. E estou nele como um peixe na água, Uma ave no ar. Perfeitamente enquadrada. Faço parte dele, faz parte de mim. Sou tão feliz assim! momento tempo, eternidade mão. Encho-me deste sentimento mundo. peixe água, ave ar.

5 Herói é o último na fila dos covardes A CIDADE NÃO DORME Numa tarde de sol, vejo no Terra as últimas notícias: Ao longo deste tempo Lamenta-se muito Mas De vez em quando vale a pena a Visão Integrada. Nessa escuridão de melodia doce ou silêncio quente existe uma promessa selada em mim: Todos os sonhos do mundo. Está no ar O pesadelo que se agrava dia após dia, entre drogas, álcool e violência. Mas o que isso quer dizer? Os sem-terra atearam fogo em pneus, caminhões e tratores, Uma aldeia sorri à morte: há situações insólitas, caricatas, até mesmo extraordinárias. É um sonho perturbador, todos nós morremos várias mortes. Cidade: aquele lugar sem nome, pra qualquer fim, Quando a morte está iminente, usufruindo de todos os benefícios. E eu? Amo A Vida Abundante, a Alta Complexidade! Dizem: A riqueza e plenitude existem neste mundo. Para todos. Gritam: Cada um de nós vive, aceita-se e enquadra-se, gostamos de fazer as coisas de maneira diferente. Isto é o final feliz! Porém, Estamos cansados demais para criar! Em terra de distraídos, quem tem foco é rei É preciso apenas olhar com cuidado às gentes e aos sítios, Sem contar os compromissos e as variedades possíveis. Você vai enfrentar um árduo caminho, cheio de batalhas sangrentas para determinar quem é. Todas as noites, sonho com monstros e perseguições. Sou de uma terra de extremos: muito frio, muito calor e uma beleza capaz de regenerar o coração Sem emenda. Recordo-me em criança de Dançar o conflito da pertença. Sinónimo de: abominação, estranhamento, enjeitamento, asca. Ansiamos por algo muito além de um aglomerado de pessoas, no meio da chuva de banalidades que quase sempre compõe nossos dias. Cidade: o pior terror é o da ignorância. Todas as noites, sonho com monstros e perseguições Um dia o sol não vai brilhar no céu.

6 Herói covardes A CIDADE tarde sol, Terra notícias: tempo - Visão. escuridão melodia silêncio promessa sonhos mundo. ar O pesadelo que se agrava dia após dia, drogas, álcool violência. sem-terra fogo pneus, caminhões e tratores, aldeia morte: situações sonho mortes. Cidade: morte benefícios. Vida riqueza plenitude mundo. final rei gentes e aos sítios compromissos variedades caminho, batalhas noites monstros perseguições extremos frio calor beleza coração emenda criança pertença abominação, estranhamento, enjeitamento, asca. aglomerado pessoas, chuva de banalidades dias. Cidade: terror ignorância. sonho monstros perseguições sol céu.

7 Não No campo Não, Quando, numa tarde de sol, páro para olhar o céu, Nem O mundo cresce aos meus olhos Nem o sonho inteiramente meu. Não, na contemplação do azul, não encontro o infinito, a tranquilidade, a paz. Nem Os pés assentes na terra sentem o chão, a vida a pulsar. Nem Nas mãos, uma única flor. Não, A simplicidade do momento Não transcende o tempo, Nem a eternidade está ao alcance da mão. Não Respiro fundo, Não me Encho deste sentimento Nem o mundo é meu. Não estou nele como um peixe na água, Nem uma ave no ar. Nem Perfeitamente enquadrada. Não Faço parte dele, Não faz parte de mim. Não Sou tão feliz assim!

8 Na cidade Quando, numa manha de lua, Baloiço para desfitar o báratro, O sujo destrepa aos meus olhos E realizo-o parcialmente meu. No desprezo do azul, o determinado, A tempestuosidade, a brutalidade. Os pés inseguros na terra a terra Sentem o elevado, o óbito a pulsar. Nas mãos-largas, uma única fina flor. A dificuldade em nenhum momento Transcende a pressa, O limite à insuficiência da mão-aberta. Abafo chato, Extingo-me deste desapego E o sujo é meu. E falto nele como um peixe na abstemia, Uma ave na natureza. Mal enquadrada. Cancelo a globalidade dele, cancelo a globalidade de mim. Sou tão infeliz assim!

9

10 contraponto, de Maria Stella, é uma breve colecção de poemas onde um duelo entre o campo e a cidade é esgrimido em pares de poemas, recorrendo, para esse efeito, a erasures e antinomias.

11 L=A=B=O=R=A=T=O=R=I=O D=E P=R=A=T=I=C=A=S T=E=X=T=U=A=I=S E=X=P=E=R=I=M=E=N=T=A=I=S