No centro do altar uma prancha de surfe: ao redor, o público jovem da Bola de Neve Church

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1 No centro do altar uma prancha de surfe: ao redor, o público jovem da Bola de Neve Church Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho, Universidade de São Paulo (USP), edumeinberg@gmail.com Resumo: A Bola de Neve Church não é a única igreja a trabalhar os surfistas como público segmentado. Empreendimentos como os Surfistas de Cristo, por exemplo, já o faziam desde 1989, assim como o faz a Calvary Chapel, igreja estadunidense com unidades no Brasil e que tem os surfistas como parte de seu público desde a década de 1960, sendo precursora neste sentido e provavelmente oferecendo substratos ao fundador da Bola de Neve Church em relação às estratégias de adesão deste público. No centro do altar, se encontra o principal símbolo da igreja, a pranchapúlpito, ícone da representação da BDN como uma igreja de surfistas e de gente jovem e alternativa. Entendo que a apropriação da surfboard como símbolo religioso identifique ação de marketing onde o resultado pretendido é o mesmo em relação à escolha do nome: seduzir o público e midiatizar a igreja. Assim, o crescimento evangélico resulta de projeto religioso articulado e com divisão territorial entre diferentes grupos e igrejas. Entendo que, como o público em potencial da BDN em seus primeiros anos era o jovem surfista e skatista, nada melhor que procurar satisfazê-lo com a apropriação de seus símbolos, preferências e gostos. Infiro que a persistência do uso da prancha de surfe se dê como representação objetal ou símbolo autorizado, fazendo parte das condições capazes de conferir ao ritual sua eficácia, criando reconhecimento por parte do fiel, revestindo o rito e o discurso de eficácia performativa e auxiliando na confirmação da autoridade da igreja e de seus líderes. Texto completo: A Bola de Neve Church (posteriormente referida aqui como BDN) foi fundada em 1999 por Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, auto-intitulado apóstolo Rina, formado em propaganda e marketing, pós-graduado em administração e surfista. Rinaldo Seixas fez parte da liderança da Renascer, e muitas de suas experiências religiosas

2 parecem ter reverberado na BDN, como a adaptação ao público jovem através da aparente flexibilização do discurso e dos usos e costumes. 1 Convenciono esta coloquialidade do discurso da BDN como discurso derretido, pela sua característica de plasticidade e amoldamento. Como discurso, adoto a conceituação de Eni Orlandi, vinda da própria etimologia da palavra, de curso, de percurso, de correr por, de movimento, da palavra em movimento que é mediadora entre o homem e o seu contexto, 2 e é um pouco neste caminho que se apresenta o discurso derretido da BDN, se moldando à linguagem e demandas de seu público, ao mesmo tempo em que cria novas referências discursivas no mesmo. Para se adequarem à sociedade fluida do tempo presente, ou da modernidade líquida, como contemplou Bauman (2001), as igrejas neopentecostais, especialmente as de supergeração, 3 têm primado por falar a linguagem do seu público, tornando seu discurso mais palatável e inteligível e propiciando uma melhor transmissão de mensagens doutrinárias e de divulgação de produtos religiosos. Assim, esta coloquialidade do discurso é ressonância dum marketing de Jesus, ou o conjunto de estratégias de planejamento de marketing religioso, com o objetivo de criação e de atendimento de demandas religiosas específicas dentro do catolicismo, protestantismo histórico e pentecostalismos. É fenômeno circunscrito a uma sociedade do espetáculo (Dèbord), impresso no entrecruzamento de mídia e mercado da fé, e inscrito no tempo próximo. A coloquialidade do discurso apresentado pela BDN tem como uma de suas características a performance do pregador, marcada por exemplo, pela contação de piadas. Um exemplo sobre a utilização de anedotas durante os cultos está em pregação recente de Rinaldo Seixas, onde ele fala: Uma irmã foi meio poética em 1 Os resultados desta comunicação fazem parte da dissertação de mestrado em História A grande onda vai te pegar: mercado, mídia e espetáculo da fé na Bola de Neve Church, defendida por mim em fevereiro de 2010 na Universidade do Estado de Santa Catarina, com orientação de Márcia Ramos de Oliveira (UDESC) e Artur César Isaia (UFSC), respectivamente. 2 ORLANDI, 2007, p. 15.A referência citada é Análise de discurso. Conforme ela aponta, essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da produção da existência humana. 3 Entendo como neopentecostalismo de supergeração, a adequação às mais contemporanizadas formas de midiatização, especialmente a internet, dentre outras características, como pode-se notar em Neopentecostalismo de supergeração: o ciberespaço como chave para o sucesso neopentecostal. História Agora, Revista de História do Tempo Presente. Volume 10, dossiê Religiões e Religiosidades no Tempo Presente. 25 dez

3 dizer : Pastor, o amor é como capim. Você planta, ele cresce, e aí aparece uma vaca pra comer e estragar tudo, e tem gente que diz : Pastor, casamento é igual piscina gelada. Sempre tem um tonto que pula primeiro e depois fala pros outros: Vem que a água tá boa!, ou, pastor eu não me preocupo com o final do mundo, e a Besta... eu me preocupo com o final do mês, e a besta da minha mulher falando no meu ouvido! 4. Outra característica deste discurso performático está no uso de gírias, corridas pelo altar, diferentes modulações de voz e o diálogo com alguns dos membros da igreja durante a pregação, sobretudo com os seus líderes, por serem dotados de maior capital simbólico que a maioria. O recurso do cutuca o vizinho ao lado e diz tal coisa, é também utilizado pelos pregadores da BDN. Além de manter o fiel atento à narrativa e à performance do líder, esta estratégia discursiva auxilia na criação e manutenção de ambiente lúdico e favorável à comunicação entre os pares da igreja. Como observei, ao cutucar o irmão, segue-se geralmente comentários breves entre os cutucados e por vezes, do pregador em relação a membros da platéia, tentando extrair novos risos e ampliar o momento de descontração. A concordância do membro em relação à pregação costuma se manifestar através do brado de expressões diversas (que variam de igreja para igreja). Na BDN, algumas das expressões que escutei, durante minha pesquisa de campo, de 2008 a 2010, foram, queima Jesus, tá amarrado, ô glória, aleluia, glória a Deus, desenrola o manto, ô mistério, quebra o vaso, fala Jeová, é cajado puro. Através de minha experiência participada nos ambientes (neo) pentecostais, identifiquei a veiculação de jargões que expressam diferentes contextos da igreja. A expressão tá amarrado, por exemplo, é trazida dos rituais de religiões de matriz africana, dizendo respeito ao impedimento de manifestações satânicas, costumando se associar a tá repreendido; enquanto queima Jesus significa a destruição de algo impuro ou inconveniente, como costumam ser as atitudes das pessoas do mundo, também chamadas de ímpios, o que corresponde aos não evangélicos. As expressões ô glória, aleluia, glória a Deus, louvado seja Deus, e graças a Deus tem o sentido de 4 Trecho da pregação Tem que haver mudança, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: < church.com.br/index2.php?secao=media>. Acesso em: 20 jan Como os cultos são atualizados semanalmente no sítio, infiro que esta pregação seja do mês de janeiro de 2010.

4 expressar a adoração a Deus, ou no contexto do (neo) pentecostalismo, a anuência ao discurso, enquanto desenrola o manto e ô mistério, se relacionam a algo que chama a atenção na pregação, no sentido de tremendo, que sugere algo surpreendente. A expressão fluir de Deus identifica a pregação bem exposta, e fala Jeová explicita a voz de Deus através da voz do pregador. Jargões como quebra o vaso, desce o cajado e cajado puro, por sua vez, identificam uma pregação com teor exortativo, um puxão de orelhas nos fiéis, e tem como contexto o pastor de ovelhas que conduz seu rebanho. Situações desagradáveis para o crente costumam ser expressas por não toque no ungido do Senhor, misericórdia (ou miserica), e teriam como resposta o sangue de Jesus tem poder, que identificaria a proteção supostamente proporcionada ao que crê. Todas estas características, dentre outras, dão forma a este discurso derretido, de amoldamento ao público-alvo da igreja, que no caso é formado predominantemente por jovens de classe alta e média, adeptos de esportes como o surfe e o skate e de gêneros poético-musicais como o reggae e o rock n roll, e advindos de um contexto urbano, por vezes litorâneo. Entretanto, esta forma derretida como o discurso da BDN se apresenta se mescla com outra, a do discurso congelado, onde questões referentes à sexualidade, corporeidade e identidade de gênero, dentre outras, são marcados pela rigidez doutrinária. Estas duas formas como se apresentam as narrativas de líderes da Bola de Neve Church se mesclam em discursos diferentes, como o beligerante, o dominante, o econômico e também o estético, dentre outros que poderiam ainda ser analisados. Sobre esta tensão e estes diferentes discursos, entretanto, deixo para apresentar em oportunidade posterior. Referências bibliográficas BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, MARANHÃO FILHO, Eduardo Meinberg de Albuquerque. A grande onda vai te pegar: mídia, mercado e espetáculo da fé na Bola de Neve Church. Dissertação de Mestrado em História apresentada ao PPGH da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Florianópolis, SC: Orientação de Márcia Ramos de Oliveira e Artur Cesar Isaia.. Neopentecostalismo de

5 supergeração: o ciberespaço como chave para o sucesso neopentecostal. História Agora, Revista de História do Tempo Presente. Volume 10, dossiê Religiões e Religiosidades no Tempo Presente. 25 dez ORLANDI, Eni Pulcinelli. O Discurso Religioso. In: A linguagem e seu funcionamento. As Formas do Discurso. Campinas, SP: Pontes, Análise de discurso. Princípios & Procedimentos. Campinas: Pontes, Disponível na internet Bola de Neve Church. Disponível em: < Acesso em: 10 dez