O trabalho representado do professor. de pós-graduação de uma universidade pública

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Siderlene Muniz-Oliveira O trabalho representado do professor de pós-graduação de uma universidade pública DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM SÃO PAULO 2011

2 III PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Siderlene Muniz-Oliveira O trabalho representado do professor de pós-graduação de uma universidade pública DOUTORADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de DOUTORA em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Profª Drª Anna Rachel Machado. SÃO PAULO 2011

3 V Tese defendida e aprovada em / / Banca Examinadora Profª Drª Anna Rachel Machado Orientadora Prof. Dr. Tony Berber Sardinha Profª Drª Maria Cecília Perez Souza-e-Silva Profª Drª Lília Santos Abreu-Tardelli Profª Drª Anna Maria Carmagnani Profª Drª Luzia Bueno Suplente Profª Drª Sandra Madureira Suplente

4 VII Aos meus pais (in memoriam), pelo exemplo de vida. Ao José, meu marido, pelo apoio constante. À Vitória, minha filha, por ser a continuidade do meu ser.

5 IX AGRADECIMENTOS É difícil agradecer a todos que, de alguma forma, contribuíram para que esta tese se realizasse, pois foram muitas as pessoas que fizeram e fazem parte da minha vida acadêmica e/ou pessoal, que considero indissociáveis, já que o trabalho do pesquisador consiste na mobilização do ser integral (físico, psíquico, psicológico). Trata-se de um trabalho que, na verdade, se iniciou no mestrado e consiste em inúmeras vozes que o permeiam. Não sendo possível nomear todos, agradeço, principalmente: à querida orientadora, Profª Drª Anna Rachel Machado, por ter, desde o início, acreditado no meu trabalho. Por todo o seu esforço, dedicação e exigência fundamentais numa orientação; pelo ser humano maravilhoso que é; ao Prof. Dr. Tony Berber Sardinha, que, em épocas difíceis, desempenhou o papel de co-orientador, com suas instigantes perguntas que contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual. aos professores doutores Elisabeth Brait, Lília Abreu-Tardelli, Joaquim Dolz, Tony Berber Sardinha, Maria Cecília Perez de Souza-e-Silva e Luzia Bueno, que participaram das bancas dos exames de qualificação, trazendo inúmeras contribuições para o desenvolvimento desta pesquisa; aos professores participantes da banca de defesa, por contribuírem com observações e sugestões para esta pesquisa; às colegas do grupo Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações (Alter), com quem me relacionei durantes os anos de vida acadêmica, que muito contribuíram com discussões sobre a minha pesquisa, como Carla Messias, Elisabete Laureano, Márcia Donizete, Maria Christina Cervera, Daniella Barbosa, Maria Izabel Tognato, Kátia Diolina, Sibéria Carvalho, Carla Galhardo, Marina Buzzo, entre outras, pelas conversas na hora do café, pelo carinho e amizade, que contribuíram com meu crescimento; aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em especial à Anise Ferreira, pelas discussões em disciplinas cursadas,

6 X e à Profª Drª Vera Cristóvão, da Universidade Estadual de Londrina (UEL) pela leitura da minha tese no início do doutorado. à Ermelinda Barricelli, em especial, pela amizade, pelos momentos que passamos juntas estudando ou trabalhando, presencialmente ou on-line, que contribuíram muito para o meu desenvolvimento como pesquisadora e como professora; à Maria Lúcia, secretária do LAEL, por estar sempre disposta a ajudar, mesmo diante de tantos afazeres; às doutoras Eliane Lousada, Lília Abreu-Tardelli e Luzia Bueno, por terem contribuído com o meu percurso profissional-acadêmico e com quem aprendi muito durante esses anos; à Profª Drª Raquel Salek Fiad por ter contribuído sobremaneira com esta pesquisa; ao Evandro Lisboa Freire, do Grupo de Estudos de Linguística de Corpus (GELC/LAEL), por ter traduzido o resumo para o inglês, pela revisão cuidadosa desta tese (exceto dos capítulos 3 e 4), pelas sugestões e pela amizade; ao Adail Sobral, pelos bate-papos nos congressos, pela tradução do resumo para o francês; ao amigo Valdeir Del Cont, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, por ter aceitado participar de uma pesquisa piloto mesmo antes de eu iniciar o doutorado; às participantes de pesquisa, professoras de pós-graduação, sem as quais este trabalho não seria possível; ao amigo Anselmo Lima, professor da UTFPR, pelas discussões virtuais que contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico; ao José, meu marido, pelas discussões com olhar sociológico que contribuíram para expandir a visão sobre a temática estudada e por ter compartilhado todos os momentos deste trabalho; à Vitória, minha filha, que procurava para mim os livros na minha biblioteca enquanto eu escrevia a tese; à minha sogra e à minha cunhada, que sempre se dispuseram a cuidar da minha filha em inúmeras ausências durante o percurso acadêmico;

7 XI aos meus familiares, que sempre incentivaram a minha vida profissionalacadêmica; à Capes, pela bolsa flexibilizada, sem a qual não seria possível o desenvolvimento desta pesquisa; a todas as vozes que, de alguma forma, ressoam nesta tese.

8 XIII Todos aqueles que trabalham, que executam tarefas como assalariados ou não, merecem ter no seu trabalho não apenas um meio de ganhar a vida, mas um meio de desenvolvimento pessoal e social. (SZNELWAR, 2001)

9 XV SUMÁRIO Lista de figuras...xix Lista de quadros...xxi Lista de tabelas...xxiii Resumo...XXV Abstract...XXVII Résumé...XXIX Introdução...XXXI CAPÍTULO 1 CONCEPÇÕES DE TRABALHO E DE TRABALHO DOCENTE O trabalho na visão ergonômica O real da atividade para a Clínica da Atividade O trabalho como forma de agir na abordagem do ISD Concepção do trabalho do professor sob uma visão interdisciplinar...18 CAPÍTULO 2 A PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU NO BRASIL E O PAPEL DO PROFESSOR DE PÓS-GRADUAÇÃO História da pós-graduação no Brasil: da sua regulamentação ao século XXI O Sistema de Avaliação da Capes e os critérios de avaliação da área Letras/Linguística...35 CAPÍTULO 3 AGIR, LINGUAGEM E LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UMA ABORDAGEM INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA...43

10 XVI 3.1. As condutas humanas, a interação sócio-histórica e os instrumentos semióticos para o interacionismo social O agir de linguagem e o desenvolvimento numa abordagem interacionista sociodiscursiva O agir e a linguagem Atividade de linguagem e desenvolvimento humano...56 CAPÍTULO 4 O QUADRO DE ANÁLISE DE TEXTOS DO ISD O texto empírico e o tipo de discurso Os elementos do contexto de produção Os elementos do nível organizacional Os elementos do nível enunciativo Os elementos do nível semântico...84 CAPÍTULO 5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A seleção dos participantes da pesquisa As participantes da pesquisa A instrução ao sósia Procedimentos de geração dos dados Perguntas de pesquisa Procedimentos de análise Análise do contexto de produção do texto Análise dos três níveis textuais: organizacional, enunciativo e semântico CAPÍTULO 6 DISCUSSÃO E RESULTADOS DAS ANÁLISES DE DADOS O contexto de produção do texto...109

11 XVII 6.2. As atividades da professora de pós-graduação tematizadas Actantes postos em cena no texto analisado As funções atribuídas ao professor de pós-graduação CONSIDERAÇÕES FINAIS Referências Anexos...177

12 XIX LISTA DE FIGURAS Figura 1.1 Os elementos do trabalho... 9 Figura 1.2 Elementos constituintes do trabalho do professor em situação de sala de aula...22 Figura 1.3 O conjunto possível de atividades do trabalho do professor que pode ser detectado nas pesquisas...23 Figura 5.1 Conjunto de dados possíveis para a interpretação do agir em textos sobre o trabalho...98 Figura 6.1 Actantes identificados no texto analisado Figura 6.2 As múltiplas funções atribuídas ao professor de pós-graduação Figura 6.3 Elementos constituintes da atividade de orientação...148

13 XXI LISTA DE QUADROS Quadro 1 1 o trocado com a professora da Unicamp: 30 jul Quadro 2 2 o trocado com a professora da Unicamp: 31 jul Quadro 3 3 o trocado com a professora da Unicamp: 31 jul Quadro 4 4 o trocado com a professora da Unicamp: 15 out Quadro 5 5 o trocado com a professora da Unicamp: 15 out Quadro 6 6 o trocado com a professora da Unicamp: 16 out Quadro 7 7 o trocado com a professora da Unicamp: 17 out Quadro 8 8 o trocado com a professora da Unicamp: 26 out Quadro 9 9 o trocado com a professora da Unicamp: 26 out

14 XXIII LISTA DE TABELAS Tabela 4.1 Sequências, representações dos efeitos pretendidos e fases correspondentes...77 Tabela 5.1 As atividades elencadas no pela professora da Unicamp Tabela 5.2 Exemplo de uma função atribuída ao professor e os elementos do trabalho docente Tabela 6.1 Levantamento quantitativo e percentual das palavras Tabela 6.2 Plano global da instrução ao sósia e da entrevista aberta Tabela 6.3 Exemplos dos tipos de agir Tabela 6.4 As atividades agradáveis representadas Tabela 6.5 As atividades desagradáveis representadas Tabela 6.6 A quantidade e a porcentagem de actantes no texto analisado Tabela 6.7 Tipos de atividades e as funções atribuídas ao professor de pós-graduação...144

15 XXV RESUMO Esta pesquisa tem por objetivo contribuir com uma reflexão sobre o trabalho do professor de pós-graduação stricto sensu, por meio da análise e interpretação das representações construídas sobre o trabalho docente em um texto produzido por uma professora que atua em uma universidade pública, a fim de trazer à cena o real da atividade que ela desenvolve. Pesquisas revelam a problemática da profissão do professor de pós-graduação, sugerindo que ele é atingido pelo mal-estar docente gerado pela pressão para desenvolver várias atividades prescritas pela universidade e pelas agências de fomento à pesquisa, sendo a produtividade e a eficiência mensuradas em índices. Essa sugestão nos leva à hipótese de que esse mal-estar deve se manifestar de alguma forma em textos nos quais o professor descreve o seu próprio trabalho. Para verificar essa hipótese, seguimos o interacionismo sociodiscursivo (ISD), que atribui ao agir e à linguagem papel fundamental no desenvolvimento humano. Para essa abordagem, o trabalho é definido como uma forma de agir cujas representações são construídas na e pela linguagem, sendo concebido como um dos lugares centrais de aperfeiçoamento do ser humano na sociedade atual. Assim, ao estudarmos textos que trazem representações sobre o trabalho do professor de pós-graduação, estamos também contribuindo para uma melhor compreensão de como se dá esse desenvolvimento pessoal e profissional nas situações de trabalho. Além do ISD, adotado como quadro teórico-metodológico, baseamo-nos em outras disciplinas que também vêm estudando situações de trabalho, como a Ergonomia da Atividade e a Psicologia do Trabalho, especificamente a Clínica da Atividade. Pressupostos da análise de discurso da linha francesa complementam a análise de dados. Para a geração do texto em análise utilizamos um procedimento denominado instrução ao sósia com uma professora experiente da área de estudos da linguagem que atua em uma universidade pública. Por meio desse procedimento, a professora vivenciou uma experiência ao dar instruções a esta pesquisadora sobre o modo de realizar as suas atividades de trabalho. Para complementá-lo, utilizamos, também, uma entrevista aberta. A análise do texto transcrito gerado para esta pesquisa possibilitou-nos ter acesso à multiplicidade de tarefas desenvolvidas pela professora, assim como aos gestos de seu métier (ofício). Foram evidenciadas, ainda, as dificuldades para desenvolver as atividades e as alternativas para superá-las, sendo colocados em cena os diferentes modos de agir da professora, assim como o sofrimento gerado para a realização das atividades e as dimensões envolvidas no trabalho. Além disso, essa análise evidencia as diferentes funções desempenhadas pelo professor de pós-graduação, assim como os elementos do trabalho docente envolvidos em cada uma delas. Tudo isso revela a complexidade do trabalho desse professor, pois ele tem de saber gerenciar inúmeros elementos. Esta tese consiste, de modo geral, na ideia de que a multiplicidade de tarefas desenvolvidas pelo professor de pós-graduação da área de estudos da linguagem prejudica o desenvolvimento das atividades de pesquisa e de ensino prescritas em documentos oficiais que regem sua profissão, principalmente aqueles que se dizem avaliativos. Esse fato nos obriga a refletir em busca de alternativas para sanar os problemas identificados. Palavras-chave: trabalho docente, pós-graduação, representações, real da atividade, método de instrução ao sósia.

16 XXVII ABSTRACT This research aims at contributing to a reflection on the teacher s job at the stricto sensu graduate level through the analysis and interpretation of representations about the teaching work expressed in a text produced by a professor who teaches at a public university, in order to raise the real work activity she develops. Some researches reveal the complex issues involved in the work of graduate professor and suggest that he/she is affected with the teaching discomfort due to the pressure to perform many tasks prescribed both by the university and the research funding agencies, which measure productivity and efficiency through indexes. This suggestion leads us to the hypothesis that this discomfort should be expressed somehow in the texts where the professor describes her/his own job. In order to investigate this hypothesis, we adopt the socio-discursive interactionism (SDI), which attributes to acting and language a fundamental role in human development. According to this approach, job is defined as a way of acting whose representations are expressed in and through language, and it is considered a major human being improvement center in current society. Thus, studying texts with representations about the job of graduate professor, we also contribute to a better understanding of how this personal and professional development occurs in working situations. Besides SDI, adopted as theoretical and methodological framework, our research is based on other disciplines which study working situations, as Activity Ergonomics and Labor Psychology, particularly the Activity Clinic. Tenets of the French inspired discourse analysis complement the data analysis. To generate the text under analysis we employed a procedure called instruction to the double with an experienced professor of the field of language studies who teaches at a public university. Through this procedure, she lived an experience providing this researcher with instructions on how to perform her work activities. In order to complement this procedure, we also used an open interview. The analysis of the text transcribed for this research allowed us to access the multiplicity of tasks carried out by the professor, as well as the gestures of her métier (job). The difficulties to perform the activities and the alternative ways to overcome them were also evidenced, bringing about the professor s distinct modes of acting and the uneasiness due to the tasks and the dimensions involved in the job. Moreover, this analysis evidenced the diverse functions of the graduate professor and the elements of the teaching work involved in any of them. All this reveals the complex nature of this teacher s job, since she/he should know how to manage innumerous elements. This thesis consists, in a general sense, in the idea that the multiplicity of tasks performed by the teacher at the graduate level in the field of language studies impairs the performance of research and teaching activities prescribed in the official documents ruling her/his profession, mainly those intending to be seen as evaluative ones. Regarding this fact, we should reflect in search of alternative ways to solve the problems identified. Keywords: teaching work, graduate education, representations, real work activity, method of the instruction to the double.

17 XXIX RÉSUMÉ Cette recherche a pour but présenter une réflexion sur le travail du professeur des cours de post-graduation stricto sensu par le moyen de l'analyse et de l'interprétation des représentations construites sur le travail d'enseignement dans un texte produit pour un professeur qui travaille à une université publique, afin d'apporter à la scène le réel de l'activité qu'il développe. Il-y-a des recherches qui révèlent la problématique de la profession du professeur de postgraduation, suggérant qu'elle soit atteinte par la malaise de enseignement produite par la pression de développer quelques activités prescrites pour l'université et des agences de promotion des recherches, dont la productivité et l'efficacité son mensurées par le moyen des indexes. Cela nos a suggéré l'hypothèse selon lequel cette malaise peut se révéler d'une certaine façon dans des textes où le professeur décrit son travail. Le travail se base sur l interactionnisme socio-discursif (ISD), qui attribue au agir et au langage un rôle vital dans le développement humain. Pour l'isd, le travail est défini comme une manière d'agir dont les représentations sont construits dans et par le langage, étant conçu comme un des endroits essentiels pour le perfectionnement des êtres humains dans la société. Ainsi, en étudiant les textes qui apportent des représentations sur le travail du professeur recherché, nous contribuons également pour un meilleur compréhension du développement personnel et professionnel dans des situations de travail. Au delà de l'isd, adopté comme le fondement théorétique-méthodologique, le travail considere d'autres outils de recherche sur des situations de travail, comme l'ergonomie de l'activité et la psychologie du travail, spécifiquement la clinique de l'activité. Des presuposés de l'analyse du discours française ont aidé notre analyse. Pour la génération du texte analysé nous employons le procédure d instruction au sosie avec un professeur expériencé du domaine d'études du langage travaillant à une université publique. Au moyen de ce procédé, le professeur a vécu profondément une expérience en donnant des instructions au chercheur sur le séquence de tâches qui constituent ses activités de travail. Nous employons aussi une entrevue ouverte. L'analyse du texte transcrit a rendu possible l'accès à la multiplicité de tâches développées pour le professeur, comme les gestes de son métier. Des difficultés dans la réalisation des activités et des efforts pour les surpasser, et ont a pu observer les différentes manières d'agir du professeur, comme la souffrance générée par l'accomplissement des activités et des dimensions impliquées dans le travail. D'ailleurs, cette analyse démontre les différentes fonctions jouées pour le professeur, aussi bien des éléments qui constituent le travail d'enseignement dans chacun des fonctions. L'étude a révèle la complexité du travail du professeur, qui doit développer la capacité de gérer des éléments innombrables. Notre thèse consiste essentiellement dans l'idée que la multiplicité de tâches développées pour le professeur étudié nuit le développement des activités de recherche et de l'enseignement prescrites dans des documents officiels qui constituent des prescriptions pour sa profession, principalement ceux caractérisées comme évaluatives. L'étude montre qu'il nous faut chercher des solutions pour bien résoudre les problèmes identifiés. Mots-clefs: travail d'enseignement, port-graduation, représentations, réel de l'activité, méthode d instruction au sosie.

18 XXXI INTRODUÇÃO Nesta introdução, primeiramente, apresentaremos o objetivo desta tese e trataremos da trajetória acadêmica que nos motivou a estudar o tema, indicando a problemática mais ampla na qual este estudo se insere. Na sequência, apresentaremos, de modo conciso, o quadro teórico que a embasa. Por fim, apresentaremos a questão mais ampla de pesquisa e a organização da tese. O objetivo desta tese é identificar e discutir como o trabalho do professor se configura em um texto produzido por uma docente de pós-graduação em situação de pesquisa. Ela está integrada aos estudos do grupo Análise de Linguagem, Trabalho Educacional e suas Relações (Alter), que tem como objetivo central desenvolver um aprofundamento teóricometodológico sobre as relações entre linguagem/trabalho educacional tomadas no quadro da problemática maior das relações entre discursos, atividades sociais e ações (MACHADO, 2003, p. 5). Em 2002 ingressei 1 como aluna de mestrado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (LAEL/PUC-SP), instituto em que a análise da linguagem é foco central, sendo marcada pela transdisciplinaridade. Na disciplina Tópicos em Linguística do Trabalho e Disciplinas Conexas, ministrada no primeiro semestre de 2003 pela Profª Drª Anna Rachel Machado, coordenadora do grupo Alter, e pela Profª Drª Maria Cecília Souza-e-Silva, coordenadora do grupo Atelier Linguagem e Trabalho, conheci pressupostos oriundos de outras disciplinas, como a Psicologia do Trabalho, especificamente a da Clínica da Atividade, coordenada pelo pesquisador Yves Clot (2000, 2001, 2006, 2010) do Conservatoire des Arts et Métiers 2 (CNAM) de Paris, e, também, os pressupostos seguidos pelo Grupo Ergonomie de l Activité des Professionnels de l Education 3 (Ergape) de Marselha, França, do qual fazem parte René Amigues (2002, 2003, 2004), Frédéric Saujat (2002, 2004) e Daniel Faïta (2002, 2004), entre outros. Nessa disciplina tive contato com pesquisas que se centram em estudos sobre o trabalho e que utilizam aportes desses pesquisadores, podendo-se citar, dentre elas, as de pesquisadores do exterior, como de Schwartz (1996), Boutet (1993), Guérin et al. (2001), e 1 Utilizaremos a primeira pessoa do singular quando se tratar do histórico pessoal/acadêmico desta pesquisadora. 2 Conservatório de Artes e Ofícios. 3 Ergonomia da Atividade dos Profissionais da Educação.

19 XXXII as do Brasil, especificamente as desenvolvidas no LAEL/PUC-SP sobre diferentes situações de trabalho, como sobre o Mercosul e o mundo do trabalho (SANT ANNA, 2002), como em hospital (FRANÇA, 2002), em empresa terceirizada que vende cartões de crédito (ALGODOAL, 2002), em escola (KAYANO, 2005), em empresa jornalística (NASCIMENTO, 2008), entre outras. A partir dessas pesquisas percebi que a atividade de linguagem e a atividade de trabalho estão intrinsecamente ligadas, pois as trocas no trabalho são realizadas na e pela linguagem. Comecei a me interessar também pela temática linguagem, trabalho e educação a partir dos artigos de pesquisadores brasileiros e estrangeiros publicados em 2004 no livro O ensino como trabalho, organizado pela Profª Drª Anna Rachel Machado, que discutem a questão do trabalho do professor, incluindo pressupostos das disciplinas do trabalho abordadas anteriormente. Nesse período, como integrante do grupo Alter, tive acesso, ainda, a pressupostos teóricos do interacionismo sociodiscursivo (ISD) (BRONCKART, 1999, 2006, 2008), que é uma vertente da psicologia vigotskiana, como veremos mais adiante. No mestrado, desenvolvi um trabalho no qual analiso verbos de dizer em resenhas acadêmicas produzidas por professores-pesquisadores e publicadas em revistas científicas (MUNIZ-OLIVEIRA, 2004), fato este que me levou ao interesse pelo tema trabalho do professor de pós-graduação, já que produzir resenhas é uma das atividades referentes à pesquisa desenvolvida por esse profissional. Nessa época, estudar as relações entre linguagem e trabalho no ensino superior parecia instigante para compreender as outras atividades que o professor desenvolve. Ingressei no doutorado em 2007 apresentando um projeto sobre o tema o trabalho do professor de pós-graduação, pois realmente estava interessada em compreender como se organiza o trabalho do docente nesse nível de ensino, pois, as discussões com a minha orientadora, os bate-papos informais com outros professores de pós-graduação e a tese de Alvarez (2000), que abordaremos mais adiante, indicavam uma problemática da profissão desse docente, já que parecia haver dificuldades para o professor gerenciar todas as atividades prescritas a ele por haver um acúmulo de trabalho que atualmente recai sobre o docente de pós-graduação. Isso nos fez levantar a hipótese de que o número de atividades que o professor precisa desenvolver acaba prejudicando a qualidade, além de levar o professor ao sofrimento no trabalho. No doutorado tive acesso a textos dos integrantes do grupo Alter sobre o trabalho do professor, tanto referentes a situações naturais de atividade docente como a atividades de

20 XXXIII pesquisa por indução do pesquisador. Podemos citar como exemplo as teses de Lousada (2006), Abreu-Tardelli (2006) e Mazzillo (2006) e as dissertações de mestrado de Correia (2007) e Barricelli (2007), e, ainda, os artigos de Bronckart e Machado (2004), Machado e Cristóvão (2005) e Machado e Bronckart (2005), entre outros, que têm como quadro teórico principal o ISD, que já tinha fornecido os subsídios necessários à minha pesquisa de mestrado. Além disso, tive acesso a pesquisas do grupo LAF (Language, Action et Formation 4 ), da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra, dirigido pelo Prof. Dr. Jean-Paul Bronckart, ao qual os pesquisadores do grupo Alter são associados, 5 e com o qual a PUC-SP mantém acordos institucionais, tendo se voltado, recentemente, para pesquisas em situações de trabalho (BRONCKART, 2006, 2008; BRONCKART; BULEA; FRISTALON, 2005; BULEA, 2007). Com as leituras e com as discussões nos seminários e reuniões do grupo Alter fui aprimorando meus conhecimentos sobre o quadro do ISD, até compreender que os textos são considerados a materialização da ação humana. Sendo assim, ao interpretar um texto, nessa abordagem, estamos interpretando as figuras de agir, ou formas de agir, que o texto contém, e, portanto, aspectos da ação humana. 6 Dessa forma, podemos interpretar o trabalho a partir de textos que, de alguma maneira, versam sobre ele, o que nos levará ao trabalho interpretado. Nesse período, foi possível conhecer instrumentos de geração de dados procedentes da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade, 7 utilizados pelos grupos Atelier e Alter, como os instrumentos de coleta denominados autoconfrontação, 8 que foi utilizado nas pesquisas de Lousada (2006) e Buzzo (2008), e instrução ao sósia, 9 utilizado por Tognato (2009) e nas teses de Carvalho (2009) e Lopes-Dias (2010). Interessei-me pela instrução ao sósia quando participei de um curso no 1 o semestre de 2004 na PUC-SP, ministrado pelo Prof. Dr. René Amigues, que atua no Instituto Universitário de Formação de Professores de Aix- Marseille, e que fez uma simulação da instrução ao sósia nessa oportunidade, o que mostrou 4 Linguagem, Ação e Formação. 5 Ver site, disponível em: < Acesso em: 20 ago No Capítulo 3 esses pressupostos serão explicados detalhadamente. 7 Essas duas disciplinas serão abordadas no Capítulo 1. 8 A autoconfrontação, que pode ser simples ou cruzada, segue uma perspectiva vigotskiana e bakhtiniana, e consiste numa técnica de filmagem das sequências de atividade de trabalho para que possam ser vistas e analisadas pelo pesquisador e pelos trabalhadores em questão (CLOT et al., 2001). 9 A instrução ao sósia é um procedimento de geração de dados a partir do qual o pesquisador se coloca na posição de sósia do sujeito de pesquisa, que deve dar instruções para que ele (sósia) possa realizar suas atividades no trabalho de forma que ninguém perceba a mudança. No Capítulo 5 abordaremos em detalhe a instrução ao sósia, pois é o procedimento principal que utilizamos para gerar nossos dados.

21 XXXIV que a partir desse instrumento é possível colocar em cena os detalhes de uma atividade a ser realizada. Tive acesso também, na disciplina citada no início desta introdução, à tese de Denise Alvarez (2000), 10 intitulada A temporalidade, a organização do trabalho e a avaliação da produção acadêmica: o caso do Instituto de Física da UFRJ, desenvolvida no programa de Engenharia da Produção da UFRJ. Essa tese, em particular, por tratar do tema produção acadêmica, chamou-me muito a atenção pelos depoimentos dos professores-pesquisadores e de editores de revistas científicas, que abordam a problemática da produção de textos acadêmicos nessa era de produtividade e competitividade do mundo do trabalho. Com a leitura da tese de Alvarez (2000), que mostra que os professores-pesquisadores atuam em dois sistemas (o da universidade e o das agências de fomento), e, paralelamente a isso, as discussões com a minha orientadora, que comentava sobre o excesso de atividades que os professores têm de realizar na/para a universidade, interessei-me ainda mais pelo tema do trabalho do professor de pós-graduação. Senti-me, então, instigada a desenvolvê-lo, posteriormente, no doutorado, visando a compreender a complexidade desse trabalho. É a partir do contexto explicitado anteriormente que surgiu o interesse em realizar uma pesquisa de doutorado sobre o grande tema o trabalho docente no ensino superior, utilizando como base teórica pressupostos do ISD, da Ergonomia da Atividade Docente e da Clínica da Atividade. Para prosseguir com a pesquisa, busquei estudos que tratassem desse tema, encontrando algumas pesquisas que abordam a grande temática educação superior no Brasil, como os livros Docência no ensino superior, de Selma Pimenta e Lea das Graças Camargos Anastasiou, de 2002, e Universidade: políticas, avaliação e trabalho docente, organizado por Deise Mancebo e publicado em 2004, composto por vários artigos que enfocam as reformas do Estado e políticas para o setor da educação superior, incluindo as políticas científicas e práticas de pesquisa; a questão da avaliação, gestão e financiamento na educação superior e a questão da formação e trabalho do docente do ensino superior. Essas pesquisas citadas revelam a problemática da profissão do professor de pós-graduação, tanto do ensino público como do privado, o que mostra que ele parece ser atingido pelo chamado mal-estar docente 11 já que seu trabalho caracteriza-se por uma complexidade de atividades que são prescritas pelas instituições governamentais, sobretudo pelos órgãos de fomento à pesquisa, e pelas próprias universidades onde atua. 10 Tese indicada pela Profª Drª Maria Cecília Souza-e-Silva, a quem agradeço. 11 Termo empregado por J. M. Esteves, que contribuiu para divulgar na Espanha os problemas psicológicos do professor (GIL-VILLA, 1998).

22 XXXV Visando a estudar essa problemática, esta pesquisa alia pressupostos teóricometodológicos oriundos de uma vertente do interacionismo social, o ISD (BRONCKART, 1999, 2006, 2008) e das disciplinas do trabalho, como a Ergonomia da Atividade e a Psicologia do Trabalho. Nesse quadro, o ISD, como vertente da psicologia vigotskiana, tem como objetivo maior investigar a problemática do agir humano, tendo se voltado, mais recentemente, a estudar o agir no trabalho. Diferente de outras vertentes, o ISD dá ênfase especial à linguagem e considera que as representações construídas nos e pelos textos têm um papel muito importante no desenvolvimento humano. Segundo Bronckart e Machado (2004), a análise de textos sobre a relação entre linguagem e trabalho possibilita a compreensão do trabalho do professor em relação a aspectos das interpretações/representações/avaliações que socialmente se constroem sobre o agir concreto. Podemos considerar representações sociais o conjunto de crenças, conhecimentos e opiniões que são produzidas e partilhadas pelos indivíduos de um mesmo grupo a respeito de determinado objeto social (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008). As representações sociais, que se materializam nas produções textuais, são apropriadas pelos indivíduos, constituindo-se em representações individuais, tornando-se uma espécie de guias para ações futuras. As representações sobre a realidade só podem ser acessadas nos e pelos textos. Portanto, as representações veiculadas não são cópias nem reflexo da realidade, pois a linguagem não espelha, ela materializa representações, que são sociais. Assim, as representações são versões da realidade, sócio-historicamente construídas, como detalharemos no Capítulo 3. Desse modo, podemos entender melhor o trabalho a partir das representações que se constroem nos e pelos textos sobre determinada atividade, no nosso caso, o trabalho educacional. Além da abordagem do ISD, partiremos da Ergonomia da Atividade, vertente da Ergonomia, representada pelo grupo Ergape (AMIGUES, 2002, 2004; SAUJAT, 2002, 2004), e da Psicologia do Trabalho, especificamente a Clínica da Atividade (CLOT, 2001, 2006, 2010; CLOT; FAÏTA, 2000; FAÏTA, 2002, 2004; ROGER, 2007; SCHELLER, 2001, 2003), que desenvolvem pesquisas sobre diferentes situações de trabalho, tendo contribuído com vários conceitos sobre o trabalho (trabalho prescrito, trabalho realizado, real da atividade), fundamentais para esta pesquisa, que serão discutidos no Capítulo 1. Assim, nesta pesquisa, trabalharemos com essas três linhas de pesquisa, uma vez que elas se baseiam no mesmo referencial teórico, adotando Bakhtin (Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade) e Voloshinov (ISD) para questões da linguagem e Vigotski para questões de ordem psicológica, como veremos no Capítulo 3. Além disso, partem do

23 XXXVI pressuposto, o qual compartilhamos, de que é necessária uma abordagem transdisciplinar em Ciências Humanas/Sociais, e não uma divisão de disciplinas que têm em comum o humano e o social. Desse modo, essas três abordagens consideram a necessidade das disciplinas se apoiarem umas nas outras para que possam explicar e compreender melhor os complexos fenômenos humanos. Especificamente, nossa pesquisa se constitui dentro do campo da Linguística Aplicada, na qual a análise da linguagem é foco central, sendo marcada pela transdisciplinaridade e privilegiando a compreensão das relações entre linguagem e trabalho educacional. Partimos do princípio de é necessário ouvir a voz do próprio trabalhador, nesse caso específico a do docente de pós-graduação, para tentarmos compreender como se configura o seu trabalho a partir de textos produzidos por ele mesmo. Consideramos que as análises de diferentes textos sobre o trabalho podem fornecer uma nova compreensão sobre o trabalho do professor, nesse caso específico em relação a aspectos das representações que socialmente se constroem sobre ele. Segundo Bronckart e Machado (2004), compreender as representações sobre as ações, sua motivação, sua finalidade e a responsabilidade que o professor assume implica assumirmos que a análise dessa rede discursiva pode nos trazer a sua compreensão. A análise de textos produzidos pelo próprio professor permite compreender como ele realiza, interpreta e avalia o seu trabalho, possibilitando desvendar os modos de agir (o como fazer) e seu cotidiano. Mesmo com a existência de estudos em diferentes ramos disciplinares, como os que citamos anteriormente, não encontramos pesquisas que abordem as atividades desenvolvidas pelo professor de pós-graduação stricto sensu com o olhar do linguista aplicado, associado ao do ISD, da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade, em uma abordagem discursiva. Desse modo, acreditamos que esta pesquisa seja relevante para compreender como se configura o trabalho do professor de pós-graduação, levando-se em conta não somente a atividade de docência, mas outras atividades que, a partir do contato com professores e de nossas pesquisas, sabemos que ele realiza. A partir dos pressupostos teóricos mencionados, propomos responder a pergunta mais ampla de pesquisa, que será desmembrada em questões específicas no Capítulo 5: Quais são as representações sobre o trabalho docente construídas nos e pelos textos produzidos por uma professora de pós-graduação de uma universidade pública?

24 XXXVII Para responder a essa pergunta, utilizamos um tipo de procedimento desenvolvido pela equipe da Clínica da Atividade (CLOT, 2006, 2010), denominado instrução ao sósia, sendo complementado por uma entrevista aberta com uma professora de pós-graduação de uma universidade pública. Na instrução ao sósia, o pesquisador/psicólogo se coloca na posição de sósia-substituto do participante de pesquisa, pedindo que este lhe dê instruções para realizar uma atividade de trabalho, possibilitando trazer à tona especificidades da situação de trabalho, conflitos, impedimentos e dificuldades para a realização da atividade. Desse modo, partimos da hipótese de que os conflitos vividos, os impedimentos do agir, as múltiplas tarefas atribuídas ao docente de pós-graduação stricto sensu 12 podem se manifestar em textos nos quais o professor comenta/descreve/aborda o seu próprio trabalho, pois são nos e pelos textos que podemos ter acesso às representações. Ligada ao objetivo e à questão de pesquisa, a tese que buscamos desenvolver consiste na ideia de que o professor de pós-graduação, nesse caso da área da linguagem, desenvolve uma multiplicidade de atividades complexas pressionado pela universidade e pelas agências de fomento, o que prejudica o desenvolvimento das atividades de pesquisa e de ensino e contribui para ameaçar a qualidade dos trabalhos desenvolvidos, além de levar o professor ao sofrimento no trabalho. Embora integrantes do grupo Alter tenham desenvolvido diferentes pesquisas sobre o trabalho docente, tendo trazido muitas contribuições, elas se centram em outros níveis de ensino e/ou utilizam outros métodos de geração de dados. Além disso, esta pesquisa difere das outras da área da Educação ou das Ciências Sociais/Humanas, citadas anteriormente, porque faz a mediação entre o conhecimento proveniente de várias disciplinas, como já mencionado, utilizando a materialidade linguística como forma de possibilidade de compreensão, inserindo-se na área da Linguística Aplicada. A pesquisa de Alvarez (2000), por exemplo, analisa entrevistas produzidas por professores de pós-graduação, porém, a sua investigação não tem como base a materialidade linguística e foi desenvolvida na área de Engenharia da Produção, utilizando pressupostos da Ergonomia e da Ergologia. Não encontramos, também, registros de pesquisas sobre o trabalho do docente de pós-graduação stricto sensu no campo transdisciplinar da Linguística Aplicada. 12 A pós-graduação divide-se em lato sensu, que se refere aos cursos de especialização e aperfeiçoamento e stricto sensu, que se refere aos programas de mestrado e doutorado.

25 XXXVIII Consideramos, assim, que este estudo possa contribuir para uma melhor compreensão das representações sobre as atividades realizadas pelo docente de pós-graduação, a partir da análise da linguagem, nessa era de profundas transformações pela qual a sociedade vem passando, que tem como resultado a ênfase na produtividade que acarreta excesso de trabalho e de exigências. Assim, ela pode ampliar os estudos existentes sobre a temática, contribuindo para que as instâncias superiores de pós-graduação no Brasil repensem a forma de organização do trabalho do professor, tendo em vista preservar a qualidade do trabalho docente. Além disso, esperamos trazer contribuições teórico-metodológicas no que se refere à forma de geração de dados e aos procedimentos de análise para o grupo Alter e para outros grupos que estudam a questão do trabalho, num momento em que se busca a compreensão do trabalho do professor, visando ao desenvolvimento de capacidades do profissional docente. Para atingir nosso objetivo, dividimos nossa tese em cinco partes. No Capítulo 1, para que possamos compreender o trabalho do professor de pós-graduação, faremos um percurso histórico da pós-graduação no Brasil, desde a sua regulamentação até o século XXI, tentando resgatar o papel do professor de pós-graduação em documentos oficiais. Com as mudanças ocorridas, evidenciam-se vários instrumentos avaliativos como forma de controlar os resultados de trabalho do professor universitário. Assim, abordaremos o órgão de fomento Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), seu sistema de avaliação e os critérios utilizados na avaliação trienal 2010 ( ) para a grande área Letras/Linguística, na qual a participante desta pesquisa está inserida. Após essa apresentação, discutiremos, no Capítulo 2, pesquisas que embasam a nossa concepção de trabalho, em geral, e de trabalho docente, em específico. Para isso, empregamos pressupostos da Ergonomia da Atividade, da Clínica da Atividade e do ISD, que desenvolvem conceitos fundamentais para a compreensão de uma das formas de agir humano, que é o trabalho. Para a compreensão do agir humano materializado em textos, apresentaremos, no Capítulo 3, o quadro teórico do ISD, já que ele nos fornece uma visão clara da linguagem como um agir, discutindo seu papel (linguagem) para as avaliações e interpretações desse agir em textos. Além disso, esse quadro nos fornece um modelo de análise de textos do ponto de vista contextual, organizacional, enunciativo e semântico, que será apresentado no Capítulo 4, o que permite analisar as representações sobre o trabalho.

26 XXXIX Após a apresentação da abordagem teórica e do modelo de análise, centramo-nos nos procedimentos metodológicos utilizados para a realização desta pesquisa. Desse modo, o Capítulo 5 é dedicado à descrição do contexto de pesquisa, à apresentação das perguntas específicas de pesquisa e à exposição dos procedimentos de geração de dados e de análise utilizados neste estudo. Expostos os procedimentos utilizados, no Capítulo 6 apresentaremos os resultados das análises, visando responder às questões de pesquisa descritas no Capítulo 5, sendo abordados os temas mobilizados no texto analisado e as representações construídas referentes às atividades de trabalho do professor de pós-graduação stricto sensu. Por fim, nas Considerações finais retomaremos os resultados das análises, procurando fazer uma reflexão sobre as representações a respeito do trabalho docente e apresentando observações para pesquisas futuras.

27 1 CAPÍTULO 1 CONCEPÇÕES DE TRABALHO E DE TRABALHO DOCENTE [...] o trabalho é uma base que mantém o sujeito no homem, visto que é a atividade mais transpessoal possível. (CLOT, 2006) Para identificar as representações construídas nos e pelos textos sobre o trabalho do professor consideramos necessário compreender qual é a concepção de trabalho, em geral, e de trabalho docente, em particular, assumida nesta tese. Para tanto, adotamos como referenciais teóricos estudos de Ergonomia da Atividade (FERREIRA, 2001, 2008; GUÉRIN et al., 2001; AMIGUES, 2002, 2004; SAUJAT, 2002, 2004), de Clínica da Atividade (CLOT, 2001, 2006, 2010; ROGER, 2007) e de interacionismo sociodiscursivo (ISD) (BRONCKART, 2006, 2008; MACHADO; BRONCKART, 2009; MACHADO, 2008, 2010; entre outros) que apresentam pesquisas sobre diferentes situações de trabalho, contribuindo com o conceito de trabalho e de trabalho docente. Desse modo, primeiramente, abordaremos o conceito de trabalho numa visão ergonômica; em segundo lugar, partiremos do olhar da Clínica da Atividade, que é uma corrente da Psicologia do Trabalho, para a definição de trabalho; em terceiro lugar, trataremos de aportes de pesquisadores da linha do ISD que, mais recentemente, tem se voltado a situações de trabalho, preocupando-se, então, em defini-lo. Essas abordagens partem de uma visão interdisciplinar para estudar as questões indicadas. A partir desses estudos será possível conceituar os termos trabalho e trabalho docente com base em aportes teóricos de disciplinas diversas. Assim, neste capítulo, discutiremos esses conceitos que vêm surgindo, principalmente, nas últimas décadas, em virtude de várias transformações extremamente rápidas nos sistemas de produção, que incluem a substituição do trabalho material e físico (p. ex., o trabalho na linha de produção de uma empresa) pelo trabalho imaterial ou de prestação de serviços (p. ex., o trabalho de assessoria de negócios). Nesse sentido, os pesquisadores mencionados, entre outros, vêm buscando compreender os problemas que decorrem desse novo quadro das relações de trabalho e procuram meios para superá-los.

28 O trabalho na visão ergonômica Para que possamos investigar o conceito de trabalho, iniciaremos explicando o que vem a ser ergonomia, o seu surgimento histórico e o seu desenvolvimento, a fim de compreender o contexto sócio-histórico em que acontecem as construções e modificações desse conceito. O termo ergonomia deriva das palavras gregas ergon = trabalho e nomos = normas, regras, leis. De acordo com a Associação Brasileira de Ergonomia, 1 a Ergonomia é uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos, buscando otimizar o bem-estar e o desempenho global do sistema. É papel dos ergonomistas contribuir com o planejamento, projeto e avaliação de tarefas, postos de trabalho, produtos, ambientes e sistemas, a fim de torná-los compatíveis com as necessidades, habilidades e limitações das pessoas. A disciplina Ergonomia surgiu oficialmente na Inglaterra, em 1947, procedente da pesquisa desenvolvida a serviço da Defesa Nacional Britânica durante a Segunda Guerra Mundial. Seus estudos foram desenvolvidos por uma equipe interdisciplinar, com o objetivo de amenizar os esforços humanos em situações extremas (SOUZA-E-SILVA, 2004). Ela se originou para a atuação de engenheiros, psicólogos e fisiologistas na remodelação da cabine de pilotagem (cockpit) dos aviões de caça ingleses. Por isso, é considerada filha da guerra, tendo o estereótipo de ciência do posto do trabalho (FERREIRA, 2008). Na Inglaterra, a Ergonomia tinha o objetivo de adaptar a máquina ao homem, levando em conta os fatores humanos na concepção de dispositivos técnicos, equipamentos, máquinas e instrumentos, visando a atenuar danos ao organismo humano provenientes da industrialização. Observamos, assim, que a Ergonomia abordava o trabalho na relação homem/máquina. No mesmo período, na França, surgiram estudos direcionados à observação do trabalho humano, e essas pesquisas mostravam a complexidade das atividades de trabalho. Tanto na Inglaterra quanto na França, as pesquisas dialogavam com outras áreas do saber, porém, na Inglaterra, a Ergonomia visava à adaptação da máquina ao homem, e na França a preocupação central era com a adaptação do trabalho, que envolve várias dimensões, ao homem. Observamos, então, duas correntes da Ergonomia: de um lado, uma de influência 1 Disponível em: < Acesso em: 21 dez

29 3 anglófona que, pelas próprias condições históricas ligadas à aventura tecnológica nos países de língua inglesa, focaliza a adaptação da máquina ao homem; de outro, uma linha de influência francófona, ou de língua francesa, que, também por razões históricas, minimizou a aplicação de conhecimentos científicos e valorizou a adaptação do trabalho ao homem, preocupando-se com os efeitos reais da ação ergonômica sobre o trabalho (SOUZA-E- SILVA, 2004). Na verdade, os pesquisadores franceses começaram a não aceitar as teorias e práticas desenvolvidas nos Estados Unidos, pois consideravam que não se tratava de adaptar a máquina ao homem, mas de melhorar as condições de trabalho para esses indivíduos, fazendo surgir a Ergonomia de vertente francesa ou francófona (MACHADO, 2008, p. 86). No começo dos anos 1970, essa Ergonomia foi fortalecida, pois os trabalhadores franceses começaram a contestar muito a organização taylorista e fordista do trabalho. Assim, os sindicatos de trabalhadores diretamente atingidos por essas organizações solicitaram aos ergonomistas que desenvolvessem pesquisas para melhorar suas condições de trabalho. Nesse sentido, podemos dizer que a Ergonomia francesa ganhou maior impulso a partir de uma demanda dos trabalhadores, o que inclui os sindicatos. Ao longo dos anos, a diversidade de práticas em Ergonomia deu origem a campos distintos de observação (projetos e correção) e de abordagens ou escolas distintas, a anglófona (human factor engineering) e a francófona (ergonomie de l activité), não sendo essa distinção objeto de consenso na literatura. Há diferenças entre essas duas abordagens, principalmente no que se refere aos modelos de ser humano e de trabalho que se encontram velados ou explícitos nos diferentes usos que se faz em Ergonomia (FERREIRA, 2008, p. 90). A primeira tem como preocupação maior a efetividade e a eficiência no trabalho e o aumento da produtividade; somente em segundo lugar estão os valores humanos Em relação à francófona, trata-se da Ergonomia da Atividade, que seguiremos nesta tese e, por isso, dela faremos uma exposição mais detalhada. A Ergonomia da Atividade surgiu na França e na Bélgica numa época em que havia forte preocupação com o social dos pesquisadores na Europa no século XX. Desde o início, ela esteve claramente articulada com o movimento operário, buscando transformar as situações de trabalho e, consequentemente, atender às demandas sindicais a fim de promover a melhoria das condições de trabalho e garantir a saúde dos trabalhadores. Foi somente com a constatação dos danos produzidos pela administração científica do trabalho, no final dos anos 1940, do taylorismo/fordismo, que a Ergonomia da Atividade foi se construindo com bases mais sólidas. Essa nova disciplina propunha uma mudança no

30 4 paradigma taylorista: ao invés de adaptar o homem ao trabalho, ela propunha a adaptação do trabalho (no sentido amplo do termo) ao homem. Na abordagem taylorista, trabalha-se com o pressuposto de regularidade e estabilidade de funcionamento do operador. Um dos efeitos dessa abordagem foi a divisão entre o perito, que concebe o trabalho, e o executante, que o realiza, tratando, portanto de separar o trabalho prescrito (regras, normas) do trabalho efetivo, ou atividade. Desse modo, se a atividade fosse diferente da tarefa solicitada, haveria duas possibilidades: ou o trabalhador não teria realizado adequadamente a sua tarefa ou teria havido falha no sistema. Dessa forma, a função organizadora do trabalho tornou-se independente do trabalho efetivo, sendo o taylorismo acusado de roubar a competência dos operários (SOUZA-E-SILVA, 2004, p. 88). A Ergonomia da Atividade nasceu, então, nesse contexto em que a atividade concreta dos trabalhadores e a maneira como a realizavam nunca estiveram efetivamente nas relações sociais. Essa disciplina recusava a abordagem mecanicista em que o homem pode ser reduzido à atividade que realiza e buscava provar que é possível mudar a técnica, os instrumentos e as condições de trabalho, operando uma inversão do paradigma homem/trabalho numa perspectiva de adaptar o trabalho ao homem. A partir de inúmeras pesquisas, observou-se que o objetivo taylorista de prescrever as tarefas dos trabalhadores em seus mínimos detalhes era totalmente impossível, já que há uma distância entre a prescrição e a atividade real do trabalhador. Nesse sentido, a Ergonomia da Atividade tem como preocupação a melhoria do bem-estar dos trabalhadores (FERREIRA, 2008, p. 90). A seguir temos a definição da Associação Internacional de Ergonomia (IEA) apresentada por Ferreira (2008, p. 91): A Ergonomia (ou o estudo dos fatores humanos) tem por objetivo a compreensão das interações entre os seres humanos e outros componentes de um sistema. Ela busca agregar ao processo de concepção teorias, princípios, métodos e informações pertinentes para a melhoria do bem-estar do humano e a eficácia global dos sistemas. De acordo com Ferreira (2008), a análise da evolução das definições de Ergonomia, a partir de suas características, nos permite inferir a importância da qualidade de vida no trabalho preventivo. Nesse sentido, o autor destaca o caráter multidisciplinar e aplicado dessa disciplina, já que saberes de outros profissionais para a produção de conhecimento sobre o mesmo objeto é fundamental. Traz em cena também que a disciplina tem como foco o bemestar dos trabalhadores e a eficácia dos processos produtivos, levando-se em conta a

31 5 adaptação do contexto de trabalho a quem nele opera. Visa, dessa forma, à transformação dos ambientes de trabalho buscando conforto e prevenção de agravos à saúde dos trabalhadores. Ainda segundo o autor, o objeto de estudo é a análise da interação e sua intervenção entre os indivíduos em um determinado contexto de trabalho (FERREIRA, 2008, p. 91). Segundo Ferreira (2008, p. 91): Tais características [as anteriores] habitam a Ergonomia como uma área científica, mesmo uma ferramenta, para atuar na temática de qualidade de vida no trabalho. Pode-se depreender que a razão de ser da Ergonomia é compreender os problemas (contradições) que obstaculizam a interação (mediação) dos trabalhadores com o ambiente de trabalho, cuja perspectiva é promover o bem-estar de quem trabalha e o alcance dos objetivos organizacionais. No interior da Ergonomia ou na interface com outras disciplinas, estudiosos vêm definindo o termo trabalho, não existindo, segundo Ferreira (2000), uma definição canônica. Para Teiger (1993, p. 113), por exemplo, o trabalho é: [...] uma atividade finalística, realizada de modo individual ou coletiva numa temporalidade dada por um homem ou uma mulher singular, situada num contexto particular que estabelece as exigências imediatas da situação. Essa atividade não é neutra, ela engaja e transforma, em contrapartida, aquele ou aquela que a executa. Ferreira (2000) também traz à cena a definição de trabalho de De Terssac (1995, p. 8): O trabalho é uma ação coletiva finalística. É uma ação organizada porque ela se situa num contexto estruturado por regras, convenções, culturas. É também uma ação organizadora porque ela visa não somente preencher as lacunas provenientes das imprecisões da prescrição, mas produzir um acordo, um espaço de ações pertinentes. É pela ação que se define, de forma interativa, o problema e a solução. É na ação que se operam as trocas de informações e que se constroem as formas de agir. Observamos que essas duas definições de trabalho são semelhantes, pois ambas consideram a questão da coletividade, do contexto estruturado em regras e normas e, também, da interação que possibilita a transformação do trabalhador e a solução para os problemas. Ferreira (2000), ao analisar várias definições para o termo trabalho, atenta para o fato de que os vários aspectos levados em conta nas definições de trabalho por vários autores não aparecem marcados pela contradição, mas resultam da ênfase dada a determinadas dimensões que se complementam e que se enriquecem mutuamente, opinião da qual partilhamos. A delimitação do conceito implica levar em conta os conhecimentos de outras disciplinas

32 6 vizinhas, como, por exemplo, a Sociologia, a Psicologia etc.; e, especialmente, aquelas com as quais a ergonomia mantém uma estreita colaboração, como a Psicodinâmica e a Ergologia, por exemplo. Esclarece, assim, que a construção do conceito é de natureza interdisciplinar, reforçando seu caráter multidimensional e polissêmico, mas que permite identificar um fio condutor que parece costurar as diferentes abordagens, que é a atividade real que aparece como categoria central, desempenhando um papel estruturador dos conceitos. Desse modo, a atividade se constitui como a principal fonte produtora de conhecimento em Ergonomia. O autor, ainda, propõe alguns elementos que ajudariam a tecer o conceito de trabalho em Ergonomia, que são indissociáveis da atividade humana em situação de trabalho. O primeiro é o fato de que o trabalho cumpre um papel mediador entre o homem e a natureza (material e/ou simbólica), havendo uma interação entre o sujeito e o ambiente. De um lado, o sujeito, ao agir diretamente ou indiretamente (mediação instrumental) sobre o meio pela atividade de trabalho, é, ao mesmo tempo, transformado por ele em função dos efeitos e resultados de sua ação. Por outro lado, a interação é guiada por objetivos que o sujeito estabelece para o trabalho. Segundo Ferreira (2000, p. 7), a estruturação dos objetivos dá sentido à interação e resulta de um processo de apropriação (no sentido psicológico do termo) e de releitura do que foi prescrito pela organização do trabalho. Esses elementos, que ajudam a tecer o conceito de trabalho, remontam a Marx (1967), e também são retomados por vários autores ao discutir a questão da ação, como veremos mais adiante (p. ex., BRONCKART, 2006, 2008, entre outros). O segundo elemento posto por Ferreira (2000) é o fato de que os estudos da Ergonomia da Atividade evidenciaram que há distância entre o trabalho formalmente prescrito e o trabalho real em situação. A partir dos estudos que mostram essa distância, a Ergonomia contribui com a construção de algumas noções básicas que dão substância teórica ao conceito de trabalho no interior dessa disciplina, que são: trabalho teórico (lato sensu), constituído pelas representações sociais habitando os pontos de vista dos diferentes sujeitos na esfera da produção (do operário ao diretor-presidente); trabalho prescrito ou previsto, circunscrito num contexto particular de trabalho representando os braços invisíveis da organização do trabalho que fixa as regras e dita os objetivos qualitativos e quantitativos da produção; trabalho real, comporta a atividade do sujeito, seu modus operandi numa temporalidade dada, num o lócus [sic] específico; onde ele coloca em jogo todo o seu corpo, sua experiência, seu savoir-faire, sua afetividade numa perspectiva de construir modos

33 7 operatórios visando regular sua relação com as condições objetivas de trabalho. (FERREIRA, 2000, p. 9-10, grifo nosso) 2 Assim, observa-se que a Ergonomia da Atividade tem trazido contribuições no que se refere a mostrar que há distância entre o trabalho prescrito e o real, sendo essa distância fonte produtora de conhecimento para essa disciplina. A partir desses estudos, as análises e as intervenções insistem no fato de que mesmo uma atividade aparentemente bem simples cobra do trabalhador um esforço mental considerável para garantir o funcionamento do sistema produtivo. Em relação a esse aspecto, Ferreira (2000, p. 10) cita Dejours e Molinier (1994, p. 39), que afirmam que O trabalho real não pode ser reduzido à sua dimensão técnicoeconômica, nem mesmo à sua dimensão sócio-ética. Ele é também subjetivo e intersubjetivo e repousa sobre energias afetivas.. Ferreira (2000, p. 10) chama a atenção para o fato de que no trabalho há o caráter de imprevisibilidade, que requer a todo momento a inteligência criadora do trabalhador, que não pode ser interpretada como sinônimo de interesse ou de prazer no trabalho, já que pode haver a fadiga, o sentimento de monotonia, a insatisfação e o sofrimento num mesmo posto de trabalho. A partir dos estudos da Ergonomia da Atividade (ou francófona), várias disciplinas, que avançam em suas descobertas, foram se constituindo, como, por exemplo, a Ergologia (SCHWARTZ, 1996), a Psicopatologia do Trabalho (LE GUILLANT, 1984) e a Psicologia Clínica do Trabalho, que, por sua vez, constitui duas correntes principais: a Psicodinâmica do Trabalho (DEJOURS, 1996) e a Clínica da Atividade (CLOT, 2006, 2010). Centrar-nos-emos na última corrente, que contribui, por diferentes razões, entre outras coisas, com o conceito de real da atividade, avançando nos estudos da Ergonomia da Atividade no que se refere à definição de trabalho O real da atividade para a Clínica da Atividade Nesta seção, centrar-nos-emos na definição de trabalho, enfocando o conceito de real da atividade, desenvolvido pela equipe da Clínica da Atividade do Conservatoire des Arts et Métiers (CNAM) 3 de Paris, pois utilizaremos esse conceito nesta tese. Antes de abordar esse conceito, tentaremos compreender qual é o foco de estudo dessa Clínica da Atividade. 2 Disponível em: < Acesso em: 23 dez Conservatório de Artes e Ofícios.

34 8 Segundo Lima (2010), a Clínica da Atividade é uma disciplina em processo acelerado de construção, sendo consideráveis seus avanços no decorrer dos últimos anos. Ela é uma corrente da Psicologia Clínica do Trabalho que aborda o problema da subjetividade no trabalho, situando-se na intersecção da tradição da Ergonomia francófona (de língua francesa) com a tradição da Psicopatologia do Trabalho. Segundo Clot (2001, p. 4, grifo do autor): São as relações entre atividade e subjetividade que estão no centro da análise [da Clínica da Atividade]. O trabalho é visto não somente como trabalho psíquico, mas como uma atividade concreta e irredutível. Melhor dizendo, a atividade é, para nós, o continente escondido da subjetividade no trabalho. É precisamente neste campo que se observa, do modo mais claro possível, o que convém nomear aqui de desrealização das organizações oficiais do trabalho contemporâneo. Este é o ponto de partida de toda Clínica da Atividade. Segundo o autor, as condições reais de exercício do trabalho efetivo não são preocupação dos diretores/gerentes dos postos de trabalho, mas, sim, as questões referentes à gestão administrativa. Esse real é permeado de armadilhas, vivências de impotência, ressentimentos e melancolia, ou, ao contrário, euforia profissional, formando um quadro clínico confuso. Para Clot (2001), várias responsabilidades são exigidas dos trabalhadores para agirem nos meios profissionais, sendo requerido que o trabalhador se dedique cada vez mais ao trabalho. Porém, a organização de trabalho não fornece os recursos necessários para essa dedicação, privando o trabalhador dos meios para exercer as responsabilidades que acaba tendo de assumir e impedindo-o de realizar o seu trabalho, o que pode levá-lo ao sofrimento. É preocupação da Clínica da Atividade justamente esse sofrimento, que é considerado, para essa corrente, uma atividade contrariada, um desenvolvimento impedido, visto como uma amputação do poder de agir. Segundo Clot (2001), as organizações de trabalho de diversos setores de serviço e da indústria costumam diminuir aqueles que trabalham, ficando estes encolhidos pela atividade realizada. Nesse sentido, a atividade realizada é outra coisa totalmente diferente da tarefa oficial, como observam os ergonomistas, já que a simples execução da tarefa prescrita não permitiria atender os objetivos fixados. Avançando nas descobertas da Ergonomia, a Clínica da Atividade inclui na noção de atividade de trabalho o conceito de conflitos do real da atividade: A atividade não é somente aquilo que se faz. O real da atividade é também o que não se faz, aquilo que não se pode fazer, o que se tenta fazer sem conseguir os fracassos aquilo que se desejaria ou poderia fazer, aquilo que não se faz mais, aquilo que se pensa ou sonha poder fazer em outro

35 9 momento. [...] A atividade possui então um volume que transborda a atividade realizada. (CLOT, 2001, p. 6) Nesse sentido, as atividades suspensas, contrariadas ou impedidas, e mesmo as contraatividades são consideradas na análise da Clínica da Atividade, assim como as atividades improvisadas ou antecipadas. É a partir da compreensão do real de atividade que se pode extrair os conflitos de uma situação de trabalho. Assim, o conceito de atividade deve incorporar o possível e o impossível, visando preservar as possibilidades de compreender o desenvolvimento e o sofrimento (CLOT, 2001). É a partir dessa noção de real da atividade que a Clínica da Atividade concebe o trabalho. Clot (2006), ao estudar a unidade de análise do trabalho, o define como uma atividade triplamente dirigida, pois ela se dirige ao comportamento do sujeito trabalhador, ao objeto da tarefa (limpar a casa; dirigir um táxi etc.), e aos outros (chefe, clientes, colegas de trabalho etc.). O sujeito, para realizar o trabalho, poderá utilizar artefatos materiais (vassoura, pá, panela etc.) e/ou simbólicos (instruções, mapas, placas de trânsito etc.). Esses artefatos poderão ser transformados em instrumentos de desenvolvimento das atividades do sujeito se forem apropriados pelo trabalhador, ou seja, se o trabalhador passar a vê-los como úteis para a realização da sua atividade; caso contrário continuarão como simples artefatos, sem contribuir para o desenvolvimento do sujeito. Com o esquema da Figura 1.1 podemos ilustrar qualquer atividade de trabalho, com base em Clot (2006). Sujeito Artefatos (materiais ou simbólicos) Objeto/meio Instrumento Outros FIGURA 1.1. Os elementos do trabalho. Fonte: Machado (2008). A relação entre os elementos do trabalho (sujeito, objeto e outros) é conflituosa, pois, no dizer de Clot (2006, p. 99), a atividade dirigida é uma arena, ou melhor, o teatro de uma luta, já que o trabalhador luta contra as contradições da atividade e sua prescrição, contra os outros, contra os artefatos etc. Podemos imaginar uma situação vivida pelos professores da escola pública do estado de São Paulo, que têm trabalhado, normalmente, com material

36 10 didático fornecido para cada aluno pela escola. Porém, no início de 2008, as escolas receberam da Secretaria da Educação um material chamado de jornalzinho somente para o professor, 4 sendo que os alunos não receberam. Imaginemos a situação conflituosa pela qual passou o professor. Considerando que os alunos não receberam o material e a escola não disponibiliza cópias para os alunos, nem se pode pedir dinheiro aos alunos para cópias, pois o ensino público é gratuito, o que esse professor poderia fazer? Utilizar o tempo que poderia ser destinado à discussão para passar os textos na lousa? Não trabalhar com o material, mesmo sendo essa a prescrição da diretoria de ensino, e utilizar o material didático costumeiro, já que assim cada aluno teria acesso? Notamos aí um conflito, pois, de qualquer forma, seguindo ou não a prescrição, ele poderia ter problema, com o ensino-aprendizagem dos alunos e/ou com a diretoria. Nesse sentido, esse professor seria impedido de fazer o seu trabalho da forma como gostaria ou da forma como já tinha planejando. A partir do conceito de trabalho efetivamente realizado, não vemos esse conflito. Por isso, Clot (2006) propõe o conceito de real da atividade, abordado anteriormente, para aquilo que não é observável, assumindo que o trabalho real envolve também o trabalho pensado, impedido, desejado, possível. Desse modo, retomando a Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade, teremos a/o: 1. Atividade prescrita: a tarefa; aquilo que é prescrito pelas organizações de trabalho e que deve ser feito. 2. Atividade realizada: é a atividade efetivamente realizada no trabalho. 3. Real da atividade: engloba o que não se faz, o que tentamos fazer sem conseguir, o que desejamos fazer. Assim, observamos que o real da atividade ultrapassa não somente a tarefa prescrita mas, também, a própria atividade realizada. Esse real da atividade, ou seja, aquilo que se revela possível, impossível ou inesperado no contato com as realidades, não faz parte das coisas que podemos observar diretamente (CLOT, 2006, p. 133). Para aceder a esse real da atividade, a Clínica da Atividade parte de uma abordagem dialógica, de Bakhtin e Voloshinov, e de desenvolvimento vigotskiano, considerando o diálogo como motor do desenvolvimento. Para Clot (2010, p. 133), o diálogo e a ordem psicológica é que oferecem o cenário em que os sujeitos encontram a si mesmos e aos outros, assim como se defrontam com suas histórias, contextos ambientais e circunstanciais. 4 Situação real vivida pelos professores da rede pública de ensino do estado de São Paulo no ano de 2008 no ensino fundamental e no ensino médio.

37 11 Segundo o Clot (2010, p. 137), o diálogo é visto como instância do desenvolvimento, que se alimenta de outros diálogos anteriores e paralelos do grupo profissional, do qual ele retoma e reelabora os temas. Nesse sentido, as escolhas discursivas dos participantes desempenham um papel importante no processo de desenvolvimento. Para possibilitar o diálogo, a Clínica da Atividade propõe alguns métodos para a análise do trabalho, como a autoconfrontação simples, a autoconfrontação cruzada, a instrução ao sósia, 5 métodos estes que tornam possível o diálogo. Segundo Clot (2006), procedimentos metodológicos que propiciam o diálogo sobre o trabalho já geram, por si mesmos, algum tipo de transformação. Assim, a Clínica da Atividade, e também a Ergonomia da Atividade, buscam não só compreender o papel do trabalho na perspectiva do desenvolvimento do trabalhador, como também investigar possibilidades de transformações da própria situação de trabalho. Para Clot (2006), numa perspectiva vigotskiana de explicação do desenvolvimento humano, que explicitaremos no Capítulo 3, a própria análise do trabalho contribui para a sua transformação. A Clínica de Atividade põe em evidência o papel do coletivo e do social na construção do agir humano. Clot (2006) atenta para o fato de que o agir humano só é construído se o trabalho permitir que o sujeito tenha acesso ao mundo social em cujas regras ele possa se apoiar. Nesse sentido, o social, o que inclui o coletivo de trabalho, é essencial para que o indivíduo possa se desenvolver. Para o trabalhador, então, é importante ter um coletivo de trabalho em que ele possa se apoiar nos seus conflitos, nas suas dificuldades, que, muitas vezes, são coletivas. Esse coletivo não é somente o que está presente, mas, também, a verdadeira tradição histórica e social do ofício. O papel desse coletivo é essencial nas análises de situações de trabalho da Clínica de Atividade do CNAM, que são interventivas e, por isso, os psicólogos/pesquisadores precisam de um longo tempo de trabalho de preparação e observação, já que na França a demanda de intervenção parte da própria instituição de trabalho. É nessa intervenção que são utilizados métodos, como os abordados anteriormente, que possibilitam a criação de diálogo pelo coletivo de trabalho sobre a atividade desenvolvida. Trata-se de processo de intervenção a partir do qual uma experiência vivida se torna um meio de viver uma outra experiência, em que há uma estreita relação entre interação, linguagem e desenvolvimento (CLOT, 2001, 2006, 2010). 5 Ver Clot (2006, 2010). No Capítulo 5 trataremos da instrução ao sósia, que é o procedimento principal de geração de dados utilizado em nossa pesquisa.

38 12 A Clínica da Atividade, para tratar dos elementos envolvidos no trabalho mencionados anteriormente, aborda quatro dimensões do trabalho: 1. impessoal; 2. pessoal; 3. interpessoal; e 4. transpessoal. A atividade de trabalho é considerada impessoal por ser prescrita por instituições e superiores hierárquicos. Em relação à dimensão pessoal, é uma atividade em que o trabalhador utiliza o seu próprio estilo no desenvolvimento da atividade, engajando-se em suas dimensões física, cognitiva, emocional. Ao mesmo tempo, envolve a dimensão interpessoal, já que o trabalhador interage com outros indivíduos na situação de trabalho e visa a um destinatário. Além disso, toda atividade de trabalho é transpessoal, já que ela é sócio-historicamente situada, sendo a sua história conservada, transmitida e retida pelo coletivo de trabalho, que renormaliza a sua atividade, sendo, por isso, considerada também prefigurada pelo trabalhador, já que ele reelabora as normas, construindo prescrições para si e guiando-se por objetivos que constrói para si (CLOT, 2006, 2006; ROGER, 2007). Para finalizar esta seção, é importante destacar que na Clínica da Atividade do CNAM os pesquisadores trabalham em duas circunstâncias diferentes: uma é na situação de intervenção no trabalho, que pode possibilitar as transformações de situações conflituosas, e a outra é a situação de pesquisa propriamente dita. No caso desta tese, utilizaremos o conceito de trabalho da Clínica da Atividade e o procedimento de instrução ao sósia, proposto pela Clínica de Atividade, que explicaremos no Capítulo 5, para estudar o trabalho do professor de pós-graduação. Assim, o contexto é diferente do da Clínica de Atividade do CNAM, em Paris, pois não se trata de uma demanda institucional, o que inclui um trabalho de intervenção. Talvez pudéssemos dizer que se trata de uma demanda social, observada a partir de contatos com professores de pós-graduação e de estudos acadêmicos, à procura de respostas para contribuir com a melhor compreensão do trabalho do professor de pós-graduação, o que pode ser a ponta de um iceberg para melhorar situações conflituosas de trabalho. Na próxima seção, abordaremos a definição de trabalho do ISD, que também parte de uma abordagem dialógica, de Voloshinov, no que se refere à concepção de linguagem, e vigotskiana, no que se refere à questão do desenvolvimento humano. Assim, o ISD partilha dos princípios centrais de base da Ergonomia da Atividade desenvolvida pelo grupo Ergonomie de l Activité des Personnels de l Éducation (Ergape 6 ), no Institut Universitaire de Formation de Maïtres (IUFM) de Marselha e da Clínica de Atividade do CNAM na França. 6 Esse grupo é formado, dentre outros, por René Amigues, Daniel Faïta e Frédéric Saujat, e desenvolve estudos sobre a atividade dos profissionais da educação no IUFM de Marselha, na França.

39 O trabalho como forma de agir na abordagem do ISD Nesta seção, trataremos do conceito de trabalho para o ISD, que é uma vertente da psicologia vigotskiana, e que pretende ser considerada, teoricamente, pelo seu principal autor, Bronckart (1999), uma ciência do humano, pois, em sua visão, da qual partilhamos, para estudar os complexos fenômenos humanos é necessário que as disciplinas se apoiem uma nas outras para que melhor possamos explicar e compreender esses fenômenos. Nesse sentido, é necessária uma abordagem transdisciplinar em Ciências Humanas/Sociais, e não uma separação de disciplinas que têm em comum o humano e o social. Essa vertente tem como objetivo maior estudar a problemática do desenvolvimento e funcionamento humano, focando o agir verbal e não verbal, tendo se voltado, recentemente, a estudar um dos aspectos desse agir: a questão do trabalho, a partir de conceitos às vezes reformulados (LEONTIEV, 1979; RICOEUR, 1977; SCHÜTZ, 1998). Assim, para Bronckart (2006, p. 209, grifo do autor): [...] o trabalho se constitui, claramente, como um tipo de atividade ou de prática. Mas, mais precisamente, é um tipo de atividade própria da espécie humana, que decorre do surgimento, desde o início da história da humanidade, de formas de organização coletiva destinadas a assegurar a sobrevivência econômica dos membros de um grupo. Mais recentemente, Bronckart (2008) afirma que de acordo com o senso comum, o trabalho é uma forma de agir ou de prática própria da espécie humana, pois, para o autor, na espécie humana se desenvolveram variadas atividades coletivas organizadas a fim de assegurar a sobrevivência dos membros do grupo, tornando-se complexas e diversificadas. Algumas dessas atividades têm como objetivo a produção de bens materiais, podendo ser chamadas de atividades econômicas. No quadro dessas atividades, as tarefas são variadas e são distribuídas entre os membros nos postos de trabalho, o que chamamos de divisão de trabalho. Cada trabalhador desempenha um papel específico, de acordo com as responsabilidades a ele atribuídas, sendo que o controle efetivo dessa organização se dá pelo estabelecimento de uma hierarquia. Bronckart (2006, p. 209), buscando aprofundar a definição de trabalho, coloca uma questão: mas se o trabalho é uma atividade, o que é a atividade (ou a ação, ou o agir)? Para o autor, num primeiro momento, podemos dizer que a atividade seriam os comportamentos, as condutas, as intervenções que todos nós desenvolvemos diariamente. Porém, o autor nos adverte para o fato de que isso é uma questão complexa, se pensarmos em que se diferencia a

40 14 atividade de uma máquina, de um animal e de um homem adulto da atividade motora de um bebê. Nesse caso, teríamos várias questões para refletir. Por exemplo: em que medida a atividade é intencional, voluntária, consciente? Qual é a responsabilidade de determinado agente na condução e no sucesso de uma atividade? Em que medida as atividades são determinadas, limitadas por fatores externos ou, ao contrário, livres e criativas? Como determinar o que é uma atividade justa, adequada, desejável, em oposição a atividades que não o seriam, o que nos leva às questões de ética da atividade? (BRONCKART, 2006, p. 210). Segundo Bronckart (2006, p. 210), de Aristóteles a Descartes, Kant ou Piaget, os pensadores elaboraram importantes teorias sobre o estatuto dos conhecimentos humanos e sobre as condições de seu desenvolvimento, mas tiveram dificuldades para fornecer respostas satisfatórias sobre algumas questões como as anteriormente levantadas, sendo essa lacuna criticada por variados pesquisadores. Nesse contexto, diferentes abordagens ou novas teorias foram elaboradas. Assim, o autor trata de três dessas abordagens que considera representativas para refletir sobre essas questões. A primeira é a da filosofia da ação, herdada de Wittgenstein e de Anscombe. Essa corrente distingue os acontecimentos que se produzem na natureza das ações propriamente ditas. Bronckart (2006, p. 210) cita o seguinte exemplo: O vento sopra e provoca a queda de duas telhas do telhado.. Nesse caso, podemos identificar dois fenômenos (o vento sopra/as telhas caem), sendo que o que causa a queda da telha é o fato de o vento soprar, tratando-se de um fenômeno de caráter mecânico (acontecimento), objeto de uma explicação causal. Por sua vez, em relação ao exemplo Pedro fez duas telhas caírem do telhado para danificar o carro do vizinho que ele detesta., há uma ação, que é uma intervenção deliberada de um agente no mundo. Nesse caso, temos: um motivo ou razão para agir: Pedro detesta seu vizinho; uma intenção: Pedro fez duas telhas caírem para...; uma capacidade física de realizar os gestos necessários para o agir. Segundo o autor, o motivo, a intenção e a capacidade definem a responsabilidade desse ser humano no encadeamento dos fenômenos. Porém, esses elementos são propriedades psíquicas do agente que não podem ser observadas ou identificadas enquanto tais, mas podem apenas ser inferidas a partir de um processo de compreensão a posteriori, levando-se em

41 15 conta as características do encadeamento verbalizadas no enunciado exemplo pelas expressões fez duas telhas caírem, para e que ele detesta. Observa-se que, na verdade, essa teoria destaca o papel determinante das propriedades psíquicas de um sujeito individual da ação. Por isso, Bronckart (2006) menciona a segunda abordagem, a teoria da atividade de Leontiev (1979), para tratar das dimensões, primeiramente coletivas do agir humano. Nessa teoria, no decorrer de sua história social, a espécie humana desenvolveu formas de interações ou atividades, que são definidas como quadros que organizam e que fazem a mediação do essencial das relações entre os indivíduos e seus meios, quadros esses nos quais efetivamente se constituem os conhecimentos humanos. Para essa abordagem, a atividade é primeiro governada por motivações, finalidades, regras e/ou normas de ordem coletiva e social, sendo que esses elementos exercem um efeito sobre os comportamentos dos indivíduos, que têm um espaço de liberdade ou de criatividade muito restrito. O foco para essa abordagem é a atividade coletiva. A terceira abordagem é a proposta por Schütz (1998) e Bühler (1927), em que a ação é concebida como um processo de pilotagem ou regulação das condutas humanas. Essa abordagem atribui um papel importante ao sujeito individual, que é o piloto da ação, mas, ao mesmo tempo, considera que essa pilotagem é uma operação difícil e aleatória, porque o piloto está submetido a sistemas de restrições sociais e materiais múltiplas, devendo, de alguma forma, pilotar sempre, mesmo sem rumo definido. Essa concepção destaca as transformações que caracterizam o desenvolvimento temporal da ação, havendo a necessidade de distinguir a ação acabada da ação em desenvolvimento, que, certamente, tem um sentido inicial (sentido que é visado por um ato de reflexão inicial do ator), mas que pode se modificar em direções a priori imprevisíveis, à medida que a ação se desenvolve (BRONCKART, 2008, p. 32). Nesse sentido, em virtude das coerções e resistências do meio, o resultado de uma ação não seria forçosamente o que o agente imaginou no início, pois mesmo se, de início, o agente tem motivos e intenções, estes podem se modificar mais ou menos profundamente por causa dessas coerções. Assim, os objetivos e as intenções atribuídos ao agente não coincidem nunca, em princípio, com o desenvolvimento efetivo da ação ou com sua realização, pois o tempo interno (não espacializado) do desenvolvimento do

42 16 agir é dinâmico e plurideterminado. Isso está ligado ao fato de que o agente está exposto a múltiplos sistemas de conhecimentos 7 e determinações de três tipos: [...] os das suas próprias percepções, que lhe fornecem índices do estado das coisas do mundo; o dos valores e/ou normas que interiorizou no decorrer de sua vida social e o das intervenções comportamentais significantes de outros membros de sua comunidade. (BRONCKART, 2008, p. 33) Nesse sentido, os conhecimentos desses três sistemas interferem no objetivo consciente, pois as condições objetivas do mundo podem se opor à realização desse objetivo, e as normas sociais ou as reações dos outros podem levar à sua modificação, obrigando o agente a improvisar. Assim, nessa concepção do agir como pilotagem, o agir não se reduz mais ao vivido intencional de um sujeito, mas é definido pelos mecanismos de pilotagem de agentes confrontados com determinações contraditórias (BRONCKART, 2008, p. 33). Bronckart (2006), após apresentar um resumo dessas três abordagens teóricas, faz uma reflexão sobre a questão da atividade. Em primeiro lugar, o que se chama de atividade ou ação é sempre resultado de um processo interpretativo, pois o que é observável são os comportamentos humanos. Assim, qualificar esses comportamentos de atividade, de ação ou de pilotagem implica que atribuamos aos protagonistas coletivos ou individuais desses comportamentos determinadas propriedades (objetivo, intenção e responsabilidade) que não são diretamente observáveis, mas sobre as quais podemos hipotetizar que elas orientam ou determinam esses comportamentos. Em segundo lugar, de acordo com Bronckart (2006, 2008), a partir da exposição das três abordagens, observa-se um sério problema de sentido, pois os termos atividade, ação e agir são usados aleatoriamente por diversos estudiosos com diversas significações. Em vista disso, Bronckart (2006, 2008) propõe uma definição ad hoc para que eles tenham certa estabilidade em nossas pesquisas. Em sua proposta, que será detalhada no Capítulo 3, o autor faz as seguintes definições: Agir: qualquer forma de intervenção orientada no mundo de um ou de vários seres humanos para dar nome ao dado que podemos observar. É usado em um sentido genérico. 7 Segundo Bronckart (2008), Bühler foi o precursor da concepção de mundos representados a que os múltiplos sistemas estão relacionados que foi desenvolvido, posteriormente, por Habermas (1987), como veremos no Capítulo 3.

43 17 Atividade: qualquer intervenção no mundo que implica, principalmente, dimensões motivacionais e intencionais e recursos mobilizados por um coletivo organizado. Ação: qualquer intervenção no mundo que implica as mesmas dimensões da atividade, mas refere-se a uma pessoa particular ou ao indivíduo. Atribui-se à atividade e à ação um estatuto teórico ou interpretativo, e não observável. Antes de encerrar esta seção, é importante frisar que os pesquisadores das três abordagens Ergonomia da Atividade, Clínica da Atividade e ISD têm uma forte preocupação com o social e, consequentemente, buscam transformar as situações de trabalho a fim de promover uma melhoria e o bem-estar das condições de trabalho e garantir a saúde dos trabalhadores. Visam, dessa forma, à transformação dos ambientes de trabalho, buscando conforto e prevenção de agravos à saúde dos trabalhadores. Para as três abordagens, o trabalho possibilita o desenvolvimento de capacidades do trabalhador, sendo a interação com o coletivo de trabalho essencial para esse desenvolvimento. Em síntese, com base nos autores discutidos, da Ergonomia, da Clínica e do ISD, concebemos o trabalho como um tipo de agir humano em que o coletivo de trabalho está sempre presente, mesmo in absentia, pois há uma memória profissional onipresente; ele é situado em um contexto particular estruturado por regras, convenções, culturas, havendo uma interação entre o trabalhador e o ambiente físico e social, mediado por artefatos materiais ou simbólicos. O trabalhador age, direta ou indiretamente, a partir de artefatos/instrumentos, sobre o meio da atividade de trabalho, sendo transformado por ele em função dos efeitos e resultados da ação. A interação entre o homem e o ambiente físico/social é guiada por objetivos, motivações, finalidades, regras e/ou normas de ordem coletiva e social. O resultado de uma ação não seria forçosamente o que o agente imaginou no início, pois, se o agente tem motivos e intenções, estes podem se modificar mais ou menos profundamente, já que o agente está exposto a múltiplos sistemas de conhecimento e determinações diversas e contraditórias que interferem no objetivo consciente, obrigando o agente a improvisar. Assim, esses motivos e intenções atribuídos ao agente não coincidem, em princípio, com o desenvolvimento efetivo do agir ou com sua realização, pois o tempo interno do desenvolvimento do agir é dinâmico, já que o agir não se reduz ao vivido intencional que o agente imaginou no início do agir. Por exemplo, suponhamos que um professor prepare uma aula para determinada série tendo a intenção de desenvolver nos alunos determinadas capacidades referentes a um conteúdo

44 18 específico. Ao chegar à sala, percebe que naquele dia os alunos estão muito agitados e que há muita conversa, inclusive discussão agressiva entre alguns alunos. A intenção primeira do professor muda, pois agora o seu objetivo passa a ser conseguir controlar a sala para que cesse a conversa e, principalmente, a discussão entre os alunos, o que, pela sua experiência e pelo que vê na mídia, sabe que pode levar a uma agressão física. Na próxima seção, a partir dos estudos da Ergonomia da Atividade, da Clínica da Atividade e do ISD, iremos conceituar o trabalho docente com base nos estudos de pesquisadores que utilizam essas abordagens, que também vêm desenvolvendo, recentemente, pesquisas sobre o trabalho do professor Concepção do trabalho do professor sob uma visão interdisciplinar Na seção anterior, tratamos do conceito de trabalho, em geral, de acordo com a Ergonomia da Atividade, a Clínica da Atividade e o ISD. Nesta seção, partiremos desses conceitos para uma definição específica de trabalho docente. Para Amigues (2004, p. 41), do grupo Ergape, a atividade do professor dirige-se não apenas aos alunos, mas, também, à instituição que o emprega, aos pais e a outros profissionais, buscando técnicas profissionais que se constituíram no decorrer da história e do ofício de professor. Isso significa que a atividade é mediada por objetos que constituem o sistema, sendo sócio-historicamente situada. Nesse caso, o professor precisa estabelecer e coordenar relações entre vários objetos constitutivos de sua atividade. Entre esses objetos, podemos citar as prescrições, os coletivos, as regras do ofício e as ferramentas. Em relação às prescrições, Amigues (2004) indica que elas geralmente estão ausentes das análises sobre a ação do professor, mas desempenham um papel decisivo do ponto de vista da atividade, pois são constitutivas de sua atividade. Geralmente, as prescrições são vagas, levando o professor a redefinir para si as tarefas que lhe são prescritas a fim de decidir as tarefas que vai determinar aos alunos. Desse modo, a relação entre prescrição inicial e sua realização junto aos alunos não é direta, ela é mediada por um trabalho de concepção e de organização de um meio que apresenta formas coletivas. No que se refere ao coletivo, de acordo com Amigues (2004, p. 43), as dimensões coletivas da atividade do professor raramente são consideradas, assim como a atividade fora da aula é frequentemente considerada resíduo do trabalho. Esse fato leva os professores a organizarem seu ambiente de trabalho, mobilizando-se para construírem uma resposta comum

45 19 às prescrições. Segundo Amigues (2004), a partir da concepção inicial, os professores, coletivamente, autoprescrevem-se tarefas, redefinindo sua classe. Para o autor, esses coletivos assumem formas diversas, por exemplo, um mesmo professor de ensino médio pertence a coletivos variados: o dos professores da disciplina, o da classe etc. Além disso, cada professor pertence também a outro coletivo mais amplo, que é o do métier. Em relação ao professor de pós-graduação, acreditamos que os resultados das análises desta pesquisa revelarão os coletivos aos quais ele pertence. Quanto às regras do ofício, elas são aqui compreendidas como aquilo que liga os profissionais entre si, sendo consideradas ao mesmo tempo uma memória comum e uma caixa de ferramenta, cujo uso pode gerar, com o tempo, uma renovação nos modos de fazer, podendo ser fonte de controvérsias profissionais. Essas regras reúnem gestos genéricos relativos ao conjunto de professores e gestos específicos, por exemplo, da disciplina. No caso das ferramentas, segundo Amigues (2004, p. 44), o professor utiliza mais ferramentas/artefatos concebidas por outros do que por ele mesmo, pois recorre a manuais, fichas pedagógicas, exercícios já construídos, tirados de arquivos, emprestados de colegas ou construídos por ele mesmo. O professor está inscrito em uma tradição pedagógica e na história do ofício, como, por exemplo, o uso do quadro negro, que pode ser diferente, de acordo com a disciplina ensinada. Assim, as ferramentas/artefatos que o professor utiliza estão a serviço das técnicas de ensino sendo, frequentemente, transformadas pelos professores para aumentar sua eficácia. Quando há a transformação dos artefatos em instrumento para a ação, ocorre o que Rabardel (1995) denomina gênese instrumental. Para o autor, os artefatos estão disponíveis no coletivo de trabalho e podem ser apropriados pelo trabalhador para o exercício de seu ofício, tornando-se instrumentos para a sua ação. Eles só se tornam verdadeiros instrumentos para a ação sobre o mundo e sobre o outro quando são apropriados pelo homem, podendo alcançar objetivos e finalidades por meio deles. Podemos citar o exemplo extraído de Lousada, Muniz-Oliveira e Barricelli (2010): as plataformas de ensino a distância (como o moodle, por exemplo) atualmente estão disponíveis para os cursos presenciais também. Observamos que muitos professores não utilizam essas plataformas de ensino para os cursos presenciais; alguns fazem uso mínimo da plataforma, recorrendo a apenas algumas de suas funções; outros exploram várias potencialidades das plataformas, transformando-as em verdadeiros instrumentos para o seu trabalho. Para Rabardel (1995), quando acreditamos que os artefatos ou algumas de suas funções são úteis, nós os transformamos em verdadeiros instrumentos para nossa ação sobre o mundo e sobre o outro.

46 20 Segundo Amigues (2004, p. 44), a análise da atividade ressalta a importância dos artefatos na interação entre um sujeito e uma tarefa não somente para aumentar a eficiência dos gestos, mas também como meios de reorganizar a própria atividade. Trata-se das dimensões subjetivas, relacionadas à história do indivíduo, a seu engajamento e ao desenvolvimento profissionais, sendo essas dimensões atravessadas por conflitos, dilemas e contradições, podendo-se falar em relação consigo mesmo. Mas essas dimensões subjetivas também estão atravessadas em relação aos valores, pois o professor, por exemplo, organiza o seu meio de trabalho para não deixar os alunos parados durante a aula, pensa em constituir grupos sem estigmatizar alunos em dificuldade etc. Para Amigues (2004, p. 45), a atividade de trabalho do professor pode ser considerada o ponto de encontro de várias histórias (da instituição, do ofício, do indivíduo etc.), ponto este a partir do qual o professor estabelece relações com as prescrições, com as ferramentas, com a tarefa a ser realizada, com os outros (colegas, superiores hierárquicos, alunos), com os valores e consigo. Nesse sentido, podemos dizer que se trata de um ponto de encontro convocado a se renovar sob o efeito da realização da ação e do desenvolvimento da experiência profissional (AMIGUES, 2004, p. 34). Nesse sentido, o trabalho do professor pode ser concebido como um ofício e um trabalho como qualquer outro, sendo uma atividade coletiva, que não pode ser limitada à sala de aula e às interações com os alunos, mas uma atividade em que há vários outros envolvidos, em que é necessário o uso de ferramentas, contando com uma tradição profissional, não sendo limitada à sala de aula, pois o professor realiza outros trabalhos como preparação de aula, correção de exercícios e avaliações em outro espaço que não a sala de aula. Finalmente, apoiando-se em pesquisadores da Ergonomia da Atividade e da Clínica da Atividade e do ISD (CLOT, 2001, 2006; AMIGUES, 2004; SAUJAT, 2002; BRONCKART, 2004; entre outros), Machado (2008) desenvolve um estudo visando discutir o conceito de trabalho do professor. Para a autora, a atividade de trabalho é: uma atividade situada, sofrendo influência do contexto mais imediato e do mais amplo; prefigurada pelo próprio trabalhador, pois ele reelabora as prescrições, construindo prescrições para si e guiando-se por objetivos que constrói para si, comprometendo-se com a prescrições externas, com a situação específica em que se encontra e com os próprios limites de seu funcionamento físico e psíquico;

47 21 mediada por instrumentos materiais e simbólicos, quando o trabalhador se apropria de artefatos socialmente construídos e disponibilizados pelo meio social; plenamente interacional, pois ao agir sobre o meio com a utilização de instrumentos, o trabalhador, ao mesmo tempo, é por ele transformado; interpessoal, havendo a interação com muitos outros indivíduos, ausentes ou presentes; transpessoal, pois ela é guiada por modelos do agir específico de cada ofício, sóciohistoricamente constituídos pelos coletivos de trabalho; conflituosa, pois o trabalhador deve sempre fazer escolhas para redirecionar seu agir em diferentes circunstâncias, diante de vozes contraditórias, das prescrições etc. Por esse motivo, pode ser fonte tanto para a aprendizagem de novos conhecimentos e para o desenvolvimento de capacidades do trabalhador quanto para o impedimento dessa aprendizagem e dessas capacidades, quando o trabalhador se vê diante de situações que lhe tiram o poder de agir, o que o pode levar ao sofrimento, fadiga, estresse e até mesmo ao abandono de agir no seu trabalho. Machado (2008), considerando essas características do trabalho em geral, apresenta, com base em Clot (2006), o esquema da Figura 1.2, que ilustra os elementos básicos do trabalho do professor em situação de sala de aula, considerando as múltiplas relações sociais existentes em determinado contexto sócio-histórico, inserido em um sistema de ensino e em um sistema educacional específico.

48 22 Contexto sócio-histórico particular Sistema Educacional Sistema de Ensino Sistema didático Professor Artefatos Objeto Instrumento Materiais ou simbólico s Outrem Organizar um meio que possibilite a aprendizagem de conteúdos disciplinares e o desenvolvimento de capacidades específicas. Os alunos, os pais, os colegas, a direção, os outros FIGURA 1.2. Elementos constituintes do trabalho do professor em situação de sala de aula. Fonte: Machado (2008). Considerando que o objeto de trabalho do professor seja criar um meio propício para a aprendizagem de conteúdos disciplinares e o desenvolvimento de capacidades específicas, não se pode dizer que o trabalho do professor se limita ao espaço da sala de aula, como já mencionado, pois, para o seu trabalho, as tarefas de planejamento e avaliação são essenciais. Em vista disso, mais recentemente, Machado (2010) desenvolve o esquema da Figura 1.3, que representa sumariamente essas outras atividades em que os elementos constituintes do

49 23 trabalho podem ser ilustrados, considerando as múltiplas atividades que podem ser desenvolvidas pelo professor. Nesse esquema, OUT representa o outrem e OBJ o objeto. FIGURA 1.3. O conjunto possível de atividades do trabalho do professor que pode ser detectado nas pesquisas. Fonte: Machado (2010). Cada triângulo representa uma atividade desenvolvida pelo professor que é mediada por um artefato que, ao ser apropriado como instrumento, influencia no agir do professor. Por exemplo, uma atividade de preparação de aula poderá ser mediada por livros, computador, lápis/caneta, tendo como outrem os alunos e outros professores presentes, os alunos e professores da memória do ofício, e o objeto poderá ser planejar uma aula que possibilite desenvolver determinadas capacidades específicas dos alunos. Assim, para cada tarefa desenvolvida pelo professor, os elementos serão ou poderão ser diferentes, havendo uma multiplicidade de elementos que fazem parte do trabalho do professor.

50 24 Desse modo, o trabalho do professor consiste em uma mobilização, pelo professor, de seu ser integral (físico, psíquico) nas situações de sala de sala, planejamento de aula, de avaliação, por exemplo, para criar esse meio que possibilite aos alunos a aprendizagem de um conjunto de conteúdos de sua disciplina e o desenvolvimento de capacidades específicas relacionadas a esses conteúdos (MACHADO, 2008, p. 93). Esse trabalho é orientado por um projeto de ensino prescrito por instituições superiores, com a utilização de instrumentos obtidos do meio social e na interação com outros envolvidos, direta ou indiretamente, na situação, sendo peculiar a esse trabalho uma cascata de prescrições hierárquicas. Machado (2008) considera, então, que para o professor desenvolver de forma plena seu trabalho, com efeitos positivos para si, é essencial que tenha recursos materiais e simbólicos, internos e externos para reelaborar, frequentemente, as prescrições, readaptandoas de acordo com a situação, as reações, interesses, motivações, objetivos e capacidades de seus alunos; de acordo com seus próprios objetivos, interesses, capacidades e recursos corporais, sociais, institucionais, cognitivos, materiais, afetivos etc. e, ainda, de acordo com as representações que mantém sobre os outros interiorizados e sobre os critérios de avaliação que esses utilizam em relação a seu agir (MACHADO, 2008, p. 93). Além disso, é necessário manter ou reorientar o seu agir, de acordo com cada momento, apropriando-se de artefatos, transformando-os em instrumentos por si e para si, quando considerá-los úteis e necessários para o seu agir, instrumentos esses selecionados para cada situação. Para a realização do agir, deve utilizar modelos de agir sócio-historicamente construídos pelo coletivo de trabalho, encontrando soluções para os diversos conflitos que possam surgir (MACHADO, 2008, p ). Alguns elementos do trabalho do professor mencionados anteriormente parecem-nos ser mais específicos do professor da educação básica (nível fundamental e médio, no caso do Brasil), já que um dos elementos (outrem) são os pais. Acreditamos que no final desta pesquisa poderemos trazer uma definição específica para o trabalho do professor de nível superior, no caso, o de pós-graduação. Foi com base nas concepções discutidas que desenvolvemos nossa tese com o objetivo de identificar as representações sobre o trabalho docente e as dificuldades para a realização de sua atividade, construídas nos e pelos textos que tratam do trabalho do professor de pósgraduação.

51 25 Concluída nossa definição dos termos trabalho e trabalho docente, no próximo capítulo faremos uma exposição do contexto sócio-histórico em que a pós-graduação no Brasil foi implantada e as transformações que vêm ocorrendo até os dias atuais, objetivando compreender melhor o trabalho do professor de pós-graduação. Além disso, trataremos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que é o órgão avaliador do trabalho do professor de pós-graduação.

52 27 CAPÍTULO 2 A PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU E O PAPEL DO PROFESSOR DE PÓS-GRADUAÇÃO Neste capítulo, para que possamos melhor compreender o trabalho do professor de pós-graduação, tema desta tese, primeiramente, faremos uma exposição de como se deu a regulamentação da pós-graduação no Brasil até o início do século XXI. Em segundo lugar, trataremos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e de seu sistema de avaliação, pois se trata do órgão que avalia o trabalho do professor de pósgraduação e porque, na verdade, as instâncias avaliativas acabam prescrevendo as atividades de trabalho do professor da pós-graduação. Objetivando compreender o que se examina no processo de avaliação da Capes, que pode influenciar o trabalho do professor, abordaremos também os critérios utilizados no processo de avaliação trienal 2010 ( ) do programa de Letras/Linguística, que é a área em que a participante desta pesquisa está inserida. A fim de compreender como se deu o processo de regulamentação e expansão da pósgraduação no Brasil, serão apresentadas algumas determinações de documentos oficiais do Ministério da Educação, do Senado Federal, do Conselho Nacional da Educação (CNE) e da Capes História da pós-graduação no Brasil: da sua regulamentação ao século XXI Em primeiro lugar, trataremos da organização do ensino superior, da origem histórica da pós-graduação, da implantação e regulamentação dos cursos de pós-graduação no Brasil, de acordo com o Decreto n /31 (BRASIL, 1931), e com o Parecer n. 977/65 (BRASIL, 1965). Em segundo lugar, abordaremos as normas para o funcionamento e credenciamento dos cursos pós-graduados, de acordo com documentos oficiais disponíveis no site da Capes, no link legislação ( que mencionaremos no decorrer deste capítulo. Essa exposição é necessária para que possamos compreender como se deu a implantação da pósgraduação e quais atividades têm sido atribuídas ao professor que atua nesse nível de ensino em documentos oficiais desde a sua implantação até o século XXI. Dessa forma, buscamos

53 28 compreender as representações construídas nos documentos pesquisados e relacioná-las, no Capítulo 6 e nas Considerações finais, às representações identificadas nos dados analisados. A primeira tentativa para a implantação da pós-graduação no Brasil ocorreu por meio do Decreto n /31, em que Francisco Campos 8 propunha, no Estatuto das Universidades Brasileiras, a organização do ensino superior brasileiro, ao se adotar o sistema universitário do modelo europeu. Além de cursos de graduação (cursos normaes), o documento também versava, em seu artigo 35, sobre cursos de aperfeiçoamento, cursos de especialização, cursos livres e cursos de extensão universitária. Foi na década de 1930 que se iniciou o curso de pós-graduação em Direito na Universidade do Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Filosofia e na Universidade de São Paulo, seguindo o modelo proposto por Francisco Campos. Mas foi somente na década de 1940 que foi utilizado pela primeira vez o termo pós-graduação, tendo sua origem nos termos norte-americanos undergraduate e graduate, sendo que o primeiro refere-se a cursos da graduação e o segundo a cursos pós-graduados (BRASIL, 1965). Observamos, assim, que a pós-graduação no Brasil é recente, se compararmos com a tradição secular existente na Europa ou nos Estados Unidos da América. Com o desenvolvimento industrial no início do segundo governo Vargas (1951 a 1954) houve a necessidade de formação de especialistas e de pesquisadores nas diversas áreas do conhecimento, buscando a construção de uma nação desenvolvida e independente. Assim, visando ao desenvolvimento do país para assegurar pessoal especializado em quantidade e qualidade, em 11 de julho de 1951 o Decreto n /51 (BRASIL, 1951) instituiu uma comissão para promover uma Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 9 (Capes), integrada ao Ministério da Educação e Saúde, tendo como objetivos gerais assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades do país e oferecer os [sic] indivíduos mais capazes, sem recursos próprios, acesso a tôdas [sic] as oportunidades de aperfeiçoamentos (BRASIL, 1951, art. 2 o ). 8 Francisco Campos foi um jurista e político brasileiro, responsável, entre outras obras, pela redação da Constituição brasileira de 1937, do AI-1 do golpe de 1964 e dos códigos penal e processual brasileiros. Em 1926, ele promoveu uma profunda reforma educacional. Disponível em: < Acesso em: 12 mar A Capes foi criada em 1951 com o nome Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Alguns anos mais tarde, no processo de reformulação das políticas setoriais, ela passa a ser denominada Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, permanecendo com a mesma sigla (Capes).

54 29 Após a promulgação desse Decreto ocorreu a expansão dos estudos pós-graduados no país. De acordo com Santos (2003, p. 629): A modernização do Brasil nos anos 1960 deu-se dentro de um contexto de integração entre países periféricos e países centrais. Essa integração implicava a expansão de mercados consumidores nos países periféricos e o fomento dos centros produtores de Ciência & Tecnologia (países centrais). O objetivo das nações mais desenvolvidas era o aumento de mercados consumidores e o desestímulo à concorrência científica e tecnológica. Observamos, assim, que, no período de implantação da pós-graduação no Brasil, os países desenvolvidos visavam à expansão de novos mercados consumidores, não estimulando a concorrência científica e tecnológica, pois, dessa forma, continuariam com o poder, no que se refere ao mercado científico e tecnológico, tendo consumidores para seus produtos. Foi nesse contexto de dependência em relação às nações centrais que se deu a implantação da pós-graduação no Brasil. Uma sociedade dependente vincula-se a outra, supostamente mais organizada e desenvolvida, para estabelecer uma relação de parceria subordinada (SANTOS, 2003, p. 629). Tal dependência é muito nociva na área de pesquisa, já que a compra do know-how estrangeiro se torna um mau negócio por desestimular as iniciativas de desenvolvimento tecnológico do país importador, o que limita a formação de cientistas de pesquisadores. Segundo Santos (2003), a importação de teóricos e de teorias só foi implantada em virtude da modernização da intelectualidade da elite, que consistia em tentar reproduzir no Brasil marcas dos países desenvolvidos. O Brasil propôs o seu modelo para a regulamentação de cursos de pós-graduação por meio do Parecer n. 977/65, baseado no modelo norte-americano. Esse parecer define o sistema de estudos pós-graduados, regulamentando os cursos de pós-graduação a que se refere a letra b do artigo 69 da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, que distingue três grandes categorias de cursos: de graduação; de pós-graduação; e de especialização, aperfeiçoamento e extensão. Embora não chegue a determinar a natureza dos cursos de pós-graduação, esse parecer estabelece a distinção entre pós-graduação sensu stricto e sensu lato: [...] a pós-graduação sensu stricto apresenta as seguintes características fundamentais: é de natureza acadêmica e de pesquisa e mesmo atuando em setores profissionais tem objetivo essencialmente científico, enquanto a especialização, via de regra, tem sentido eminentemente prático-profissional; confere grau acadêmico e a especialização concede certificado; finalmente a pós-graduação possui uma sistemática formando estrato essencial e superior na hierarquia dos cursos que constituem o complexo universitário. Isto nos permite apresentar o seguinte conceito de pós-graduação sensu stricto: o

55 30 ciclo de cursos regulares em segmento à graduação, sistematicamente organizados, visando desenvolver e aprofundar a formação adquirida no âmbito da graduação e conduzindo à obtenção de grau acadêmico. (BRASIL, 1965) Observamos, nessa citação, que a pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) foi implantada visando à pesquisa, tendo caráter científico. Assim, o objetivo de sua implantação foi contribuir com o desenvolvimento de pesquisas científicas no Brasil, diferente da pós-graduação lato sensu (especialização), que visava à formação profissional. Esse documento define as características dos cursos de mestrado e de doutorado, que, com base na experiência estrangeira, determinam o mínimo de um ano para o primeiro e dois anos para o segundo, sendo o curso orientado pelo diretor de estudos. Para o candidato de mestrado, exige-se uma dissertação, revelando domínio do tema e capacidade de sistematização; no doutorado requer-se a defesa de tese que represente trabalho de pesquisa que traga real contribuição para o conhecimento do tema. Para os dois tipos de curso é necessário obter determinada quantidade de créditos por meio de disciplinas cursadas. Em várias partes do documento encontramos menção ao fato de que a pós-graduação almeja desenvolver capacidades referentes à atividade de pesquisa e ao desenvolvimento da ciência e da cultura em geral. Além disso, os responsáveis pela elaboração desse parecer consideravam urgente promover a implantação sistemática dos cursos de pós-graduação que visassem formar [...] os nossos próprios cientistas e tecnólogos, sobretudo tendo em vista que a expansão da indústria brasileira requer número crescente de profissionais criadores, capazes de desenvolver novas técnicas e processos, e para cuja formação não basta a simples graduação. (BRASIL, 1965) Percebemos, no documento, que é papel do professor de pós-graduação desenvolver nos alunos e profissionais capacidades referentes à atividade de pesquisa, ou seja, formar cientistas e tecnólogos capazes de atuar nas indústrias que emergiam naquele período. Assim, o professor é visto como um pesquisador responsável por formar outro pesquisador. O Parecer ainda expõe os principais motivos pelos quais o Ministério requer a regulamentação da pós-graduação: era necessário formar professores competentes para atender a expansão quantitativa do ensino superior, garantindo, ao mesmo tempo, a elevação dos níveis de qualidade, e estimular o desenvolvimento de pesquisa científica a partir da preparação adequada de pesquisadores.

56 31 O documento faz menção ao fato de, então, o Brasil não ter experiência em matéria de pós-graduação, o que tornava necessário recorrer a modelos estrangeiros para que fosse criado o sistema brasileiro. Entretanto, os relatores do documento esclarecem que não seria feita mera cópia de modelos estrangeiros, mas que estes serviriam apenas como orientação. Apesar dessa ressalva, indagamos: a proposta do sistema de pós-graduação brasileiro não foi, na verdade, mera cópia do modelo norte-americano que não levou em conta o contexto do nosso país? A tradição de copiar modelos estrangeiros é antiga no Brasil, o que também acontecia, e ainda acontece, com a importação e não o desenvolvimento de teorias estrangeiras. Após a regulamentação dos cursos, em 5 de junho de 1970, o Decreto n /70 reformulou a Capes, determinando que essa agência passaria a funcionar como órgão autônomo do Ministério da Educação e Cultura, em articulação com o Conselho Nacional de Pesquisas e demais órgãos de atribuições semelhantes, sendo algumas de suas atividades o(a): coordenação das atividades de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior, especialmente dos docentes; administração dos programas de bolsas de estudo e outros auxílios financeiros; estabelecimento de critérios para a concessão dos auxílios e bolsas de estudo da Capes; prestação de contas e elaboração do relatório anual; elaboração do regimento interno. Em 5 de janeiro de 1982, o Decreto n /82 incluiu como finalidade da Capes a elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação e o acompanhamento e avaliação dos programas de pós-graduação e a interação entre ensino e pesquisa. Assim, a Capes passou a ser a agência destinada a, entre outras coisas, avaliar os programas de pós-graduação das instituições brasileiras. Em 10 de março de 1983, o Presidente do Conselho Federal de Educação, por meio da Resolução n. 5/83 (BRASIL, 1983), estabeleceu normas de funcionamento e credenciamento dos cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), instituindo as diretrizes para esse credenciamento. Essa resolução dispõe que: Art. 3 o O credenciamento dos cursos de pós-graduação será concedido por ato do CFE [Conselho Federal da Educação] homologado pelo Ministro de Educação e Cultura.

57 32 1 o Poderão ser credenciados cursos de pós-graduação mantidos por instituições de ensino superior, oficiais ou particulares e, excepcionalmente, por outras instituições científicas ou culturais. (BRASIL, 1983) Já o artigo 4 o determina que a implantação de um curso de pós-graduação deve ser precedida da existência de condições propícias à atividade criadora e de pesquisa (BRASIL, 1983), tendo a instituição recursos materiais e financeiros e condições de qualificação e dedicação do corpo docente nas áreas ou linhas de pesquisa envolvidas nos cursos. Observamos que, novamente, nesse outro documento, é papel do professor de pós-graduação desenvolver pesquisas, configurando-se como um pesquisador. A esse professor, delineado no documento, a instituição teria de proporcionar condições materiais e financeiras para o desenvolvimento de seu trabalho. O artigo 7 o desse documento estabelece, ainda, que os docentes de curso de pósgraduação devem exercer atividade criadora, demonstrada pela produção de trabalhos originais de valor comprovado em sua área de atuação, ter formação acadêmica adequada, representada pelo título de doutor ou equivalente. O artigo 8 o, por sua vez, determina que se exige dos docentes-pesquisadores, em especial dos orientadores, dedicação à atividade de pesquisa e ao ensino em condições de formar ambiente favorável à atividade criadora (BRASIL, 1983). Assim, percebe-se que esse professor é visto como produtor de trabalhos originais, configurando-se como um pesquisador criador de novas ideias, novas pesquisas, responsável pela formação de ambiente que favoreça a atividade criadora de pesquisa. Segundo o artigo 12 da Resolução n. 5/83, o credenciamento dos cursos de pósgraduação teria validade de cinco anos, tendo de ser renovado após esse período. O artigo 12 estabelece, ainda, que: 2 o O CFE poderá, a qualquer tempo, determinar a suspensão temporária ou o cancelamento do credenciamento de cursos de pós-graduação que deixarem de atender às exigências desta Resolução. (BRASIL, 1983) Assim, observamos que, para que os cursos continuem credenciados, as instituições às quais estão vinculados devem seguir as exigências dessa resolução. Para fins de credenciamento, a Resolução CES n. 2/98 (BRASIL, 1998), estabeleceu indicadores para comprovar a produção intelectual institucionalizada, dispondo que: Art. 1 o A produção intelectual institucionalizada consiste na realização sistemática da investigação científica, tecnológica ou humanística, por um certo número de professores, predominantemente doutores, ao longo de um

58 33 determinado período, e divulgada, principalmente, em veículos reconhecidos pela comunidade da área científica. (BRASIL, 1998) Esse documento estabeleceu vários indicadores para que a produção intelectual seja comprovada, como podemos observar a seguir: participação dos docentes em eventos nacionais ou internacionais; publicação dos resultados das pesquisas em livros ou revistas indexadas ou que tenham conselho editorial externo composto por especialistas reconhecidos na área; desenvolvimento de intercâmbio institucional a partir da participação de seus docentes em cursos de pós-graduação, troca de professores visitantes ou envolvimento em pesquisas interinstitucionais; desenvolvimento de programas de iniciação científica, envolvendo alunos dos cursos de graduação nas temáticas investigadas. Como vemos, um dos critérios levados em conta para o credenciamento é a produção intelectual institucionalizada e divulgada em veículos reconhecidos pela comunidade acadêmica. Observamos, nesse documento prescritivo, que os professores são obrigados a comprovar a sua produção intelectual, seguindo as exigências da Resolução CES n. 2/98; caso contrário, o credenciamento do programa não será renovado. Em 3 de abril de 2001, a Resolução CNE/CES n. 1 (BRASIL, 2001) instituiu outras normas para o funcionamento de cursos de pós-graduação, determinando que os pedidos de autorização, de reconhecimento e de renovação de reconhecimento de curso de pós-graduação stricto sensu devem ser encaminhados à Capes para o Sistema Nacional de Pós-Graduação, respeitando as normas e procedimentos de avaliação estabelecidos por essa agência. Assim, essa agência passa a ser a responsável pela avaliação dos programas dos cursos de pósgraduação stricto sensu. Ela é reconhecida como órgão responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação Stricto Sensu e também como Agência Executiva do Ministério da Educação junto ao sistema nacional de Ciência e Tecnologia, sendo responsável pela elaboração, avaliação, acompanhamento e coordenação das atividades relativas ao ensino superior. Essa agência está inserida no sistema educacional brasileiro, tendo como leis maiores que a regulamentam a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional (LDB) (BRASIL, 1996).

59 34 agência: De acordo com o Regimento Interno da Capes (BRASIL, 2002), são atividades dessa [...] subsidiar o Ministério da Educação na formulação de políticas para a área de pós-graduação, coordenar e avaliar os programas desse nível no País e estimular, mediante bolsas de estudo, auxílios e outros mecanismos, a formação de recursos humanos altamente qualificados para a docência de grau superior, a pesquisa e o atendimento das demandas dos setores públicos e privados. (BRASIL, 2002) Dessa forma, ela é responsável pela elaboração das políticas públicas da pósgraduação brasileira, sendo configurada, portanto, como uma agência prescritora das atividades dos professores da pós-graduação no Brasil, já que elabora as normas e regras direcionadas aos profissionais da educação superior, ou seja, a Capes prescreve o que deve ser feito por eles. Além disso, ela é a instituição responsável pela avaliação da pós-graduação, o que significa que examina o trabalho dos protagonistas envolvidos no ensino e pesquisa, incluindo os professores-pesquisadores. De acordo com o Regimento Interno da Capes, ela é constituída por vários órgãos, sendo estruturada da seguinte maneira: 1. Órgãos colegiados (Conselho Superior e Conselho Técnico-Científico); 2. Órgão executivo; 3. Órgão de assistência direta e imediata ao presidente; 4. Órgãos seccionais; 5. Órgãos singulares, compostos pela Diretoria de Programa e pela Diretoria de Avaliação. De acordo com o artigo13 do regimento, é atribuição do Conselho Técnico-Científico, entre outras coisas, propor os critérios e procedimentos para o acompanhamento e a avaliação da pós-graduação e dos programas [de bolsas e outros auxílios] executados pela Capes (BRASIL, 2002). Já a Diretoria de Programa é responsável pela concessão de bolsas e auxílios de diferentes tipos a pesquisadores, gerindo ações para a implementação dessas bolsas. Por sua vez, a Diretoria de Avaliação é responsável pelo gerenciamento das políticas de avaliação da pós-graduação e dos programas de bolsas, como veremos a seguir.

60 35 A Capes impõe vários critérios para obtenção de bolsas. Assim, os professores são, de certa forma, pressionados pelo sistema de avaliação dessa agência para que bolsas sejam concedidas às suas instituições, para eles próprios e seus alunos, pois, de acordo com a Portaria n. 013/2002 (CAPES, 2002): Art. 4 o Uma vez referendados pelo CNE e homologados pelo MEC, os resultados da avaliação realizada pela Capes acarretam implicações diferentes para os programas que tenham obtido nota igual ou superior a 3 (três) e aqueles que tenham obtido nota inferior a 3 (três), no que se refere a procedimentos relativos à avaliação da pós-graduação e às próprias condições de funcionamento dos cursos por eles oferecidos. Como exemplo de a nota atribuída pela Capes acarretar implicações para os cursos de mestrado ou doutorado podemos citar o Programa de Excelência Acadêmica (Proex). Somente os programas de mestrado e doutorado avaliados com nota 6 ou 7 podem ser inseridos no Proex, recebendo auxílio financeiro que pode ser utilizado de acordo com as prioridades estabelecidas pelos próprios programas, considerando as modalidades de apoio concedidas pela Capes, tais como concessão de bolsas de estudo, recursos para investimento em laboratórios, custeio de elaboração de dissertações e teses, passagens, eventos, publicações, entre outros. Esse exemplo do Proex mostra que as instituições, o que incluem os professores, estão sempre subordinadas aos critérios da Capes para conseguir qualquer tipo de auxílio governamental à pesquisa para a instituição, professores e alunos. Partimos da hipótese de que essa subordinação aos critérios da Capes será representada, que alguma forma, na instrução ao sósia realizada com a professora. Após a discussão sobre o papel da Capes, na próxima seção abordaremos o seu sistema de avaliação e a questão dos critérios utilizados por essa agência na avaliação trienal 2010 ( ) do programa Letras/Linguística, para que possamos compreender melhor como se dá o processo de avaliação pela Capes dos programas de pós-graduação O Sistema de Avaliação da Capes e os critérios de avaliação da área Letras/Linguística Como discutiremos no Capítulo 3, a avaliação é importante para direcionar as nossas representações sobre o agir, que são importantes para o desenvolvimento humano. Nesse sentido, a avaliação do outro acaba se tornando uma espécie de prescrição do agir humano. Sendo assim, nesse contexto, os critérios utilizados pelo Sistema de Avaliação da Capes para

61 36 avaliar os programas de pós-graduação tornam-se uma espécie de prescrição para o professor, já que ele, sabendo da importância da avaliação, passa a se orientar por esses critérios para desenvolver o seu trabalho. Dessa forma, partimos do princípio de que os critérios utilizados pela Capes exercem influência sobre o trabalho do professor. Para que possamos compreender tal influência, nesta seção trataremos dos critérios a partir dos quais os programas de Pós- Graduação da área Letras e Linguística são avaliados, considerando o triênio 2010 (2007 a 2009), com base no Documento de Área da Avaliação Trienal 2010 da Capes. 10 Essa discussão se faz necessária porque a avaliação da Capes, de acordo com os pressupostos teóricos assumidos, estabelece um conjunto de prescrições que orientam o agir do professor. A partir de 1998, a Capes implantou um novo sistema de avaliação, introduzindo critérios internacionais às diferentes àreas de conhecimento. Além disso, ajustou os parâmetros e indicadores adotados, valorizando a produtividade docente e discente. A avaliação passou a ser por programa de pós-graduação e não mais por curso de mestrado de modo isolado. Estabeleceu-se a periodicidade trienal e não mais bienal, como era até então. A escala numérica de conceitos também passou a ser de 1 a 7, em substituição à escala de cinco conceitos até então utilizada (SISTEMA DE INFORMAÇÃO, 2002). O Sistema de Avaliação da Capes abrange o processo de avaliação dos programas de pós-graduação e o processo de exame das propostas de criação de novos cursos nesse nível de ensino. A avaliação dos programas de pós-graduação compreende a realização do acompanhamento anual e da avaliação trienal do desempenho de todos os programas que integram o Sistema Nacional de Pós-Graduação. Para que os programas obtenham a renovação de reconhecimento pelo CNE/MEC é necessário que a Capes tenha atribuído nota de 3 a 7. A avaliação trienal é composta pelas etapas de coleta de informações, que as instituições fornecem anualmente à Capes. Essas informações são consolidadas pelo corpo técnico da Capes e, posteriormente, analisadas pelas comissões de área. De acordo com a Portaria n. 207, de 22 de outubro de 2010, os programas de pósgraduação, associações e sociedades científicas indicam de 3 a 5 docentes 11 para a seleção do 10 Escolhemos apresentar os critérios de avaliação da área de Letras/Linguística por ser a área em que os participantes desta pesquisa atuam, embora consideremos que os critérios referentes a outras áreas das Ciências Humanas não sejam tão distintos. Entretanto, somente uma análise comparativa entre os documentos de diferentes áreas poderia comprovar essa hipótese. 11 O programa de pós-graduação não poderá indicar mais que um docente-pesquisador vinculado ao seu programa ou curso.

62 37 representante de área que auxilia as diretorias da Capes na seleção de consultores científicos qualificados. O Conselho Superior da Capes analisa os currículos dos indicados, deliberando uma lista tríplice de cada área, sendo a decisão final do Presidente da Capes, com publicação posterior da portaria de designação dos representantes (ou coordenadores) de cada área do conhecimento. Esse representante coordena a comissão de consultores ad hoc que examina os programas e cursos no sistema de avaliação, entre outras responsabilidades. Os relatórios das comissões de área são analisados por um relator membro do Conselho Técnico Científico do Ensino Superior (CTC-ES) da Capes, que apresenta parecer conclusivo ao colegiado. O CTC-ES aprecia o parecer e decide pela recomendação ou não recomendação do curso. O parecer do CTC-ES é encaminhado ao CNE/MEC para deliberação sobre o reconhecimento ou renovação de reconhecimento dos cursos (NUNES, 2010). Percebemos que, na organização de trabalho desse sistema de avaliação, os próprios profissionais são colocados no lugar de avaliadores dos colegas, já que também estão envolvidos no processo. Entretanto, os quesitos de avaliação são definidos previamente, seguindo padrões internacionais, por uma pequena equipe do CTC-ES. Indagamos: para haver democracia, de fato, no sistema de avaliação, não seria apropriado que esses quesitos também fossem definidos por uma equipe maior de profissionais qualificados de cada área, já que são esses profissionais que realmente conhecem o que é mais adequado considerar na sua área, levando-se em conta o contexto geográfico e sócio-histórico? Já o processo de avaliação dos cursos compreende a avaliação das propostas de cursos novos de pós-graduação visando à admissão de novos programas e cursos pelo Sistema Nacional de Pós-Graduação, que consiste em verificar se a proposta do curso novo atende ao padrão de qualidade determinado pela Portaria n. 10/2003, da Capes. Os resultados do processo de avaliação de novos cursos são encaminhados para fundamentar a deliberação do CNE/MEC sobre o reconhecimento dos cursos e incorporação ao Sistema Nacional de Pós-Graduação. Em relação à avaliação do corpo docente, em 3 de agosto de 2004 o presidente da Capes, por meio da Portaria n. 068 (BRASIL, 2004), definiu as categorias de docentes dos programas da pós-graduação. De acordo com o artigo 1 o desse documento, o corpo docente dos programas de pós-graduação é composto por docentes permanentes, docentes visitantes e docentes colaboradores.

63 38 requisitos: De acordo com o artigo 2 o, os docentes permanentes devem atender os seguintes desenvolver atividades de ensino, na pós-graduação e/ou na graduação; participar de projetos de pesquisa do programa; orientar alunos de mestrado ou doutorado do programa, sendo credenciado como orientador pela instituição; ter vínculo funcional com a instituição ou se enquadrar nas condições especiais propostas pelo documento, como, por exemplo, caso seja aposentado, tenha firmado termo de compromisso de participação como docente do programa; manter regime de dedicação integral à instituição, sendo atribuição do CTC-ES o estabelecimento do percentual mínimo de docentes com dedicação integral. Observamos nesse artigo da Portaria n. 068 que o professor de pós-graduação precisa se dedicar à atividade de ensino na graduação e na pós-graduação, sendo seu papel orientar alunos de mestrado e doutorado. Além disso, é papel do professor desenvolver pesquisas, já que deve participar de projetos de pesquisa do programa. O artigo 2 o da Portaria 068 dispõe que: Art. 2 o A estabilidade de docentes permanentes do programa será objeto de acompanhamento e avaliação sistemática pela Capes, sendo requerido das instituições justificar as ocorrências de credenciamento e descredenciamento de integrantes dessa categoria verificado de um ano para o outro. (BRASIL, 2004) Observamos, a partir desse artigo 2 o, que a Capes acompanha até a estabilidade de professores permanentes, tendo a instituição de justificar o credenciamento ou descredenciamento desse professores anualmente. Temos aí um exemplo de como as instituições são submissas às prescrições da Capes. Após ter abordado o Sistema de Avaliação da Capes, para que possamos compreender os critérios a partir dos quais o trabalho do professor é avaliado, trataremos dos grandes indicadores da avaliação 2010, que compreende o triênio 2007 a 2009, e do documento disponibilizado pela Capes chamado Documento de Área de Letras/Linguística desse 12 Há no site da Capes um documento específico chamado Documento de Área com os critérios do Sistema de Avaliação dessa agência para cada área de conhecimento e com os pesos atribuídos a cada item dos quesitos. Nesse site, chamado Avaliação Trienal 2010 há vários outros documentos sobre essa avaliação, o que não

64 39 mesmo triênio. Esses critérios, a partir dos quais a instituição e o professor são avaliados, funcionam como fontes do agir, o que significa dizer que funcionam como verdadeiras prescrições para o agir docente. Os grandes indicadores da avaliação do triênio que serviram de orientação para todas as áreas foram: 1. proposta do programa; 2. corpo docente; 3. corpo discente, teses e dissertações; 4. produção intelectual; 5. inserção social. Para cada um desses indicadores há itens específicos, por exemplo, para o quesito Corpo docente há os itens Perfil do corpo docente e Dedicação. Esses indicadores e itens são estabelecidos pelo CTC-ES, que é composto, de acordo com o Decreto n /2007 (BRASIL, 2007), por representantes de cada uma das grandes áreas do conhecimento, pelo Diretor da Avaliação, pelo Diretor de Programas e Bolsas da Capes e pelo Diretor de Relações Internacionais, por um representante do Fórum Nacional dos Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação e por um aluno de doutorado, representante da Associação Nacional de Pós-Graduandos, sendo presidido pelo Presidente da Capes. 14 Isso parece apontar para um sistema em que há democracia, pois há diferentes atores envolvidos. De acordo com nossas análises, observamos que os quesitos/itens estabelecidos pelo CTC-ES têm sofrido algumas alterações em relação à avaliação trienal 2001, , 2007 e De acordo com o documento de área do triênio 2001, o CTC-ES introduziu mudanças às vésperas de um novo processo de avaliação. Para a comissão desse triênio, sob a coordenação do Prof. Dr. José Luiz Fiorin, isso é lamentável quando acontece às vésperas do início de um novo processo de avaliação. Consideramos positivas as mudanças que ocorrem como forma de repensar o processo de avaliação, porém, elas devem ser feitas no início do período a ser avaliado e a comunidade acadêmica precisa tomar conhecimento prévio delas. Para cada área do conhecimento é designada pela Capes, por convocação ad hoc, uma comissão de consultores científicos que avalia os programas de mestrado e doutorado, que é acontece com as avaliações trienais anteriores. Observamos que o sistema de avaliação tem progredido em relação à manutenção de uma página da web com muitas informações sobre o sistema de avaliação, o que mostra mais transparência de sua atuação em relação aos anos anteriores. Disponível em: < Acesso em: 21 mar Observamos que os quatro primeiro quesitos são os mesmos da avaliação trienal anterior ( ), mas há diferenças em alguns itens avaliados de cada quesito. Em relação ao quinto quesito Inserção Social, ele constava como um item do quesito Proposta do Programa. O quinto quesito do triênio anterior era Capacidade de nucleação, maturidade, solidariedade e transparência, sendo esse indicador considerado apenas nos casos de programas com nota 6 ou A relação dos integrantes atuais do CTC-ES encontra-se disponível em: < Acesso em: 20 dez O documento de área encontrado no site do triênio mais antigo é o de 2001, porém, embora conste no site como avaliação trienal, no documento consultado informa-se que a avaliação é bienal (1998/2000).

65 40 responsável por elaborar o documento de área em que há critérios para avaliar cada um dos quesitos/itens, mencionados anteriormente, já estipulados pelo CTC-ES. 16 A seguir, abordaremos alguns critérios expostos no documento de área, de acordo com o que foi estabelecido pela comissão da Avaliação Trienal 2010 da área Letras/Linguística, para que possamos compreender alguns elementos que são considerados pelo Sistema de Avaliação da Capes e o papel do professor diante dessa avaliação. De acordo com o documento, no quesito Proposta do Programa deve ser levada em conta a coerência, consistência, abrangência e atualidade das áreas de concentração, linhas de pesquisa e projetos em andamento e proposta curricular. 17 Nesse sentido, é o coletivo de professores o responsável por estabelecer essa coerência entre as áreas de concentração, linhas de pesquisa e os projetos de pesquisa. Esse mesmo professor precisa ter tempo adequado para se dedicar a leituras atuais, já que se busca atualidade com inovações teóricas/metodológicas/procedimentais. Ainda no quesito Proposta do Programa avaliam-se o planejamento do programa com vistas a seu desenvolvimento futuro, contemplando os desafios internacionais da área na produção do conhecimento, seus propósitos para a melhor formação de seus alunos, suas metas quanto à inserção social mais rica dos seus egressos, conforme os parâmetros da área. Nesse caso, novamente é o professor o responsável por fazer esse planejamento do programa, sendo o seu trabalho avaliado. Já no quesito Corpo Docente levam-se em conta o perfil do corpo docente, considerando titulação, diversificação na origem de formação, aprimoramento e experiência, além de sua compatibilidade e adequação à Proposta do Programa. Avalia-se também a adequação e dedicação dos docentes permanentes em relação às atividades de pesquisa, com participação em projetos ou programas especiais. Observa-se, assim, que o professor deve sempre estar se aprimorando e deve ter formação diversificada e premiações, dedicando-se à pesquisa, com publicações, e à formação do programa. Além disso, é seu dever dedicar-se à orientação dos alunos e à docência. Ainda em relação ao quesito Corpo Docente avalia-se se os docentes estão contribuindo nas atividades de ensino e/ou pesquisa na graduação, orientando, por exemplo, 16 Está disponível em < uma relação dos integrantes da Comissão de Área Letras e Linguística da Avaliação Trienal Os quesitos e os itens são estabelecidos pelo CTC-ES e os critérios pelos integrantes da comissão, e estão disponíveis em: < Acesso em: 20 dez

66 41 alunos de iniciação científica. Assim, não basta o professor desenvolver pesquisas e atuar na pós-graduação, ele tem de desenvolver trabalhos também na graduação. Por sua vez, no quesito Corpo Discente é avaliada a quantidade de teses e dissertações defendidas no período da avaliação. Nesse sentido, o papel do professor é orientar os pós-graduandos para a produção de seus textos acadêmicos. O número máximo recomendável de orientandos por orientador é dez, para que haja o acompanhamento sistemático do trabalho final do pós-graduando, devendo haver uma distribuição proporcional de orientandos entre os orientadores do programa. Consideramos que essa quantidade de orientandos por orientador é excessiva, pois acreditamos que torna-se dificultoso para o orientador acompanhar de modo sistemático e adequado o trabalho final de tantos pósgraduandos ao mesmo tempo que acumula inúmeras outras atividades que, como vemos, são estipuladas a ele. Ainda nesse quesito, avalia-se a qualidade das teses e dissertações e da produção intelectual discente. Nesse caso, o papel do professor é fundamental para acompanhar a vida acadêmica, o que inclui as teses e dissertações de seus orientandos. Outro quesito é a Produção Intelectual, em que se avalia as publicações de textos qualificados em periódicos e livros, na íntegra ou capítulos. Constitui mérito a produção acadêmica que decorra dos projetos de pesquisa do programa. As produções publicadas em periódicos externos à instituição classificados no Qualis 18 nos estratos iguais ou superiores a B2 ou em livros classificados nos estratos iguais ou superiores a L2 são valorizadas. Assim, o professor também precisa produzir textos acadêmicos e publicá-los em periódicos reconhecidos pela Capes ou em livros. Por fim, no quesito Inserção Social leva-se em conta a inserção e impacto regional e/ou nacional do programa. Consideram-se os intercâmbios de docentes com outros programas, instituições e áreas. A avaliação do impacto e a inserção educacional e social do programa pautar-se-á pela produção de material didático, cursos de atualização e capacitação para professores, formação de profissionais para sistema de ensino, assessorias especiais, projetos e extensão e de divulgação científica. Nesse caso, para que o programa seja bem avaliado nesse quesito, o professor deve se deslocar de sua instituição para fazer intercâmbio 18 Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação (agrupamento de informações sob vários pontos de vistas) da qualidade da produção intelectual dos programas de pós-graduação, que foi concebido para atender as necessidades do sistema de avaliação e é baseado nas informações fornecidas por meio do aplicativo de Coleta de Dados. A classificação de periódicos e eventos é realizada pelas áreas de avaliação e passa pelo processo anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos da qualidade A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; e C com peso zero. Disponível em: < Acesso em: 21 dez

67 42 com outras instituições, além de prestar assessorias a outras entidades. Além disso, leva-se em conta se há integração e cooperação com outros programas e centros de pesquisa, o que significa que é papel do professor fazer essa integração. Consideramos que, em virtude da avaliação trienal, os professores acabam se sentindo pressionados pela Capes a seguir as exigências dessa agência a fim de que sua instituição seja bem avaliada. Desse modo, essa agência passa a ser concebida como a instituição prescritora por excelência, já que é ela que detém o poder de efetuar o credenciamento dos programas de pós-graduação ou renová-lo, com base, principalmente, nos resultados do trabalho do professor e de outros atores envolvidos, e de conceder ou não bolsas e outros auxílios financeiros essenciais para o desenvolvimento das pesquisas. Nesse sentido, partimos do princípio de que encontraremos representações nos e pelos textos analisados produzidos pelo professor, indicando a influência da Capes no agir docente. Consideramos necessário dar voz ao professor de pós-graduação para que ele possa falar sobre o seu trabalho, como defendem Bronckart (2006), Clot (2006) e Guérin et al. (2001), entre outros, o que pode levar a uma melhor compreensão do trabalho docente. Dando voz a ele, há possibilidade de que o professor verbalize não só as atividades que desenvolve, mas, também, as formas de realizá-las, as suas dificuldades e as formas de superá-las. Para a identificação dessas representações construídas nos e pelos textos sobre o trabalho docente, é necessária uma abordagem teórico-metodológica que nos proporcione fundamentos para compreender o papel da linguagem e do agir no desenvolvimento humano. Assim, no próximo capítulo apresentaremos e discutiremos as bases teóricas e metodológicas do interacionismo sociodiscursivo (ISD) para fundamentar nossas concepções de linguagem, desenvolvimento e agir, indispensáveis à análise dos dados.

68 43 CAPÍTULO 3 AGIR, LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO HUMANO: UMA ABORDAGEM INTERACIONISTA SOCIODISCURSIVA No primeiro capítulo, vimos que o trabalho do professor pode ser definido como uma atividade que utiliza artefatos simbólicos e materiais, como as prescrições, os modelos de agir, o giz, os textos; dirigida ao próprio professor; ao seu objeto, que é criar um meio de trabalho coletivo que possibilite a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos; e aos outros, os professores, superiores hierárquicos. Além disso, vimos que a atividade de trabalho envolve várias dimensões, como a impessoal, a interpessoal, a pessoal e a transpessoal, configurando-se como uma atividade conflituosa. Já no segundo capítulo, atentamos ao papel do professor em documentos prescritivos desde a sua a implantação até a atualidade e também às coerções pelas quais o professor passa a partir do sistema da avaliação da Capes, o que pode levá-lo ao sofrimento caso seja amputado de agir, de acordo com as suas motivações e interesses, para atender o que lhe é prescrito. Partimos da hipótese de que alguns desses elementos (artefatos/instrumentos, outros, objeto do trabalho) e as dimensões físicas, afetivas, cognitivas, suas capacidades etc., que constituem o agir do professor serão colocados à cena no e pelo texto gerado para esta pesquisa. Para analisar e interpretar esses elementos do agir docente, recorremos ao interacionismo sociodiscursivo (ISD), vertente do interacionismo social, que desenvolve uma teoria sobre o funcionamento e o desenvolvimento humano, sendo esta a teoria que escolhemos para fundamentar as nossas análises, pois, parte de uma abordagem sóciohistórica, como veremos no decorrer deste capítulo, possibilitando compreender o agir linguageiro, materializado em textos, e interpretá-lo em uma visão que integra as dimensões biológicas, emocionais, cognitivas, semióticas, sociais, históricas etc. Assim sendo, essa vertente também é coerente com as disciplinas discutidas no Capítulo 1, Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade, já que parte dos mesmos princípios de base filosófica e epistemológica.

69 44 O ISD foi desenvolvido por Jean-Paul Bronckart e por outros pesquisadores do Departamento de Didática de Línguas da Universidade de Genebra, contando, atualmente, com colaborações de pesquisadores do grupo Langage, Action et Formation 19 (LAF) desta mesma universidade, e de pesquisadores do grupo Análise de Linguagem Educacional e suas Relações, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Alter-CNPq), que inclui pesquisadores de diversas universidades brasileiras, por exemplo, PUC-SP, PUC-MG, PUC-RJ, Unisinos, UFG, UEL, UniCeub, além de pesquisadores portugueses, da Universidade de Lisboa (UNL), e argentinos, da Universidade de Mendoza. Neste capítulo, como o ISD é uma vertente do interacionismo social, em primeiro lugar, apresentaremos essa última corrente, abordando suas bases filosóficas e epistemológicas, enfocando as relações entre as condutas humanas, a interação sócio-histórica e os instrumentos semióticos. Em seguida, trataremos dos princípios do ISD, abordando os conceitos de agir, linguagem e desenvolvimento e suas relações, porque essa vertente fornece o eixo central de elaboração desta pesquisa, demonstrando o papel fundador da linguagem e do funcionamento discursivo no desenvolvimento humano As condutas humanas, a interação sócio-histórica e os instrumentos semióticos para o interacionismo social O interacionismo sociodiscursivo é uma vertente do interacionismo social, partindo, pois, de seus princípios de base, assim como a Ergonomia da Atividade e a Clínica da Atividade, disciplinas discutidas no primeiro capítulo desta tese. Em vista disso, nesta seção, a fim de mostrar como essa vertente concebe as condutas humanas, explicaremos os princípios gerais que embasam o interacionismo social que, segundo Bronckart (1999, 2004, 2006, 2008), baseia-se, sobretudo, nas obras de Spinoza, Marx e Vigostski. Enfocaremos, então, as relações estabelecidas entre as condutas humanas, a interação sócio-histórica e os instrumentos semióticos (ou sistema simbólico). O interacionismo social designa uma posição epistemológica geral na qual podem ser reconhecidas diversas correntes da filosofia e das ciências humanas. Cada disciplina tem seus questionamentos específicos, mas os seguidores dessa corrente: [...] têm em comum o fato de aderir à tese de que as propriedades específicas das condutas humanas são o resultado de um processo histórico de 19 Linguagem, Ação e Formação.

70 45 socialização, possibilitado especialmente pela emergência e pelo desenvolvimento dos instrumentos semióticos. (BRONCKART, 1999, p. 21, grifo nosso) Observa-se que, para os interacionistas sociais, os elementos sócio-históricos e os instrumentos semióticos, que incluem a linguagem, são considerados fundamentais para o estudo das condutas humanas. A posição interacionista social rejeita tanto a ideia tomada pelo cognitivismo e pelas neurociências de que é possível interpretar as condutas humanas em sua especificidade a partir de referência direta às propriedades do substrato neurobiológico humano (elementos neurológicos e biológicos) quanto pelo behaviorismo, a de que as condutas humanas sejam resultado do acúmulo de aprendizagens condicionadas pelas restrições de meio (físico, importante salientar) preexistente. Essa posição, herdada de Spinoza, considera que, embora alguns objetos que estão no universo pareçam ser físicos e outros psíquicos, não há diferença de essência, pois, na verdade, tudo é matéria. Defende uma abordagem descendente dos fenômenos humanos, centrada sobre os efeitos específicos da história coletiva humana e sobre a transformação permanente dos fatos sociais, de um lado, e dos fatos psicológicos, de outro (BRONCKART, 2006, p. 126). Assim, a corrente interacionista social põe em evidência a historicidade do ser humano, interessando-se pelas condições pelas quais, na espécie humana, se desenvolveram formas particulares de organização social sob o efeito de formas de interação de caráter semiótico. Em relação aos princípios que visam a explicar o funcionamento e o desenvolvimento humanos, considera-se que esse último deve ser explicado em uma perspectiva dialética e histórica, significando que não se pode compreender a origem humana em termos de uma linha direta e contínua, mas em termos de uma linha indireta e independente. É fato que as capacidades biológicas da espécie humana possibilitaram as atividades coletivas com o uso de instrumento, sendo necessário para a organização dessas atividades o surgimento de produções linguageiras. Por sua vez, as atividades gerais e os comentários linguageiros (discursivos) deram origem a um mundo de fatos sociais e de obras culturais, que se sobrepõe ao meio físico, sendo que foi a absorção dos elementos desse mundo por organismos particulares que levou à constituição de um funcionamento psíquico consciente. Essa abordagem rejeita qualquer concepção essencialista biológica do ser humano e analisa cientificamente as suas capacidades em uma perspectiva que considera a sua origem (perspectiva genealógica). A partir das ideias expostas, defende-se a tese de que a apreensão

71 46 do funcionamento psicológico do ser humano não pode se confundir com a ideia de apreensão de uma essência primeira qualquer, mas que só se pode compreender o humano compreendendo a sua construção sócio-histórica. Ela também se opõe radicalmente ao recorte dos objetos de conhecimento, que leva à divisão das ciências, especialmente, das Ciências Humanas/Sociais. Assim, é contrária à epistemologia positivista de Comte, que estabeleceu uma classificação das diversas ciências com base no grau de generalidade e de complexidade dos objetos para os quais elas se voltam. Nesse sentido, essa abordagem é favorável a uma posição dinâmica e histórica herdada de Darwin ou Marx e considera que, para o estudo do funcionamento humano e da problemática dos processos evolutivos e históricos por meio dos quais as dimensões humanas foram geradas e co-construídas, é necessário levar em conta as relações de interdependência entre os aspectos psicológicos, sociais, culturais, linguísticos etc., consequentemente, negando a divisão das ciências, já que os fenômenos humanos relacionam-se a dimensões variadas. Na verdade, é uma corrente que procura validar, no plano científico, uma concepção do estatuto do ser humano. Segundo Bronckart (2006, p. 126), o interacionismo social foi defendido por numerosos autores do início do século XX, como Vigotski, Bühler, Dilthey, Mead, Wallon, entre outros. Para o autor, uma das apresentações mais precisas dessa corrente é encontrada em Marxismo e filosofia da linguagem (1929), obra que já é atribuída somente a Voloshinov, sem ressalvas. Esse último autor, que estuda as bases de uma filosofia da linguagem articulada com o marxismo, tem como questionamento central o estatuto e as condições da ideologia e o mundo do conhecimento. Para Bronckart (2006), seus questionamentos remetem, sem dúvida, ao problema do estatuto e das condições de constituição do psiquismo ou do pensamento consciente humano. De acordo com a teoria de Voloshinov, toda produção ideológica é de natureza semiótica, pois as ideias remetem a referentes que têm uma realidade independente das ideias, sendo, portanto, de uma outra ordem, diferente da ordem do mundo do conhecimento. Por isso, essas ideias constituem-se como signos dessas entidades referidas. Esses signos-ideias não são provenientes da atividade de uma consciência individual, mas são produto da interação social, sendo condicionados por essa interação. Segundo Bakhtin [VOLOSHINOV, 1929] (1997, p. 123): A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo

72 47 ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. Por esse motivo, os signos-ideias são considerados como tendo sempre um caráter dialógico, compreendendo o diálogo não apenas no sentido estrito do termo, mas considerando toda comunicação verbal, de qualquer tipo de seja. Toda comunicação verbal procede de alguém e é dirigida a alguém, sendo a compreensão uma forma de diálogo em que compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. Segundo Bakhtin [VOLOSHINOV, 1929] (1997, p. 132), a significação não está na palavra nem na alma do falante ou do interlocutor, mas ela é o efeito da interação do locutor e do receptor produzido através do material de um determinado complexo sonoro. Bronckart (2006, p. 127) cita um outro princípio da obra de Bakthin [VOLOSHINOV, 1929], que está ligado ao fato de que a consciência só se torna consciência quando se torna plena de conteúdo ideológico, o que acontece só no processo de interação social. Em vista disso, todo discurso interior, todo pensamento ou toda consciência apresenta, portanto, um caráter social, semiótico e dialógico. Segundo Bronckart (2006, p. 128), o objetivo maior de Bakthin [VOLOSHINOV, 1929] era o de explicar as condições de constituição do pensamento consciente, em um programa de pesquisa que deveria incidir sobre: a. as condições e os processos de interação social; b. as formas de enunciação que materializam ou semiotizam essas interações, devendo abordar a organização das unidades-signos no interior dessas formas. Essas formas de interação e enunciação são constituídas pelos produtos da história humana e se diversificam em função da história particular dos grupos. Para Bronckart (2006, p. 128), esse programa de trabalho e os estudos de outros autores fundadores do interacionismo social ficaram esquecidos durante meio século sob o efeito da interdição da difusão dessas ideias pelo poder stalinista e sob o efeito da abordagem positivista dos anos 1930 que contribuiu para o fracionamento das Ciências Humanas/Sociais, que perdurou por muitos anos. Na década de 1970/1980, as obras de Vigostski Pensée et langage (1985) e La signification historique de la crise de la psychologie (1990) fizeram ressurgir as ideias do interacionismo social, tornando-se bastante ativas, sobretudo, para a Sociologia, Linguística e

73 48 Ciências da Educação. Segundo Bronckart (2006, p. 128), o projeto do ISD se inscreve nesse movimento contemporâneo, sendo uma tentativa de reorganizar a problemática de definição da unidade da psicologia. É essa a corrente que discutiremos a seguir O agir de linguagem e o desenvolvimento numa abordagem interacionista sociodiscursiva O objetivo maior desta seção é discutir a questão do agir de linguagem e do desenvolvimento na abordagem do ISD, abordando, antes, os princípios maiores que fundamentam essa vertente. Como vimos, o projeto do ISD filia-se a uma Psicologia da Linguagem que se inscreve no quadro epistemológico da corrente das Ciências Humanas/Sociais chamada de interacionismo social. Por sua vez, a Psicologia da Linguagem é definida como uma subdisciplina da Psicologia, que se centra na análise do funcionamento e da gênese das condutas humanas. Diferentemente das outras subdisciplinas da Psicologia (da Percepção, das Emoções, Cognitiva, Social, Clínica etc.), a concepção do ISD é totalmente diferente dessas disciplinas, já que considera que a linguagem não é apenas um meio de expressão de processos que seriam estritamente psicológicos (percepção, cognição, sentimentos, emoções), mas é o instrumento fundador e organizador desses processos, em suas dimensões especificamente humanas (BRONCART, 2006, p. 122) e, portanto, essa corrente quer ser vista, teoricamente, como uma ciência do humano. Sua tese central é a de que a ação humana é o resultado da apropriação pelo indivíduo das propriedades, ou seja, daquilo que faz parte, da atividade social mediada pela linguagem (BRONCKART, 1999, p. 42). Assim, o ISD adere aos princípios de desenvolvimento vigotskiano, segundo os quais o pensamento e a linguagem se desenvolvem, filogeneticamente, segundo linhas distintas e independentes, o que o diferencia do comportamento animal, que não apresenta essa forma de relação estreita entre pensamento e linguagem. Vigostki atribui grande importância ao papel da interação no desenvolvimento humano, sendo uma de suas mais significativas contribuições a tentativa de explicar como o processo de desenvolvimento é constituído. Para o autor, a maturação biológica é um fator secundário no desenvolvimento das formas complexas do comportamento humano, já que essas dependem da interação da criança com a sua cultura (REGO, 1994). Segundo seu ponto de vista, a estrutura fisiológica humana, aquilo que é inato, não é suficiente para produzir o

74 49 indivíduo humano na ausência do ambiente social. Assim sendo, as características individuais (valores, conhecimentos, modos de agir etc.) dependem da interação do ser humano como o meio físico e social. Nessa abordagem, parte-se do princípio que no processo de constituição humana é possível distinguir os processos elementares, que são de origem biológica; e as funções psicológicas superiores, de origem sociocultural. Para Vigostki (1984), a história do comportamento da criança nasce do entrelaçamento dessas duas linhas. De acordo com os princípios vigostkianos, desde o nascimento, o bebê está em constante interação com os adultos que, além de assegurar a sua sobrevivência, medeia a sua relação com o mundo, incorporando as crianças à sua cultura ao atribuir significado às condutas e aos objetos culturais que se formam ao longo da história. Assim, é a partir das intervenções constantes do adulto que os processos complexos do desenvolvimento começam a se formar. Para Vigostski, o desenvolvimento do sujeito se dá a partir das constantes formas de interação com o meio social em que se vive, pois as formas psicológicas mais sofisticadas se originam da vida social. Desse modo, o desenvolvimento do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro (pessoas do grupo cultural) que atribui significado à realidade. É a partir dessas mediações que os membros imaturos da espécie humana se apropriam dos modos de funcionamento psicológico, do comportamento e da cultura, isto é, do patrimônio da história da humanidade e de seu grupo cultural (REGO, 1994). Essa interação só é possível ocorrer por meio da linguagem, sendo essa uma preocupação central para Vigotski. Nessa concepção, a relação entre pensamento e linguagem é originária do desenvolvimento, que evolui ao longo dele, num processo dinâmico. A linguagem interiorizada torna-se o organizador fundamental do funcionamento psicológico da criança (FREITAS, 2006). O ISD busca desenvolver essas ideias de Vigotski, na medida em que este, recusando a divisão das Ciências Humanas em geral e da Psicologia em particular, esforçava-se por identificar uma unidade de análise do funcionamento e do desenvolvimento humano que integrasse as dimensões biológicas, emocionais, cognitivas, semióticas, sociais, históricas etc. das condutas humanas. Entretanto, ele não teve tempo, em sua curta vida científica, de construir um conceito unificador no qual as diferentes dimensões humanas se organizariam, hesitando entre as noções significação da palavra, conduta instrumental e atividade mediada pelos signos. Na verdade, Vigostski buscava instaurar uma unidade da ordem do agir significante como unidade central da Ciências Humanas e, mais tarde, um de seus discípulos, Leontiev (1979), considerou a ação e/ou atividade como unidades integradoras, propondo a

75 50 teoria da atividade. Mesmo com essa escolha terminológica, Bronckart (1999) considera que essa proposta continua ainda parcialmente insatisfatória, haja vista que as dimensões sociais e verbais da atividade não são consideradas. O ISD parte do princípio de que é necessário considerar as ações humanas em suas dimensões sociais e discursivas constitutivas, colocando o discursivo, portanto, a linguagem, como central para o estudo do funcionamento e desenvolvimento humano. Assim, seu objetivo maior é demonstrar o papel fundador da linguagem e do funcionamento discursivo no desenvolvimento humano, ou ainda, o papel fundamental da atividade discursiva para esse desenvolvimento. Desse modo, Bronckart (2004) busca outros autores para auxiliar o pensamento vigotskiano e mostrar esse papel da linguagem como central no desenvolvimento. Um desses autores é Habermas (1987), que Bronckart retoma e reformula para explicar a relação entre o agir humano e a linguagem, centrando no estudo do agir, tema que deixamos para a próxima subseção O agir e a linguagem Nesta seção, apoiando-se, inicialmente, em Leontiev, abordaremos os conceitos de agir, atividade, ação, colocados por Bronckart (2006) como constituintes do desenvolvimento do funcionamento psíquico humano, sendo, portanto, objetos de estudo do ISD, o que nos levará a tratar, em seguida, da visão de linguagem como agir com base em Humboldt (1985), Habermas (1987) e Coseriu (2001). A fim de compreender a questão do agir, a teoria da atividade de Leontiev (1979) propõe, com base nas teses marxistas, que: [...] os conhecimentos humanos e as obras dos seres humanos não são simples reflexos da organização preexistente do mundo (empirismo) nem resultados do funcionamento de capacidades mentais inatas (racionalismo); mas são, antes de mais nada, o produto de suas práticas (BRONCKART, 2008, p. 65, grifo do autor). Estas práticas, por sua vez, são sócio-historicamente determinadas, podendo considerar o agir socializado o motor do desenvolvimento humano, pois é, a partir dele, que se realiza o reencontro entre os indivíduos e o meio ambiente. De acordo com Bronckart (2008), Leontiev analisa uma práxis generalizada, distinguindo três níveis de apreensão: atividade, ação, operação. O conceito de atividade se aplica a qualquer organização coletiva dos comportamentos orientada por uma finalidade ou que visa a um projeto determinado, podendo se aplicar tanto

76 51 à vida animal (ordem biológica) quanto à vida humana (ordem sócio-histórica). Em alguns mamíferos superiores, a atividade pode explorar instrumentos, sendo, nesse caso, mediada por instrumentos. No caso do homem, a mediação da linguagem se sobrepõe à mediação de instrumentos materiais (BRONCKART, 2008, p. 65), o que confere às organizações e às atividades humanas um dimensão particular, que justifica serem chamadas de sociais. O conceito de ação, por sua vez, apreende o agir coletivo articulado a objetivos que os agentes nele envolvidos buscam atingir ou dos quais eles têm consciência, o que implica que a ação, concebida como tal, só pode ser atestável nos seres humanos, já que somente esses têm a capacidade de construir representações dos efeitos prováveis da atividade em que se encontram engajados. Já o conceito de operação apreende o agir no nível dos processos particulares que se desenvolvem para que se realize uma ação, ou seja, está vinculado ao modo como uma ação é realizada, ou ainda, à solução técnica adotada para atingir um objetivo. Por exemplo, se um professor vai realizar uma ação de avaliar o aluno, ele pode escolher aplicar uma prova escrita ou oral, pedir para o aluno apresentar um seminário, ou participar de um debate etc., considerando os critérios contextuais diversos. Mencionando Leontiev, Bronckart (2008, p. 66) lembra que, embora a práxis seja considerada primeiro como coletiva e externa, cada indivíduo pode apreender as propriedades dessa práxis coletiva, podendo interiorizar essas propriedades, que se tornam, assim, ações e/ou operações mentais. Bronckart (2008, p. 66) esclarece que esse quadro da teoria da atividade de Leontiev é importante por sua orientação teórica, porém, o autor adverte para o fato de que, apesar de ser declarado, nessa teoria, que a linguagem é um mediador da atividade, ele tem o problema de não explorar de fato o papel que esse instrumento propriamente humano desempenha. Além disso, Bronckart (2008) esclarece que as condições de emprego e significado desses termos, por diferentes teorias da ação ou da atividade são múltiplos e heterogêneos, variando de acordo com as linhas teóricas, levando-o a propor uma terminologia semiótica ad hoc a fim de conceituar os termos atividade, ação, agir, (e outros a eles relacionados), não com a pretensão de resolver esse problema de múltiplos sentidos dados a esses termos, mas apenas para direcionar as pesquisas que partem do arcabouço teórico do ISD, a fim de tornar as afirmações inteligíveis. Veremos a definição desses termos no próximo capítulo, em que trataremos da metodologia de análise de textos.

77 52 Buscando desenvolver os estudos da teoria da atividade de Leontiev (1979), Bronckart (2008) parte da visão de linguagem como agir fundamentando-se, sobretudo, em Humbold (1985), Habermas (1987) e Coseriu (2001), além de Voloshinov (1977) e Ricoeur (1983, 1984, 1985). De acordo com Bronckart (2008, p. 71), os fundamentos dessa nova visão são encontrados na obra de Humbold (1985), sendo a origem da mudança radical do modo de conceber as relações entre linguagem como capacidade da espécie humana e as múltiplas línguas naturais. Nessa nova visão, trata-se de considerar que a linguagem só existe nas línguas naturais, contrária, pois, à visão anterior que analisava a linguagem universal primeiro e só depois abordava as línguas naturais que realizariam socialmente tal capacidade. Os autores defensores dessa última contestada visão buscavam atribuir à linguagem um fundamento que estaria fora das práticas sociais, defendendo a ideia de que há estruturas linguageiras universais que a determinariam, sendo a linguagem considerada como um mecanismo secundário. Consideravam que a linguagem refletia o mundo ou o pensamento. No plano metodológico, essa visão utilizava procedimentos ascendentes. De um lado, primeiro, estudavam os processos de pensamento, e depois os processos linguageiros que os traduziriam. De outro, em relação à análise da linguagem, primeiro analisavam as unidades mínimas, ou signos; depois, sua organização em estrutura sintática e, por último, eventualmente, a organização dessas estruturas no nível textual. Na nova perspectiva, a linguagem só existe nas línguas naturais, e essas, por sua vez, só existem nas práticas verbais, em um agir, que é o discurso, dirigido a alguém. A atividade de linguagem é produtora de objetos de sentido e, portanto, constitutiva das unidades representativas do pensamento humano. Na medida em que ela é atividade social, o pensamento ao qual ela dá lugar é, também, necessariamente, semiótico e social. Habermas (1987) também tem essa visão de linguagem como atividade e salienta sua dimensão comunicativa, já que essa atividade é um instrumento por meio do qual os indivíduos constroem um acordo sobre o mundo em que vivem e, em particular, sobre os contextos do agir e sobre as propriedades das atividades coletivas e de seu desenvolvimento. É a partir da atividade de linguagem que se constroem os mundos representados (sistemas de conhecimento), sendo que toda atividade se realiza levando-se em conta as representações coletivas do meio que se organiza nesses mundos que são o mundo objetivo, mundo social e mundo subjetivo.

78 53 O mundo objetivo é constituído pelos conhecimentos que temos sobre o meio físico, tal como são construídos na sócio-história humana. Por exemplo, se um casal quer fazer uma festa de casamento para duzentas pessoas, sabemos que um apartamento pequeno com três cômodos não será um lugar adequado para essa festa. Já possuímos um conhecimento objetivo sobre um meio físico que poderia ser adequado ou inadequado para essa festa. Além de se desenvolver em um meio físico, toda atividade se desenvolve no quadro de regras, convenções e sistemas de valores construídos por um grupo particular que define como se devem organizar as tarefas e como os membros do grupo podem cooperar para realizá-la. Por exemplo, numa cerimônia de casamento em uma igreja católica tradicional, há regras a serem seguidas: o padre deverá celebrar o casamento de acordo com as regras dessa igreja. É o conjunto desses conhecimentos sociais que constituem o mundo social. Finalmente, os indivíduos trazem a sua própria visão de si e também a visão que os outros têm de si. Por exemplo, em um casamento, a noiva se vê e pensa que os outros a veem, ou não, como uma noiva bonita, bem maquiada, com um vestido bonito, com um vestido muito decotado, com um vestido muito curto. São esses conhecimentos sobre si mesmo que constituem o mundo subjetivo. Esses três mundos se constituem como sistemas de parâmetros, em que se exibem avaliações e/ou controle coletivo em relação ao agir humano. Por exemplo, um aluno pode avaliar se o seu colega da mesma classe fala de uma forma grosseira e sem educação com seu professor, pois existem regras sociais para isso. Esse aluno avaliado pode, também, a partir das avaliações dos outros colegas de classe, se reavaliar e repensar suas ações, mantendo-as, alterando-as ou abandonando-as. Esses mundos não são tipos de agir, mas identificam os ângulos sob os quais qualquer agir pode ser avaliado. Assim, qualquer forma de agir se realiza em relação a sistemas de determinações diversas as nossas, as do nosso interlocutor, a da sociedade etc. que podem estar em conflito uma com as outras ao decidirmos como agir em determinada situação. Por exemplo, um professor pode considerar correto faltar ao trabalho por estar doente. Mas, se ele não avisar com antecedência, ele sabe que o seu coordenador terá transtornos e que os alunos poderão reclamar. São os conhecimentos dos três mundos que se confrontam num caso como esse, o que fará com que o trabalhador tome uma decisão oriunda de uma escolha conflituosa. Além dos conhecimentos sobre esses três mundos representados, há também o conhecimento do mundo vivido que são um conjunto de experiências que dota o indivíduo de um saber de fundo sobre o contexto de seu agir. Esse saber é constituído por elementos

79 54 heterogêneos, sem organização lógica, implícitos e inconscientes, não estando sujeito à contestação nem à justificação. Esse mundo vivido fornece uma forma de pré-compreensão do contexto do agir, constituindo-se como um reservatório de convicções e de hipóteses (sempre implícitas) sobre o resultado do agir. Desse modo, nessa concepção de linguagem, o agir envolve conhecimentos explícitos e implícitos, conflitos entre representações do próprio agente e de diferentes agentes, confrontação entre elementos do mundo vivido e dos mundos representados, a partir dos quais se desenvolvem as avaliações sociais. O agir linguageiro, nessa abordagem, é concebido como o instrumento por meio do qual se manifestam as avaliações sociais sobre as formas de agir praxiológico (referente à atividade prática, uso), sendo também um organizador das representações que os atores constroem sobre sua situação de agir e, portanto, um regulador de suas intervenções efetivas. É no processo de avaliação pelo indivíduo com base em critérios coletivos que se pode atribuir aos outros intenções, razões ou motivos para o agir. Assim, a avaliação pode tornar os outros agentes responsáveis pelo seu agir, o que lhes confere o estatuto de ator. Mas, na avaliação pode-se também construir outras figuras interpretativas de agir, não atribuindo ao indivíduo responsabilidade. Da mesma forma, os indivíduos que avaliam também são avaliados pelos mesmos critérios, tornando-se capazes de avaliar a si mesmos, apropriando das representações sobre sua capacidade de ação, dos papéis sociais e de uma imagem sobre si, construindo representações de si mesmos como agentes responsáveis pela sua ação (BRONCKART, 1999, 2006). Por exemplo, ao comentar sobre o desempenho de um aluno de mestrado, um orientador pode dizer que ele faz seus deveres com cuidado, interesse, demonstrando responsabilidade pelas suas obrigações porque compreende a importância de um trabalho acadêmico bem escrito. Desse modo, esse aluno é representado como um ator. O mesmo orientador pode dizer que um outro aluno não mostra interesse ao realizar os seus trabalhos acadêmicos, não cumpre os prazos pedidos e não consegue compreender nenhum dos conceitos necessários para o desenvolvimento de seu trabalho, o que demonstra que esse aluno não mostra capacidade e motivação para desempenhar o seu papel como estudante de mestrado. Nesse caso, esse aluno é reconfigurado como mero agente, pois não demonstra responsabilidade pelas suas obrigações acadêmicas. Percebendo essas avaliações e outras anteriores, esse aluno pode repensar, ou não, o seu agir já visualizando outras avaliações. Assim, notamos que em qualquer situação de nossas vidas, numa sala de aula, ou em qualquer outro trabalho, temos as condutas efetivas

80 55 dos indivíduos, assim como as avaliações construídas sobre elas pelo próprio indivíduo ou pelos seus pares, seus superiores ou por um pesquisador, baseadas nos três mundos representados e no mundo vivido. Para Bronckart (1996, p. 70), as intervenções educativas são uma das formas explícitas e admitidas de avaliação social através dos quais as ações humanas são geradas. Essas avaliações almejam alterar os limites de ação do aprendiz (ou do indivíduo) e as representações que se tem de si. Por esse motivo, elas são consideradas um dos fatores principais de desenvolvimento. Como vimos no capítulo anterior, podemos dar como exemplo de intervenção o sistema de avaliação da Capes, inserido num sistema educacional, que é uma forma explícita de avaliação do agir do professor. Ao avaliar o agir do professor, esse sistema de avaliação acaba prescrevendo o agir docente, indicando que ações o docente tem que realizar. Nesse sentido, a avaliação da Capes contribui com o desenvolvimento do docente, já que é uma forma de indicar as ações a serem realizadas. Por exemplo, um dos itens avaliados que conta na avaliação trienal é a produção de artigo, produção essa que contribui com o desenvolvimento de capacidades do docente. Avançando na definição de linguagem, Bronckart (2008, p. 72) também retoma Coseriu (2001), afirmando que é nesse autor que se encontra a mais importante visão de linguagem humboldtiana, como veremos a seguir. Para esse autor, a linguagem se manifesta concretamente como uma atividade humana particular facilmente identificável, que é a atividade de falar, que é sempre falar a um outro, o que significa que a essência da linguagem se mostra no diálogo, estando sempre relacionada ao que os interlocutores têm em comum. Essa atividade só se realiza a partir de uma língua historicamente determinada que os locutores conhecem. Ela é criativa, isto é, produtora de novidades, o que explica a dimensão fundamental que é a transformação permanente das línguas e o fato de que a atividade de linguagem seja livre, no sentido filosófico do termo. Isso significa que a linguagem pode se dirigir a qualquer objeto e que seu objeto seja infinito. Essa atividade livre de linguagem é significante, o que mostra que ela não apenas produz signos materiais para significados já dados, mas, ao mesmo tempo, é criadora de conteúdos e expressões. Esse fato, segundo Bronckart (2008, p. 73), mostra o papel desempenhado pela linguagem na constituição da atividade de pensamento e no desenvolvimento de qualquer processo de conhecimento. Retomando a dimensão comunicativo-social da linguagem, Coseriu (2001) considera que a linguagem é sempre falar a um outro e, portanto, essa atividade significante é sempre marcada pela alteridade, que pode ser compreendida como o princípio, derivado da filosofia, a

81 56 partir do qual se define o ser em uma relação que é fundada sobre a diferença; o eu não pode tomar consciência do seu ser-eu a não ser porque existe um não-eu que é outro, que é diferente. Essa noção está ligada ao fato de que não há consciência de si sem consciência da existência do outro, pois é na diferença entre si e o outro que se constitui o sujeito (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 34, 266). De acordo com Bronckart (2008, p ), embora a linguagem seja um fato social, não se pode considerar a língua que a manifesta como algo que se impõe aos sujeitos falantes, já que ela é expressão da intersubjetividade no sentido de solidariedade com um tradição histórica e no sentido de uma solidariedade com uma comunidade falante, que é histórica. Bronckart (2008, p ) também considera os fundamentos metodológicos, estabelecidos por Bakthin [VOLOSHINOV, 1929] (1997), no quadro de uma visão da filosofia da linguagem, cujo objetivo principal é o de esclarecer o estatuto e as condições de desenvolvimento da ideologia, ou seja, dos mundos dos conhecimentos especificamente humanos. Como já abordado no início deste capítulo, os signos-ideias são, necessariamente, resultados dos discursos produzidos no quadro de interações sociais, apresentando, portanto, um caráter dialógico, pois eles situam em um espaço social e se dirige a alguém. Assim, a palavra tem duas faces: ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém quanto pelo fato de que é dirigida a alguém, sendo, nesse sentido, o produto da interação do locutor e do ouvinte. Assim sendo, qualquer pensamento (discurso interno), já que é o produto da interiorização desses discursos externos, também apresenta, necessariamente, um caráter social, semiótico e dialógico. Todo discurso é fundamentalmente dialógico, pois ele sempre responde aos outros e antecipa sua reação (atitude responsiva-ativa), fazendo eco a outros discursos. Todo enunciado remete a outros enunciados já proferidos, retoma formas, palavras e significações, no quadro de uma intertextualidade global (BRONCKART, 2008, p. 78) Atividade de linguagem e desenvolvimento humano Nesta seção, objetivamos abordar o esquema de desenvolvimento proposto por Bronckart (2006, p ), com base na concepção de linguagem como agir, anteriormente discutida, que é radicalmente diferente do esquema proposto por Piaget (1936, 1937), oriundo do construtivismo, ou no dizer de Bronckart, do interacionismo lógico. De acordo com esse interacionismo lógico, desde o nascimento, há uma interação entre o bebê e o seu ambiente físico, que contribui para a transformação de suas capacidades

82 57 inatas (PIAGET, 1936, 1937). Nessa visão, o mundo com o qual a criança piagetiana se confronta é um mundo sem história e sem sociedade, pois as produções sócio-históricas humanas, o que inclui o agir geral e a linguagem, são consideradas secundárias, já que as estruturas mentais e as estruturas sociais (portanto, a linguagem) são consideradas como tendo formas idênticas, com um parentesco natural, cujas raízes são, em parte, biológicas. O enfoque maior é dado a um sistema cognitivo universal, sendo a causa do desenvolvimento cognitivo humano o nível dos processos biológicos inatos. Na concepção de desenvolvimento proposta por Bronckart (2006, p ), com base em Vigostski (1985) que, como já mencionado, é totalmente diferente da piagetiana, o bebê, desde o nascimento, é mergulhado em um mundo social de atividade humana mediada por produções verbais. O sujeito intervém deliberadamente para integrar o bebê a essa atividade verbal e não verbal, sendo nesse quadro interativo que o bebê é confrontado com os objetos, com o mundo físico. Nas etapas posteriores do desenvolvimento, as atividades humanas mediadas pela linguagem se desenvolvem e se diversificam, tendendo a se especializar em formas de organização diferentes, ou em discursos, 20 que, aqui, de maneira global, podem ser considerados modalidades de estruturação das práticas de linguagem por meio das quais os aspectos ilocutório e locutório 21 são integrados e que dizem o mundo, ao agir no mundo (BRONCKART, 2006, p. 76). Essas práticas de linguagem, ou discursos, são distinguidas/os em dois tipos por Bakthin (2000). Bronckart (2006, p. 76) retoma esse autor que faz uma distinção em discursos primários e discursos secundários. Os primeiros manteriam uma relação imediata com as situações nas quais são produzidos, apresentando uma estrutura que é dependente das ações não verbais às quais se articulam. Já os segundos apareceriam em uma circunstância de comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, mantendo uma relação indireta (ou mediata) com a situação de produção. Os discursos primários seriam, assim, 20 É importante mencionar que o termo discurso é empregado com diferentes acepções dependendo do autor/abordagem. No próximo capítulo, discutiremos um sentido mais restrito dado a esse termo por Bronckart (1999, 2006, 2008), ao abordar os tipos de discursos. 21 Os termos locutório e ilocutório (ou locucionário e ilocucionário) são oriundos dos estudos da pragmática que, a partir da obra de Austin How to do things with words (1962), deram origem à teoria dos atos de fala, ligada à concepção que se pode agir por meio da linguagem. Essa concepção não é nova, mas foi edificada somente na segunda metade do século XX com os estudos do campo da filosofia analítica anglo-saxônica, que originou uma teoria pragmática da linguagem. Austin distingue três aspectos de um ato de fala: ato locucionário, que é o ato de dizer alguma coisa; ato ilocucionário, que é aquilo que você está tentando fazer com sua fala e ato perlocucionário, que é o efeito daquilo que você diz. Essa teoria, posteriormente, foi retomada e desenvolvida pelo filósofo John Searle (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008; TRASK, 2006).

83 58 estruturados pelas ações não verbais e os secundários (romances, contos, obras científicas etc.) se desligariam dela e seriam objeto de uma estruturação autônoma, convencional, ou ainda, linguística. Esses últimos constituiriam verdadeiras ações de linguagem. Nesse sentido, enquanto os discursos primários seriam estruturados na ação, os secundários (narração, discurso teórico) se desligariam dela e seriam submetidos a um estruturante próprio, convencional, de natureza especificamente linguageira, sendo estruturados em ação. Assim, constituiria uma forma particular de ação significante, a ação de linguagem. Visando compreender o estatuto e a função dessa estruturação autônoma dos discursos secundários, já que, para Bronckart (1999, p. 60), a sugestão bakhtiniana de circunstâncias culturais propícias não seja satisfatória, esse autor busca em Ricoeur (1983, 1984, 1985), do Círculo Hermenêutico, uma interpretação da função da estruturação própria dos discursos secundários. Esse último autor propõe a teoria da reconfiguração do agir nos discursos, partindo da combinação sutil entre a hermenêutica textual e a hermenêutica da ação. Nessa teoria, interpretar um texto seria (principalmente) interpretar figuras interpretativas nelas contidas e, assim, também seria interpretar a ação humana (BRONCKART, 2008, p. 35). Ricoeur (1983, 1984, 1985), reconhecendo a importância do mundo vivido, defende a ideia de que o ser humano encontra-se confrontado com a angústia existencial e com as contradições do tempo porque as representações vividas são conflituosas, contraditórias ou não-racionalizáveis. O autor sustenta, então, que a produção de discursos narrativos é um trabalho cujo objetivo principal é o de superar esse estado caótico conflituoso por meio de uma re-figuração ou esquematização inteligível das ações humanas. Nessa visão, nas narrações, constrói-se um mundo ficcional no qual os agentes, motivos, intenções, razões, circunstâncias são postos em cena de modo racional, sem conflitos, para formar uma harmonia do caos existencial (esquema narrativo: situação inicial, complicação, ação, resolução etc.). Os acontecimentos e incidentes pouco inteligíveis organizam-se em uma estrutura configuracional significante ou história, sendo em relação a essa história que os acontecimentos e sua sucessão temporal ganham sentido. Essas narrações, disponíveis no intertexto, assim constituídas, têm o estatuto de obras abertas, com base nas quais os sujeitos constroem sua compreensão das ações humanas, ao mesmo tempo em que constroem uma compreensão de seu estatuto de agente. Porém, como essa tese de Ricoeur incide somente sobre os discursos narrativos, Bronckart (2008) faz uma nova leitura dessa posição, pois acredita que não são apenas os discursos narrativos que têm essa função de re-figuração; assim, esse esquema pode ser

84 59 generalizado às outras formas de discursos secundários. Em sua concepção, todos os tipos de discursos (narrativo, teórico, interativo etc.), que estudaremos no próximo capítulo, podem contribuir para a clarificação, para a construção de modelos do agir ou para a morfogênese das ações, ou seja, para o desenvolvimento de suas formas e de estruturas características em um determinado momento sócio-histórico. Segundo Bronckart (1999), é a organização textual, oral ou escrita, que é dotada da função de reestruturação. Assim, se os discursos contribuem para a clarificação, para a modelização ou para a morfogênese das ações, não apenas em suas dimensões causo-temporais tematizadas por Ricoeur (1983), eles contribuem também, necessariamente, para a clarificação do quadro social em que as ações se desenvolvem e, portanto, para a morfogênese do conjunto dos construtos coletivos ou do conjunto dos fatos sociais (BRONCKART, 2008, p. 38). A teoria da reconfiguração do agir nos discursos identifica e descreve um processo fundamental do desenvolvimento humano, ajudando-nos a compreender o papel dos discursos, portanto da linguagem, no desenvolvimento do funcionamento psíquico humano, expandindo-o, enriquecendo-o e reestruturando-o perpetuamente. Para encerrar este capítulo, é importante enfatizar, então, que o desenvolvimento das funções ilocutória (agir no mundo) e locutória (dizer o mundo) só é possível porque as ações significantes estão estruturadas em práticas de linguagem que são materializadas em textos, sendo a reconstrução simultânea dessas duas unidades psicológicas ações significantes e textos que constitui o vetor maior do desenvolvimento psicológico. O acesso à compreensão do valor ilocutório dos signos é uma etapa decisiva do desenvolvimento, mas não no sentido piagetiano de que ela marca a passagem do desenvolvimento natural ou biológico a um desenvolvimento sócio-histórico. Mas no sentido de que a reconstrução das propriedades do mundo social se opera desde o nascimento. Assim, essa etapa é decisiva porque fornece à criança unidades de representação estabilizadas que, de um lado, serão os instrumentos de negociação que lhe permitem desenvolver eficazmente sua aprendizagem de racionalidade social e, de outro, interiorizando-se, dotarão a criança de unidades de auto-representação, ou seja, de unidades organizáveis em pensamento consciente (BRONCKART, 2006, p. 88). Nas etapas posteriores do desenvolvimento, a apropriação das estruturas discursivas e sua interiorização continuam desempenhando um papel igualmente importante no desenvolvimento de capacidades linguageiras e psicológicas do indivíduo. Nesse sentido, as

85 60 estruturas discursivas e sua interiorização dos textos oriundos do procedimento de instrução ao sósia e de entrevista aberta, que são utilizados para gerar os dados nesta pesquisa, como veremos no Capítulo 5, podem contribuir para o desenvolvimento dessas capacidades dos participantes de pesquisa. Para que esses textos possam ser analisados globalmente, é necessária uma metodologia de interpretação da ordem da compreensão ou da hermenêutica que esteja de acordo com os princípios teóricos discutidos neste capítulo. A metodologia que adotamos foi, inicialmente, proposta por Bronckart (1999, p. 67) e vem sendo continuamente aperfeiçoada por integrantes de seu grupo (LAF) e do grupo Alter-CNPq (PUC-SP). Ela incide na identificação do contexto de produção dos textos e nos três níveis de análise o organizacional, o enunciativo e o semântico o que inclui os elementos e os mecanismos que são levados em conta em cada um desses níveis (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 46), como veremos no próximo capítulo.

86 61 CAPÍTULO 4 O QUADRO DE ANÁLISE DE TEXTOS DO ISD No capítulo anterior, tratamos das bases teóricas que embasam o interacionismo sociodiscursivo, vertente essa que fundamenta a nossa pesquisa. Tratamos, entre outras coisas, das relações entre agir, linguagem e desenvolvimento humano. Neste capítulo, trataremos dos procedimentos de análise do quadro do ISD, que se fundamenta nas bases teóricas discutidas no capítulo anterior. Apresentaremos, assim, os três níveis de análise de textos, a saber, o organizacional, o enunciativo e o semântico, juntamente com o significado de termos utilizados para a análise desse último nível actante, ator, agente, ação/atividade, determinantes externos (BRONCKART; MACHADO, 2004; BRONCKART, 2004, 2006, 2008; MACHADO; BRONCKART, 2009). Em primeiro lugar, trataremos da questão do texto empírico e suas relações com o que, em nossa vertente teórica chamamos de tipos de discurso, em uma acepção diferente das que são mais consensuais nas vertentes da análise do discurso. Em segundo lugar, explicaremos o que consideramos contexto de produção; em terceiro lugar, abordaremos os elementos e os mecanismos que fazem parte do nível organizacional do texto; em quarto lugar, apresentaremos os mecanismos que fazem parte do nível enunciativo e, finalmente, trataremos dos elementos do nível semântico O texto empírico e o tipo de discurso 22 Nesta seção, objetivamos apresentar a nossa concepção de texto, mencionando a questão dos gêneros e discutindo as categorias de pessoa, espaço e tempo, com base nos célebres estudos de Benveniste (2005; 1974/2005), que estão estreitamente ligados à noção de tipos de discurso, proposta por Bronckart (1999). Inicialmente, é importante mencionar que qualquer concepção de texto está estreitamente relacionada à abordagem teórica adotada e, principalmente, à concepção de linguagem. Sendo assim, podemos encontrar variadas definições para o termo, sendo uma 22 Esse título é inspirado em um dos subtítulos de Fourcade e Bronckart (2007), denominado Texto empírico, gênero de texto e tipo discursivo.

87 62 delas oriunda das teorias gramaticais e tipologizantes, originárias no final da década de 1960, em que o texto foi considerado uma sequência bem formada de frases ligadas que progridem para um fim. Essa concepção foi muito criticada, pois a unidade considerada é a frase. Estudos posteriores revelaram que o texto é uma unidade muito complexa, não podendo ser definido apenas levando em conta a coesão e a coerência, e também não podendo ser fechada em tipologias homogêneas cognitivas que identificaram diversos tipos de textos (descritivo, argumentativo, argumentativo etc.) (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008). Contrária a essa concepção gramatical e tipologizante, somos favoráveis a uma concepção de texto que considera as diversas formas de estruturação constitutivas da textualidade com dependência em relação ao contexto ou ao conjunto dessas formas e, portanto, da própria entidade que é o texto. Assim, admitimos que as condições de abertura e de fechamento dos textos não dependem de regras linguísticas, mas das condições de realização do agir de linguagem semiotizado por eles (BRONCKART, 2006, p. 142). Nesse sentido, com base em Fourcade e Bronckart (2007), conceituamos o texto empírico como o produto de uma ação verbal levando em conta o contexto de produção dado, por um agente singular, no quadro das atividades coletivas de uma formação sociodiscursiva, que designa as diferentes formas que toma o trabalho de semiotização nas formações sociais, a partir do que pode e deve ser dito numa posição dada em uma conjuntura determinada (BRONCKART, 1999; MAINGUENEAU, 1997). As unidades linguísticas que aparecem nos textos são o resultado de uma série de operações psicológicas que está relacionada à articulação do texto e do contexto. Levando em conta a diversidade de combinações possíveis dos parâmetros que definem o contexto de produção, a situação do agente é, de alguma forma, sempre nova e diferente. Essa diversidade conduz o agente a organizar de maneira parcialmente nova os recursos linguísticos para transformar seus conhecimentos cognitivos anteriores, organizados em estruturas cognitivas, em conteúdo temático organizado na linearidade do texto, de acordo com a semântica da língua dada. Isso indica que o texto é sensível à situação em que é produzido, sendo que a menor diferença das variações dos parâmetros desta situação provoca alterações na organização linguística do texto. Desse modo, cada texto empírico é único e diferente em relação à variação linguística, apesar de sempre se construir segundo as formas estabilizadas de comunicação verbal estabilizadas no curso da história. Essas formas

88 63 constituem os gêneros de textos, 23 considerados por Bronckart (2006, p. 143) como produtos de configurações de escolhas possíveis referentes à seleção e à combinação dessa formas estabilizadas pelo uso. Essas escolhas dependem do trabalho que as formações sociodiscursivas desenvolvem para que os textos sejam adaptados às atividades que eles comentam, adaptados a um dado meio comunicativo, eficazes diante de um desafio social (BRONCKART, 2006, p. 143, 144). Os gêneros, assim como toda obra humana, são objetos de avaliação dos indivíduos, que levam em conta as representações sobre os mundos representados, discutidos no Capítulo 3. Todo texto, independente do gênero a que pertença (por exemplo, romance, editorial, artigo científico, resenha), é constituído de diferentes segmentos de texto que se caracterizam pela mobilização de subconjuntos particulares de recursos linguísticos que originam os tipos de discursos (BRONCKART, 2008; p. 89). Para que possamos compreender realmente o que chamamos de tipos de discurso, recorremos a alguns célebres artigos de Émile Benveniste, que foram compilados, posteriormente, nos dois volumes da obra Problemas de linguística geral, constituindo uma teoria da enunciação. É importante esclarecer que esse autor também é citado por Bronckart (1999, p. 150, 151), que atenta para o fato de que o desenvolvimento dos estudos sobre os tipos de discurso é, na verdade, uma continuidade dos trabalhos desse autor e de outros (WEINRICH, 1973; SIMONIN-GRUMBACH, 1975), o que significa que os estudos de Benveniste (2005; 1989) é compatível com a nossa perspectiva teóricametodológica. Retomando Benveniste (2005; 1989), ele desenvolveu as categorias de pessoa, espaço, tempo, estabelecendo uma relação de indissociabilidade entre linguagem e ser humano. No Capítulo 5 de seu livro (1989), o autor propõe um aparelho formal de enunciação, fazendo uma distinção entre as condições de emprego das formas e as condições de emprego da língua. O emprego das formas está ligado às regras que fixam as condições sintáticas nas quais as formas podem ou devem aparecer. Já o emprego da língua está ligado à enunciação, 23 Importante destacar que Bronckart (1999), ao analisar alguns trechos das obras de Bakhtin, Estética da criação verbal (2000) e Estética da teoria do romance (1978), considera que sua terminologia é muito flutuante, devido à evolução interna de sua obra e também a problemas de tradução. Em vista disso, para Bronckart (1999), os gêneros acabam sendo tratados, mais frequentemente, como gêneros do discurso, mas, às vezes, também, como gêneros do texto, sendo a terminologia usada para seus componentes internos muito hesitantes (linguagem, língua, estilo, discurso). Assim, o autor propõe um sistema de equivalência terminológica para esses componentes internos, concebendo, de uma maneira global, os gêneros do discurso, gêneros do texto e/ou formas estáveis de enunciado de Bakhtin como gêneros de textos. Para as línguas, linguagens e estilos, como elementos constitutivos da heterogeneidade textual, também de maneira global, o autor propõe o termo tipos de discurso que também tem um sentido mais específico, como veremos mais adiante. Atualmente, Bronckart (2008, p. 76) considera que as pesquisas que originaram os estudos sobre gênero do discurso devem ser atribuídas a Voloshinov, já que seriam uma extensão da teoria dos gêneros verbais desenvolvido por esse último autor.

89 64 que é colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização (BENVENISTE, 1989, p. 82). Em seu célebre artigo Da subjetividade da linguagem, afirma que é na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito, porque só a linguagem fundamenta na realidade a sua realidade que é a do ser, do conceito, do ego (BENVENISTE, 2005, p. 286, grifo do autor). Nesse sentido, a subjetividade pode ser compreendida como a capacidade do locutor para se propor como sujeito, que só pode dizer eu dirigindo-se a alguém, sendo essa condição de diálogo constitutiva da pessoa, pois implica em reciprocidade. O eu propõe outra pessoa que instaura o outro como tu, e este, por sua vez, ao tomar a palavra, diz eu, instaurando o outro como tu, constituindo a intersubjetividade. O eu não se refere nem a um indivíduo nem a um conceito, mas ele é exclusivamente linguístico, referindo-se ao ato de discurso individual, sendo a realidade a qual ele remete a realidade do discurso. É na instância do discurso a qual eu designa locutor que este se enuncia como sujeito (BENVENISTE, 2005, p. 288), sendo que o fundamento da subjetividade está no exercício da língua. Isso é possível porque a linguagem tem uma forma de organização que permite a cada locutor apropriar-se da língua toda se instaurando como eu. Os pronomes eu e o tu, que são usados para designar as pessoas da enunciação, são consideradas pelo autor como pessoas, possuindo sua marca. Já o ele é definido pelo autor como não-pessoa, pois pode ser uma infinidade de sujeitos ou nenhum; a terceira pessoa é a única pela qual uma coisa é predicada verbalmente. A terceira pessoa não marca especificamente o eu e o tu, por isso não é considerada pessoa, criando o efeito de sentido de apagamento de subjetividade e, consequentemente, de realce de suposta subjetividade (BENVENISTE, 2005, p. 254). Nesse sentido, os pronomes pessoais são os primeiros elementos que revelam a subjetividade da linguagem. Mas há outros elementos que também desempenham o mesmo papel. São os elementos denominados dêiticos, que organizam as relações espaciais e temporais em torno do sujeito, que é tomado como ponto de referência (pronomes demonstrativos, advérbios, por exemplo) da enunciação. Esses constituem as categorias pessoal, temporal e espacial, e se definem somente em relação à instância de discurso em que é produzido, dependendo do eu que se enuncia (BENVENISTE, 2005, p. 288). Os pronomes demonstrativos, por exemplo, indicam os objetos a partir de um ponto de referência que é o do eu. O objeto pode estar perto ou longe do eu ou do tu, em frente, atrás,

90 65 embaixo, no alto etc. Esses elementos que têm essa função constituem o sistema de coordenadas espaciais que permite a localização dos objetos instaurados em uma enunciação, em que há um eu que é o centro de referência. Ao lado dos elementos das coordenadas espaciais, há também os elementos das coordenadas temporais que, segundo Benveniste (1989, p. 70), das formas linguísticas reveladoras da experiência subjetiva, nenhuma é tão rica quanto aquelas que exprimem o tempo, sendo um elemento difícil de explorar por sua complexidade. O autor faz uma distinção entre tempo físico, tempo crônico e tempo linguístico. O primeiro refere-se a um contínuo do mundo uniforme, infinito, linear, segmentável à vontade. O segundo é o tempo dos acontecimentos, que inclui também nossa própria vida enquanto sequência de acontecimentos. Esse é o tempo da nossa visão de mundo, ou de nossa experiência pessoal. Esse tempo pode ser observado em duas direções: um movimento que vai do passado ao presente e vice-versa. Os acontecimentos não são o tempo, eles estão no tempo, tudo está no tempo. O tempo comporta uma dupla versão, uma objetiva, fixada em um calendário orientado a partir de um ponto de referência externo ao exercício da fala (por exemplo, o nascimento de Cristo); e outra subjetiva, referente à experiência humana, que se traduz e manifesta linguisticamente, tendo como ponto de referência e centro as instâncias da enunciação. É essa última versão do tempo que interessa para os estudos enunciativos, pois ela está ligada ao exercício da fala, sendo o seu centro o presente da instância da fala. Toda vez que um locutor emprega a forma verbal do presente (ou uma forma equivalente), ele localiza o acontecimento no mesmo tempo da instância do discurso em que esse é mencionado. O presente linguístico se constitui como a linha que separa o passado, que só pode ser recuperado pela memória, e o futuro, que se manifesta por prospecção na forma de previsão da experiência humana. Assim, a língua organiza o tempo a partir das instâncias do discurso, o que possibilita que os interlocutores, eu e tu partilhem da mesma temporalidade, estabelecendo entre si a intersubjetividade temporal (BENVENISTE, 1989, p ). A partir de seus estudos, Benveniste (2005, p. 262), como base nos estudos referentes às categorias de pessoa, tempo e espaço, propõe que os tempos dos verbos (em seu estudo, francês) sejam distribuídos em dois sistemas distintos e complementares, manifestando dois planos de enunciação diferentes, denominado pelo autor de história e discurso. A enunciação histórica caracteriza a narrativa dos tempos passados, em que os fatos são apresentados sem nenhuma intervenção do locutor na narrativa. Segundo o autor, a

91 66 narrativa histórica pode ser definida como o modo de enunciação que exclui toda forma linguística autobiográfica, pois o historiador (ou narrador) não dirá eu nem tu nem aqui nem agora, porque não tomará o aparelho formal de enunciação, que consiste na relação de pessoa eu e tu. Na narrativa histórica só terá as formas de terceira pessoa, tomadas em conjunto com tempos verbais que remetem a um passado (pretéritos). Em relação ao outro modo de enunciação, o plano do discurso, Benveniste (2005, p. 267) esclarece que é necessário entender discurso na sua expansão mais ampla: toda enunciação que suponha um locutor e um ouvinte e, no primeiro, a intenção de influenciar, de algum modo, o outro. Ele adverte que a diferença entre narração e discurso não se refere à distinção entre língua falada e língua escrita, já que há discurso quando alguém se dirija a um outro como enunciador, instituindo-o como eu e o outro como tu, mesmo que o tu esteja ausente fisicamente. Segundo o autor, pela escolha dos tempos dos verbos, o discurso se distingue nitidamente da narrativa histórica, sendo que o plano do discurso emprega livremente todas as formas verbais, tanto os pronomes eu/tu e ele. Nesse plano, a relação de pessoa estará presente em toda parte, explícita ou não, sendo que a terceira pessoa não tem o mesmo valor que na narrativa histórica. O autor menciona, em relação ao seu estudo realizado com a língua francesa, que os tempos fundamentais do discurso são o presente, o futuro e o pretérito perfeito, tempos esses excluídos do plano da narração, sendo o imperfeito comum aos dois planos, e o mais-que-perfeito mais característico da narração. É com base nesses estudos pioneiros da linguística da enunciação, desenvolvidos, posteriormente, por vários autores, que Bronckart (1999, p ) propõe quatro planos ou modos de enunciação, utilizando a expressão originária de Simonin-Grumbach (1975) de tipos de discurso, por considerar que a noção de discurso refere-se mais profundamente ao processo de verbalização do agir de linguagem ou de sua semiotização em uma língua natural (BRONCKART, 2006, p. 151). Esse autor afirma que os estudos de Simonin-Grumbach (1975), pouco conhecido e inspirado em Culioli, foram fundamentais para a elaboração de sua proposta, já que ele tentou identificar o conjunto das unidades características dos tipos de discursos, além de tentar descrever e formalizar as operações psicológicas constitutivas nesses tipos. Com esses estudos, Bronckart (1999, p. 151) propõe não só descrever esses tipos de discursos como também as operações psicológicas em que se baseiam, além das configurações de unidades linguísticas que manifestam esses mundos. O autor relembra que, devido à própria natureza semiótica da atividade de linguagem, ela se baseia na criação de planos ou mundos discursivos (ou virtuais) que são criados pela atividade de linguagem.

92 67 Esses planos ou mundos discursivos são radicalmente diferentes dos mundos representados (físico, social, subjetivo) em que se desenvolvem as ações dos agentes humanos, mas mostram o tipo de relação que mantêm com os mundos representados na atividade humana (BRONCKART, 1999, p. 153). Dito de outro modo, esses planos ou mundos discursivos se constituem como quadros em que se manifestam, numa interação verbal, as representações de um determinado agente, constituindo os tipos de discursos. Assim, a partir de seus estudos, o autor propõe quatro mundos discursivos: a) mundo do expor implicado; 24 b) mundo do expor autônomo; c) mundo do narrar implicado; d) mundo do narrar autônomo, mundos esses que dão origem aos tipos de discursos. De acordo com o autor, esses mundos, assim como as operações em que se baseiam, só são identificáveis a partir de formas linguísticas que o semiotizam, sendo eles dependentes, portanto, dessas formas. Essas formas linguísticas estão relacionadas às categorias de pessoa, tempo e espaço, propostas, inicialmente, por Benveniste (1989, 2005), e retomadas por muitos autores (estrangeiros, WEINRICH, 1973; SIMONIN-GRUMBACH, 1975; BRONCKART, 1999; e brasileiros (FIORIN, 2005; BRAIT, 2006; FLORES et al., 2008; LIMA, 2010; entre outros). Esses mundos discursivos, que dão origem aos tipos de discursos, serão apresentados com mais detalhes na seção em que faremos a exposição do nível organizacional. É com base na concepção de texto discutida, textos que, por sua vez, se configuram em determinadas estruturas linguísticas, chamadas tipos de discurso, que explicitaremos mais adiante, que nós, integrantes do grupo Alter, temos desenvolvido nossas análises que incidem sobre a identificação do contexto de produção, a análise dos elementos textuais referentes aos níveis organizacional, enunciativo e semântico, como veremos a seguir Os elementos do contexto de produção Nesta seção, apresentaremos os elementos do contexto de produção que nós, do grupo ALTER, temos levado em conta em nossas análises. Primeiramente, é importante mencionar que há diferentes definições sobre contexto de acordo com a abordagem teórica assumida. No nosso caso, concebemos contexto como tudo que cerca o texto, tanto o contexto imediato quanto o contexto ampliado (MAIGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008). 24 Em outra abordagem, para a análise do discurso francesa (MAINGUENEAU, 2001), essa distinção entre implicado e autônomo é concebido em termos de plano embreado e não embreado, respectivamente.

93 68 Machado e Bronckart (2009), a partir dos resultados de diversas pesquisas, propõem cinco aspectos para serem levados em conta na identificação do contexto de produção de um texto que são: O contexto sócio-histórico mais amplo em que o texto é produzido, em que circula e em que é usado. Em relação ao levantamento dos elementos desse aspecto, tratando de estudos sobre o trabalho do professor, é relevante buscar as características do contexto sócio-histórico de produção dos textos em disciplinas das Ciências Humanas, como, por exemplo, a História da Educação e a Sociologia do Trabalho. Ressaltamos a pesquisa de Bronckart e Machado (2005) que analisaram textos oriundos de instâncias governamentais para prescreverem o trabalho do professor. Suas análises ganham todo sentido já que foram compreendidas considerando o contexto mais amplo em que os textos foram produzidos: quadro das reformas neoliberais empreendidas nos anos 1990 no Brasil, nelas incluídas as reformas do sistema educacional. O suporte em que o texto é veiculado e o contexto linguageiro imediato, ou seja, o(s) texto (s) que acompanham, em um mesmo suporte, o texto a ser analisado. Em relação à importância de observação das características desses elementos para uma melhor interpretação dos textos, podemos exemplificar com a pesquisa de Barbosa (2009), que analisa crônicas na mídia impressa em dois suportes diferentes. No primeiro, escritores escrevem crônicas para uma revista semanal voltada para o público em geral e, no segundo, também são crônicas, mas extraídas do seu contexto original para uma revista dirigida especialmente para professores e que são acompanhadas de exercícios de reflexão a serem feitos pelos professores. Nas crônicas da revista semanal, foram identificados modelos para o agir docente que se aproximam do cotidiano dos professores, apresentando formas de agir plausíveis para os dias atuais. No caso das crônicas da revista para os professores, Barbosa (2009) identifica modelos de agir idealizados, às vezes, referentes a épocas passadas, em situações muito diferentes das atuais. A interpretação da função dessa idealização só é possível ser adequadamente feita levando-se em conta o suporte em que essas crônicas são veiculadas. O intertexto, isto é, o(s) texto (s) com o(s) qual (is) o texto mantém relações facilmente identificáveis, mesmo antes das análises.

94 69 Em relação à importância do levantamento e da observação do intertexto, citamos a pesquisa de Bueno (2007), que analisa projetos de alunos em formação (graduação em Letras), em que suas características formais e semânticas foram encontradas por meio da análise do intertexto, ou seja, das instruções dadas pelo professor aos alunos para a produção desses projetos e dos textos teóricos discutidos nas aulas do curso. A situação ou condição de produção dos textos, que se refere às representações do produtor que exercem influência sobre a forma de organização do texto, distribuídas em um conjunto de parâmetros. Fourcade e Bronckart (2007), com base na definição de situação de enunciação definido por Benveniste (1989, 2005) e Culioli (1976, 1990), consideram que o primeiro conjunto de parâmetros diz respeito às representações oriundas do mundo físico, discutidas no capítulo anterior, referentes ao lugar de produção de texto, que é o local físico em que o texto é produzido (numa escola, por exemplo); ao momento de produção (no dia 04 de janeiro de 2011); ao locutor, 25 que é um ser no mundo, uma pessoa, que produz uma ação linguageira em uma situação de comunicação, oral ou escrita (por exemplo, Maria escreve um ); o interlocutor, que consideramos aqui a pessoa que dialoga, discute, conversa com um outro, numa situação de comunicação oral ou escrita (por exemplo, João recebe o de Maria). O interlocutor representa ao mesmo tempo o destinatário do locutor e aquele que tem o direito de tomar a palavra, responder, replicar ao locutor que o precedeu (João responde ao de Maria). Assim, cada locutor que toma a palavra é interlocutor do precedente, instituindo-se como interlocutores (BRONCKART, 1999; CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p ). O segundo conjunto de parâmetros é referente ao fato de que todo texto se inscreve no quadro das atividades de uma formação sociodiscursiva, implicando as representações sobre o mundo social (normas, valores, regras etc.) e sobre o mundo subjetivo (imagem que o agente dá de si ao agir). Esse contexto da interação social, composto por uma série de parâmetros de 25 Bronckart (2008) e Machado e Bronckart (2009) utilizam os termos emissor/co-emissor, enunciador/destinatário e emissor/receptor, enunciador/papel social do receptor, respectivamente. Esses termos emissor, receptor e destinatário têm significados diferentes de acordo com a abordagem teórica seguida, sendo bastante disseminado na comunidade linguística o sentido dado por Jakobson, numa concepção de comunicação na qual o emissor codifica uma mensagem endereçada a um receptor ou a um destinatário que, passivamente, a decodifica. Embora em algumas vertentes, como a semiótica, a pragmática e a análise do discurso sendo incluído por nós o ISD esses termos não sejam empregados com esse sentido, preferimos usar os termos locutor/interlocutor e enunciador/co-enunciador, evitando, assim, interpretações errôneas de leitores por desconhecimento dos variados sentidos atribuídos a esses termos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 154, 184, 417).

95 70 natureza social, em que se leva em conta o quadro da formação social, da instituição em que o texto é produzido (escola, família, mídia etc.), acaba definindo a posição social do locutor e do interlocutor (professor/aluno). Assim, o primeiro parâmetro a ser levado em conta é o lugar social em que a interação é produzida, lugar esse que define o papel social do locutor, relacionado, portanto, às diferentes posições de enunciação que um locutor pode assumir, tanto na oralidade quanto na escrita (professor, pai, cliente). Esse papel institui o locutor como enunciador, que significa que se leva em conta tanto o quadro da formação social em que a interação é estabelecida, quanto a posição social do locutor nesse quadro. Podemos entender também que o enunciador é uma instância ligada à situação construída pelo discurso, não uma instância de produção verbal de carne e osso, como no caso do locutor (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 201). Seguindo esse raciocínio, ao interlocutor também é atribuído o estatuto de co-enunciador (papel de aluno, filho, leitor do jornal). Considerando que o texto é originário de uma ação de linguagem, como já vimos, o enunciador busca atingir objetivos, a partir das representações dos efeitos prováveis que o texto pode produzir no co-enunciador, estando coerente com a definição de ação de linguagem, como discutido no Capítulo 3. Além desses elementos, Machado e Bronckart (2009) consideram as dimensões afetivo-emocionais na situação do agente produtor do texto, explicando que essas dimensões não eram levadas em conta no modelo de análise de textos proposto por Bronckart em 1999, pois a ação de linguagem era concebida de modo estático, partindo de uma visão cognitiva. Atualmente, a partir de estudos que possibilitaram uma reformulação em relação à concepção de situação de produção, o contexto passou a ser visto de modo dinâmico, em concordância com a definição de agir dinâmico e plurideterminado, discutida quando conceituamos o termo trabalho, no Capítulo 1. Nesse sentido, no processo de produção textual, o enunciador pode assumir diferentes papéis ao mesmo tempo, que não se confundem com seu papel social. Por exemplo, em uma entrevista que enfoca o trabalho do piloto de avião, o enunciador pode assumir o papel social de entrevistado na interação com o pesquisador, mas nem por isso perderá de vista o seu papel de piloto, sendo que esses dois papéis irão interferir na forma que o texto assumirá. Outro aspecto a ser levado em conta é que muitas situações de produção de linguagem envolvem mais de um co-enunciador, presentes ou ausentes, que podem ter diferentes papéis. Nessas circunstâncias, a produção de texto pode se destinar a um ou outro co-enunciador, de modo mais ou menos direto ou indireto. Além disso, o enunciador pode ter representações de

96 71 mais de um objetivo a ser alcançado, principalmente pelos diferentes papéis que assume. Em relação a esses aspectos, Machado e Bronckart (2009) citam a pesquisa de Abreu-Tardelli (2006), que mostra a complexidade da situação de produção de texto em um chat educacional. Nessa situação, a professora-formadora tem a tarefa de gerir um chat educacional, estando fisicamente em sua casa, em um sábado, mas em interação síncrona com coenunciadores que se encontram em diferentes lugares físicos. Para isso, ela tem que coproduzir um texto em um espaço virtual comum aos vários participantes do chat educacional, sobre quem a professora tem informações muito vagas. Seus enunciadores diretos, instituídos socialmente como tais, ocupam o lugar social de professores em formação. Porém, além desses co-enunciadores, há ainda outros, embora com funções diferentes na própria situação. No espaço virtual, há a tutora do curso e, no espaço físico, há uma pesquisadora, observando e filmando o trabalho desenvolvido. Todos esses elementos são fatores que interferem diretamente na forma dos textos produzidos (MACHADO; BRONCKART, 2009). Finalizada a apresentação das relações estabelecidas entre texto e contexto e dos elementos do contexto de produção, na próxima seção, faremos a exposição dos elementos dos três níveis de análise, o organizacional, o enunciativo e o semântico que, embora sejam desenvolvidos separadamente, seus elementos encontram intrinsecamente correlacionados, sendo que a análise de cada um dos níveis esclarece a análise do outro. Os resultados do nível organizacional e do enunciativo, por exemplo, são fundamentais para a interpretação do nível semântico Os elementos do nível organizacional Nesta seção, apresentaremos os elementos da infraestrutura textual, isto é, os elementos do plano global do texto, dos tipos de discursos, das sequências global e local convencionais que eventualmente o organiza. Além disso, estão incluídos nesse nível os mecanismos de textualização, que possibilitam a coerência entre os diversos segmentos que constituem o texto (coesão e conexão). É importante esclarecer que partimos de uma abordagem que considera que a organização de um texto e as escolhas lexicais estão estreitamente ligadas ao contexto de produção e ao gênero em questão, de acordo com as formações sociodiscursivas do enunciador, o que significa que não partimos de uma abordagem estrutural que levaria em conta apenas os elementos linguísticos, sem considerar o

97 72 contexto e o gênero. De acordo com essa visão, apresentamos os elementos que constituem a organização dos textos. Em primeiro lugar, a infraestrutura textual, que é constituída, primeiramente, pelo plano geral que se refere à organização do conjunto do conteúdo temático. Por exemplo, o plano geral de uma dissertação de mestrado ou uma tese, geralmente, é constituído por: introdução, pressupostos teóricos, metodologia, resultados das análises e conclusões. Cada uma dessas partes tem seus conteúdos e objetivos específicos (MACHADO, 2003). O trabalho da análise do plano global não termina com a identificação dos temas, mas é necessário um trabalho posterior para interpretar o conjunto dos resultados identificados. Em relação ao agir, o plano global pode permitir uma primeira identificação dos tipos principais de agir que são organizados por esse plano, as fases da tarefa tematizada no texto ou, ainda, os principais actantes postos à cena do texto. Por exemplo, foi a identificação do plano global que possibilitou observar, em textos prescritivos de instâncias governamentais, três tipos de agir que aparecem sucessivamente no texto: agir prescrito, agir anterior ao prescritivo e um agir posterior ao prescritivo (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 56). Em segundo lugar, os tipos de discurso, originários dos mundos discursivos mencionados na seção anterior, podem ser compreendidos como modos fundamentais de estruturação linguística que se combinam nos textos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008, p. 468), sendo constituídos, em princípio (com poucas exceções), por segmentos diferentes, independente do gênero a que pertença. Por exemplo, uma dissertação de mestrado pode ser constituída por um segmento principal que expõe a teoria do autor e por segmentos intercalados que relatam a cronologia da constituição das teorias concorrentes. É no nível desses segmentos que podemos identificar configurações de unidades linguísticas específicas (subconjuntos de tempos verbais, pronomes, advérbios etc.) que constituem o nível superficial dos tipos de discurso, relacionado às categorias de pessoa, espaço e tempo. Para compreender os tipos de discurso propostos, faremos referência, sobretudo, a Fourcade e Bronckart (2007) e a Bronckart (1999) e ao que foi discutido na seção anterior, quando necessário. Relacionadas aos mundos discursivos mencionados, esse autor propõe as quatro categorias: implicação, autonomia, disjunção, conjunção, resultantes das diferentes possibilidades do enunciador de estabelecer relações com os valores dos três espaços que constituem o contexto pessoa, espaço, tempo - como veremos.

98 73 Em todo ato de enunciação, há um enunciador e um co-enunciador (real ou imaginado) que são situados em um tempo e espaço específicos, inseridos em um contexto sociossubjetivo (lugar social; enunciador/co-enunciador e seus papéis sociais; objetivo), discutido anteriormente. Esse enunciador se apropria da língua a partir do conteúdo temático (ou referente), que pode ser definido como o conjunto de informações que são explicitamente apresentado no texto. São essas informações, semiotizadas, que organizam o texto em um mundo discursivo, criado pela atividade de linguagem (BROCKART, 1999, p. 97). O enunciador, ao mobilizar esses conhecimentos, pode construir o mundo discursivo como distantes ou coincidentes ao mundo ordinário, ou seja, da ação de linguagem em curso. No primeiro caso, quando há distância, as representações mobilizadas como conteúdo referem-se a fatos passados (ordem da história de Benveniste), futuros ou puramente imaginários, sendo que sua organização deve ancorar-se em uma origem espaço-temporal que especifica a disjunção esperada. Nesse caso, os fatos organizados a partir dessa ancoragem são então narrados, pertencentes ao mundo da ordem do narrar (BRONCKART, 1999, p. 153). Essa distância é marcada pelo sistema de tempos verbais e refere-se ao eixo da disjunção (separação) ao mundo ordinário. Quando o enunciador cria um mundo discursivo havendo concomitância temporal ou coincidência em relação aos conteúdos com o mundo da interação em curso, o autor denomina mundo da ordem do expor, referindo-se ao eixo da conjunção. Em relação ao eixo do mundo da ordem do expor, o enunciador pode criar um mundo discursivo em que os parâmetros do contexto de produção (enunciador, co-enunciador, tempo e espaço) estejam diretamente implicados, contendo marcas da situação de ação de linguagem com a presença de determinados elementos linguísticos, por exemplo, a presença de dêiticos pessoais (eu, você, nós, a gente etc.), dêiticos temporais (hoje, amanhã, ontem, na semana passada etc.) e dêiticos espaciais (lá, ali, aqui, perto etc.). Nesse sentido, Bronckart (1999) propõe o tipo de discurso discurso interativo, como no exemplo a seguir. 99C.: os temas né que estão aí dentro daquele congresso... ver aonde você vai encaixar ali eu não lembro isso eu já li mas eu não lembro como o prazo é até dia 15 de novembro eu vou fazer isso quando eu voltar dia 2 dia 3 eu já estou aqui... (Instrução ao sósia, Unicamp, 29/out./08) Nesse exemplo, observamos presença de elementos dêiticos temporais que remetem à situação de produção. Esse texto, oriundo de nossa geração de dados, foi produzido no dia 29 de outubro de 2008, assim, de acordo com o contexto, os dias 02 e 03 referem-se a novembro de 2008, marcas essas que remetem à situação de produção, implicando o enunciador no

99 74 texto. Ao lado desses dêiticos temporais, há os pessoais eu e você (e a desinência pessoal dos verbos), indicando que o enunciador implica no texto. Por sua vez, os tempos verbais (presente, futuro perifrástico, imperativo) colocam o conteúdo do texto como concominantes ou conjunto ao momento de produção. Esse conjunto de elementos, referentes ao eixo implicação/conjunção, dá origem a um segmento de discurso interativo. Quando não há a presença elementos dêiticos (pessoal, temporal e espacial), mas o conteúdo é colocado como conjunto ao momento de produção a partir dos sistemas verbais, temos o caso do discurso teórico, como no exemplo a seguir. 106M.: Tem o caso daquele que tem consciência, e procura ajuda e...e se esforça e supera. Quem se empenha acaba superando. E tem o caso, quer dizer, também tem o caso daquele que se empenha mas ele tem um limite. Então, ele não consegue. Aí esses não conseguem terminar. (Instrução ao sósia, USP, 20/ago./08) Nesse exemplo, por um lado, não observamos marcas que remetem ao contexto de produção do texto, indicando, por isso, um segmento autônomo em relação à situação de produção; por outro, o tempo verbal no presente genérico indica que os conteúdos são colocados como conjuntos ao momento de produção. A ausência de marcas que remetem ao contexto de produção, aliada aos tempos verbais que colocam o conteúdo concominante ao momento de produção, origina o tipo de discurso discurso teórico, pertencente ao eixo autonomia/conjunção. Quando não há concomitância ou coincidência dos conteúdos com a interação em curso, temos o caso do mundo discursivo da ordem do narrar (narração, para Benveniste, 1989). Da mesma forma, o enunciador pode se remeter, ou não, à situação de produção a partir de elementos dêiticos (pessoal, temporal e espacial). No exemplo, a seguir, temos um caso de segmento do mundo da ordem do narrar. 146C.: [GEL 26 ] foi aqui no IEL 27 é na Unicamp... dois mil e cinco foi em... São Carlos... em dois mil e quatro foi um drama porque foi a novidade nunca tinha sido informatizado sempre era no papel daí nós mudamos em dois mil e quatro nós informatizamos... (Instrução ao sósia, Unicamp, 29/out./08) Nesse exemplo, observamos a presença de elementos dêiticos pessoal (nós; desinência verbal em mudamos), espacial (aqui), que remetem à situação de produção, havendo a 26 Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo. 27 Instituto de Estudos da Linguagem.

100 75 implicação do enunciador no texto. Ao lado dessas marcas, observamos tempos verbais que colocam os fatos narrados como distantes temporalmente (ou disjuntos) do momento de produção (pretérito perfeito e imperfeito). O conjunto desses elementos, pertencentes ao eixo implicação/disjunção, constitui um segmento de tipo de discurso relato interativo. Por sua vez, quando não há coincidência dos conteúdos com a interação em curso e o enunciador não se remete à situação de produção, o mundo discursivo construído pertence ao eixo autonomia/disjunção, originando o tipo de discurso narração, como no exemplo a seguir, extraído de Bronckart (1999, p. 163) Um dia, um mágico inventou uma máquina de fabricar cometas. Ela se parecia um pouquinho com a máquina de cortar caldo, mas, ao mesmo tempo, era diferente e servia para fazer todas as espécies de cometa à escolha [...]. Nesse segmento, extraído de um romance, não há marcas (pessoal, temporal, espacial) que remetem à situação de produção, o que mostra um segmento autônomo (independente da) em relação ao ato de produção e, ao mesmo tempo, a referência textual remete para um tempo passado (tempos verbais no pretérito, por exemplo), disjunto do momento de produção. O conjunto desses elementos constitui um segmento de tipo de discurso narração. Esses tipos de discursos podem ser identificados com base em suas características linguísticas específicas (tempos verbais, pronomes, advérbios etc.), sendo que sua identificação possibilita detectar as figuras de ação, tais como propostas por Bulea (2007), relacionadas às representações construídas pelo trabalhador sobre suas atividades, como veremos mais adiante (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 56). No interior do plano global do texto podem aparecer as sequências, conceito esse formulado por Adam (1992), em virtude das variações das tipologias de texto surgidas com as gramáticas de texto. Retomando e reformulando criticamente o conceito cognitivo de sequências proposto por Adam (1992), Bronckart (1999, p. 217) considera que elas seriam uma das formas de planificar o conteúdo, tendo outras formas possíveis (esquematizações e scripts 28 ). O autor distingue seis tipos de sequências: narrativas, explicativas, argumentativas, 28 Para Bronckart (1999, p. 238), os scripts pertencem ao mundo da ordem do narrar quando os acontecimentos e/ou ações constitutivos da história são apenas dispostos em ordem cronológica, sem que a organização linear registre qualquer processo de tensão, como ocorre nas sequências narrativas. Eles são considerados o grau zero da planificação dos segmentos do mundo da ordem do narrar. As esquematizações, por sua vez, são organizadas não em uma sequência convencional, mas se realiza em outras formas de esquematizações constitutivas das lógica natural (definição, enumeração, enunciado de regras etc.), podendo ser consideradas o grau zero da planificação dos segmentos do mundo da ordem do expor.

101 76 descritivas, injuntivas, dialogal. 29 No nível semântico-pragmático, as sequências constituem as formas canônicas de o produtor construir o mundo discursivo, narrando-o, descrevendo-o etc. de acordo com as suas representações sobre o contexto de produção. Nesse sentido, seu estatuto é fundamentalmente dialógico. Em relação ao nível morfossintático, elas se constituem em um número n de fases, geralmente marcada por unidades linguísticas típicas de cada uma delas, possibilitando a sua identificação (MACHADO, 2005). A organização dos conteúdos em forma de sequências, ou outras formas, está relacionada à experiência sóciohistórica do enunciador, inserido em uma determinada formação sociodiscursiva, o que possibilita a utilização das sequências, visando às representações dos efeitos pretendidos. A Tabela 4.1, a seguir, de Machado (2005), possibilita observamos as relações entre as sequências, as representações dos efeitos pretendidos e as suas fases correspondentes. 29 Para maiores detalhes sobre os tipos de sequências e as outras formas de planificação, indicamos Bronckart (1999) e Machado (2005).

102 77 TABELA 4.1 Sequências, representações dos efeitos pretendidos e fases correspondentes Sequências Representações dos efeitos pretendidos Fases Descritiva Explicativa Argumentativa Narrativa Injuntiva Dialogal Fazer o destinatário ver em detalhe elementos de um objeto de discurso, conforme a orientação dada a seu olhar pelo produtor Fazer o destinatário compreender um objeto de discurso, visto pelo produtor como incontestável, mas também como de difícil compreensão para o destinatário Convencer o destinatário da validade de posicionamento do produtor diante de um objeto de discurso visto como contestável (pelo produtor e/ou pelo destinatário) Manter a atenção do destinatário, por meio da construção de suspense, criado pelo estabelecimento de uma tensão e subsequente resolução Fazer o destinatário agir de um certo modo ou em uma determinada direção Fazer o destinatário manter-se na interação proposta Ancoragem Aspectualização Relacionamento Reformulação Constatação inicial Problematização Resolução Conclusão/Avaliação Estabelecimento de: premissas suporte argumentativo contra-argumentação conclusão Apresentação de: - situação inicial - complicação - ações desencadeadas - resolução - situação final Enumeração de ações temporalmente subsequentes Abertura Operações Transacionais Fechamento Fonte: Machado (2005). No exemplo, a seguir, trazemos um segmento constituído de sequência injuntiva, que tem como característica a enumeração de ações temporalmente subsequentes e como efeito pretendido fazer o destinatário agir de um determinado modo, como em um manual de instrução ou numa instrução ao sósia, como no trecho a seguir.

103 78 224C.: 30 posso eu estar interpretando de um jeito P.: daí você vai e C.: eu vou P.: vai estar relendo para confirmar C.: você levanta vai na estante procura o livro se você tem se você não tem você tem que... deixar para ler outra hora você marca eu marco em algum lugar que vou ter que procurar aquele material depois para reler conferir né? 229P.: procurar o livro 230C.: procurar o livro e conferir (Instrução ao sósia, Unicamp, 29/out./2008) Nesse exemplo, sobretudo, em 228C, observamos que o enunciador orienta o coenunciador a agir de um determinado modo, nesse caso, sendo empregado o imperativo (vai, procura). Um texto pode ser organizado tanto em sequência textual local quanto global. Se o texto for organizado em uma sequência textual global, é possível identificar as representações construídas pelo produtor sobre os objetivos de sua ação de linguagem (convencer, dirigir o olhar etc.); suas representações em relação ao objeto temático (como sendo, por exemplo, de difícil compreensão pelo co-enunciador), sobre as capacidades de compreensão e sobre a posição do enunciador em relação ao objeto tematizado, que pode ser igual ou diferente da do produtor. Assim, tal análise já pode trazer informações, mesmo que parciais, sobre a figura do professor que é construída no e pelo texto e sobre aspectos de seu trabalho (MACHADO; BRONCKART, 2009). Como exemplo, pesquisas revelam (MACHADO; CRISTÓVÃO, 2005) que textos produzidos por instâncias governamentais para orientar o ensino brasileiro não apresentam uma organização global injuntiva, ocultando, assim, seu caráter prescritivo. Isso indica que a presença ou a ausência de um tipo de sequência pode revelar representações sobre o agir construídas nos e pelos textos, tendo que ser interpretado pelo pesquisador ou analista. Finalizada a apresentação dos tipos de sequências, abordaremos os mecanismos de textualização (conexão e coesão), 31 que permitem a coerência entre os diversos segmentos do texto, tornando explícitas as grandes articulações hierárquicas, lógicas, temporais e espaciais. A seguir, trataremos desses mecanismos de conexão, de coesão nominal e de coesão verbal, respectivamente. 30 C refere-se à participante de pesquisa (nome fictício, Clara) e P, à pesquisadora. 31 Esses mecanismos já foram muitos explorados por linguistas, por exemplo, Berrendonner e Reichler-Bégulin, (1989), Charolles (1988), Halliday e Hasan (1976), entre outros. Em relação aos estudos de linguistas brasileiros, podemos citar a célebre obra de Koch (1984, 1989, 1997). Para maiores estudos sobre esses complexos mecanismos, indicamos Bronckart (1999) ou um desses autores citados.

104 79 Os mecanismos de conexão contribuem para marcar as articulações da progressão temática por meio de organizadores textuais temporais (durante, depois, antes que etc.); espaciais: (aqui, neste lugar etc.) e os organizadores argumentativos (logo, portanto, porque). 32 Por exemplo, Depois que a aula começou, o professor começou a discutir o texto. Nesse exemplo, o elemento de conexão temporal depois indica uma fase da aula. Em relação aos mecanismos de conexão, eles desempenham um papel fundamental na distinção dos planos dos textos, das fases das sequências e dos tipos de discurso. Além dessa função comum a todos eles, há também outras funções mais específicas. Por exemplo, os organizadores temporais podem assinalar as fases temporais de uma determinada tarefa. Já os organizadores argumentativos (logo, portanto, porque) associam as funções de segmentação, de responsabilização enunciativa e de orientação argumentativa. Quando se trata dessas duas últimas propriedades, os organizadores concessivos (embora, entretanto etc.), por exemplo, permitem a identificação de argumentos oriundos de outras vozes e o grau de oposição que elas mantêm com a voz do autor do texto, o que revela representações diferentes sobre o mesmo agir. Em relação às categorias da semântica do agir, como veremos mais adiante, alguns organizadores como porque, em razão disso etc. constituem como introdução de razões atribuídas ao agir (determinações externas ou motivos particulares). Outros organizadores, como para, para que, a fim de que etc. também funcionam como índices das finalidades ou dos objetivos do agir. A seguir, trataremos dos mecanismos de coesão nominal. Em relação aos mecanismos de coesão nominal, eles têm a função de introduzir novos temas ou personagens e de assegurar a sua retomada ou sua substituição no desenvolvimento do texto. Por exemplo, O pesquisador teria que produzir um resumo para o congresso. Além disso, o professor teria que preparar as aulas para o dia seguinte. Nesse caso, o vocábulo professor retoma pesquisador. Os mecanismos de coesão nominal podem permitir a identificação de actantes postos em cena pelo texto e do modo como vão sendo construídas as representações sobre o desenvolvimento da progressão temática. Na verdade, esses mecanismos não são neutros em relação à construção das representações, pois a repetição de uma mesma unidade lexical, seu apagamento ou sua substituição por um sinônimo não tem o mesmo valor. Pesquisadores do grupo Alter têm revelado, por exemplo, que nos textos produzidos pelas instâncias governamentais a retomada do lexema professor pode ter um valor diferente, designando o professor-destinatário ou diferentes grupos de professores de 32 Ver a distinção entre organizadores textuais, propriamente dito, e organizadores argumentativos em Adam (2006).

105 80 modo generalizado (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 57; BUENO, 2006). A seguir, abordaremos os mecanismos de coesão verbal. Os mecanismos de coesão verbal asseguram a organização temporal ou hierárquica dos estados, acontecimentos, ações ou outras espécies de relações expressas pelo verbo realizadas, essencialmente, pelos tempos verbais. Por exemplo, Na próxima semana, os alunos entregarão um trabalho sobre linguística estrutural. O verbo entregar denota um processo posterior ao momento de produção. Em relação à coesão verbal, ela é fundamental para distinguir os tipos de discurso que, por sua vez, contribui para a identificação das figuras de ação (BULEA, 2006, 2007), que abordaremos mais adiante. Finalizada a exposição do plano global, dos tipos de discursos, das sequências e dos mecanismos de textualização referentes ao nível organizacional, passaremos para a apresentação dos elementos do nível enunciativo Os elementos do nível enunciativo Nesta seção, trataremos dos mecanismos de responsabilização enunciativa em geral, que constitui o nível enunciativo. Esses mecanismos são marcados por uma variedade de unidades linguísticas, como, por exemplo, dêiticos pessoal, espacial e temporal; marcas de inserção de vozes; modalizadores de enunciados; modalizadores pragmáticos e adjetivos. A seguir, veremos essas unidades linguísticas com base, sobretudo, em Machado e Bronckart (2009) e em outros autores compatíveis com a nossa abordagem. Em relação aos dêiticos de pessoa, a sua análise é muito útil nas pesquisas, pois ela permite mostrar a manutenção ou a transformação desses valores na progressão textual, isto é, como o texto representa o enunciador no agir representado. Por exemplo, em um mesmo texto de autoconfrontação, 33 a análise do valor das marcas de pessoa pode indicar a construção de um plano enunciativo encaixado em outro plano, pois a experiência vivida é representada, na autoconfrontação, como se ela ocorresse simultaneamente ao momento da enunciação. Isso é possível por meio da construção de dois planos enunciativos, um encaixado sob o outro, em que as marcas de pessoa são fundamentais. Além disso, a alternância dos pronomes pessoais (eu, você, a gente), por exemplo, coloca em cena o estatuto individual atribuído a um determinado agir. Por exemplo: Eu avalio projeto de pesquisas; Nós avaliamos projetos de 33 A autoconfrontação consiste em assistir, com o pesquisador ou psicólogo, a filmagens do trabalho realizado (experiência vivida) pelo trabalhador, sendo estabelecido um diálogo sobre o trabalho filmado em vídeo e observado por ambos (LOUSADA, 2006).

106 81 pesquisa; A gente avalia projetos de pesquisa. Os últimos dois exemplos se referem a um agir coletivo, que envolve o agir do enunciador-actante, que podem ser interpretados como um agir coletivo mais amplo ou mais restrito, dependendo do contexto (MACHADO; BRONCKART, 2009). Tanto os dêiticos pessoais, quanto os temporais e espaciais, além de estarem estreitamente ligados à identificação dos tipos de discurso, também podem contribuir para a análise da subjetividade da linguagem, que podemos considerar como a capacidade do enunciador se posicionar como sujeito (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2008; BENVENISTE, 2005; FIORIN, 2010). Encerrada a apresentação sobre as marcas e pessoa, a seguir, abordaremos os índices de inserção de vozes. Primeiramente, lembramos que seguimos uma concepção dialógica da linguagem, partindo do princípio de que encontramos em uma enunciação várias vozes que se cruzam, que se complementam ou que está em contradição (BAKHTIN, 2000). A presença dessas vozes pode estar marcada linguisticamente por meio de formas gramaticais ou pode ser identificável a partir do próprio enunciado, como veremos a seguir. Alguns autores se dedicaram a identificar e categorizar as marcas das vozes no discurso (MAINGUENEAU, 1997, 2001; AUTHIER-REVUZ, 1982, 2001; entre outros). Authier-Revuz (1982), por exemplo, desenvolveu os conceitos de heterogeneidade constitutiva e heterogeneidade mostrada como características do discurso. Como não analisaremos a heterogeneidade constitutiva 34 em nossos dados, a seguir, abordaremos a questão da heterogeneidade mostrada. A heterogeneidade mostrada origina de diversas fontes enunciativas, tornando-se evidente a partir das marcas, explícitas ou implícitas, das vozes presentes em um enunciado, como as marcas de discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre, slogan, modalização autonímica, 35 entre outras. Em relação às marcas explícitas das vozes, em nossas análises, deter-nos-emos apenas ao discurso direto (p.ex.: O aluno disse: Não foi possível ler o texto.) e indireto (p. ex., O aluno disse que não foi possível ler o texto.), pois são essas marcas que predominam em nossos dados. Em relação às representações sobre o agir docente, a análise do que é tematizado e avaliado pelas diferentes vozes permite a identificação, em um mesmo texto, de diferentes representações sobre um mesmo agir, que podem estar em acordo ou em desacordo. 34 Para o estudo desse conceito, remetemos o leitor aos autores citados (MAINGUENEAU, 1997; AUTHIER- REVUZ, 1982, 2001). 35 Para os estudos dessas marcas, indicamos Maingueneau (2000) e Authier-Revuz (1982, 2001).

107 82 Em relação aos verbos introdutores de discurso direto ou indireto (confessar, criticar, advogar, sugerir, por exemplo), Muniz-Oliveira (2004) propõe uma classificação para os verbos, que revelam uma interpretação do agir, porém em uma análise preliminar, observamos que em nossos dados predominam verbos considerados mais neutros como o verbo falar. 255C.: então eu já olho na biblioteca e falo: vai lá e pega que está lá... se ele falar que ele não leu... mas com pós eu não faço isso com pós eu deixo o aluno se virar mais porque é diferente né? (Instrução ao sósia, Unicamp, 29/out./08) Em relação às vozes implícitas ou pressupostas, analisamos os organizadores argumentativos (embora, mas, por exemplo), explicitados anteriormente, e as unidades de negação. Em textos das instâncias governamentais, é bastante comum a ocorrência dessas últimas unidades, já que o enunciador parte da negação de uma voz anterior pressuposta, cuja fonte nunca é nomeada, para a afirmação da voz do produtor do texto. Podemos citar o seguinte exemplo extraído de Machado e Bronckart (2009, p ): O professor não precisa omitir, simplificar ou substituir por um sinônimo familiar as palavras que consideram difíceis. Observa-se, nesse exemplo, uma voz pressuposta que afirma que o professor precisa omitir, simplificar ou substituir..., sendo negada pela voz do enunciador do texto. Finalizada a apresentação das marcas das vozes, passaremos para a questão das modalizações 36 que podem se realizar por meio de unidades ou conjuntos de unidades linguísticas chamadas de modalizadores (tempo verbal no futuro do pretérito, auxiliares de modalização, certos advérbios, certas frases impessoais etc.) (BRONCKART, 1999, 2006). Uma classificação dessa modalização é sugerida por Machado e Bronckart (2009), baseando-se em Bronckart (1999) e em Machado e Bronckart (2005), que propõem dois tipos para ela: os modalizadores de enunciado e os modalizadores pragmáticos. No primeiro caso, consideram-se todas as unidades linguísticas que exprimem a posição de uma instância enunciativa sobre o conteúdo da proposição enunciada (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 61), podendo ser classificados em modalizações lógicas, deônticas e apreciativas. As modalizações lógicas consistem em uma avaliação sobre o enunciado, apoiada em critérios elaborados e organizados em parâmetros do mundo objetivo, apresentando o enunciado como verdadeiro, necessário, possível etc., como nos exemplos a seguir. 36 Estudiosos têm se interessado por essa questão da modalização desde Aristóteles, por exemplo. Vários autores têm se dedicado a esse estudo, como Cervoni (1989), Charaudeau (1992), Koch (1984, 1997), entre outros.

108 83 Talvez o professor marque uma prova para a próxima semana. Necessariamente, o pesquisador precisa produzir artigos. É possível que chova amanhã. Para Machado e Bronckart (2009), mesmo que não haja nenhuma unidade linguística que indique o modalizador, há um grau zero da modalização do enunciado, sendo o caso da asserção positiva ou negativa, apresentada pela instância enunciativa como sendo uma verdade incontestável, como, por exemplo, em A terra gira em torno do sol (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 61). As modalizações deônticas consistem em uma avaliação do conteúdo temático do enunciado, apoiada nos valores, nas opiniões e nas regras constitutivas do mundo social, e apresenta os elementos do conteúdo temático como sendo do domínio do direito, da obrigação social ou da conformidade com as normas em uso. São marcadas por verbos ou expressões como dever, é lamentável que, ter que etc., por exemplo, em frases como Você tem que atingir toda a classe. A expressão tem que, por exemplo, mostra um dever a cumprir. Por sua vez, as modalizações apreciativas consistem em uma avaliação do conteúdo temático do enunciado oriunda do mundo subjetivo do enunciador. Podem ser marcadas por advérbios como infelizmente, felizmente, como em Infelizmente, não temos tempo adequado para as orientações, por exemplo. Enfim, a partir desses modalizadores que incidem sobre o enunciado, é possível a identificação da avaliação das instâncias enunciativas sobre o enunciado, podendo-se detectar como as representações construídas no texto são tomadas como verdadeiras, possíveis, obrigatórias, lamentáveis etc. e os critérios que orientam essa avaliação (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 62).

109 84 Por sua vez, em relação ao segundo caso, os modalizadores pragmáticos não exprimem a posição do enunciador sobre o enunciado, mas atribui ao actante determinadas intenções, finalidades, razões (motivos, causas, restrições etc.), capacidades e incapacidades, julgamentos etc., se expressando, principalmente, por meio de verbos auxiliares (querer, buscar, tentar, acreditar etc.) que se intercalam entre o sujeito e o verbo. Por exemplo, O professor tentou interagir com os alunos de modo que todos compreendessem a matéria explicada. Nesse exemplo, o verbo tentar indica uma tentativa do professor. Na análise dos textos produzidos pelos próprios professores, eles explicitam uma interpretação do agir e podem permitir a identificação de aspectos do real da atividade (CLOT, 2006) que, como vimos no Capítulo 1, indica não o que é efetivamente realizado, mas o que é desejado, impedido de fazer, ou seja, o que tentamos fazer, mas não conseguimos. Além dos modalizadores que permitem identificar as representações sobre o agir, há outras unidades lexicais que também revelam marcas de subjetividade, como, por exemplo, os adjetivos, que possibilitam identificar as avaliações que se constroem sobre as diferentes formas de agir e sobre os actantes. Para a identificação dessas marcas que revelam a avaliação, partimos de Kerbrat-Orecchioni (2006), 37 que faz um estudo aprofundado sobre a questão da subjetividade na enunciação, chegando à conclusão de que a subjetividade pode ser expressa a partir das diferentes classes gramaticais, já que toda unidade lexical é, em certo sentido, subjetiva, porque as palavras da língua carregam sentidos atribuídos pela sociedade (incluindo o enunciador) que as manipula. Nesse sentido, na análise de nossos dados, iremos atentar para as unidades linguísticas pertencentes a quaisquer classes gramaticais, a fim de buscar essas marcas de subjetividade e, a partir delas, identificar outras representações construídas nos e pelos textos sobre o agir docente. Finalizada a apresentação sobre os mecanismos do nível enunciativo, passemos, então, à exposição dos elementos do nível semântico Os elementos do nível semântico Apresentamos, até o momento, os procedimentos referentes à análise da situação de produção do texto e dos níveis organizacional e enunciativo. A seguir, para a compreensão do nível semântico, esclarecemos, primeiramente, o significado de alguns termos-chave que têm 37 Essa autora, na verdade, desenvolve os estudos iniciados por Benveniste (1989, 2005) sobre a questão da subjetividade na linguagem (MAINGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008).

110 85 sido utilizados para a análise desse nível (BRONCKART; MACHADO, 2004; BRONCKART, 2006), incluindo os papéis temáticos desempenhados pelos actantes (ILARI, 2006). Em segundo lugar, trataremos dos verbos ou sintagmas verbais que se referem ao trabalho do professor com base em Mazzillo (2006) e Barricelli (2007). Em terceiro lugar, abordaremos as figuras de ação detectadas por Bulea e Fristalon (2004) e Bulea (2007). Em relação aos termos-chave utilizados para direcionar as nossas pesquisas, Bronckart (2008) advoga que os termos atividade, ação e agir são utilizados de forma bastante aleatória por variados autores, que não os define de fato, como mencionamos no Capítulo 1. Em vista disso, o autor esclarece que decidimos buscar definições mais estáveis, não com o objetivo de impô-las, mas para fazer com que nossas afirmações sejam inteligíveis (BRONCKART, 2008, p. 212). Assim, a fim de direcionar as pesquisas preocupadas em identificar o agir (re)configurado nos textos, Bronckart e Machado (2004), Machado e Bronckart (2005) e Bronckart (2004, 2006, 2008) adotam uma semântica (ou semiologia) do agir construindo algumas categorias, como seguem. O termo agir é utilizado para se referir ao dado das pesquisas, desse modo, designa genericamente qualquer forma de intervenção orientada no mundo, de um ou de vários seres humanos. Em determinados contextos, esse agir pode ser um trabalho, que implica diversos tipos de profissionais e cuja estrutura pode ser decomposto em tarefas, que é a atividade prescrita. Esse agir, de modo geral, se desenvolve temporalmente em um curso do agir, no qual podemos distinguir as cadeias de processos, que podem ser atos e/ou gestos. Já em relação ao termo ação e atividade atribui-se um estatuto teórico ou interpretativo. Desse modo, atividade designa uma leitura do agir que envolve dimensões motivacionais e intencionais mobilizadas no nível coletivo. Por exemplo, Os pesquisadores resolveram apresentar um trabalho no congresso porque consideram que isso é importante para a divulgação de suas pesquisas. Já a ação designa uma leitura do agir que envolve essas mesmas dimensões mobilizadas no nível das pessoas em particular. Por exemplo, O professor Marcos optou por ensinar o gênero seminário porque acredita que esse instrumento é eficiente para o desenvolvimento de diversas capacidades de linguagem de seus alunos. Em relação à dimensão motivacional, distinguem-se os determinantes externos, de origem coletiva, que podem ser de natureza material ou da ordem das representações sociais, como no exemplo A Capes determina que os pesquisadores produzam artigos, e os motivos, que são as razões de agir interiorizadas por uma pessoa em particular, como, por exemplo, em

111 86 Li o livro Como se faz uma tese porque acredito que ele ajudará na produção da dissertação de mestrado que estou escrevendo. Já no que se refere às dimensões intencionais, distinguem-se as finalidades de origem coletiva e socialmente validadas, como em Os professores devem preencher toda a papelada para entregar para a universidade e as intenções, que são os fins do agir interiorizados por uma pessoa em particular: Vou ler dois artigos sobre aquele assunto buscando compreender melhor a temática em discussão. Outro aspecto considerado na análise do agir refere-se aos recursos ou fontes do agir, distinguindo-se os instrumentos, que designa tanto os artefatos materiais ou simbólicos e os modelos para agir disponíveis no ambiente social: Preciso de um texto instigante para a próxima aula, quanto às capacidades, ou seja, os recursos mentais ou comportamentais que são atribuídos a uma pessoa em particular: Aquela pesquisadora consegue fazer uma excelente arguição em defesas de tese. Em relação ao seres humanos que intervém no agir, o termo actante é utilizado para referir-se a qualquer pessoa implicada no agir. No plano interpretativo, utilizamos o termo ator, quando as configurações textuais constroem o actante como sendo a fonte de um processo, dotando-o de capacidades, motivos e intenções, como em O professor decidiu alterar o seu planejamento de aula, buscando atingir os seus novos objetivos expostos na ementa ; e o termo agente, quando nenhuma dessas propriedades é atribuída por essas configurações textuais ao agente como em A doutoranda precisa de ajuda de sua orientadora. Os actantes, ainda, podem desempenhar diferentes papéis temáticos (ILARI, 2006) no texto, que são de: agente: ser animado responsável por um processo dinâmico, ou ainda, o indivíduo que tem a iniciativa da ação, que tem controle sobre a realização da ação, como é o caso de o pesquisador no exemplo O pesquisador produziu um artigo. alvo: entidade que sofre um processo dinâmico, ou ainda, o indivíduo ou objeto diretamente afetado pela ação como O resumo do congresso no exemplo O resumo do congresso deverá ser revisto pela pesquisadora. instrumento: objeto de que o agente se serve para praticar a ação, como o projetor em O professor poderá apresentar a sua aula com um projetor.

112 87 beneficiário/destinatário: o destinatário animado de um processo dinâmico como os alunos em O professor fez o seu planejamento para os alunos. experienciador: a entidade a quem é atribuída uma determinada sensação ou um determinado estado, como o caso de O professor em O professor sofre quando o aluno não consegue aprender. Nos textos produzidos sobre o trabalho, é possível a identificação desses papéis temáticos desempenhados pelos actantes em um texto, além dos elementos que constituem o agir (intenção, finalidade, instrumento...). Finalizada a apresentação dos termos-chave da semântica do agir, passaremos para a questão da análise dos verbos que se referem ao trabalho docente. Mazzillo (2006) analisa diários de aprendizagem, escritos por pesquisadorasprofessoras de línguas sobre o trabalho de um professor de línguas de cujas aulas elas participavam como alunas, revelando diferentes formas ou maneiras de agir das professoras, identificando as seguintes figuras de agir: agir linguageiro, agir com instrumento e agir mental. Agir com instrumentos: identificado nos predicados que representam um agir verbal ou não verbal do professor com o uso de instrumentos. Há o uso de verbos que implica a ideia de instrumento como projetar, colar, escrever e o uso de verbos que implicam a ideia de instrumento simbólico como ler, traduzir, separar. Temos como exemplos, respectivamente, Colava no quadro uma foto e Traduziu a leitura (MAZZILLO, p. 113). Agir mental/cognitivo: identificados nos predicados que indicam uma atividade mental ou capacidade das professoras. Essa figura refere-se a elementos do agir tematizados nos diários que constitui as professoras como protagonistas, tornandoas agentes responsáveis pelo agir ao lhe atribuir motivos, intenções e capacidades para agir. Temos como exemplo de atividade mental A professora se surpreendeu (MAZZILLO, p. 115) e como exemplo de atribuição de capacidade A professora não cria, não oferece nenhuma atividade interessante (MAZZILLO, p. 115). Agir linguageiro: identificado nos predicados que apresentam verbos de dizer. Essa figura do agir foi distribuída em três grupos: a) agir que implica uma ação imediata dos alunos. Ex.: Solicitou a participação ; b) agir que não implica uma resposta

113 88 imediata. Ex.: Iniciou a aula dando uma explicação; c) agir em relação ao agir dos alunos. Ex.: Esclarecia dúvidas (MAZZILLO, p. 113). Esse tipo de agir é sempre interacional. Segundo a autora, as diferentes figuras do agir construídas nos e pelos textos dos diários de aprendizagem reconfiguram o trabalho do professor na relação com o outro, acentuando o caráter interacional do trabalho; na relação com os artefatos, revelando o caráter instrumental do trabalho do professor; e na relação com o interior, mostrando o caráter cognitivo do seu trabalho, que ainda envolve uma atividade mental, capacidades, motivos e intenções. Já Barricelli (2007), em sua pesquisa, ao analisar textos sobre a Educação Infantil, também identifica diferentes elementos, entre eles as figuras de agir. A seguir, focaremos apenas duas figuras de agir identificadas pela autora que podemos utilizar em nossas análises: Agir afetivo: implica em um agir emocional; é marcado pelos verbos como gostar, apreciar etc. Agir corporal: implica em um agir físico; é marcado por verbos como correr, andar etc., relacionado, portanto, a um movimento corporal. Com os resultados de todas essas análises, detectamos representações construídas sobre o trabalho do professor e sobre o seu papel nos e pelos textos analisados. Finalizada a apresentação sobre as figuras de agir, a seguir, trataremos das figuras de ação propostas por Bulea e Fristalon (2004) e Bulea (2007). Bulea e Fristalon (2004), do grupo LAF, em sua pesquisa, analisam entrevistas realizadas com enfermeiras sobre os cuidados adotados para se fazer curativos em pacientes. Como resultado, as autoras desenvolvem um modelo que visa a identificar, a partir das análises, o agir representado nos e pelos textos, denominado pelas autoras de figuras de ação. Para que possamos compreender com se dá a relação entre as (re)configurações sobre o agir e os tipos de discurso, Bulea (2007) explica que os tipos de discurso participam de modo constitutivo e autônomo no processo de interpretação do agir pelas pessoas porque elas mediatizam, no texto, a relação que o actante produtor mantém com o conteúdo mobilizado. Além disso, os tipos de discursos são configurações que podem, na combinação com o conteúdo temático, gerar recortes interpretativos sobre o agir (MACHADO; BRONCKART, 2009, p. 68).

114 89 Bulea (2007) apresenta cinco tipos dessas figuras de ação: ocorrência, evento passado, experiência e canônica e, mais recentemente, a ação definição. A seguir, apresentaremos as características de cada um dessas figuras de ação. A ação ocorrência desenvolve-se na contemporaneidade da situação de ação da linguagem, contextualizada na continuidade espaço-temporal da situação de produção do texto. Apresenta características do discurso interativo: dêiticos de pessoas que remetem a um ou mais dos participantes da interação, tempo presente, futuro do presente ou pretérito imperfeito. O conteúdo temático é organizado em referência aos parâmetros físicos da situação de linguagem em curso, ao eixo temporal de referência e à situação de interação. Os organizadores lógico-temporais (então, portanto, porque etc.) são fortemente presentes, mas ligados à mudança do eixo temporal de referência. Os encadeamentos lógicos apresentam estruturas justificativas, explicativas e argumentativas. A seguir, temos exemplos extraídos de uma entrevista realizada com um professor universitário em P.: eu tenho como técnica, veja, até como método, [...] refazer a preparação das aulas. Então, isso significa que eu jogo fora todas as minhas aulas no final. A ação evento passado constitui uma história vivida que serve para explicitar o agir sobre o qual se fala ou as possibilidades de agir. O grau de contextualização dessa figura de ação também é forte, com unidades dêiticas que se referem à situação de produção do texto. O conteúdo não se refere à situação de produção de texto, mas a uma história contada. O modo de organização do discurso corresponde ao relato interativo, sendo o pretérito perfeito e imperfeito os tempos verbais característicos dessa figura de ação, como no exemplo a seguir. P.: Nos dois primeiros anos, a gente tinha um contato mais direto. Toda semana, praticamente toda semana a gente tinha contato, eu fazia disciplina dele (Entrevista, 2006) Por sua vez, a ação experiência caracteriza-se como uma forma de cristalização de experiência vivida por um actante ou por outro profissional. Esse registro faz referência às dimensões pessoais, implicadas, internas e próprias da prática do profissional. Ele é um arquétipo de variadas situações, apresentando o agir de uma forma relativamente estável. O agir refere-se à situação abstrata, descontextualizada, mas que pode ser sempre recontextualizada. Em relação à organização discursiva, o agir experiência é organizado em 38 Entrevista piloto realizada com um professor universitário de uma universidade privada. P = professor.

115 90 discurso interativo. O eixo-temporal que o caracteriza não é o da situação de interação, como no agir ocorrência, mas o eixo temporal é remetido a um agir genérico, não limitado. Desse modo, é sempre marcado por advérbios que indicam frequência e pelo presente genérico. P.: normalmente eu gosto dessa situação, né? Mas me causa um problema com a sala, principalmente também porque tem gente que acompanha esses desdobramentos e tem gente que não (Entrevista, 2006) Já a ação canônica (BULEA; FRISTALON, 2004; BRONCKART; BULEA; FRISTALON, 2005; BULEA, 2006) constitui um modelo de regras, prescrições, construídas por alguém externo ao actante, não havendo marcas que remetem à situação de produção de texto. Para Bulea e Fristalon (2004), a organização interna dessa figura de ação corresponde tanto ao discurso interativo quanto ao discurso teórico, ambos da ordem do expor, conjuntos ao mundo ordinário. Portanto, o grau de implicação ou autonomia do agente pode variar. Em relação à agentividade, constata-se um fenômeno que as autoras denominaram indiferença pronominal, que se refere ao fato de que o agente pode ser individual e se designar como tal, utilizando o pronome eu ; individual mais genérico, com o uso do você genérico; ou coletivo, utilizando o a gente. O tempo verbal mais frequente é o presente genérico, apresentando modalizações deônticas, como no exemplo a seguir. P.: a gente trabalha no primeiro semestre bases e depois as estruturas lógicas do conhecimento e ética. Então, são questões muito próximas, importantes do ponto de vista psicológico, mas que é necessário que você tenha um conhecimento fundo de filosofia para acompanhar isso (Entrevista, 2006) Finalmente, a ação definição constitui-se como uma tentativa de se definir o agir, não sendo tematizados nem os actantes nem os atos ou os gestos constitutivos do agir, nem sua cronologia. Em relação ao nível linguístico, essa figura aparece em segmentos de discurso teórico, havendo predominância de verbos no presente genérico. As orações são construídas praticamente com uma só estrutura: É + sintagma nominal (C est + syntagme nominal), não trazendo pronomes nem verbos que denotem processos, como podemos observar no exemplo de Bulea (2006). V.: bien ça dépend aussi des horaires c est ce qu on disait le matin à 8h c est vrai que c est important parce que c est là / c est le premier contact de la

116 91 journée en fait donc heu c est une approche pour // comment s est passée la nuit pour [...]. 39 Observamos que a pesquisa de Bulea e Fristalon (2004) identificou o agir representado nas entrevistas fundamentando-se em várias características linguísticas. Segundo as autoras, não é a manifestação de apenas uma característica singular que caracteriza uma figura de ação, mas é a partir da combinação dos elementos que ela se constitui. De acordo com Bueno (2007), as diferenças que se percebem entre as figuras identificadas por Mazzillo (2006) - e acrescentamos as de Barricelli (2008) - com as identificadas por Bulea e Fristalon (2004), Bulea (2006, 2007) e retomadas por Abreu- Tardelli (2006) e Lousada (2006), estão no nível da unidade de análise e no tipo de explicitação dos tipos de agir atribuído a um actante. Em Mazzillo (2006) e Barricelli (2008), a unidade é a oração considerada em seu aspecto sintático-semântico, referindo-se aos modos de agir de qualquer actante mencionado na oração pelo enunciador, sendo analisados pelo pesquisador os predicados verbais. Já em Bulea e Fristalon (2004) a unidade é um segmento discursivo composto por várias orações ou períodos, sendo possível perceber como o agir foi organizado discursivamente pelo enunciador. Nesses casos, as figuras de ação referem-se aos modos de dizer (interpretativamente) o agir pelo enunciador, sendo analisados segmentos discursivos. Assim como Bueno (2007), partimos do princípio de que a junção dos tipos de figuras interpretativas de agir, referentes aos modos de agir e aos modos de dizer o agir, possam trazer contribuições para a identificação do trabalho representado do professor, no nosso caso, de pós-graduação. Neste capítulo, apresentamos o quadro de análise de textos do ISD que temos utilizados para interpretar as representações do agir construídas nos e pelos textos referentes ao trabalho docente, quadro esse que utilizaremos para a análise de nossos dados. No próximo capítulo, traremos o capítulo de procedimentos metodológicos em que descrevemos a nossa pesquisa realizada com a professora, participante desta pesquisa. 39 V.: bem isso depende também dos horários é isso que a gente dizia de manhã às 8h é verdade que é importante porque é / é o primeiro contato do dia na verdade então olha... é um modo de ver para // como se passou a noite para [...] (Tradução de Adail Sobral, a quem agradeço).

117 93 CAPÍTULO 5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Neste capítulo apresentamos o contexto da pesquisa, incluindo a descrição das características dos participantes da pesquisa, do procedimento utilizado para gerar os dados e dos procedimentos de análise de dados. A fim de abordar essas questões, dividimos este capítulo em seis seções: 1. seleção dos participantes de pesquisa; 2. as participantes de pesquisa; 3. a instrução ao sósia; 4. procedimentos de geração de dados; 5. perguntas de pesquisa; 6. procedimentos de análise. Como já mencionado na Introdução, considerando várias pesquisas que tratam dos problemas vividos pelo professor de pós-graduação, levantamos a hipótese de que esses problemas seriam tematizados em textos produzidos pelo próprio professor. Portanto, resolvemos selecionar professores para participar desta pesquisa, que teve início no primeiro semestre de 2007, segundo os critérios que seguem A seleção dos participantes da pesquisa Para a escolha de participantes da pesquisa, consideramos importante fazer uma préseleção de quatro professores, atentando a alguns critérios. Eles deveriam ser: a. professores da pós-graduação stricto sensu, pois a preocupação é estudar os problemas pelos quais o professor desse nível de ensino vem passando; b. experientes, com mais de dez anos trabalhando como docente na universidade, porque temos o objetivo de verificar se o professor experiente também tem dificuldades para a realização das atividades; c. reconhecidos no meio acadêmico, a partir do desenvolvimento e divulgação de suas pesquisas. Para o processo de seleção, primeiramente, realizamos uma consulta, pelo site, de professores da área da linguagem de universidades reconhecidas em nível nacional, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade de São Paulo (USP). Alguns

118 94 professores nos chamaram a atenção, porque já os conhecíamos no mundo acadêmico a partir de publicações e de citações de outros autores. Dessa forma, selecionamos três professoras, ao consultar o currículo Lattes, sendo duas da USP e uma da Unicamp. Essa consulta confirmou que realmente eram professores experientes, pois tinham mais de dez anos de experiência no ensino superior e diversas publicações. A professora da Unicamp também sugeriu, para participar da pesquisa, uma professora que havia acabado de ingressar em uma universidade pública, e que apresentava o perfil almejado. Após essa seleção, entramos em contato por com essas quatro professoras, sendo que três delas responderam ao , uma da USP, uma da Unicamp e a que havia acabado de se ingressar em uma universidade pública, 40 colocando-se à disposição para colaborar. A outra professora da USP não respondeu ao . As entrevistas de instrução ao sósia foram realizadas com as três professoras, porém, a professora que havia acabado de ingressar em instituição pública, depois de um ano, após ler a transcrição do texto oral, não autorizou a utilização dos dados, pois tinha passado por muito sofrimento em uma universidade privada em que trabalhara antes, o que gerou sérios problemas de saúde e afastamento por um período de tempo, e isso, de alguma forma, foi tematizado na entrevista. Segundo ela, esse fato ainda era recente e doloroso e, assim, gostaria de preservar sua identidade e tinha receio de que alguém pudesse reconhecê-la. Considerando o termo de compromisso de ética assinado pelas professoras, antes das entrevistas, e que considera a possibilidade de desistência de participação em uma pesquisa, mesmo que ela já esteja em andamento, esse pedido foi atendido prontamente. Sendo excluída essa entrevista, sobraram duas: uma da professora da Unicamp e outra da professora da USP. Após uma breve comparação entre as duas instruções ao sósia, observamos que a realizada com a professora da Unicamp parecia conter dados mais ricos para responder às nossas questões de pesquisa, talvez pela relação estabelecida, que foi de maior proximidade, maior engajamento, e, também, talvez pelo fato de que foi a segunda instrução ao sósia realizada pela pesquisadora, o que significou maior experiência e preparo para a interação. Em vista disso, iniciamos nossas análises com a instrução ao sósia da professora da Unicamp. Infelizmente, não foi possível fazermos a análise da instrução ao sósia realizada com a professora da USP por questões temporais. 40 Por questões éticas, o nome da universidade não será divulgado, como veremos no próximo parágrafo.

119 95 A seguir, faremos a descrição das características da professora que participou da instrução ao sósia analisada e desta pesquisadora As participantes da pesquisa Pesquisadora Sou mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na época da coleta de dados, eu era estudante de segundo ano de doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, com experiência de dois anos no ensino superior, lecionando, à época da coleta, português e inglês em uma escola privada no ensino fundamental e no ensino médio e trabalhando também com revisão de textos, entre eles teses e dissertações. Ingressei no mestrado em 2002, defendi a dissertação em 2004, participei de congressos e publiquei artigos acadêmicos desde o início do mestrado. Fui bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no mestrado, e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no doutorado, sendo filiada ao grupo Análise da Linguagem e Trabalho Educacional (Alter) do CNPq. Professora A instituição em que a professora trabalha é a Unicamp, uma universidade pública, classificada em 288 o lugar, em 2009, no Performance Ranking of Scientific Papers for World Universities. 41 Foi oficialmente fundada em 1966, localiza-se no distrito de Barão Geraldo, região noroeste de Campinas, e totaliza 20 institutos ou faculdades. Os cursos de mestrado e doutorado representam 10% da pós-graduação do Brasil e a cada ano são formados cerca de 2 mil mestres e doutores. Ela é responsável por 15% das pesquisas produzidas no país, mantendo cooperação internacional com mais de 30 países. Além do campus na cidade de Campinas, a instituição conta com alguns campi em outras cidades do interior paulista. A professora é mestre em Linguística por essa mesma instituição e doutora pela State University of New York, dos Estados Unidos. Professora da Unicamp desde 1983, tem desempenhado o papel de membro do conselho editorial de revistas, membro da subcomissão 41 Disponível em: < Acesso em: 30 jan

120 96 de pós-graduação, membro do colegiado superior, presidente de congregação, coordenadora de curso, membro de comissão organizadora de concurso público, consultora ad hoc para várias agências de fomento, diretora de departamento, parecerista ad hoc e tem lecionado tanto na graduação quanto na pós-graduação. Possui notável produção intelectual e grande participação em bancas de defesa e qualificação de mestrado e doutorado, além de participar ativamente em congressos, nacionais e internacionais. A professora orientou diversos trabalhos de iniciação científica e muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado. Além disso, a professora é Bolsista de Produtividade em Pesquisa 42 do CNPq. Bolsistas dessa categoria, de acordo com a Resolução Normativa (RN) n. 026/2008 do CNPq, integram obrigatoriamente o quadro de consultores ad hoc do CNPq e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (CNPQ, 2009), sendo solicitados a dar pareceres aos projetos de pesquisa ou outros tipos de trabalho enviados ao CNPq. A seguir, trataremos do método instrução ao sósia, proposto pela Clínica da Atividade, como mencionamos no Capítulo A instrução ao sósia Nesta seção, trataremos do método instrução ao sósia, que visa criar uma situação que propicie o desenvolvimento profissional (CLOT et al., 2001) com base nos pressupostos de autores da Clínica da Atividade (CLOT, 2006) e da Ergonomia da Atividade (SAUJAT, 2002; AMIGUES, 2002, 2004), discutidos no Capítulo 1. A instrução ao sósia foi inicialmente utilizada por Oddone (1981) nos anos 1970, na formação de trabalhadores da Fiat, na Universidade de Turim. Esse procedimento, que passou a ser bastante empregado pelos ergonomistas, foi desenvolvido por Clot (2006) no quadro de pesquisa da Psicologia do Trabalho na Clínica de Atividade do Conservatoire Nacional des Arts et Métier (CNAM) em Paris, França. Ao utilizar esse procedimento, o pesquisador se coloca na posição de substituto do trabalhador, dando a seguinte instrução: Suponha que eu seja seu sósia e que eu vá te substituir amanhã no seu trabalho. Quais são as instruções que você deve me passar para que ninguém perceba a substituição?. É necessário delimitar uma sequência de trabalho para 42 O Programa Bolsa de Produtividade em Pesquisa foi instituído pelo CNPq em 1951, sendo considerado um dos mais tradicionais instrumentos de apoio de concessão de bolsas ao pesquisador. Uma das suas finalidades é valorizar a produção científica do pesquisador. Para a obtenção de bolsa, o pesquisador deve possuir o título de doutor ou perfil científico equivalente (CAPES, 2008).

121 97 facilitar as instruções dadas pelo trabalhador, que deverá focar como se realiza uma atividade (CLOT, 2006). Para Saujat (2002), é necessário que se faça perguntas mais referentes à forma de desenvolver uma atividade do que referentes à razão ou motivo de seu desenvolvimento, já que o foco é procurar saber os detalhes para a realização da atividade. Nesse caso, as perguntas seriam feitas mais com o emprego do como do que do por quê. Para desenvolver a instrução ao sósia, é necessário levar em conta as atividades de trabalho que serão focadas para que o trabalhador, nesse caso, o professor, possa dar orientações de como realizá-las. Além disso, deve focar os possíveis problemas ou dificuldades para a realização da tarefa, buscando orientações de como agir nessas situações. Caso o professor não dê instruções de como realizar a tarefa, deve-se interrompê-lo, pedindo orientações de como realizá-la, questionando-o quando não compreender como realizar determinada tarefa. Deve-se conduzir o professor (instrutor) a falar em segunda pessoa (você) ao se referir ao seu destinatário (pesquisador/substituto fictício), visando a que o professor não conte a sua história de trabalho, mas dê orientações para o substituto realizar a tarefa. Em relação a esse aspecto, é necessário que o sósia (que pode ser o pesquisador) utilize o pronome eu ao fazer as perguntas, visando a que o instrutor-trabalhador desloque do seu próprio trabalho, podendo vê-lo como atividade de outro, nesse caso, do sósia (pesquisador). Por exemplo: Como EU devo encerrar a aula?. Além disso, o pesquisador pode desenvolver questões que levem o trabalhador a assumir um distanciamento, fazendo perguntas à tarefa do sujeito que este não faria, permitindo-lhe perceber elementos que a proximidade oculta, trazendo à tona especificidades da situação de trabalho, conflitos, contradições, dificuldades para a realização da tarefa, sendo possível aceder ao real da atividade do sujeito. Essa posição na qual o sujeito se coloca é, segundo Clot (2006), o mais potente motor de compreensão, pois possibilita reviver uma experiência vivida a partir de outra experiência vivida (a da instrução ao sósia). No contexto do CNAM, a instrução ao sósia é gravada e dura aproximadamente 1 hora e 30 minutos, estando presente o psicólogo ou pesquisador, o grupo de trabalho e um voluntário (instrutor), que dará as instruções ao psicólogo/pesquisador. Terminada a seção de instrução, o texto oral é transcrito e o instrutor se autoconfronta com a transcrição, produzindo um comentário (reflexões) por escrito sobre as instruções dadas. Desse modo, para a realização da instrução ao sósia, consideram-se duas etapas: na primeira, o instrutor é confrontado com ele mesmo pela mediação do sósia que possibilita as instruções; na segunda etapa, após a transcrição do texto oral, ao se confrontar com ele (o texto transcrito), o instrutor

122 98 escreve um comentário, com reflexões sobre suas instruções. Esse comentário pode ser destinado a discussões com o coletivo de trabalho. O método de instrução ao sósia tem sido desenvolvido em contextos de intervenção, de pesquisa e, em menor escala, de formação contínua, pela equipe do CNAM, mas vem sendo utilizado também em contextos de formação inicial (FRIEDRICH; GOUDEAUX; STROUMZA, 2006; CHARMILLOT et al., 2006). Friedrich, Goudeaux e Stroumza (2006), por exemplo, propõem apenas a utilização da primeira etapa no contexto de formação inicial, que nomeiam entrevista de instrução ao sósia, sendo essa a etapa utilizada em nossa pesquisa. Para que o leitor possa compreender onde situa o texto oriundo da instrução ao sósia em relação aos textos que circulam em torno de uma atividade de trabalho, podemos partir do esquema ilustrado na Figura 5.1. Textos anteriores ao agir das instituições (prescrições), dos trabalhadores Textos produzidos em situação de trabalho Textos de entrevistas dos trabalhadores antes da tarefa Textos de entrevistas dos trabalhadores depois da tarefa Textos de interpretação dos pesquisadores e/ou de outros FIGURA 5.1. Conjunto de dados possíveis para a interpretação do agir em textos sobre o trabalho. Fonte: adaptada de Bronckart (2006, 2008). Como podemos observar, esse esquema traz o seguinte conjunto de dados para análise: 1) Gravações audiovisuais de sequências do trabalho realizado, compreendendo as condutas verbais e não verbais durante a realização de uma tarefa. 2) Textos produzidos antes de uma situação de trabalho, constituídos de textos chamados de prescritivos ou pré-figurativos, que incluem documentos produzidos pelas instituições e que definem as tarefas que devem ser realizadas.

123 99 3) Textos autoavaliativos/interpretativos, produzidos pelos trabalhadores antes da realização da tarefa, como, por exemplo, textos de entrevista anterior à realização da tarefa e textos provenientes da instrução ao sósia. 4) Textos autoavaliativos/interpretativos, produzidos pelos trabalhadores depois da realização da tarefa, como, por exemplo, textos de entrevista posterior à realização da tarefa, textos provenientes da autoconfrontação cruzada e diários. 5) Textos produzidos por pesquisadores e outros a partir de sua avaliação/interpretação dos registros audiovisuais ou da observação do trabalho. (BRONCKART, 2008) Em relação a esse conjunto de dados, observamos que os textos gerados a partir da instrução ao sósia são textos autoavaliativos/interpretativos, produzidos pelos trabalhadores antes da realização da tarefa, já que, a partir desse procedimento, o trabalhador dá instruções ao pesquisador de como realizar uma tarefa futura. Para Bronckart (2008), esses textos podem conter segmentos de (re)configurações das ações, do modo como elas (as ações) são concebidas pelos actantes, podendo mostrar o que emerge em sua consciência discursiva. Dessa forma, nossa pesquisa analisa não o trabalho realizado e nem o prescrito, mas o trabalho interpretado pelo próprio actante (protagonista) que comenta o seu trabalho Procedimentos de geração dos dados O primeiro contato que tive com a professora da Unicamp foi no início de 2008, por e- mail, 43 oportunidade em que a professora foi convidada a participar da pesquisa. Esse teve o objetivo de verificar, primeiramente, se havia interesse na colaboração, e avisar que a geração de dados não ocorreria em seguida, mas alguns meses depois. Isso porque a pesquisadora desejava ter tempo para fazer leituras sobre a entrevista de instrução ao sósia e sobre os pressupostos que a embasavam. A professora enviou um aceitando a colaboração. No dia 31 de julho de 2008, outro foi enviado, 44 às 10:52, solicitando que o encontro fosse agendado para a primeira ou segunda semana de agosto. Nesse , a pesquisadora esclareceu que o procedimento de coleta a ser utilizado será um tipo de entrevista chamada instrução ao sósia (utilizada pela Ergonomia da Atividade e Clínica de Atividade da França), que será gravada. No mesmo dia, às 11:15, a professora respondeu o e- mail, confirmando o interesse em participar da pesquisa e explicando que no mês de agosto seria difícil agendar o encontro, pois nesse mês iria participar do Congresso da Asociación de Lingüística y Filología de América Latina (Alfal) em Montevidéu e depois de um evento no 43 Infelizmente, esse primeiro do convite não foi salvo. 44 No Anexo I encontram-se os s trocados com a professora.

124 100 Rio de Janeiro, voltando na primeira semana de setembro. Além disso, estaria preparando os trabalhos dos dois eventos, encontrando alunos etc. para poder se ausentar. Desse modo, ficou combinado entre ambas que o encontro seria agendado em setembro. Somente no dia 15 de outubro outro foi enviado para agendar o encontro, sendo, enfim, marcado para o dia 29 de outubro de 2008 às 15:00 na residência da professora. Considerando que a entrevista de instrução ao sósia era pouco conhecida por mim nessa época, uma preparação para o encontro foi necessária visando à elaboração de perguntas adequadas que possibilitassem o acesso a representações sobre o trabalho docente real. Porém, lembrei-me de que o professor de pós-graduação desenvolve várias atividades, de ensino, extensão e pesquisa e, assim, seria difícil me preparar, considerando as várias atividades prescritas ao professor mencionadas no Capítulo 2. Resolvi, então, no dia 26 de outubro, enviar outro para confirmar o encontro, no qual fiz uma solicitação à professora: Já iniciando a pesquisa, eu gostaria que você me enviasse, se possível, as suas atividades de trabalho que você deverá realizar nos quatro dias posteriores ao dia 29, dia do nosso encontro, para que o nosso diálogo seja dirigido da melhor forma. Foram solicitadas as atividades de três ou quatro dias por considerar que, nesse intervalo de tempo, haveria um número de atividades razoável para que a professora pudesse dar as instruções na entrevista, fornecendo dados suficientes para a pesquisa. A professora respondeu o no mesmo dia listando as atividades e informando que, no semestre em pauta (2 o semestre de 2008), ela estava em licença-prêmio, 45 e que, por isso, estava ministrando somente uma disciplina, chamada Investigação Científica, que funcionava como orientação de alunos de graduação em projetos de pesquisa. As atividades elencadas pela professora foram são apresentadas na Tabela Licença-prêmio é um direito do funcionário público a ficar afastado do trabalho, com remuneração, a cada cinco anos ininterruptos de trabalho a título de prêmio por assiduidade.

125 101 TABELA 5.1 As atividades elencadas no pela professora da Unicamp Data Atividades Com data e horário marcado: Encontro com alunos de graduação da disciplina Investigação Científica. 05/11/ :00 hs. às 20:00 hs. Elaboração de pareceres para CNPq e Fapesp. 47 Inscrição em um congresso (preparação do resumo e envio). Leitura de textos prévios de dissertação de mestrado de duas orientandas. Sem horário marcado Leitura de textos de dois orientandos de Iniciação Científica. Elaboração de programa da disciplina de graduação do semestre seguinte. Preparação do encontro com os alunos da disciplina Investigação Científica. Fonte: elaborada pela autora. Após receber essa lista, elaboramos um tipo de roteiro com questões que poderiam ser feitas para cada atividade, com base nos pressupostos de autores Clínica da Atividade (CLOT, 2001; CLOT, 2006; CLOT; FAÏTA, 2000), como forma de preparação para o encontro. Ao elaborar essas questões, consideramos que o pesquisador deve se colocar em primeira pessoa (eu) ao pedir as instruções ao professor, o que leva este ao uso da segunda pessoa (você) nas instruções que dá. No roteiro, elaboramos, sobretudo, perguntas visando obter 1. detalhes sobre formas de proceder na realização da atividade, por exemplo Como devo fazer para encerrar a aula? ; e 2. possíveis dificuldades na realização da atividade (evidenciadas pela oração condicional), como, por exemplo, E se eu perceber que um orientando não está entendendo nem os pontos centrais da teoria que seguimos, o que fazer?. Assim, esse roteiro foi uma forma de reflexão sobre possíveis tipos de perguntas que poderiam ser feitas no momento da entrevista. Porém, essa preparação mostrou que, a partir dos tipos de possíveis perguntas, embora pudéssemos ter acesso a interpretações sobre o trabalho real, considerando as atividades 46 Na entrevista, a professora informou que no dia 30/10/2008 faria uma viagem pessoal, já que estava de licença-prêmio, retornando no dia 04/11/2008. Por este motivo, a data da primeira atividade a ser listada no e- mail é o dia 05/11/ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

126 102 possíveis, planejadas, desejadas e as dificuldades no trabalho, talvez isso não possibilitasse evidenciar o ponto de vista da professora sobre os problemas pelos quais o docente de pósgraduação vem passando, como discutido na Introdução. Desse modo, planejamos deixar um espaço aberto para a professora fazer qualquer comentário que considerasse relevante: 547C.: bom, Clara, 48 para a gente terminar, eu queria deixar um espaço aberto para você falar alguma coisa sobre o seu trabalho ou fazer algum comentário... se você gostaria de fazer... Consideramos, então, que tivemos uma entrevista aberta encaixada na entrevista de instrução ao sósia. No dia do encontro, antes do início da entrevista, foi apresentado brevemente o tipo de pesquisa que nós, integrantes do grupo Alter-CNPq, desenvolvemos. Em seguida, foi esclarecido brevemente em que consistia a entrevista de instrução ao sósia: a professorainstrutora deveria supor que a pesquisadora-sósia iria substituí-la em seu trabalho nos dias seguintes à entrevista. Assim, ela deveria dar instruções detalhadas para que a pesquisadora pudesse realizar o seu trabalho. 49 O texto oral foi gravado em um aparelho MP5 e transcrito de acordo com as normas estabelecidas pelo Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo (Nurc/SP) apresentadas em Koch (1997) Perguntas de pesquisa Para a análise do texto transcrito, a fim de buscar as representações nele construídas, propomos responder as seguintes questões, que, mais adiante, serão detalhadas. 1. Quais os conteúdos temáticos mobilizados no texto? Como são organizados? Quais os tipos de agir a eles relacionados? 2. Como a actante professora é representada no texto? Quais são as vozes detectadas e o que elas representam? Há avaliações sobre elementos do trabalho: os outros, objetos, artefatos? 3. Quais são os outros actantes principais postos em cena no texto? Como eles são representados? 48 Nome fictício da professora. 49 A transcrição está no Anexo IV. 50 Anexo III.

127 Quais são as funções atribuídas ao professor de pós-graduação e os elementos constituintes do trabalho docente? 5.6. Procedimentos de análise Conforme exposto no Capítulo 3, para a análise dos dados utilizamos pressupostos do interacionismo sociodiscursivo (ISD) (BRONCKART et al., 1996; BRONCKART, 1999, 2008; ALONSO-FOUCARDE; BRONCKART, 2007; MACHADO; BRONCKART, 2009), complementando com categorias da análise do discurso de linha francesa (MAINGUENEAU, 2001; AUTHIER-REVUZ, 2001) e da teoria da enunciação (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006). A partir desses autores, foi possível a análise do texto, que inclui a análise do contexto de produção, do nível organizacional, enunciativo e semântico. Além dos autores citados, os dados foram reinterpretados a partir de pressupostos da Ergonomia da Atividade Docente (AMIGUES, 2004; SAUJAT, 2002) e da Clínica da Atividade (CLOT, 2006; ROGER, 2007; CLOT; FAÏTA, 2000) e de autores que seguem a abordagem do ISD (BRONCKART, 2006, 2008; BULEA; FRISTALON, 2004; BULEA, 2006; MACHADO, 2010; MACHADO; CRISTÓVÃO, 2005, MAZZILLO, 2006; LOUSADA, 2006; ABREU-TARDELLI, 2006, BUENO, 2007, BARRICELLI, 2007; entre outros) Análise do contexto de produção do texto Para a análise do contexto de produção, no Capítulo 6, centramo-nos na identificação da situação de produção, isto é, nas representações construídas pelo produtor que exercem influência sobre a forma do texto. Assim, identificamos o contexto físico e o sociossubjetivo com base, sobretudo, em Bronckart (1999, 2006, 2008); Alonso-Foucarde e Bronckart (2007); Machado e Bronckart (2009). Em relação ao contexto físico, identificamos os participantes físicos da pesquisa, incluindo o local e momento da produção do texto. Em relação ao contexto sociossubjetivo, abordamos os enunciadores e a sua função social, o lugar social e as representações sobre o efeito de sentido que o enunciador busca produzir no coenunciador.

128 Análise dos três níveis textuais: organizacional, enunciativo e semântico Pergunta 1 Quais os conteúdos temáticos mobilizados no texto? Como são organizados? Quais os tipos de agir a eles relacionados? Em relação a essa pergunta, a partir da análise do nível organizacional detectamos o plano global do texto, tendo como base, sobretudo, as atividades instruídas pela professora, o que permitiu a identificação do conteúdo temático. Identificamos como esse conteúdo temático é planificado a partir dos tipos de discurso, discutidos no Capítulo 4, a partir de marcas linguísticas que indicam a implicação ou a ausência dos parâmetros de situação de produção e as unidades linguísticas que mostram uma conjunção ou disjunção em relação ao mundo da situação de produção. Além disso, identificamos a sequência global e as sequências predominantes. Após a identificação do plano global foi possível, com base no nível semântico, articular os segmentos temáticos com os tipos de agir (linguageiro, mental/cognitivo, instrumental, corporal) a partir da análise do valor semântico dos verbos. Pergunta 2 Como a actante-professora é representada no texto? Quais são as vozes detectadas e o que elas representam? Há posicionamentos e avaliações sobre elementos do trabalho: outros, objetos, artefatos? Em relação a essa pergunta, analisamos, sobretudo, as marcas de primeira pessoa (pronomes, desinências verbais), que evidenciarm o estatuto individual atribuído ao agir da professora. A partir da análise do valor desssas marcas de pessoa foi possível detectar a construção de planos enunciativos encaixados em outros planos, o que permitiu identificar outras vozes com as quais a professora interage. Para a análise das vozes, baseamo-nos, sobretudo, em Maingueneau (2002) e Authier-Revuz (2001), procurando detectar as marcas de heterogeneidade discursiva presentes no texto, sendo analisadas, sobretudo, as marcas explícitas de discurso direto e de discurso indireto predominantes no texto. Além disso, buscamos identificar outras marcas que evidenciam vozes implícitas a partir de organizadores argumentativos e unidades de negação de asserção (DUCROT, 1987).

129 105 Identificamos, ainda, o modo de dizer o agir nos segmentos temáticos analisados, a partir das categorias de figura de ação ocorrência, figura de ação experiência, figura de ação evento passado, figura de ação canônica a partir dos tipos de discurso. Para análise dos elementos constituintes do agir humano representado no texto intenção, motivo, finalidade, capacidade identificamos os organizadores argumentativos (porque, por causa disso, em vista disso etc.) que indicam razões ou motivos para o agir e as modalizações pragmáticas, sobretudo, os verbos auxiliares que intercalam entre o sujeito e o verbo, indicando intenção (querer, tentar, procurar + verbo no infinitivo) ou capacidade (conseguir + verbo no infinitivo). Pergunta 3 Quais são os outros actantes principais postos em cena no texto? Como eles são representados? Em relação a essa pergunta, identificamos os actantes principais, além da professora enunciadora, e como eles são representados. Para essa identificação, partimos das séries coesivas nominais expressas no texto. Analisamos os tipos de agir atribuídos a esses actantes (linguageiro-interacional, mental/cognitivo, instrumental, corporal) e o modo de dizer o agir construídos nos segmentos em que esses actantes são tematizados, o nos levou à identificação das figuras de ação (experiência, evento passado, ocorrência, canônica) a partir dos tipos de discurso. Identificamos, também, as modalizações lógicas, deônticas, apreciativas, que revelam o posicionamento sobre o que é enunciado, e as pragmáticas, que revelam as intenções e capacidades do agente, com base, sobretudo, em Bronckart (1999, 2006, 2008) e Machado e Bronckart (2009). Para a análise dos elementos avaliativos, baseamo-nos em Kerbrat- Orecchioni (2002) a partir das marcas avaliativas (adjetivos, advérbios, verbos), que indicam a subjetividade sobre o que é enunciado. Analisamos, também, o papel temático desempenhado pelo actante com base em Ilari (2006), como apresentado no Capítulo 4: Agente. Alvo. Instrumento.

130 106 Beneficiário/Destinatário. Experienciador. Pergunta 4 Quais são as funções atribuídas ao professor de pós-graduação e os elementos constituintes do trabalho docente? Em relação a essa pergunta, o texto analisado evidenciou uma multiplicidade de atividades desenvolvidas pela professora a partir da identificação do plano global. Acessamos o site da Plataforma Lattes, a base de dados do CNPq que integra currículos de instituições das áreas de Ciências e Tecnologia, 51 e consultamos o currículo da professora, participante desta pesquisa, como modelo para observar as formas de classificação desse currículo usado para registrar as atividades desenvolvidas pelos professores/pesquisadores brasileiros. Com base nesse currículo Lattes, propomos a seguinte classificação, de acordo com cada função desempenhada pelo professor, visando ao agrupamento das atividades tematizadas no texto analisado: Ensino: referente à atuação profissional, ou seja, aos cursos ministrados na graduação e na pós-graduação. Produção bibliográfica: produção de textos acadêmicos, como artigos, livros etc. Projetos: participação em projetos de pesquisa. Orientação a alunos de graduação e de pós-graduação. Bancas: participação em bancas de qualificação e defesa de mestrado e doutorado e em bancas de comissão julgadora de concurso público. Eventos: participação em congressos, seminários, simpósios ou em eventos de outra natureza, ou ainda, organizador de eventos. Produção técnica: referente à elaboração de pareceres. Conselhos, comissões e assessorias: membro de colegiado superior, membro de corpo editorial, membro de comissão de avaliação de resumos de congressos. 51 Disponível em: < Acesso em: 10 jul

131 107 A partir dessa classificação, agrupamos as atividades centrais tematizadas no texto analisado, de acordo com as funções atribuídas ao professor. Após isso, identificamos alguns elementos constituintes das funções atribuídas ao professor, como ilustra a Tabela 5.2. TABELA 5.2 Exemplo de uma função atribuída ao professor e os elementos do trabalho docente Função Desempenhada Objeto Outrem Artefatos materiais ou simbólicos 1. Professor Organizar um meio que possibilite o desenvolvimento de capacidades específicas. Fonte: elaborada pela autora. Alunos, universidade, agências de fomento, colegas da profissão. Computador e diferentes programas computacionais. Textos pertencentes a diferentes gêneros. Esse conjunto de análises apresentado possibilitou a nossa interpretação das representações construídas no e pelo texto produzido pela professora sobre o seu trabalho. O resultado do conjunto dessas análises será apresentado no Capítulo 6, a seguir.

132 109 CAPÍTULO 6 DISCUSSÃO E RESULTADOS DAS ANÁLISES DOS DADOS Os conflitos são as alavancas vitais do desenvolvimento [...] mas às vezes eles constituem uma série de obstáculos que deixa os sujeitos diante de dilemas intransponíveis. (CLOT, 2006) Neste capítulo apresentamos e discutimos os resultados das análises do contexto de produção e linguístico-discursivas realizadas à luz dos pressupostos teórico-metodológicos abordados nos capítulos anteriores. Ele divide-se em três seções maiores. Na primeira seção iniciaremos a apresentação da descrição do contexto de produção da instrução ao sósia e da entrevista analisada. Na segunda seção trataremos das atividades colocadas em cena no texto oral analisado e do agir individual e coletivo evidenciados no texto analisado. Na terceira seção discutiremos os elementos constitutivos do agir como base na semântica do agir. Na quarta seção apresentaremos uma reflexão sobre as funções atribuídas ao professor de pós-graduação, representadas no texto analisado O contexto de produção do texto Nesta seção faremos a descrição do contexto de produção físico e sociossubjetivo do texto oral (entrevista de instrução ao sósia e entrevista aberta encaixada) que foi produzido para ser objeto de análise desta pesquisa de doutorado. Em relação ao contexto físico, o texto oral foi produzido no dia 29 de outubro de 2008, na casa de Clara (nome fictício), localizada em um bairro nobre da cidade de Campinas-SP, a pedido dela, onde parecia sentir-se à vontade. Em relação ao contexto sociossubjetivo da primeira participante, ela desempenha o papel social de pesquisadora iniciante, e a outra participante, por sua vez, desempenha o papel de professora experiente de graduação e de pós-graduação, trabalhando com ensino e pesquisa, como descrito no Capítulo 5. O lugar social da interação é o acadêmico-científico, já que se trata de uma entrevista gerada para uma pesquisa de doutorado.

133 110 O efeito pretendido pela pesquisadora, construído na instrução ao sósia, foi o de levar a professora a dar instruções adequadas para atividades que a pesquisadora deveria, ficcionalmente, realizar no futuro, substituindo a professora. Por sua vez, em relação às hipóteses sobre os efeitos pretendidos pela professora na situação fictícia de instrução ao sósia, consideramos que tenha sido a de instruir e orientar a pesquisadora para que ela pudesse realizar essas atividades. Mas, em relação à situação de pesquisa propriamente dita, sem considerar o ficcional da instrução ao sósia, levantamos a hipótese de que os efeitos pretendidos seriam os de mostrar que a experiência é fundamental para que o professor consiga lidar com as múltiplas tarefas a ele prescritas, além das dificuldades inerentes à profissão. Em relação à imagem construída de si mesma, a pesquisadora se apresenta como uma estudante de doutorado que desenvolve um trabalho acadêmico e mostra-se preocupada com as questões éticas. Além disso, busca demonstrar que, embora não conheça todas as atividades desempenhadas pelo professor de pós-graduação, já está, de alguma forma, inserida no mundo acadêmico, pois conhece algumas das atividades desenvolvidas nesse meio, pois as desenvolve. Por exemplo, participa de congressos. Além disso, procura demonstrar que conhece os pressupostos subjacentes ao instrumento de geração de dados, sabendo conduzi-lo. Por sua vez, a professora procura expressar-se, desde os primeiros contatos, como uma docente que não está desenvolvendo todas as atividades por estar em licença-prêmio à época de geração de dados, mostrando-se uma profissional muito experiente. Podemos imaginar que esse contexto configura uma relação complexa, assimétrica em dois sentidos. Por um lado, a pesquisadora domina os pressupostos teórico-metodológicos em que sua pesquisa se fundamenta, assim como o instrumento de geração de dados, controlando a interação e instituindo as regras, conforme seus objetivos e os usos que fará dos resultados (MACHADO; BRITO, 2009), mas é uma iniciante na vida acadêmica, pois não conhecendo as atividades de trabalho de um professor de pós-graduação stricto sensu. Por outro lado, a professora domina essas atividades, pois esse é o seu trabalho há muitos anos, mas não domina os pressupostos que embasam a pesquisa da doutoranda, nem o instrumento de geração de dados. Além disso, de modo geral, não é ela quem controla a interação, tampouco quem institui as regras. Dentro desse contexto maior há outro contexto, pois a entrevista de instrução ao sósia cria uma situação fictícia em que a professora de pós-graduação deve desempenhar o papel de

134 111 professora-instrutora, tendo de dar instruções de como desenvolver suas atividades de trabalho para a doutoranda, que, por sua vez, desempenha o papel de sósia da instrutora, isto é, aquela que, ficcionalmente, realizaria essas atividades. Além disso, as interlocutoras também devem ter interagido sabendo que aquilo que estava sendo coproduzido seria lido por outros interlocutores ausentes, já que o texto seria objeto de uma pesquisa de doutorado. Entre esses interlocutores poderiam estar outros professores de pós-graduação, como a orientadora, os membros da banca de defesa, outros colegas da comunidade científica e alunos de pós-graduação, o que deve interferir no que é dito e em como é dito. Na seção a seguir abordaremos as atividades instruídas na entrevista e o agir individual e coletivo As atividades da professora de pós-graduação tematizadas Nesta seção apresentaremos as características organizacionais maiores dos turnos da pesquisadora e da professora do texto oral analisado, o plano global do texto, abordando os tipos de discurso e os tipos de sequências predominantes. Trataremos, também, dos tipos de agir identificados nos segmentos temáticos. O texto da instrução ao sósia apresenta palavras e 546 turnos interacionais, considerando quando os interlocutores tomam a palavra. Elas são constituídas, sobretudo, de perguntas e respostas, dado que se trata de uma entrevista, em que a professora dá instruções para a pesquisadora de como desenvolver as suas atividades de trabalho. O enunciador e o destinatário alternam-se, sendo representados ora pela pesquisadora e professora, ora pela professora e pesquisadora. Em relação à quantidade de palavras da pesquisadora, identificamos palavras, sendo que os turnos da pesquisadora servem, sobretudo, para: Em primeiro lugar, introduzir uma nova atividade, levando em conta a lista de atividades enviada por pela professora, o que indica a mobilização de conteúdo já expresso, com o uso do marcador conversacional bom. P98.: Uhn-uhn... certamente, não...bom, outra coisa que você me falou é elaboração de disciplina de graduação de 2009

135 112 Em segundo lugar, mostrar concordância e engajamento na conversação, com o uso de marcadores como certo e uhn-uhn. 28C.: é vou anotar na minha agenda geralmente é assim quinze dias um mês entendeu para você fazer o parecer... o que mais eu vou receber de ? geralmente é isso... são as agências revistas que você dá parecer aluno a universidade chamando para reunião para... dando aviso né pedindo para divulgar coisas 29P.: [uhn uhn Em terceiro lugar, mostrar compreensão ou buscar confirmação de sua compreensão ao turno anterior da professora, com o uso do marcador né. 207P.: e quanto tempo eu posso gastar com essas leituras? você falou um capítulo né? Em quarto lugar, descobrir os detalhes e as formas de proceder para desenvolver a atividade exposta pela professora. 53P.: imagine eu vou estar num seminário desse o que eu...como que eu deveria proceder nesse seminário? Em quinto lugar, pedir esclarecimento quando não compreendeu as instruções. 317C.: porque tem as perguntas todas que você tem que responder P.: eu não estou entendendo direito... então eu vou ter que ler esse projeto...ou o artigo C.: você vai ler o projeto ou artigo dependendo do que a pessoa está pedindo... Finalmente, desvendar problemas ou dificuldades que podem aparecer no desenvolvimento da atividade. 189P.: uhn uhn... e nessa leitura pode acontecer de eu estar com dificuldade de concentração? Em relação a este último tipo de pergunta, as representações construídas nos e pelos textos sobre o trabalho da professora entrevistada é que ele é constituído, sobretudo, de dificuldades e imprevistos na realização das tarefas. Essas representações são oriundas tanto da prática no exercício da docência e da pesquisa pela pesquisadora quanto da leitura de textos teóricos que abordam essas questões. Nesse sentido, as representações construídas pela pesquisadora, na interação, sobre o tema abordado colaboram para desvendar mais detalhes sobre as formas de agir. Assim, muitas dessas perguntas originam-se dessas representações

136 113 oriundas de uma memória do métier, e não da observação in loco da professora pela pesquisadora. Em relação aos turnos da professora entrevistada, identificamos um total de palavras, sendo observada a presença de alguns marcadores conversacionais, como entendeu, que serve para confirmar se a pesquisadora está engajada na conversação, compreendendo-a, e né, no final de temas ou subtemas, que serve para buscar apoio em relação ao que ela diz. Os turnos da professora servem, sobretudo: Em primeiro lugar, para instruir a pesquisadora, descrevendo ações consecutivas para o desenvolvimento das atividades. 184C.: você vai lendo e corrigindo já e colo... eu vou colocando sugestões perguntas algumas coisas eu corrijo é tudo aquilo que eu falaria com elas e que e eu não vou falar né? vou escrever... pesquisadora. Em segundo lugar, para concordar sobre a possibilidade de problemas colocada pela 189P.: uhn uhn... e nessa leitura pode acontecer de eu estar com dificuldade de concentração? 190C.: ((tossiu)) pode se você estiver cansada preocupada com outra coisa... Finalmente, para relatar alguma experiência problemática vivida. 134C.: é olha eu sei porque eu também já tive do outro lado né de organizadora de congresso P.: [uhn uhn 136C.: e daí a gente recebe um monte de telefonemas de gente reclamando porque não conseguiu fazer a inscrição né você vê o outro lado da história também às vezes...eu lembro por exemplo fui presidente do GEL 52 a alguns anos atrás ( ) do GEL não sei se você chegou a participar de algum encontro do GEL... Observamos, no último exemplo, que a professora relata a sua experiência vivida para dar instruções à esta pesquisadora, principalmente quando se trata de dar orientações sobre como agir em situações problemáticas ou difíceis na realização da atividade. Interessante observar que no turno 136C em não sei se você chegou a participar de algum encontro do GEL, a professora institui a pesquisadora como colega de trabalho que já faz parte do mesmo métier. 52 Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo.

137 114 As hipóteses levantadas na seção 6.1 em que abordamos o contexto de produção sobre o tipo de interação são confirmadas nesses exemplos, pois vemos que é a pesquisadora quem conduz a interação e é a professora quem detém os conhecimentos sobre o trabalho docente a serem desvendados pela pesquisadora. Em relação aos turnos da professora, os menores servem para responder alguma pergunta sobre elementos específicos do trabalho. Os turnos maiores, por sua vez, servem, sobretudo, para descrever como se desenvolvem as atividades. Além disso, encontramos segmentos maiores que servem, também, para relatar uma experiência vivida, relacionada à atividade instruída, como podemos observar no exemplo a seguir, em que a experiência é representada como fundamental. 148C.: [site do GEL] tá ótimo não tá? mas no ano de dois mil e quatro deu problema para muita gente e a gente sabia que ia dar porque era a primeira associação da nossa área aqui no Brasil de Humanas de Letras de Linguística que estava fazendo isso... a gente não tinha nenhuma outra para... quando você tem outro que já fez você vê os erros que outro fez você evita você conserta então era uma experiência nova... deu muito problema muita gente perdeu muita gente... falaram que tinha dois mil e tantos inscritos então tem e não... não aparece entre dois e tantos né... mas para quem está organizando é um tal de telefonema não sei o que isso acontece não sei o que sempre tem gente que perde... Em relação ao segmento de entrevista aberta, identificamos 64 turnos, constituídos por palavras, com 144 palavras da pesquisadora, que, sobretudo, retoma, de alguma forma, o conteúdo temático introduzido pela professora. Já os turnos da professora apresentam palavras e, expressam, principalmente, avaliações de atividades de trabalho prescritas pelas instituições externas. Nessa entrevista aberta, não se pedem instruções de como proceder para desenvolver a atividade, nem são colocados possíveis problemas, baseados na experiência da pesquisadora, para realizar a atividade. Já na instrução ao sósia, a pesquisadora, sobretudo, pede para a professora dar orientações sobre como proceder para desenvolver determinada atividade, faz perguntas com o objetivo de descobrir os detalhes para a realização das atividades, questiona sobre problemas e dificuldades na realização das atividades e pede esclarecimentos quando não compreende como executar determinada atividade. Como vimos, há diferenças entre as duas partes do texto, sendo que o que diferencia a entrevista aberta e a instrução ao sósia, no nosso caso, é o tipo de pergunta feita com base nas representações construídas pela

138 115 pesquisadora, caracterizando uma construção discursiva de uma experiência vivida (da instrução ao sósia) de outra experiência vivida (do trabalho da professora). A Tabela 6.1 expõe a quantidade de palavras identificada no texto analisado. TABELA 6.1 Levantamento quantitativo e percentual das palavras Participantes de pesquisa Entrevista de instrução ao sósia Porcentagem na instrução ao sósia Entrevista aberta Porcentagem na entrevista aberta Professora palavras Pesquisadora palavras TOTAL: palavras Fonte: elaborada pela autora. 77,33% palavras 22,67% 144 palavras 100% palavras 90,7% 9,3% 100% Os números da Tabela 6.1 evidenciam que a entrevista aberta funciona, aqui, como um instrumento auxiliar para geração de dados, o que pode ser observado a partir da quantidade de palavras nos dois tipos de entrevista, já que na instrução ao sósia houve um total de palavras, ao passo que na entrevista aberta foram apenas Na instrução ao sósia, as atividades elencadas no pela professora, conforme esclarecemos no Capítulo 5, foram retomadas pela pesquisadora, mas algumas outras atividades também foram introduzidas pela professora no momento da interação, como podemos observar no quadro a seguir. Nos turnos de 479C a 544C da instrução ao sósia, a introdução do tópico também se deu pela professora, a pedido da pesquisadora, que solicitou que a professora instruísse uma atividade considerada difícil por ela, sendo tematizadas as atividades de leitura de tese para banca de defesa e arguição em banca de defesa. Nos turnos 547C a 570C temos o segmento que consideramos entrevista aberta, já que o foco na entrevista aberta não é uma atividade específica nem há instruções para desenvolvê-la. A Tabela 6.2 traz os segmentos temáticos identificados na instrução ao sósia, dos turnos de 2C 53 a 544C, e na entrevista aberta encaixada, dos turnos de 457P a 570C. 53 C refere-se à professora (nome fictício Clara) e P à pesquisadora. O turno 1P foi o início da instrução ao sósia pela pesquisadora, em que ela faz uma breve contextualização da situação de pesquisa.

139 116 TABELA 6.2 Plano global da instrução ao sósia e da entrevista aberta Numeração dos turnos em questão 2C ao 33C 39P ao 47P 36C ao 38C 48C ao 66C 67C ao 170P 171P ao 267C 268P ao 299C 300P ao 422C 423P ao 478C 479P ao 525P 526C ao 544C Temas listados no e retomados pela pesquisadora na instrução ao sósia 4. Elaboração de resumo para congresso e inscrição nele 5. Leitura de capítulos de dissertação de mestrado (para alunos) 6. Elaboração de programa de disciplina de pós-graduação 7. Elaboração de parecer para os órgãos de fomento 8. Preparação do encontro e encontro com alunos de graduação da disciplina Investigação Científica Temas introduzidos na instrução ao sósia pela professora 1. Recebimento e envio de de/a várias instâncias 2. Reunião com colegas sobre o processo seletivo dos alunos da pós-graduação 3. Seminário de pesquisa para alunos de pós 09. Leitura de tese para banca de defesa 10. Arguição em banca de defesa 547P ao 556C 11. Atividades agradáveis e atividades desagradáveis 557P ao 570C 12. Avaliação/prescrições dos órgãos de fomento Fonte: elaborada pela autora. Como se pode observar, alguns temas foram colocados em cena no momento da instrução pela professora, o que mostra que nem sempre é a professora quem dirige a interação. Em relação ao seminário de pesquisa para alunos de pós-graduação, a professora esclarece que não estava desenvolvendo essa atividade no semestre em questão por estar em licença-prêmio. Aliás, no em que listava as atividades a serem realizadas, a professora

140 117 menciona que, como estava em licença-prêmio, não estava lecionando a disciplina de graduação e a de pós-graduação, mas tinha mantido a disciplina Investigação Científica, que funciona como orientação a alunos de graduação em projetos de pesquisas. Além disso, as atividades listadas não foram retomadas pela pesquisadora na ordem em que estão no . Aliás, no trocado, como mencionamos no Capítulo 5, a professora faz uma divisão entre atividades com horário marcado e atividades sem horário marcado. A única atividade que aparece com horário marcado é o encontro com alunos de graduação que cursam a disciplina Investigação Científica. Já em relação aos tipos de discurso, há marcas linguísticas que remetem à situação de produção, pois se trata de um diálogo, sendo o discurso interativo o predominante. Alguns segmentos em relato interativo (verbos no pretérito perfeito e no imperfeito) são encaixados no discurso interativo, em que a professora aborda sua experiência profissional anterior para dar esclarecimentos de instruções à pesquisadora. 117C.: eu fui para um congresso lá em Montevidéu em agosto da Alfal Associação de Linguística e Filologia da América Latina e nós enviamos o resumo no início do ano mas o site era horrível as explicações ali que você tinha para enviar o resumo e tudo você ficava na dúvida se o resumo tinha chegado ou não... Esses segmentos em relato interativo encaixados no discurso interativo abordam várias atividades, e parte da experiência vivida pela professora para dar esclarecimentos sobre algumas das instruções. Nesse sentido, a experiência é colocada como central para se justificar porque realizar uma atividade de determinada maneira. Encontramos, ainda, segmentos de discurso interativo encaixados no discurso interativo dominante, trazendo um discurso anterior para o tempo da enunciação, revivendo-o, como no exemplo a seguir: 474C.:[...] na pós... na pós se os alunos chegam e falam que não deu para ler não sei o que... não sei o que daí eu falo: bom então vocês vão embora para casa e daí a gente se encontra na próxima semana é mais aquela leitura e mais essa tá porque na pós você não vai ficar dando trabalhinho discussão em grupo é perda de tempo eu acho... se vocês não tiveram tempo de ler vocês vão sentar aqui agora e ler então... Esse exemplo mostra dois estilos de agir do professor, um com os alunos da graduação, em que é possível dar trabalho em grupo na sala de aula, e outro com alunos de pós-graduação, em que não seria adequado pedir para o aluno fazer trabalho em grupo, pois

141 118 seria perda de tempo, na opinião da professora. Além disso, revela as dificuldades pelas quais o professor passa, já que ele tem de readaptar o seu planejamento a cada aula, de acordo com a situação do momento. Nesses segmentos encaixados em discurso interativo, evidenciamos os diversos outros com os quais a professora dialoga em situação de trabalho, oralmente ou por escrito diferentes espécies de alunos, comissão de órgãos de fomento e a voz de colegas de trabalho. Em primeiro lugar, evidenciamos a voz da própria professora, dirigindo-se aos alunos, tendo como tema respostas a s, leitura de textos e interações conflituosas em sala de aula. No caso do exemplo a seguir, a voz da professora tem a função de prescrever o agir do aluno. 255C.: então eu já olho na biblioteca e falo: vai lá e pega que está lá... se ele falar que ele não leu... mas com pós eu não faço isso com pós eu deixo o aluno se virar mais porque é diferente né? Em segundo lugar, observamos a voz da professora, desempenhando o papel de parecerista ou de arguidora, dirigindo-se à comissão dos órgãos de fomento ou ao aluno na defesa, respectivamente, como no exemplo a seguir, em que a professora se dirige aos órgãos de fomento ao dar um parecer. 349C.: [é são pareceristas ad hoc que a gente chama daí isso vai para uma comissão do CNPq 54 o comitê...da área e o comitê vai ver os pareceres que a gente deu... daí eles vão ver o que vão decidir... eu digo lá: não recomendo para recomendo para ( ) Todos esses exemplos mostram uma recriação de um discurso anterior, uma experiência verbal. Em terceiro lugar, identificamos, ainda, nos segmentos encaixados em discurso interativo, a voz de colegas de trabalho, que agem de maneira diferente em relação ao modo de agir da professora, revelando estilos diferentes. No caso do exemplo a seguir, a voz trazida à cena mantém uma relação de oposição com a voz da professora-enunciadora, evidenciando conflitos no coletivo de trabalho. 586C.: tá? então para fazer o meu relatório da Unicamp 55 eu tenho que preencher outro currículo da Unicamp daí meu aluno quer bolsa da 54 Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. 55 Universidade Estadual de Campinas.

142 119 Fapesp eu não quero para mim mas ele quer bolsa ele tem o direito dele de pedir a bolsa não é P.: da Fapesp daí tem que ser outro? 588C.: daí eu tenho que ir lá e fazer as coisas da Fapesp... então eu não tenho coragem de virar; tem colegas que falam isso eles falam para o aluno: olha aluno meu eu não vou pedir bolsa para lugar nenhum... Além desses diferentes outros com os quais a professora se relaciona em situações de trabalho, identificamos, ainda, a voz da professora, tendo como destinatário as pessoas que ligam para a sua casa no momento em que ela está trabalhando. O exemplo a seguir revelanos que isso acaba por suprimir a divisão entre a vida profissional e a vida privada, tendo o professor de deixar de lado assuntos da vida particular para se dedicar às atividades profissionais em sua casa, o que mostra conflitos, escolhas que têm de tomar. 381C.: é às vezes você consegue falar: não posso às vezes você tem que falar: olha não posso agora... se for ( ) às vezes eu tenho que dispensar as outras coisas... às vezes eu falo: eu não posso falar com você me liga mais tarde eu ponho aquilo [alguma atividade de trabalho que está sendo realizada] de prioridade viu? Tais segmentos em discurso interativo recriam uma situação, geralmente presente ou futura, tendo a função de dar instruções que fazem parte do desenvolvimento da atividade, ou seja, instruções referentes ao que se deve dizer em determinada situação. Esses segmentos em discurso interativo encaixados em discurso interativo mostram a ocorrência de dois planos enunciativos: um em que a professora-enunciadora interage com a pesquisadora e outro em que ela interage como os alunos ou com colegas de trabalho em uma situação recriada. Em relação à organização global que caracteriza a infraestrutura geral do texto, ele é planificado em sequência dialogal global, já que se trata de uma entrevista oral em que pesquisadora e professora estão efetivamente engajadas na conversação. No interior dessa sequência dialogal maior, em que há as fases de abertura, transação e fechamento, identificamos muitos segmentos locais em sequência injuntiva, em que consideramos que os efeitos de sentido buscado pela professora é gerir as ações da pesquisadora na realização as atividades de trabalho, que esta faria numa situação ficcional, como podemos observar a seguir. 423P.: bom outra atividade que você colocou é o encontro com alunos de graduação C.: [uhn uhn 56 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

143 P.: que vai ser no dia cinco do onze... como eu devo iniciar esse encontro? 426C.: você vai encontrar com eles lá no IEL elas têm para esse encontro umas leituras tá você vai discutir com elas uns textos sobre gêneros do discurso coisas assim que elas estão lendo P.: e para...para... então eu vou ter que ter lido esses textos? 428C.: você vai ter que ter lido esses textos e... porque esses encontros essa leitura em função de análise de dados que elas estão fazendo tá? então para esse encontro dessa semana você vai ter que ter lido os textos para discutir com elas e relacionar com as análises que elas estão fazendo... No decorrer do texto, observamos que a modalização deôntica é muito recorrente, já que se trata de uma instrução ao sósia em que a pesquisadora é o sujeito da prescrição. Entretanto, no último segmento de entrevista aberta avaliação/prescrições dos órgãos de fomento, encontramos, ainda, modalizações deônticas indicando os deveres do professor, o que mostra as representações do professor genérico (ou geral) sobre o mundo social, as regras e normas de instâncias externas (universidade e agências de fomento). 584C.: pois é agora mas não... a gente tem que... a gente tem que sentar lá e fazer o currículo resumido para cada coisa diferente dos seus alunos por exemplo você tem um aluno que pede bolsa para a Fapesp você tem que fazer um currículo em função da Fapesp você pára aquilo que você está fazendo né? Além desse agir prescritivo, evidenciamos outros modos ou tipos de agir construídos no e pelo texto pela professora ao abordar o seu trabalho: agir mental/ cognitivo, instrumental, linguageiro, corporal e afetivo, conforme discutimos no Capítulo 4. A mobilização desses diferentes modos de agir pela professora confirma a nossa concepção de trabalho docente em relação ao fato de que o professor mobiliza o seu integral, em suas diferentes dimensões (corporal, mental/cognitiva, linguageira e afetiva) com o uso de instrumentos, materiais ou simbólicos, para a realização de suas atividades de trabalho. Comparando os tipos de agir nos segmentos temáticos, observamos que em todos eles foram colocadas em cena as dimensões mentais/cognitivas e linguageiras do professor, que realiza o seu trabalho com o uso de algum instrumento. Entre os doze temas, o agir corporal apareceu em apenas quatro segmentos e o afetivo em apenas um. Na Tabela 6.3 temos exemplos de fragmentos em que esses tipos de agir aparecem. 57 Instituto de Estudos da Linguagem (Unicamp).

144 121 TABELA 6.3 Exemplos dos tipos de agir Tipos de agir Agir mental/cognitivo Agir instrumental Agir linguageiro interacional Agir (ou processo) afetivo Agir corporal Exemplos 325C.: [elaboração de parecer] então você tem que pensar na coerência de tudo isso por isso que eu digo que dá um trabalho C.: então eu vou escrevendo do lado na própria tese [...]... depois que eu fiz tudo isso enquanto eu vou lendo daí eu vou sentar no meu computador e vou organizar isso daí... (instrumento material) 54C.: então nesse seminário normalmente ou tem alguma leitura para ser discutida teórica tá a gente lê um texto que é importante para todo mundo então você vai preparar a leitura desse texto e vai discutir com os alunos tá ou você vai ouvir as apresentações deles... a gente intercala algumas aulas de discussão de leitura 548C.: olha eu acho que o trabalho da gente hoje ele tem algumas coisas boas e algumas coisas ruins que atrapalham a gente... atrapalham a...a parte... a parte que eu gosto mais do meu trabalho é a parte de estudar né 228C.: você levanta vai na estante procura o livro se você tem se você não tem você tem que... deixar para ler outra hora você marca eu marco em algum lugar que vou ter que procurar aquele material depois para reler conferir né? Fonte: elaborada pela autora. Em primeiro lugar, observamos que os tipos de agir que mais se destacam no texto analisado são o agir mental/cognitivo e o linguageiro interacional, com o verbo ler, que teve uma grande quantidade de ocorrências (115), tendo aparecido em todos os segmentos temáticos. Além disso, observamos também outros verbos ou expressões que implicam o ato de ler, como verificar as normas, olhar programas, selecionar textos, identificar os temas, procurar livros. Identificamos também uma grande ocorrência do sintagma leitura (100 ocorrências), o que mostra que a leitura e o ato de ler estão intrinsecamente relacionados a todas as atividades tematizadas no texto analisado. Esse ato de ler é voltado, principalmente, ao aluno, pois se trata de leitura de textos de alunos (dissertações, teses, projetos de pesquisas, relatórios). Além disso, identificamos a leitura de projetos de pesquisadores brasileiros que os enviam aos órgãos de fomento para serem avaliados, leitura de normas e prescrições oriundas

145 122 de órgãos de fomento e de organizadores de congresso. Finalmente, identificamos também a leitura de livros e artigos como forma de aprimoramento para a aula e para pesquisa dos alunos, o que indica representações de que as aulas requerem uma preparação prévia e também que é necessário o professor estudar, ler novos livros/autores para acompanhar as pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelos alunos. Há outros verbos ou expressões que também indicam um agir mental/cognitivo, como o verbo pensar e avaliar, por exemplo, que teve bastantes ocorrências (21 e 16, respectivamente). Além do ato de leitura, identificamos múltiplas referências ao ato da escrita em todos os segmentos temáticos em todas as atividades instruídas. Essa escrita pode ser referente à produção de textos acadêmicos (resumos para congresso, artigos, por exemplo); às correções, sugestões, observações em textos de alunos/orientandos; ao planejamento e preparação de aula e de programa de disciplina; à elaboração de parecer; à preparação da arguição para banca de defesa; às respostas a s. Tudo isso indica que o trabalho do professor de pósgraduação é representado como altamente mental/cognitivo e linguageiro, em que o docente precisa fazer leituras, seja de textos de alunos, seja de outros instrumentos simbólicos com os quais ele tem de trabalhar, fazendo parte de seu métier também escrever textos, mais complexos ou menos. Assim, o professor é representado com capacidades intelectuais para desempenhar suas variadas atividades, sendo o trabalho de leitura e escrita essencial na sua profissão. Em segundo lugar, o agir linguageiro e interacional, que também foi encontrado em todos os segmentos temáticos, é direcionado a várias instâncias, podendo ser um agir oral ou escrito. Em relação ao agir linguageiro oral, ele se refere a discussões em seminários e encontros com alunos e à arguição em banca defesa. Já o agir linguageiro escrito, que é o mais presente nos dados, refere-se à elaboração de s enviados a alunos, universidades e agências de fomento; à elaboração de programa de disciplina; pareceres; resumos para congressos; currículos; relatórios e, principalmente, a observações ou sugestões em textos ou teses de alunos. Nesse agir linguageiro e interacional também está envolvido, sem dúvida, o agir mental/cognitivo. Observamos, assim, que tanto a leitura quanto a escrita envolvem o agir mental/cognitivo e o linguageiro interacional. Prosseguindo a discussão, o agir linguageiro revela a dimensão interpessoal do trabalho, envolvendo a interação com vários outros indivíduos, como alunos, universidades, agências de fomento, colegas de trabalho, pesquisadores brasileiros para quem se elabora parecer, organizadores de congresso, participantes de congresso.

146 123 Alguns predicados apresentam verbos de dizer mais neutros (dizer, falar), indicando uma situação recriada, geralmente, com os alunos, apontando um agir linguageiro que não implica uma resposta dos alunos. Identificamos também muitas ocorrências do verbo mandar (no sentido de enviar) em enunciados que revelam um dizer enviado por uma ferramenta de computador e trocas constantes com outros. 14C.: [...] os alunos eles mandam a universidade manda C.: fora os alunos tem assim CNPq Fapesp revista que dá parecer tudo isso te mandam hoje em dia... Esses dois exemplos mostram predicados que revelam o agir linguageiro dos alunos, da universidade, das agências de fomento, implicando o agir da professora, pois observamos que os alunos enviam textos para a professora ler, entre outros pedidos; a universidade envia convocando para reunião e pedindo para repassar para os alunos; as agências enviam trabalhos acadêmicos de pesquisadores brasileiros para elaboração de parecer, o que revela o caráter interacional do trabalho da professora e, sobretudo, o agir prescritivo das instâncias superiores. Em terceiro lugar, os exemplos anteriores, além de revelarem um agir linguageiro, também mostram um agir com instrumento material que é o . Identificamos, também, o verbo mandar com outro sentido (252C.: eu mandei ele [aluno] ler duas coisas), revelando um agir prescritivo da professora que implica uma ação sobre o aluno, que é ler os textos indicados pela professora. Detectamos, ainda, predicados com verbos que indicam um agir linguageiro da professora em reação ao agir da universidade e dos alunos, apresentando como sendo excessivo. 14C.: [...] teve um ano que eu comecei a contar de mania minha quantos e- mails eu respondia por dia quanto tempo eu gastava respondendo para colocar no meu relatório de atividade da Unicamp... Em relação ao agir com instrumento material, ele envolve o uso do computador, pois a maioria das atividades é realizada com o computador e a internet. A professora está configurada no texto, implicitamente, como tendo capacidades para desenvolver quase todas as atividades com o uso de computador, com exceção de uma: elaboração de resumo para congresso, como podemos evidenciar a seguir.

147 124 82C.: daí você faz o resumo tem que ver o formato do re... para mim a parte mais chata é essa formatar tantas... ((risos)) tamanho tal... isso aí eu nunca sei fazer... 83P.: ((risos)) tamanho do resumo... 84C.: eu tenho que pedir ajuda pedir ajuda aos meus alunos sempre punha aqui... gravar em PDF 58 gravar em r não sei que lá tantas... tantas palavras eu não sei contar 85P.: [pode ser ( ) 86P.: pode ser que vai estar pedindo para gravar em PDF? 87C.: isso... isso eu não sei fazer... 88P.: outra instrução não sei o que... 89C.: então já te digo... toda essa parte [do trabalho] que exige muito conhe/ mais conhecimento técnico eu peço ajuda... Observamos que à professora é atribuída falta de apropriação em relação à utilização de artefatos tecnológicos que requerem muito conhecimento técnico, sendo obrigada a pedir ajuda aos alunos, já que o conhecimento técnico está configurado como em excesso, em alto grau. Talvez seja por esse motivo que à professora é atribuída falta de capacidades em relação à utilização de alguns desses artefatos tecnológicos. Outra dificuldade representada é em relação a problemas técnicos que podem acontecer ao enviar o resumo pela internet. A forma de resolver esse problema é analisar se não foi feito nada errado e corrigir o erro; caso contrário, a solução pode ser enviar para a comissão do congresso e pedir ajuda. Além dos artefatos materiais tecnológicos colocados em cena no texto, evidenciamos artefatos simbólicos como leitura, discussão, bibliografia, teoria, apresentação (dos alunos), metodologia, tema do congresso, perguntas, processo, texto, plano b, livro, rabiscos (54C, 184C, 502C, 325C, 97C, 101C, 474C, 490C). A seguir, temos um exemplo em que a professora dá instruções sobre a atividade de elaboração de parecer para as agências de fomento. 377C.: mal ou bem tem aqueles meus rabiscos ali sabe... eu só jogo fora os meus rabisquinhos na hora que o CNPq me manda dizendo que recebeu meu parecer... Esse exemplo revela que o agir individual da professora é representado como um agir que envolve um artefato transformado em instrumento (rabiscos ou anotações) como forma de antecipar possíveis problemas, evitando, assim, perder todo o seu trabalho realizado (o parecer enviado pelo site). Nesse caso, ele é considerado útil e mostra um gesto profissional criado pela professora, de acordo com os seus interesses e necessidades. 58 Portable Document Format (PDF) é um formato de arquivo desenvolvido pela empresa Adobe Systems em 1993.

148 125 Em quarto lugar, o agir corporal, identificado em dois segmentos temáticos, representa o agir do professor envolvendo gestos para procurar livros na biblioteca em casa e na universidade e o deslocamento de casa para ir a reuniões. Finalmente, o agir afetivo, que aparece apenas em um segmento temático atividades agradáveis e desagradáveis, é marcado pelo verbo gostar, num excerto em que a professora aborda as atividades das quais ela gosta e das quais ela não gosta, como veremos mais adiante. Em síntese, os diferentes modos de agir construídos no texto analisado revelam que o trabalho do professor é constituído na relação, sendo acentuado o caráter interacional, constituindo-se por atividades conjuntas de três tipos: 1. linguageira, que implica uma ação dos alunos de graduação e de pósgraduação ou de orientandos de iniciação científica ou de mestrado e de doutorado: 91C.: [...] vamos supor vou fazer esse resumo para o congresso daí que ele estiver prontinho eu vou mandar para alguém [aluno] para pôr no formato que tem que pôr linguageira, que não implica uma resposta/ação dos outros (alunos, participantes de congressos etc.): 150C.: [inscrição em congresso] eu acho que eu nunca perdi Siderlene eu acho que eu nunca perdi porque eu fico correndo atrás de alguém... primeiro que eu evito deixar para o último dia né a gente sempre pede para as pessoas fazerem isso né linguageira, como reação ao agir dos outros (alunos, colegas de trabalho, agências de fomento etc.). 361C.: [elaboração de parecer] no site... o projeto é bem fundamentado teoricamente? não sei o que daí você tem que responder com as suas palavras escrever um texto aí... Ao professor, são prescritas várias atividades, sendo o intelecto fortemente representado como essencial na realização de todas as atividades que, por sua vez, são mediadas por instrumentos materiais, principalmente o tecnológico e simbólico disponíveis no coletivo de trabalho e apropriados pelo professor.

149 126 Vimos, assim, os diferentes elementos constituintes do agir do professor: as variadas dimensões envolvidas (cognitiva, linguageira-interacional, corporal, afetiva) no trabalho, a mediação por artefatos materiais ou simbólicos e as prescrições oriundas de instâncias externas, que indicam o que deve ser feito ao professor. Na seção a seguir teremos como foco como o agir individual da actante-professora é representado no texto analisado Actantes postos em cena no texto analisado Nesta seção objetivamos discutir como os actantes são colocados em cena no texto analisado, tratando das vozes, das avaliações identificadas e das figuras de ação. Primeiramente, trataremos da actante-professora em interação com os outros quando possível. Em segundo lugar, abordaremos os outros actantes identificados no texto: aluno, professor genérico, pesquisador, que envia projetos para as agências de fomento para avaliação, e a universidade. Observamos a voz da professora dirigida aos alunos em vários segmentos da entrevista, em que há a reconstituição de uma situação de sala de aula (a partir do dêitico nós), representando a professora e alunos para evidenciar os problemas/conflitos que podem ocorrer e as formas de solucioná-los. Outros casos de reconstituição de situações de sala de aula são evidenciados quando a professora usa o imperativo para se dirigir aos alunos, indicando um agir prescritivo em relação a eles. 472C.: [na sala de aula, quando aluno não leu o texto pedido] na hora você tem sempre algum coisa assim e isso...e isso graças a Deus você vai aprendendo com o tempo né... você tem ideia com o tempo... então vamos fazer tal coisa vão se reunir em grupo e vão fazer isso aqui assim vão discutir C.: às vezes eu me dou ao trabalho de até ver se já tem na biblioteca da Unicamp e já aviso olha tem na biblioteca tal vai lá e procura e pega o livro... O primeiro segmento é construído em figura de ação experiência, em que percebemos a experiência cristalizada, o que permite direcionar o agir do professor. Já o segundo (246C) é construído em figura de ação ocorrência que se desenvolve na contemporaneidade da situação de ação de linguagem, sendo o conteúdo organizado em referência aos parâmetros físicos da interação. Nesses exemplos, há presença de dois planos enunciativos que aparecem a cada vez

150 127 que a professora reconstitui suas atividades de trabalho, interagindo com os alunos. Nesse caso, observamos a voz da professora (uso do discurso direto) numa situação de sala de aula reconstituída na entrevista, em que o agir da professora busca não só readaptar o seu planejamento às situações de sala de aula (472C), sendo a experiência colocada como fundamental para esse aprendizado, mas, também, prescrever o agir dos alunos (246C). É recorrente a recriação de experiências da professora, constituindo uma experiência vivida na situação de entrevista com base em uma experiência vivida anteriormente no trabalho (CLOT, 2006), evidenciado a partir do recurso ao discurso direto. Observamos também dois planos enunciativos, em que a voz da professora é colocada em cena como forma de reconstituição de seu discurso interno (verbo pensar), indicando seu planejamento quanto ao agir futuro dos alunos, prescrito pela docente. 460C.: é eu já penso antes nisso de ir para o encontro né? eu já penso: bom elas já leram isso para essa reunião agora eles podem ler tal coisa às vezes eu já levo o que elas vão ler... Esses dois planos enunciativos em que se observa o discurso interno da própria professora são recorrentes, evidenciando a construção de representações sobre o seu agir individual, em que a professora parte de sua experiência para dar as instruções à pesquisadora de como realizar o seu trabalho. Ao agir individual da professora também são atribuídos intenção, motivo, capacidade (ou falta de), configurando-a como actante-ator, responsável pelas suas ações de preparação para participação em banca de defesa. 528C.: tá então eu acho melhor a gente escrever [digitar as questões/comentários da arguição] porque [MOTIVO] depois na hora a gente não fica lá perdida os outros também falam então você fica prestando atenção nos outros e às vezes você perde o foco do que você queria dizer... [INTENÇÂO] eu não lembro dias depois o que eu li ali eu não lembro se eu não escrever eu não lembro só anotar coisas... tem gente que escreve ali do lado da tese e leva aquela tese sem digitar e na hora vai falando... eu não consigo eu não vou conseguir [FALTA DE CAPACIDADE] falar nada se fizer assim tá... porque [MOTIVO] eu não lembro eu não lembro... tem gente que é boa para isso né consegue [CAPACIDADE] lembrar na hora desenvolve lá eu não eu tenho que levar prontinho... Nesse exemplo, a professora compara o seu modo de agir em relação à preparação para uma arguição de defesa de tese e o de colegas de trabalho. No caso da professora, ela precisa digitar os comentários/questões sobre a tese para que consiga fazer a arguição. Já

151 128 alguns colegas de trabalho não precisam fazer isso, somente fazem anotações na própria tese. Em vista de sua incapacidade de agir como os colegas, a professora busca uma solução para resolver a sua dificuldade com um instrumento para o agir, que implica a escrita dos comentários/questões, posta como necessária para a atividade. Interessante observar que as representações construídas colocam a professora com falta de capacidade e os colegas com capacidade no turno 528C (tem gente que é boa para isso, né, consegue lembrar...), o que poderia ser o inverso, ou seja, a professora construir representações de que o seu modo de agir é melhor em relação a de seus colegas. A relação de proximidade estabelecida entre pesquisadora e professora traz à tona não só as dificuldades da profissão, mas também diferentes modos de agir dos professores em geral, o que pode provocar o desenvolvimento profissional em relação à construção de representações sobre modelos de agir. Temos, ainda, outro exemplo de intenção atribuída à professora. 383C.: eu sou meio assim: hoje eu vou fazer tal coisa então eu quero fazer aquilo tá... eu esqueço meio das outras até... no dia que vou fazer parecer esqueço de aluno esqueço de orientando vou ficar fazendo parecer... O verbo querer indica uma intenção atribuída à professora e o advérbio meio indica que a professora não esquece completamente as outras atividades, evidenciando como ela age nas escolhas entre as atividades, trazendo à tona um conflito vivido pela professora, já que é necessário fazer escolhas entre as diferentes atividades. Na verdade, ao realizar uma atividade, as outras atividades não desaparecem; elas ficam abandonadas, atravessando a atividade que o professor está realizando (CLOT, 2006). Identificamos também que, em um mesmo segmento, o agir individual da professora aparece mesclado com um agir coletivo, observado a partir dos dêiticos de pessoa (eu, nós, a gente, você genérico). 117C.: eu fui para um congresso lá em Montevidéu em agosto da Alfal Associação de Linguística e Filologia da América Latina e nós enviamos o resumo no início do ano mas o site era horrível as explicações ali que você tinha para enviar o resumo e tudo você ficava na dúvida se o resumo tinha chegado ou não C.: isso é um pouco cansativo eu acho... acho uma chatice... eu entendo que tem que ter as normas né? numa sociedade você não vive sem as normas... não pode cada um querer mandar o resumo que eles quiserem tá eu entendo perfeitamente não estou querendo ser anarquista mas... cansa um pouco né? esse cuidado que você tem que ter o tempo inteiro ai aqui o resumo tem que ter... aquele outro congresso já é de outra maneira né currículo...

152 129 No primeiro exemplo, temos o agir individual da professora, que foi para um congresso, e o agir dos participantes de congresso, que enviam o trabalho para a apresentação. Observamos aí a avaliação negativa da professora sobre um artefato simbólico do trabalho, que é o site do congresso, que causava dúvida nos participantes. No segundo exemplo, evidenciamos também o agir dos participantes de congresso, constituindo um agir do coletivo de trabalho (esse cuidado que você tem que ter), um agir das pessoas em geral (você não vive sem as normas) e uma avaliação negativa da professora em relação ao fato de ter prescrições diferentes para uma mesma tarefa, nesse caso, normas diferentes para cada congresso (eu acho uma chatice). Observamos, ainda, o resultado físico das atividades em cansa um pouco, né?, o que mostra conflitos e dificuldades gerados por prescrições diferentes. Nesse exemplo, identificamos uma voz a partir da negação (não estou querendo ser anarquista) em que se colocam em cena dois enunciadores: um que afirmaria que a professora, diante de seu ponto de vista, estava querendo ser anarquista; e um outro enunciador, a professora, que rejeita essa ideia (MAINGUENEAU, 1997, p. 80), constituindo, assim, duas vozes divergentes. De acordo com o dicionário Houaiss (HOUAISS, 2001), podemos compreender por anarquista a pessoa favorável a uma falta de organização e/ou de liderança em qualquer tipo de atividade, local ou instituição; confusão, bagunça. Desse modo, levantamos a hipótese de que uma primeira voz afirmaria que a professora estava querendo ser anarquista ao se queixar das normas. Evidenciamos, ainda, a reconstituição de uma situação de sala de aula, em que é trazida a voz da professora por meio do discurso direto, orientando a sósia sobre o que dizer em situações semelhantes, sendo muito recorrentes esses casos, como já foi evidenciado anteriormente. 474C.: [...] na pós... na pós se os alunos chegam e falam que não deu para ler não sei o que... não sei o que daí eu falo: bom então vocês vão embora para casa e daí a gente se encontra na próxima semana é mais aquela leitura e mais essa tá porque na pós você não vai ficar dando trabalhinho discussão em grupo é perda de tempo eu acho... se vocês não tiveram tempo de ler vocês vão sentar aqui agora e ler então... Nesse exemplo, a expressão é perda de tempo eu acho indica uma apreciação negativa da professora sobre uma forma de proceder em sala de aula com alunos de pósgraduação, comparando com a forma de proceder com alunos de graduação (470C a 474P). Assim, revela representações da avaliação individual da professora (eu acho) e do agir

153 130 coletivo, com o uso do você genérico (você não vai ficar dando trabalhinhos) em sala de aula na pós-graduação, sendo esta constituída, sobretudo, por discussões de algum texto previamente lido. Quando a leitura não é feita pelos alunos, há um impedimento para que o docente siga o seu planejamento, tendo de adaptar a situação ao novo contexto. A professora também se autoavalia (com adjetivos que a qualificam) num fragmento em que é abordada a questão dos prazos a seguir e atrasos em relação à realização das atividades. Nesse exemplo, predomina a figura de agir evento passado, em que a experiência da professora é posta como fundamental para aprender a lidar com as situações conflituosas e encontrar soluções que antes não encontrava, revelando as alterações que os professores vão fazendo em seu trabalho no seu senso de responsabilidade. 256P.: uhn uhn bom e... ai você já falou que pode acontecer de estar muito cansada e não conseguir fazer essa leitura [de textos de alunos] e deixar para depois C.: pode deixar para o outro dia... tem coisa que você às vezes atrasa viu Siderlene... eu era mais neurótica com essa coisa de atrasar eu não admitia assim atrasar nada um dia... por exemplo parecer CNPq tal dia se eu atrasar um dia não posso atrasar uma semana porque... mas eu...por exemplo mas eu fiquei gripada essa semana sábado e domingo eu fiquei de cama então me atrasou muito eu antes ficava neurótica falava: ah e agora? mas eu num...o que eu vou fazer fiquei doente não pude fazer nada o nariz estava horrível estava com dor de cabeça você... quando essa parte aqui está ruim você não consegue raciocinar né dor de garganta... Nesse turno, vemos uma autoavaliação negativa da professora em relação ao seu comportamento ou personalidade em um tempo anterior ao da situação de enunciação, marcado pelo verbo no pretérito imperfeito (era/ficava) e pelo advérbio antes. De acordo com o dicionário Houaiss (2001), neurótico é quem sofre de neurose, que significa uma perturbação funcional de origem nervosa, gerando perturbações sensoriais, motoras e emocionais. Ainda no turno 257C, consideramos, por conta do uso do adjetivo neurótico no grau comparativo, que há uma comparação implícita em relação a dois tempos: um anterior ao momento de enunciação em que a professora é configurada como mais neurótica e outro referente ao tempo simultâneo ao da enunciação, em que a docente seria configurada como menos neurótica. Assim, revela-se nesse turno a angústia e a ansiedade causada pela preocupação com o cumprimento dos prazos preestabelecidos pela organização do trabalho, principalmente quando o professor tem menos experiência, colocando em evidência as dimensões físicas (corporal) e psíquicas envolvidas no trabalho, interferindo nele. Evidenciamos também prescrição de tempo para parecer e outras atividade em tem coisa que

154 131 você atrasa e em parecer CNPq tal dia se eu atrasar um dia não posso atrasar uma semana. Além disso, a atividade de elaboração de parecer para os órgãos de fomento é avaliada pela professora-actante como muito trabalhosa (300P a 335C), como podemos observar no trecho a seguir: 313C.: olha os projetos geralmente tem umas quinze páginas doze quinze páginas até vinte... o projeto que a pessoa manda ela manda um projeto de pesquisa ou ela manda um artigo que ela vai mandar/mandou para o congresso... então é umas quinze vinte páginas que você vê... daí você vê o currículo da pessoa tá P.: [ uhn uhn 315C.: com base em tudo isso... isso dá trabalho isso daí dá trabalho fazer parecer ((mudança de tom de voz)) 316P.: [é? O motivo pelo qual a atividade de elaboração de parecer é considerada trabalhosa é porque ela mobiliza fortemente o agir mental/cognitivo e linguageiro interacional, pois é necessário ler e compreender o projeto do pesquisador, analisá-lo e compará-lo com o currículo da pessoa; esses tipos de agir são necessários para que o professor possa desenvolver um outro, que é a elaboração do parecer propriamente dito. Podemos, ainda, observar outros conflitos nos exemplos da Tabela 6.4, permeados de subjetividade da enunciadora (evidenciada por verbos, advérbios e adjetivos), em que a professora traz à cena as atividades representadas como agradáveis. TABELA 6.4 As atividades agradáveis representadas Atividades representadas como agradáveis Estudar Ler autores novos em função das pesquisas Preparar aulas Lecionar Pesquisar Orientar 3 ou 4 alunos Exemplo 548C.: olha eu acho que o trabalho da gente hoje ele tem algumas coisas boas e algumas coisas ruins que atrapalham a gente... atrapalham a... a parte...a parte que eu gosto mais do meu trabalho é a parte de estudar né de ler de estudar preparar aula que é um estudo que você faz né... então essa parte eu gosto bastante a pesquisa ler em função da pesquisa ler autores novos que eu ainda não li Fonte: elaborada pela autora.

155 132 Observamos na Tabela 6.4 que as atividades representadas como agradáveis estão relacionadas ao ensino e à pesquisa. Já na Tabela 6.5 temos as atividades representadas como desagradáveis. TABELA 6.5 As atividades desagradáveis representadas Atividades representadas como desagradáveis Elaborar muitos pareceres Ler muitos trabalhos de alunos Ir a reuniões Participar de comissões Fazer relatórios Orientar mais que 4 orientandos Receber (e responder) s em excesso Preencher formulários Responder a pedidos burocráticos Prestar contas Exemplo 548C.: só que essas outras coisas que eu te falei que às vezes... eu acho que aumentou muito essa quantidade... parecer que você tem que dar é... ler trabalho de aluno muito você lê várias vezes de seus alunos de outros alunos também relatórios que você tem que fazer prestação de contas... então tem... demais isso acaba tirando muito a atenção da gente para aquilo que eu gostaria de fazer mais né às vezes eu fico pensando em me aposentar porque eu já poderia estar aposentada há muitos anos e não estou porque eu gosto... sinto que essa outra parte atrapalha reunião por exemplo ir para reunião é uma chatice né... reunião ocupa muito o tempo da gente uma tarde inteira numa reunião P.: quantos orientandos você tem? 554C.: quantos que eu tenho hoje? eu tenho 3 de doutorado mestrado três seis e duas de iniciação oito nem tenho...já tive mais... mas eu já acho muito né? por exemplo ter três quatro é o ideal no máximo... porque daí você tem tempo realmente né... então eu acho assim... e fora assim burocracia que você tem que resolver comissão coisas... burocracia mesmo entrega de documentos preenche formulário sabe tem uma coisa assim que de volta e meia estão pedindo para a gente fazer... essa parte ocupa um tempo chato da sua vida... Fonte: elaborada pela autora. Nos exemplos da Tabela 6.5 observamos muitas unidades linguísticas que indicam quantidade excessiva, sendo que as atividades representadas como desagradáveis estão relacionadas a tarefas burocráticas e ao excesso de trabalho referente à atividade de ensino (muitos trabalhos de alunos e orientandos) e de avaliação de trabalhos acadêmicos (elaboração de pareceres). A professora constrói representações de que as atividades burocráticas acabam prejudicando as outras atividades, como as voltadas ao ensino e à pesquisa. Ela compara um período em que havia menos quantidade desses trabalhos

156 133 burocráticos (preencher relatórios, prestar contas etc.) e que sobrava mais tempo para, de acordo com seu ponto de vista, as coisas fundamentais, como podemos observar nos exemplos a seguir. Observamos, novamente, conflitos ao ter de fazer escolhas entre as diferentes atividades. Além disso, notamos conflitos entre representações do trabalho de um tempo passado e de um presente. 552C.: [reuniões] precisa ter para decidir as coisas mas eu já enjoei um pouco tá eu já enjoei na realidade... então e eu acho que...sem querer ser saudosista né assim a gente tinha menos dessa parte... a gente concentrava mais nas coisas fundamentais que é o estudo a pesquisa as aulas eram menos orientandos então a gente podia se dedicar mais... agora... Assim, observamos representações construídas de que ter tempo de dedicação para estudar, pesquisar é fundamental, o que parece que não vem acontecendo. Consideramos que a professora faz referência a ter tempo para pesquisar tanto para poder orientar melhor as pesquisas que estão sendo desenvolvidas pelos seus orientandos de iniciação científica, mestrado e doutorado, como para o desenvolvimento de suas próprias pesquisas. Essas representações sobre a necessidade de tempo disponível para a dedicação à pesquisa estão de acordo com as determinações dos documentos oficiais que vimos no Capítulo 2. Nesse sentido, consideramos que um dos conflitos que mais diferencia o trabalho do professor de pós-graduação stricto sensu se encontra no tempo considerado necessário para a dedicação à pesquisa e o que lhe é concedido de fato nos novos contratos de trabalho. Assim, evidenciamos que são diversas as atividades avaliadas pela professora, sendo algumas postas como positivas e outras como negativas, o que indica haver prazer na execução das atividades consideradas agradáveis e desprazer na realização das outras, evidenciando conflitos para gerenciar o tempo para todas as atividades. No exemplo anterior, evidenciamos, ainda, dois períodos sócio-históricos: um em que havia tempo para as coisas fundamentais: as aulas, o estudo e a pesquisa; e outro em que se perde muito tempo com controles burocráticos, sobrando pouco tempo para as coisas fundamentais. Tendo já abordado como a professora-actante é representada, trataremos dos outros actantes identificados no texto, que são um dos elementos envolvidos no trabalho do professor, ou seja, os outros que fazem parte de seu trabalho e com quem ele mantém relações linguageiras. Como já mencionamos, esses actantes identificados são os alunos, professores genéricos de pós-graduação stricto sensu, as agências de fomento, pesquisadores brasileiros

157 134 que enviam projetos para estas a fim de serem avaliados, e, com um número bem baixo de ocorrência, a universidade em que a professora trabalha, como veremos no gráfico da Figura 6.1. FIGURA 6.1. Actantes identificados no texto analisado. Fonte: elaborada pela autora. Na Figura 6.1, observamos que os alunos e os professores de pós-graduação (genéricos) são os actantes mais abordados no texto analisado. Na Tabela 6.6 temos o total de ocorrências e os percentuais desses actantes nos turnos da professora. Trataremos dos segmentos temáticos em que esses actantes se destacam no texto analisado, iniciando pelo actante aluno, geralmente, em interação com o professor, que teve o maior número de ocorrências, seguido dos demais, de acordo com a ordem de apresentação na Tabela 6.6.

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