UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS BOTÂNICA NO INVERNO Organizadores. Professora responsável Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan

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3 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS BOTÂNICA NO INVERNO 2017 Organizadores Laboratório de Algas Marinhas Ana Maria Pereira Barreto Amorim Fábio Nauer da Silva Fabiana Marchi Mariana Sousa Melo Patrícia Guimarães Araújo Laboratório de Anatomia Vegetal Carlos Eduardo Valério Raymundo Josiana Cristina Ribeiro Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva Ricardo Silva Batista Vita Laboratório de Fitoquímica Pâmela Tavares da Silva Wilton Ricardo Sala de Carvalho Laboratório de Fisiologia do Desenvolvimento Vegetal Priscila Pires Bittencourt Laboratório de Sistemática e Taxonomia Vegetal Eric Kataoka Professora responsável Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan Autores Allyson Eduardo Nardelli Ana Maria Amorim Ana Zangirolame Gonçalves Andressa Cabral Annelise Frazão Antônio Azeredo Coutinho Neto Bruno Michael Brabo Camila Lopes Lira Carlos Eduardo Valério Raymundo Daniele Rosado Eric Yasuo Kataoka Erica Moniz Ferreira da Silva Erick Alves Pereira Lopes Filho Fabiana Marchi Fabio Nauer Fernanda Anselmo Moreira Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira Fernanda Mendes de Rezende Gabriela Carvalho Lourenço da Silva Gisele Alves Janaína Pires Santos Jéssica Nayara Carvalho Francisco Josiana Cristina Ribeiro Juan Pablo Narváes-Gomez Juliana Castelo Branco Brasileiro Juliana Lovo Leyde Nayane Nunes dos Santos Luis Carlos Salto Luiz Henrique Martins Fonseca Marco Octávio de O. Pellegrini. Mariana Sousa Melo Mario Celso Machado Yeh Matheus Martins Teixeira Cota Nuno Tavares Martins Pâmela Tavares da Silva Patrícia Guimarães Araújo Pércia Paiva Barbosa Priscila Pires Bittencourt Priscila Primo Andrade Silva Ricardo Ernesto Bianchetti Ricardo Silva Batista Vita Sabrina Gonçalves Raimundo Sara Sangi Miranda Wilton Ricardo Sala de Carvalho Yasmin Vidal Hirao São Paulo

4 VII Botânica no Inverno 2017 / Org. Carlos Eduardo Valério Raymundo [et al.]. São Paulo: Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, p. : il. ISBN Versão online: Inclui bibliografia 1. Biodiversidade e evolução. 2. Ensino em Botânica. 3 Estrutura e desenvolvimento. 4. Recursos econômicos vegetais. VII Botânica no Inverno

5 PREFÁCIO Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é referência em nível internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por 28 docentes (3 aposentados), os quais estão distribuídos em 8 áreas de conhecimento. Apresenta como infraestrutura 11 laboratórios, um herbário com a coleção de plantas vasculares, algas e madeiras estimado em espécimes e um fitotério, com uma coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-se ao grande número de pós-graduando (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica dessa comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 6, o mais alto entre as botânicas do país. Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa dos pós-graduandos que visa divulgar esse trabalho realizado no Departamento de Botânica, possibilitando o futuro acolhimento de alunos/(potenciais) pesquisadores ao seu corpo discente. Na VII edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de graduação e recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais das subáreas Anatomia Vegetal, Educação em Botânica, Ficologia, Fisiologia Vegetal, Fitoquímica, Sistemática e Taxonomia Vegetal, além de proporcionar a experiência de vivenciarem as atividades realizadas em nossos laboratórios, despertando o primeiro interesse dos possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento. Para a realização do VII Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de São Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica, à Comissão Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Botânica, as agências de fomento FAPESP, CAPES e CNPQ. O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade dos respectivos autores. Desejamos a todos um bom curso. Comissão Organizadora do VII Botânica no Inverno 5

6 ÍNDICE PREFÁCIO...5 PARTE I: DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO Capítulo 1: Origem do cloroplasto...8 Capítulo 2: Introdução às Macroalgas Marinhas...15 Capítulo 3: Histórico de vida em macroalgas...27 Capítulo 4: Diversidade intraespecífica: modificações da cor do talo em algas vermelhas (Rhodophyta)...39 Capítulo 5: Espécies exóticas de algas marinhas com enfoque em macroalgas invasoras...49 Capítulo 6: Mudanças climáticas: os efeitos sobre macroalgas marinhas...69 Capítulo 7: Ecologia de Costões Rochosos e Metodologias de Amostragem...76 Capítulo 8: Cultivo de Macroalgas Marinhas...93 Capítulo 9: Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos dados à reconstrução de uma hipótese filogenética Capítulo 10: Sistemática vegetal: histórico, conceitos e o estado atual PARTE II: ENSINO EM BOTÂNICA Capítulo 11: Formação de professores de botânica: bases teoricas e dificuldades na formação Capítulo 12: Educação Ambiental e o Projeto Ecossistemas Costeiros Capítulo 13: Ilustrando um pensamento: vetorização gráfica aplicada à botânica PARTE III: ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO Capítulo 14: Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em angiospermas Capítulo 15: Anatomia floral, esporênese e gametogênese Capítulo 16: Anatomia e identificação de madeiras Capítulo 17: Estruturas Secretoras Nupciais e de Proteção Capítulo 18: Respostas das plantas ao estresse hídrico Capítulo 19: Nutrição mineral: avaliando a escassez nutricional em plantas Capítulo 20: Recursos genéticos vegetais: aplicações do cultivo in vitro Capítulo 21: Da genômica à bioinformática PARTE IV: RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS Capítulo 22: Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas Capítulo 23: Metabólitos secundários como ferramenta para a sistemática de angiospermas Capítulo 24: Compostos bioativos em macroalgas

7 PARTE I DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO 7

8 CAPÍTULO I Origem e evolução dos organismos fotossintetizantes Fabio Nauer Atualmente a classificação dos seres vivos está dividida em três domínios: duas linhagens distintas de organismos procariontes (Bacteria e Archaea) e uma de organismos eucariotos (Eukarya). Protistas, fungos, plantas e animais são vistos como reinos dentro do domínio Eukarya. As células eucarióticas evoluíram cerca de 1,5 bilhão de anos atrás, depois dos primeiros procariotos e 1 bilhão de anos antes dos primeiros animais. A origem dessa linhagem de organismos eucariotos está relacionada com um dos eventos mais fascinantes que ocorreram na evolução da vida na Terra, a endossimbiose, onde ocorre a transformação de células procarióticas simples em organelas de células eucarióticas com organização complexa. A endossimbiose teve uma profunda influência sobre a diversificação dos eucariotos, teorias afirmam que o processo foi responsável pelo surgimento do sistema de endomembranas e origem do núcleo das células eucarióticas. Em geral, as células dos eucariotos são 10 vezes maiores do que as células dos procariotos e com isso exigem outro nível de compartimentação pra funcionarem efetivamente. Tudo teria começado com o surgimento de uma célula hospedeira procariótica em um fagócito primitivo, uma célula capaz de envolver partículas tão grandes quanto bactérias. Essa célula hospedeira ancestral seria heterótrofa, sem parede, e com uma membrana plasmática flexível capaz de envolver grandes partículas alimentares mediante a formação de invaginações. Teorias propõem que mitocôndrias e cloroplastos sejam descendentes de bactérias que foram capturadas e adotadas por uma célula hospedeira ancestral, onde o fagócito passou a não digerir os percursores bacterianos das mitocôndrias (ou cloroplastos), mas adotá-los estabelecendo uma relação simbiótica. Esse processo de estabelecimento de uma célula dentro da outra, para seus benefícios mútuos, é então chamado de endossimbiose. 8

9 A transformação de um endossimbionte numa organela em geral envolveu a perda da parede celular do endossimbionte, além de outras estruturas desnecessárias. Ao longo da evolução, o DNA do endossimbionte e muitas de suas funções foram gradualmente sendo transferidas para o núcleo do hospedeiro. Por isso, os genomas das mitocôndrias e dos cloroplastos modernos são pequenos se comparados com o genoma nuclear. Embora a mitocôndria ou o cloroplasto não possa viver fora de uma célula eucariótica, ambos são organelas que se autorreplicam e retiveram muitas das características de seus ancestrais procarióticos. O envoltório mitocondrial é composto por duas membranas e a mitocôndria contêm DNA e maquinário para síntese de proteína, incluindo ribossomos. A aquisição de plastídios através de diversos tipos de endossimbiose possui um importante papel na diversificação dos organismos fotossintetizantes e na origem das plantas terrestres. Estudos atuais indicam que a origem dos cloroplastos está associada com a endossimbiose de uma cianobactéria, por um processo chamado de endossimbiose primária. Endossimbiose primária (Figura 1) se dá quando uma célula procariótica (cianobactéria) é fagocitada por uma célula eucariótica, ao longo do tempo, então essa cianobactéria foi escravizada pela célula hospedeira e se tornou uma organela semiautônoma, com seu próprio material genético, capacidade de síntese proteica, mas dependente de proteínas providas pela célula hospedeira e incapaz de viver fora dessa associação. Mitocôndrias e cloroplastos possuem um envelope com duas membranas, sendo que a membrana interna seria resquício da membrana plasmática da célula procariótica fagocitada e a membrana exterior resquício do vacúolo digestivo da célula eucariótica hospedeira. Endossimbiose primária caracteriza a origem do cloroplasto de três linhagens de algas: algas vermelhas, verdes e glaucófitas (Figura 3). O número de vezes que a endossimbiose primária ocorreu é controverso, mas cientistas acreditam que a origem do cloroplasto primário é única e que algas vermelhas, verdes e glaucófitas compartilham de um ancestral comum, agrupados no subgrupo dos Archaeplastida. 9

10 Figura 1. Representação do processo de endossimbiose primária. Figura 2. Teoria da endossimbiose primária. 10

11 Endossimbiose secundária (Figura 3) é o processo no qual uma célula eucariótica fotossintetizante é fagocitada por outra célula eucariótica, mas heterótrofa. Essa endossimbiose dá origem a um cloroplasto secundário, composto por três a quatro membranas. Os cloroplastos de Haptófitas, Chlorarachniófitas, euglenoides, estramenópilas e dinoflagelados possuem cloroplastos secundários (Tabela 1). As evidências para essas hipóteses surgem de muitas fontes. Uma é que ambas, mitocôndrias e cloroplastos, estão envoltos por duas membranas, sendo a membrana externa representando a membrana da vesícula fagocítica original, e a membrana interna representando a membrana original do procarioto. Além disso, a bioquímica da membrana externa das mitocôndrias e dos cloroplastos remete aquela da membrana celular de eucariotos, enquanto a interna è semelhante com a membrana celular procariota. Como dito anteriormente, essas organelas também apresentam DNA e ribossomos próprios, que são semelhantes aqueles dos procariotos. Há muitos exemplos de endossimbiontes procarióticos (bacterianos) e eucarióticos em outros protistas, assim como nas células de 150 gêneros animais de invertebrados de água doce e salgada. Endossimbiontes algas, inclusive aqueles que ocorrem nos pólipos de corais que formam recifes, aumentam a produtividade e a sobrevivência do hospedeiro. Tabela 1. Origem do cloroplasto dos organismos fotossintetizantes. Grupo Glaucófitas Cryptomonadas Algas Vermelhas Algas Verdes Euglenóides Chloroarachniófitas Haptófitas Dinoflagelados Apicomplexos Estramenópilos Origem do Cloroplasto Primária Secundária (vermelhas) Primária Primária Secundária (verdes) Secundária (verdes) Secundária (vermelhas) Secundária ou terciária (várias fontes) Secundária (vermelhas) Secundária (vermelhas) 11

12 Figura 3. Representação do processo de endossimbiose secundária. Referências Charrier, B., Bail, A., Reviers, B. (2012). Plant Proteus: Brown Algal Morphological Plasticity And Underlying Developmental Mechanisms. Trends In Plant Science, August 2012, Vol. 17, No. 8 Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W. (2009). Algae. 2. ed. Pearson Benjamin Cummings, 616 p. Guimarães, S.M.P.B. (1990). Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 275 p. Guiry, M.D. (2011). The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso em 02 de junho de Knoll, A.H. (2011). The Multiple Origins Of Complex Multicellularity. Annual Review of Earth and Planetary Sciences. 39: Lee, R.E. (2008). Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p. 12

13 Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C. (2007). Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p. Spalding, M.D., Fox, H.E., Allen, G.R., Davidson, N., Ferdaña, Z.Z., Finlayson, M., Halpern, B.S., Jorge, M.A., Lombana, A., Lourie, S.A., Martin, K.D., Mcmanus, E., Molnar, J., Recchia, C.A., Robertson, J. (2007). Marine Ecoregions of the World: A Bioregionalization of Coastal and Shelf Areas. BioScience 57(7):

14 Anotações: 14

15 CAPÍTULO II Introdução às Macroalgas Marinhas Fabio Nauer Erick Alves Pereira Lopes Filho O termo alga representa um grupo de organismos classificados em grupos distintos, sem valor taxonômico. Esses organismos apresentam uma grande variação de formas e tamanhos, podendo ser uni ou multicelulares, procariotos ou eucariotos e que utilizam o pigmento clorofila a para realizar a fotossíntese. De modo geral, o corpo dessas algas recebe o nome de talo, e não apresenta diferenciação em raiz, caule ou folhas. Com base em sua coloração, as algas são tipicamente divididas em três grandes grupos: algas vermelhas, verdes e pardas. Com base no tamanho do talo, as algas podem ser diferenciadas em dois grupos: micro e macroalgas. As macroalgas são macroscópicas, multicelulares e habitam ambientes aquáticos marinhos e continentais. As algas vermelhas (filo Rhodophyta) são abundantes em águas tropicais e quentes, porém algumas espécies também podem ser encontradas em regiões mais frias do mundo. Existem, aproximadamente, espécies descritas, distribuídas em 680 gêneros. Dentre as características apresentadas pelas algas vermelhas, podemos citar: amido das florídeas como produto de reserva, presença dos polissacarídeos ágar ou carragenana na composição da parede celular, presença em grande quantidade do pigmento acessório ficoeritrina, que mascara a coloração da clorofila a e ausência de centríolos ou flagelos em qualquer fase de seu ciclo de vida (Vide Capítulo 4). As algas verdes (filo Chlorophyta) incluem cerca de espécies, distribuídas em uma ampla variedade de habitats, aquáticos, terrestres e inclusive em associações simbióticas com fungos, formando líquens. As algas verdes também apresentam uma grande variação de formas e tamanhos, podendo ser unicelulares flageladas, coloniais, filamentosas e cenocíticas. Algas verdes também possuem íntima relação com briófitas e plantas vasculares, sendo os únicos grupos de organismos fotossintetizantes a possuírem clorofilas a e b e armazenarem amido no interior dos plastos. Outros pigmentos acessórios que estão presentes são luteína e beta-caroteno, não possuindo ficobilinas. As algas pardas (filo Ochrophyta) incluem cerca de espécies distribuídas em 250 gêneros, sendo predominantemente marinhos e abundantes em regiões mais 15

16 frias do globo. Com base no tamanho, as algas pardas podem variar de formas microscópicas à formas macroscópicas de até 60 metros de comprimento, conhecidas como kelps. Grandes kelps podem formar verdadeiras florestas subaquáticas, abrigando diversas espécies de organismos marinhos de importância ecológica e econômica. De modo geral, o talo das kelps pode ser subdivido em uma lâmina fotossintetizante, um estipe altamente especializado e um apressorio de ancoramento. A parede celular das algas pardas possuem três componentes: ácido algínico, celulose e polissacarídeos sulfatados. Além da clorofila a, os cloroplastos dessas algas possuem clorofila c, betacaroteno, violoxantina e grandes quantidades de fucoxantina, que mascara a coloração da clorofila a e confere as algas pardas sua coloração marrom típica. Tabela 1. Principais características dos três grandes grupos de algas, modificado de Graham & Graham (2009). Característica Rhodophyta Chlorophyta Ochrophyta Clorofilas a a, b a, c1, c2 Ficobilinas b-ficocianina b-ficoeritrina c-ficocianina c-aloficocianina c-ficoeritrina Carotenóides β-caroteno β-caroteno β-caroteno Zeaxantina Luteína Fucoxantina Antheraxantina Violaxantina Violaxantina Luteína Zeaxantina Zeaxantina Substância de reserva Amido das florídeas Amido Laminarina Manitol Parede celular Celulose Celulose Celulose Agar Ácido Algínico Carragenana Flagelos Ausentes Presentes em algumas fases; Presente em gametas e/ou esporos; Cloroplastos Número variável; Número variável; Número variável Ovais, Discóides, reticulados, Estrelados, cilíndricos 16

17 discóides ou ou estrelados; estrelados, laminares, lenticulados. em forma de fita etc. tais como: O talo, o corpo vegetativo simples, das algas, variam em complexidade e forma, Aspecto de rede: talos cujos filamentos se desenvolvem formando estruturas semelhantes a redes. Ex.: Microdyction; Calcário: talos com presença de carbonato de cálcio. Ex.: Corallina e Halimeda; Cenocíticos: talo onde não há divisão de células, ou talo acelular, onde ocorre um aglomerado de núcleos e cloroplastos. Ex.: Codium e Caulerpa. Cilíndricos: talos de forma cilíndrica, com medula e córtex diferenciados. Ex.: Gracilaria e Gelidium; Crostosos: talos com aspecto de crosta, que recobre o substrato. Ex.: Hildenbrandia e Ralfsia; Filamentosos: talos compostos por uma única fileira de células. Ex.: Chaetomorpha e Feldmannia; Filamentosos corticados: talos filamentosos que apresentam córtex diferenciado. Ex.: Ceramium e Centroceras. Foliáceos laminares: constituídos por algumas camadas de células, não há divisão em córtex e medula medula nem córtex. Ex.: Ulva e Porphyra; Foliáceos corticados: apresentam medula e córtex diferenciados. Ex.: Canistrocarpus e Padina; Globosos: talos de formato esférico. Ex.: Ventricaria e Valonia; As macroalgas habitam as zonas costeiras rochosas tanto em ambientes tropicais quanto temperados, e são os principais componentes das comunidades de meso e infralitoral de costões rochosos, manguezais, atóis, bancos arenosos, bancos de rodolitos, bancos de fanerógamas, recifes de coral, recifes de arenito, estuários e 17

18 substratos artificiais. Na região do mesolitoral, as algas são expostas a diversos fatores que influenciam sua distribuição e sobrevivência, esses fatores, por sua vez, podem ser divididos em fatores abióticos e fatores bióticos. Fatores abióticos são fatores ausentes da presença de seres vivos, mas influenciados pelas propriedades físicas e químicas da biosfera (fatores ambientais). Para as algas marinhas, o fator abiótico mais importante é a variação da maré, bem como a irradiância, a temperatura, o hidrodinamismo e a dessecação. Dessecação: perda de líquidos devido à prolongada exposição ao ar durante a baixa maré; Hidrodinamismo: ação das ondas e o movimento da água; Irradiância: por serem fotossintetizantes, a ocorrência e distribuição das algas está diretamente relacionada com a distribuição de luz; Temperatura: influencia diretamente no metabolismo das algas, como a fotossíntese e a respiração. Fatores bióticos são fatores ocasionados pela presença de seres vivos ou suas relações. Entre as relações que existem entre os organismos que vivem ou visitam a região do mesolitoral, podemos citar a competição, a herbivoria e as interações simbióticas. Competição: resultado da escassez de algum recurso, como espaço para fixação e crescimento; Herbivoria: por serem organismos sésseis, as algas desenvolveram outras formas de evitar a predação, como viver em locais de maior estresse nas partes superiores de costões rochosos, por exemplo; Interações simbióticas: espécies podem apresentar relações ecológicas como o comensalismo, o mutualismo e o parasitismo. 18

19 Figuras 1-8: Exemplos de Algas Verdes. Figura 1. Ulva rigida, aspecto geral do talo foliáceo. Figura 2. Detalhe do talo formado por duas camadas de células. Figura 3. Chaetomorpha antennina, aspecto geral do talo filamentoso. Figura 4. Detalhe dos filamentos unisseriados, não ramificados. Figura 5. Caulerpa sertularioides, aspecto geral do talo cenocítico. Figura 6. Detalhe do talo cenocítico, sem divisão de células. Figura 7. Halimeda sp., aspecto geral do talo, evidenciando as porções calcificadas da planta. Figura 8. Detalhe da região de ligação não calcificada das porções articuladas do talo. 19

20 Figuras 9-16: Exemplos de Algas Pardas. Figura 9. Padina gymnospora, aspecto geral do talo foliáceo cortiçado, em forma de ventarola. Figura 10. Corte transversal do talo. Figura 11. Spatoglossum schroederi, aspecto geral do talo. Figura 12. Corte transversal do talo, mostrando as células do córtex pigmentadas e as células da medula incolores. Figura 13. Canistrocarpus cervicornis, aspecto geral do talo. Figura 14. Detalhe da ramificação dicotômica do talo. Figura 15. Feldmannia indica, aspecto geral do talo filamentoso. Figura 16. Detalhe do filamento unisseriado, evidenciado os cloroplastos estrelados. 20

21 Figuras 17-24: Exemplos de Algas Vermelhas. Figura 17. Vidalia obtusiloba, aspecto geral do talo achatado. Figura 18. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex pigmentado e a medula incolor. Figura 19. Ceramium flaccidum, aspecto geral do talo filamentoso. Figura 20. Detalhe dos filamentos, com o córtex formando-se nas regiões dos nós do talo. Figura 21. Gracilaria caudata, aspecto geral do talo cilindrico. Figura 22. Corte transversal do talo, evidenciando o córtex pigmentado e a medula incolor. Figura 23. Corallina officinalis, aspecto geral do calcário articulado. Figura 24. Detalhe das porções do talo com depósito de carbonato de cálcio (intergenículos) e 21 porções de sem depósito (genículos).

22 Assim como as plantas terrestres, as algas possuem grande importância ecológica por serem organismos fotossintetizantes. Além disso, são fontes de alimentos para diversos animais aquáticos, como crustáceos, peixes e tartarugas. Algumas algas ainda servem de hábitat para espécies de animais que utilizam a estrutura do talo, ou mesmo o próprio banco de algas, como locais de abrigo e reprodução. Algas também são largamente utilizadas em diversas atividades humanas. Em muitos países, principalmente no Oriente, as algas fazem parte da alimentação diária. São fontes de proteínas, vitaminas e sais minerais. Dentre as mais conhecidas, destacase o nori, utilizado pelos japoneses no preparo do sushi. Além disso, o ágar, os alginatos e os carragenanos presentes na parede celular das algas são largamente utilizados na indústria, nas áreas de biologia molecular e biotecnologia, bem como na fabricação de alimentos, bebidas e cosméticos (Vide Capítulo 24). E por fim, pesquisas vêm sendo realizadas para analisar a eficácia das algas no tratamento de diversas doenças, tais como asma, bronquite, verminoses, artrite e hipertensão. Referências Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W Algae. 2. ed. Pearson Benjamin Cummings, 616 p. Guimarães, S.M.P.B Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 275 p. Guiry, M.D The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso em 02 de junho de Lee, R.E Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p. Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p. Pedrini, 2010 Pedrini, A.G. (Org.) 2010 Macroalgas Uma Introdução à Taxonomia. Série Flora Marinha do Brasil, vol 1, 1ª ed. Technical Books Editora, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Santelices, B.; Bolton, J.J. & Meneses, I Marine Algal Communities. In : Witman, J.D. & Roy, K. (Eds). Marine Macroecology. Chicago: The University of Chicago Press, p

23 Anotações: 23

24 CAPITULO III Histórico de vida em macroalgas Mario Celso Machado Yeh 1- Renovação da vida Os elementos abióticos presentes na natureza se renovam ciclicamente, tais como a água, o carbono e o enxofre. Para os seres vivos não é diferente: as características contidas no genoma de um organismo são transmitidas de geração para geração. Este processo não consiste apenas na divisão de células e na reprodução dos organismos, mas também nos processos capazes de transmitir as informações contidas em um indivíduo para as gerações seguintes. 24

25 2- Históricos de vida O conjunto dos eventos de desenvolvimento e reprodução que são contemplados durante a vida de um indivíduo, população ou espécie é conhecido como histórico de vida. Ciclo de vida é o termo mais conhecido quando nos referimos ao conjunto destes processos, entretanto é conveniente salientar que histórico pode ser um termo mais apropriado, pois nem sempre é possível a observação de um ciclo completo. Os processos de meiose e fecundação são essenciais para compreensão dos históricos de vida. As algas se reproduzem por uma variedade de métodos, assexuadamente e sexuadamente. Enquanto a reprodução sexuada envolve fusão de gametas, cariogamia e meiose, esses processos não ocorrem na reprodução assexuada. Alguns organismos podem se reproduzir exclusivamente de maneira assexuada, entretanto a maioria das algas se reproduz de maneira sexuada e assexuada. A reprodução assexuada permite crescimento populacional rápido em condições favoráveis, uma vez que não existe o custo energético associado a produção de gametas e a necessidade de se encontrar parceiros. Em contraste, a reprodução sexuada pode conferir como vantagem o aumento da variabilidade genética de uma população, fomentando a habilidade de resposta a mudanças ambientais por processos evolutivos. Além disso, muitas algas que realizam reprodução sexuada possuem mecanismos de resistência no histórico de vida, que podem permitir a sobrevivência em condições desfavoráveis ao crescimento. Os históricos de vida são classificados de acordo com o número de gerações (fases) e a ploidia dessas fases. Os históricos de vida haplobiontes apresentam apenas uma geração duradoura. Nesse caso, os organismos podem ser haplóides (n) ou diplóides (2n), dependendo da espécie. O histórico de vida diplobionte apresenta duas gerações duradouras distintas, uma diplóide e outra haplóide. 3- Reprodução assexuada Muitas espécies de algas que podem se reproduzir assexuadamente, o fazem por esporulação. A partir do citoplasma de uma célula, uma ou mais células reprodutivas são produzidas, e estas são capazes de originar novos indivíduos uni ou pluricelulares. Estas células reprodutivas (esporos) diferem em mobilidade e capacidade de produzir flagelos, ainda que sejam capazes de serem dispersadas além da célula parental: 25

26 Zoósporos: possuem flagelos que os conferem mobilidade em ambientes aquáticos. Aplanósporos: Não possuem flagelos. Outras mecanismos de reprodução assexuada ou vegetativa são também encontrados em algas. Espécies coloniais de forma e número de células definido são capazes de se reproduzir por autocolonização, onde cada célula da colônia se divide e dá origem a uma versão miniaturizada do organismo. Algas filamentosas ou parenquimatosas podem se reproduzir assexuadamente por fragmentação do talo. Acinetos são estruturas especiais de resistência de cianobactérias, que podem se formar quando as condições do meio em que se encontram não são favoráveis à reprodução vegetativa. 4- Reprodução sexuada A reprodução sexual é encontrada na maioria das linhagens de algas. Ainda que as cianobactérias (algas azuis) apresente alguns mecanismos de troca de genes, muitos dos processos típicos da reprodução das linhagens eucarióticas estão ausentes. A reprodução sexuada em eucariotos envolve a produção de gametas, a fusão de gametas e a meiose. Os gametas são haploides e têm como função principal a fecundação. Os indivíduos que, os produzem são denominados de gametófitos, e as estruturas onde são diferenciados são chamadas gametângios. Os gametas produzidos podem ser mais ou menos diferenciados entre si: Isogamia: os gametas são estruturalmente semelhantes, entretanto podem ser distintos bioquimicamente. Os símbolos + ou podem ser atribuídos para cada um dos gametas. Heterogamia - anisogamia: os gametas são diferentes em tamanho. O feminino é ligeiramente maior que o masculino e ambos podem apresentar mobilidade. Heterogamia - oogamia: um gameta masculino (flagelado ou aflagelado) e um gameta feminino maior e imóvel. 26

27 Tabela 1. Ilustrações representando gametas encontrados em alguns dos históricos de vida presentes em macroalgas. Três principais históricos de vida são contemplados na reprodução sexual das algas: Haplobionte diplonte (meiose gamética): os gametas masculinos e femininos são haploides, enquanto o estádio vegetativo é diploide. Os gametas se fundem para formar um zigoto, que por diversas divisões mitóticas forma um corpo multicelular diploide. A possibilidade de mascarar mutações deletérias é uma das possíveis vantagens do histórico de vida em que a fase diploide é a dominante. A geração dominante carrega também duas vezes as mutações benéficas. Entretanto, o genoma da fase diploide, pode mascarar mutações benéficas, o que pode comprometer a eficácia de resposta a mudanças ambientais. 27

28 Figura 1. Histórico de vida incluindo meiose gamética. As fases representadas no fundo rosa são haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). Células reprodutivas no estádio vegetativo dão origem a gametas femininos ou masculinos, haploides. Estes se fundem na fecundação e formam o zigoto (diploide) que por sucessivas divisões mitóticas dá origem ao estádio vegetativo duradouro. Modificado de Graham et al., 2009 Haplobionte haplonte (meiose zigótica): apenas as células zigóticas são diploides, e a fase vegetativa é, portanto, haploide. Durante a meiose do zigoto, genes relacionados à reprodução dão origem a dois tipos de fases vegetativas, um positivo e um negativo. Estas por sua vez dão origem a gametas + e (também referidos por x e y) que formarão o zigoto. A expressão do tipo (+ ou ) é controlada pelo ambiente. No histórico de vida em que a fase haploide é a dominante, mutações deletérias tendem a sumir nas populações, enquanto as benéficas respondem de maneira mais eficiente às mudanças do ambiente. 28

29 Figura 2. Histórico de vida incluindo meiose zigótica. As fases representadas no fundo rosa são haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). O zigoto (diploide) dá origem a gametas + ou, que originam fases vegetativas + ou, respectivamente. A geração dominante, + ou, dará origem a gametas + ou, respectivamente, que se fundem, originando o zigoto, fechando o histórico. Modificado de Graham et al., 2009 Diplobionte (meiose espórica): o histórico de vida que contempla a meiose espórica é conhecido pela alternância de gerações. Essa característica evoluiu independemente em várias linhagens de algas e no ancestral comum das plantas terrestres. Este histórico contempla duas fases multicelulares: os gametófitos (haploides) e os esporófitos (diploides). Os gametófitos, em condições favoráveis, produzem gametas que quando fundidos formam um zigoto, diploide. Este zigoto sofre divisões mitóticas e origina o esporófito, multicelular. Nessa geração, ocorre a produção de esporângios, nos quais ocorre a meiose, Após a liberação, esses esporos podem germinar e dar origem aos gametófitos, restaurando o ciclo. A alternância de gerações pode ser dividida em duas categorias, baseadas nas diferenças morfológicas entre as fases gametofíticas e esporofíticas: o Alternância de gerações isomórfica: os estádios gametofíticos e esporofíticos são morfologicamente semelhantes. o Alternância de gerações heteromórfica: os estádios gametofíticos e esporofíticos são morfologicamente diferentes. No passado, diferentes estádios do histórico de vida de uma mesma espécie já foram 29

30 classificados como espécies ou gêneros distintos. Atualmente, o cultivo em laboratório e testes de biologia molecular, por exemplo, permitem entender melhor a alternância de gerações heteromórfica. Figura 3. Histórico de vida incluindo meiose espórica e alternância de gerações. As fases representadas no fundo rosa são haploides (n), enquanto as fases representadas no fundo azul são diploides (2n). O zigoto (diploide) dá origem a um esporófito. Células reprodutivas do esporófito, por meiose, dão origem à gametas + ou. Estes dão origem a gametófitos + ou, respectivamente. Os gametófitos + ou dão origem a gametas + ou, respectivamente que se fundem dando origem ao zigoto, fechando o histórico. Modificado de Graham et al., Exemplos de ciclos em algas multicelulares Na natureza nem sempre o que está contemplado no histórico de vida acontecerá com os indivíduos de forma cíclica, seguindo as setas propostas em um esquema simplificado. Muitas vezes mais um modo de reprodução poderá ocorrer: algas que são capazes de se reproduzir sexuadamente, também podem se reproduzir por fragmentação, por exemplo. Para contextualização, abaixo temos alguns exemplos de históricos de vida dos principais grupos de algas verdes, pardas e vermelhas, todos multicelulares: Algas verdes Neste grupo ocorrem reprodução vegetativa, espórica e gamética. A reprodução vegetativa ocorre por divisão celular simples ou fragmentação e também podem se reproduzir pela formação de esporos. O histórico de vida pode ser do tipo haplobionte 30

31 diplonte, haplobionte haplonte ou diplobionte com gerações isomórficas ou heteromóficas: Spirogyra sp. Esta é uma alga comum em lagos e poças temporárias, que apresenta o citoplasma espiralado. Uma das maneiras pelas quais Sporogyra sp. pode se reproduzir envolve um tubo de conjugação (conjugação lateral). Figura 4. Histórico de vida simplificado de Spirogyra sp. As gerações ou estádios que caracterizam este ciclo de vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul As gerações duradouras apresentam suas respectivas ploidias entre parênteses. Modificado de Lee (1989) Ulva sp. Também conhecida como alface do mar, esta alga apresenta alternância de gerações onde os estádios adultos são isomórficos 31

32 Figura 5. Histórico de vida simplificado de Ulva sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Raven et al. (2007) Algas pardas Neste grupo é possível observar reprodução do tipo vegetativa, espórica e gamética. As algas pardas possuem uma nomenclatura específica para as células reprodutivas: Órgão plurilocular: produz células por mitose. As células produzidas por esta estrutura apresentam mobilidade. É possível observar o aparecimento do órgão plurilocular tanto no gametófito quanto no esporófito. No gametófito (n), o órgão funciona como um gametângio, produzindo gametas (que podem se desenvolver por partenogênese também). No esporófito (2n), o órgão funciona como um esporângio, produzindo esporos. Órgão unilocular: produz células por meiose e ocorre apenas no esporófito. É uma célula grande e esférica que após a meiose forma esporos em múltiplos de quatro. Fucus sp. É um gênero de algas pardas de distribuição cosmopolita. O histórico de vida apresenta reprodução sexuada com meiose gamética que se assemelha à encontrada nos seres humanos. 32

33 Figura 6. Histórico de vida simplificado de Fucus sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Graham et al. (2009) Ectocarpus sp. É um gênero de alga filamentosa que tem sido utilizada como modelo de estudos para a genômica. Os esporângios pluricelulares deste órgão permitem restaurar a geração esporofítica. Figura 7. Hisórico de vida simplificado de Ectocarpus sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul. Modificado de Graham et al. (2009) 33

34 5.3 - Algas vermelhas Apresentam reprodução vegetativa, espórica e gamética. Enquanto a reprodução vegetativa ocorre através da fragmentação do talo, a reprodução sexuada envolve a formação de esporos. Os esporos formados pela meiose são sempre em número de 4, de onde deriva o nome tetrasporângio. Os esporos produzidos dentro dos tetrasporângios são chamados de tetrásporos e se desenvolvem em três arranjos distintos: cruciados, zonados ou tetraédricos O gameta masculino não apresenta flagelos e é denominado de espermácio, enquanto o feminino é denominado de carpogônio. Gracilaria sp. Neste gênero o histórico de vida é trifásico, com duas fases diploides e uma haploide. As três fases contempladas nesse histórico de vida são a gametofítica (n), a carposporofítica (2n) e tetrasporofítica (2n). A alternância de gerações encontrada é do tipo isomórfica: o tetrasporófito e o gametófito são semelhantes. A geração carposporofítica é parasita do gametófito feminino. Os espermácios produzidos pelo gametófito masculino são carregados pela água até as estruturas de reprodução dos gametófitos femininos, os carpogônios. A fusão destes gametas forma a geração carposporofítica, no talo do gametófito feminino. Esta geração é protegida por uma série de camada de células do gametófito feminino. O conjunto formado pelas células do gametófito feminino e o carposporófito é chamado de cistocarpo. Os esporos produzidos pelo carposporófito são chamados de carpósporos (2n) e dão origem a geração tetrasporofítica, também diploide. Os tetrasporófitos adultos dão origem a tetrásporos (n), por meiose, que restauram a geração gametofítica (n). 34

35 Figura 8. Histórico de vida trifásico de Gracilaria sp. As gerações que caracterizam este ciclo de vida estão em negrito; haploides em vermelho e diploides em azul ou roxo. Note o carposporófito, diploide, característica das Rhodophytas. Modificado de Graham et al. (2009) 6- Referências Graham, L.E.; Lee, W.W.; Graham, J. (2009). Algae. 2. Ed. Pearson Education Inc., San Francisco. Lee, R.E. (1989). Phycology. 2. Ed. Cambridge University Press, Cambridge. Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F.; Oliveira, M. C. (2007). Introdução à biologia das criptógamas. São Paulo : Instituto de Biocie ncias da Universidade de São Paulo, Departamento de Bota nica. Raven, P. H., Evert, R. F. & Eichhorn, S. E. (2007). Biologia Vegetal. 7. Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro. Santos, D. Y. A. C., Chow, F. & Furlan, C. M. (2012). A botânica no cotidiano. 1. Ed. Holos Editora, Ribeirão Preto. 35

36 Anotações: 36

37 CAPÍTULO IV Diversidade intraespecífica: modificações da cor do talo em algas vermelhas (Rhodophyta) Fabiana Marchi As algas vermelhas partilham entre si uma série de características, como por exemplo: células eucarióticas, ausência de flagelos, amido das florídeas armazenado no citoplasma, tilacóides livres no cloroplasto, ficocolóides (agar ou carragenana) presentes na perede celular, ficobiliproteínas (ficoeritrina, ficocianina e aloficocianina) dispostas em agregados chamados ficobilissomos, localizados nas membranas dos tilacoides, associados ao fotossistema II. As ficobiliproteínas são pigmentos solúveis em água, de coloração azul ou vermelha que possuem um cromóforo (ficobilina) e uma parte proteica, tais pigmentos marcaram a presença da clorofila a, proporcionando colorações azuladas ou avermelhadas as algas. A clorofila a é considerada o principal pigmento fotossintetizante, e os carotenoides juntamente com as ficobiliproteínas funcionam como pigmentos acessórios capazes de ampliar o espectro de absorção da energia luminosa em comprimentos de onda em que a absorção da clorofila a é baixa. O histórico de vida na maioria das espécies é constituído por três fases, caracterizado por uma alternância de fases haploide (gametofítica) e diploide (tetrasporofitica e carposporofítica). O gametófito é dióico e isomórfico ao tetrasporófito, ambos são de vida livre, enquanto que o carposporófíto é microscópico e parasita do gametófito feminino (Figura 1). O gametófito masculino libera na coluna d água numerosos espermácios (gametas masculinos não flagelados) produzidos nos espermatângios. Esses são conduzidos pela coluna d água até o gametófito feminino, aderindo-se a tricogine, que é uma porção alongada do carpogônio (gameta feminino) projetada para o meio. Após a fertilização, o zigoto resultante passa por sucessivas divisões mitóticas, que dão origem a uma nova fase do histórico de vida, o carposporófito (2n), que se desenvolve superficialmente ao talo do gametófito feminino. Esse é protegido por células do próprio gametófito, chamada pericarpo, formando uma estrutura denominada de cistocarpo. Nas porções apicais do carposporófito são produzidos espóros diploides, denominados de carpósporos, e após a sua liberação e germinação dão origem aos tetrasporófitos (2n). Nesses desenvolvem-se tetrasporângios que por meio de meiose dão origem a espóros haploides, em número de quatro, 37

38 denominados de tetrásporos. Após serem liberados na coluna d água, esses tetrásporos germinam e originam os gametófitos (n) (vide Capítulo 3). Figura 1. Esquema representativo de um historico de vida trifásico de Gracilaria sp. As algas vermelhas possuem muitos representantes de importância econômica tendo em vista a presença de ficocoloides como ágar e carragenana na parede celular. Estes ficocoloides são de muita valia para a indústria alimentícia, têxtil e biotecnológica, pois possuem propriedades estabilizante, emulsificante e gelificante. No Brasil, a exploração dos recursos naturais para a exploração de ágar teve início na década de 60, no entanto, as populações naturais exploradas se mostraram insuficientes para atender as demandas comerciais. Sendo assim, foi possível a observação de um declínio populacional, resultante da super-exploração. A decisão de como preservar ou manejar uma espécie depende, dentre outros aspectos, do conhecimento da diversidade intraespecífica (vide Capítulo 8). A diversidade intraespecífica pode ser caracterizada por alterações fenotípicas dentro de uma mesma espécie (plasticidade fenotípica), que por sua vez pode ter diferentes expressões dependendo do ambiente onde a população ou o indivíduo ocorra. Essa plasticidade fenotípica pode ser decorrente de processos de aclimatação e adaptação. Processos de aclimatação correspondem a diferentes expressões de ajustamento ao ambiente que um organismo pode sofrer dentro dos limites do seu 38

39 genótipo, proporcionando plasticidade fenotípica. Já os processos adaptativos correspondem à expressão de ajustamento ao ambiente decorrente de alteração no genótipo. Em algas vermelhas é muito comum à ocorrência de variações cromáticas intraespecíficas, a coloração pode variar de vermelho escuro até esverdeada, passando pelos tons vináceos, rosados, alaranjados e amarelados. Esse fenômeno é muitas vezes decorrente da capacidade de aclimatação do organismo frente a diferentes fatores ambientais, promovendo um rearranjo e/ou alterações nas concentrações dos pigmentos em quantidades variáveis, possibilitando dessa forma, numerosas combinações de cores. Os processos de adaptação decorrentes de alterações no genótipo também podem ser responsáveis pela variação cromática intraespecífica. Em campo é possível obter indícios para diferenciação entre os dois processos, como por exemplo, quando indivíduos de colorações distintas pertencentes a uma mesma espécie crescem em locais diferentes, sendo por exemplo, um sombreado e outro iluminado. Nessa situação, a coloração distinta poderia ser apenas uma resposta às condições ambientais e representam um indicativo de processo aclimatativo. No entanto, a ocorrência de algas com colorações distintas crescendo lado a lado na natureza é um indicativo da existência de variantes pigmentares genotípicas, especialmente se as condições do local forem muito homogêneas. De qualquer forma, em ambas situações, é necessário levar essas algas para um laboratório e mante-las sob condições controladas e semelhantes, a fim de verificar a estabilidade do carácter cor. Caso as algas sofram modificações na coloração do talo após algumas semanas de cultivo em laboratório, e adquiram colorações semelhantes, o resultado será interpretado como uma consequência da aclimatação às condições de laboratório, e as diferentes colorações em campo seriam resultantes de um processo de aclimatação as condições ambientais. Caso as diferentes colorações sejam mantidas, mesmo após um longo período de cultivo, se interpretará a cor como uma característica determinada geneticamente (Figura 2). 39

40 Figura 2. Ápices em estado vegetativo de gametófitos femininos de coloração vermelha (a esquerda) e de coloração marrom-esverdeada (a direita) de Gracilaria caudata cultivados in vivo, sob condições semelhantes. O modo como o caracter cor é transmitido pode ser conhecido por meio do acompanhamento de sua herança em condições de laboratório. No entanto, a herança de cor somente poderá ser estudada quando houver um conhecimento prévio do histórico de vida da espécie selecionada. Em algas vermelhas a segregação genética ocorre geralmente na fase gametofítica (haploide), em que mutações recessivas não são mascaradas por alelos dominantes, assim simplificam a análise genética. Entretanto, para tetrasporófitos (diploides), é necessário induzir a fertilidade e somente após a liberação de espóros e formação dos gametófitos, é possível realizar testes de cruzamentos adicionais para determinar se um indivíduo em particular apresenta genes dominantes ou carrega mutações recessivas. Os estudos de herança de cor em uma espécie são iniciados a partir da seleção de indivíduos femininos e masculinos das diferentes colorações. Essas algas podem ser obtidas do campo com posterior isolamento unialgáceo ou a partir do cultivo de esporos provenientes de algas de diferentes colorações coletadas do ambiente. O experimento consiste na manutenção de ápices femininos: i) cultivados isoladamente, para assegurar a ausência de partenogênese ou hermafroditismo; ii) cultivados em conjunto com ápices masculinos de mesma coloração, e iii) cultivados em conjunto com ápices masculinos de coloração diferente. Esse experimento deverá ser realizado respeitando um número mínimo de repetições para cada cruzamento (Figura 3). 40

41 Figura 3. Esquema básico para ensaios de cruzamento entre variantes de cor de uma mesma espécie, utilizando indivíduos dioicos. vm = vermelho, me = marrom-esverdeado. O padrão de herança de cor varia de acordo com a espécie ou de acordo com as linhagens dentro de uma mesma espécie. Na maioria dos casos, as variantes de cor naturais (obtidas em campo ou espontaneamente em laboratório) apresentam uma herança nuclear recessiva (mendeliana), sendo o fenótipo selvagem dominante, ou herança citoplasmática (materna) em que a coloração variante só é passada aos descendesntes quando o gametófito feminino possui o fenótipo alterado. No Brasil, o estudo de variantes cor naturais tem sido realizado principalmente nas espécies pertencentes ao gênero Gracilaria. Dentre essas destacam-se G. birdiae e G. dominguensis, que são espécies exploradas no nordeste do país como fonte de ágar. A caracterização genética das variantes indicou que G. birdiae apresenta herança nuclear recessiva para os fenótipos marrom esverdeado e verde claro, e herança citoplasmática para o fenótipo verde. Gracilaria dominguensis apresenta herança nuclear codominante para o fenótipo verde, que quando em heterozigose com o fenótipo selvagem (vermelho) expressa o fenótipo marrom (Figura 4). 41

42 Figura 4. Esquema representativo de cruzamentos com herança nuclear (dominante, recessiva e codominante) e herança citoplasmática. É importante salientar que variantes de cor também podem ser induzidas em laboratório com o auxílio de agentes mutagênicos, podendo ser estáveis ou não, quando estáveis a sua herança também pode ser estudada. A indução de variantes de cor tem sido realizada tendo em vista o potencial que essas, assim como variantes naturais, podem ter em estudos genéticos funcionando como marcadores visuais por apresentarem um fenótipo facilmente detectável. E dessa forma, os padrões de herdabilidade dos fenótipos alterados podem possibilitar o rastreamento da transmissão de gens nucleares e/ou organelares. Alguns autores, com auxílio de variantes de cor das mais diferentes espécies puderam realizar a distinção entre processos de autofecundação e fecundação cruzadas em espécies monóicas (Gelidium sp.), distinção entre processos 42

43 sexuados e assexuados (Gracilaria tikvahie), elucidar aspectos desconhecidos no histórico de vida de algumas algas, como por exemplo: i, inexistência de gametófitos femininos em Palmaria palmata; ii, identificação da germinação de tetrásporos in situ ou sobre o tetrasporófito parental e iii, falhas durante a citocinese de tetrasporângios como observado para Gracilaria sp. O estudo de variantes de cor evidenciou que essas podem apresentar desempenho fisiológico distinto das algas com fenótipo selvagem. Na maioria dos estudos vem sendo observado um desempenho superior quanto ao crescimento por parte das algas selvagens, em contrapartida, variantes pigmentares têm apresentado um desempenho fotossintetizante ligeiramente superior. Essas divergências fisiológicas podem trazer benefícios para a espécie em ambiente natural e contribuir para a seleção de linhagens mais adequadas à maricultura. Com relação aos pigmentos, variantes de cor apresentam conteúdo pigementar diferente às algas da mesma espécie com fenótipo selvagem, como por exemplo, em Gracilaria caudata a variante natural marromesverdeada possui maiores quantidades do pigmento aloficianina. Tal pigmento possui aplicações biotecnológicas, e pode ser utilizado como marcador fluorescente em estudos que utilizam citometria de fluxo. Dessa forma, o conhecimento da composição pigmentar é fundamental em estudos de variantes pigmentares, pois permite caracterizar quantitativa e qualitativamente esses compostos que denotam as diferentes colorações. A quantificação desses pigmentos possibilita a determinação das extensões das colorações alcançadas por cada tipo de variante. Essa diversidade pigmentar, entre outros aspectos, confere à espécie diferentes estratégias de captação e aproveitamento da energia luminosa, bem como representa uma vantagem para a espécie na ocupação de ambientes onde a radiação é qualitativa e quantitativamente heterogênea, como a região do entre-marés. Portanto, se faz necessário uma melhor compreensão das causas que levam plasticidade fenotípica em uma espécie. Tais esclarecimentos podem evidenciar uma diversidade ainda não estimada, chamando atenção para a sua preservação. Além disso, o estudo da diversidade intraespecífica fornece subsideos para a compreensão de como ocorre a manutenção de uma determinada espécie na natureza. Referências Câmara-Neto (1987). Seaweed culture in Rio Grande do Norte, Brazil. Hydrobiologia 151/152:

44 Carneiro M.A.A.; Marinho-Soriano E.; Plastino. E.M. (2011). Phenology of an agarophyte Gracilaria birdiae Plastino and E.C. Oliveira (Gracilariales, Rhodophyta) in Northeastern Brazil. Brazilian Journal of Pharmacognosy 21(2): Costa V.L.; Plastino E.M. (2001). Histórico de vida de espécimens selvagens e variantes cromáticas de Gracilaria birdiae (Gracilariales, Rhodophyta). Revista Brasileira de Botânica 24: Costa V.L.; Plastino E.M. (2011). Color inheritance and pigment characterization of red (wild-type), greenish-brown, and green strains of Gracilaria birdiae (Gracilariales, Rhodophyta). Journal of Applied Phycology 23: Faria A.V.F.; Plastino E.M. (2015). Physiological assessment of the mariculture potential of a Gracilaria caudata (Gracilariales, Rhodophyta) variant. Journal of Applied Psychology DOI /s Ferreira L.B.; Barufi J.B.; Plastino E.M. (2006). Growth of red and green strains of the tropical agarophyte Gracilaria cornea J. Agardh (Gracilariales/Rhodophyta) in laboratory. Revista Brasileira de Botânica 29: Gantt E. (1990). Pigmentation and photoacclimation. In: Cole KM, Sheath RG (eds) Biology of the red algae. Cambridge University Press. Cambridge, pp. Guimarães M.; Plastino E.M.; Oliveira E.C. (1999). Life History, Reproduction and Growth of Gracilaria domingensis (Gracilariales, Rhodophyta) from Brazil. Botanica Marina 42: Kursar T.A.; van der Meer J.P.; Alberte R.S. (1983). Light-harvesting system of the red alga Gracilaria tikvahiae. I. Biochemical analysis of pigment mutations. Plant Physiology 73: Oliveira E.C.; Plastino E.M. (1984). The life-history of Gracilaria (Rhodophyta) from Brazil. Japanese Journal of Phycology 32: Oliveira E.C.; Plastino E.M. (1994). Gracilariaceae. In: by 1. Akatsuka (Ed) Biology of Economic Algae. SPB Academic Publishing, The Hague pp. Patwary M.U.; J.P. van der Meer (1982). Genetics of Gracilaria tikvahiae (Rhodophyceae). VIII. Phenotypic and genetic characterization of some selected morphological mutants.canadian Journal of Botany. 60:

45 Plastino E.M.; Guimarães M.; Matioli S.R.; Oliveira E.C. (1999). Codominant inheritance of polymorphic color variants of Gracilaria domingensis (Gracilariales, Rhodophyta). General of Biology Molecular 22: Plastino E.M.; Guimarães M. (2001). Diversidade intraespecífica. In: Alveal, K. & Antezana, T. (Eds.). Sustentabilidad de la biodiversidad, un problema actual. Bases cientifico-tecnicas, teorizaciones y proyecciones. Universidad de Concepción. Concepción 19-27pp. Plastino E.M.; Ursi S.; Fujii M.T. (2004). Color inheritance, pigment characterization, and growth of a rare light green strain of Gracilaria birdiae (Gracilariales, Rhodophyta). Phycological Research 52: Ursi S.; Plastino E.M. (2001). Crescimento in vitro de linhagens de coloração vermelha e marromesverdeada clara de Gracilaria sp. (Gracilariales, Rhodophyta) em dois meios de cultura: análise de diferentes estádios reprodutivos. Revista Brasileira de Botânica. 24: van der Meer J.P. (1977). Genetics of Gracilaria sp. (Rhodophyceae, Gigartinales). II. The life history and genetic implications of cytokinetic failure during tetraspore formation. Phycologia 16: van der Meer J.P. (1990). Genetics. In: Cole KM, Sheath RG (eds) Biology of the red algae. Cambridge University Press. Cambridge, pp. van der Meer J.P.; Bird N.L. (1977). Genetics of Gracilaria sp. (Rhodophyceae, Gigartinales). I. Mendelian inheritance of two spontaneous green variants. Phycologia 16: van der Meer J.P.; Tood E.R. (1977). Genetics of Gracilaria sp. (Rhodophyceae, Gigartinales). IV. Mitotic recombination and its relationship to mixed phases in the life history. Canadian Journal of Botany 55: Van der Meer J.P.; Tood E.R. (1980). Life history of Palmaria palmate in culture. A new type for the Rhodophyta. Canadian Journal of Botany 58: Woelkerling W.J. (1990). An introduction (Cole, K. M., Sheath, R. G., Eds), Biology of the red algae. Cambridge Univ. Press, Cambridge, UK,

46 Anotações: 46

47 Espécies exóticas de algas marinhas com enfoque em macroalgas invasoras 1- O que são espécies exóticas? Fabio Nauer Erick Alves Pereira Lopes Filho As espécies exóticas são uma das principais ameaças à biodiversidade marinha, após a destruição de habitat e a poluição. Estimativas indicam que cerca de espécies marinhas são transportadas por hora, mas, infelizmente, as pesquisas estão ainda bastante aquém. A maioria dos trabalhos sobre espécies exóticas são da América do Norte, Europa Ocidental e Austrália, permanecendo outras regiões, como a do Atlântico sudoeste, mal estudadas quanto à sua biota, por razões que variam desde sua pouca documentação até a inadequação taxonômica de diversos grupos, gerando grande incerteza quanto às invasões biológicas. CAPÍTULO V Espécies invasoras marinhas foram registradas para pelo menos 84% das 232 ecoregiões marinhas do mundo. Mead et al (2011) em sua revisão para a África do Sul, contabilizaram 86 espécies introduzidas e 39 criptogênicas. Além disso, observaram que a proporção de espécies exóticas era muito maior na costa sudoeste em comparação com as outras regiões costeiras do país e, sobretudo, eram provenientes principalmente do hemisfério norte (65%). Na Argentina, Schwindt et al. (2014) amostraram seis dos dez principais portos do país e constataram a presença de 32 táxons não-indígenas (exóticos e criptogênicos), incluindo dez macroalgas. A introdução e a invasão de macroalgas marinhas têm sido relatadas em todos os oceanos nas últimas décadas, como Codium fragile ssp. fragile (Suringar) Hariot, Caulerpa taxifolia (M. Vahl) C. Agardh, Fucus serratus Linnaeus, Sargassum muticum (Yendo) Fensholt, Schizymenia dubyi (Chauvin ex Duby) J. Agardh e Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar. Williams & Smith (2007) compilaram 277 espécies de macroalgas marinhas introduzidas em todo o mundo. No caso das algas (exceto as ocorrências óbvias de algas não características de uma determinada região), as introduções podem ser de natureza críptica, principalmente em grupos de dificil identificação apenas por sua morfologia. Como consequência, a introdução de espécies exóticas pode ser negligenciada por décadas, especialmente quando (i) um grupo não foi formalmente revisto ou (ii) um extenso litoral como o 47

48 Brasil possui trabalhos de levantamentos bastante recentes. É importante salientar que, apesar recente conhecimento da biota da costa brasileiramesmo, é registrado até o momento cerca de 1247 algas, sendo 809 macroalgas marinhas. Além do trabalho de Schwindt et al (2014), para o Atlântico sudeste houve poucos trabalhos especificamente com o objetivo de compilar possíveis espécies não indígenas de macroalgas, como Oliveira et al (2009), que considerou 5 espécies como exóticas e 4 como criptogênicas, e Torrano da Silva et al (2010), com 5 como exóticas e 6 como criptogênicas. Ambos os trabalhos classificaram as algas exóticas nas categorias de detectada, estabelecida e invasora. Mais recentemente, Milstein et al (2015), ao realizar análises filogenéticas para as cinco espécies confirmadas de Pyropia J. Agardh na costa brasileira e de outras partes do mundo, observou que as seqüências brasileiras formavam dois clados diferentes e fortemente suportados: 1) Brasil + Indo-pacífico e 2) Brasil + costa pacífica do México. Os autores consideraram que apenas uma única espécie seria nativa. Entretanto, carecem de estudos como este a costa Atlântica da América do Sul, de modo que poucas espécies estão sob status de não-indígenas (Tabela 1). Tabela 1: Listagem provisória das espécies exóticas ou criptogênicas de macroalgas citadas para o Atlântico sudoeste Espécie Localização na América do Sul Status Referências Bangia fuscopurpurea (Dillwyn) Lyngbye Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014 Blidingia marginata (J. Agardh) P.J.L. Dangeard ex Bliding Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014 Cladophora corallicola Børgesen Brasil Criptogênica Torrano da Silva et al 2010 Ectocarpus siliculosus (Dillwyn) Lyngbye Argentina Criptogênica Schwindt et al 2014 Laurencia venusta Yamada Brasil Criptogênica Torrano da Silva et al 2010 Pedobesia ryukyuensis (Yamada & Tanaka) Torrano da Silva et Brasil Criptogênica Kobara & Chihara al 2010 Porphyra rizzinii J. Coll & E.C. Oliveira Brasil Criptogênica (não encontrada desde o primeiro registro) Torrano da Silva et al 2010; Milstein et al 2015 Criptogênica (não Torrano da Silva et Pyropia leucosticta (Thuret) Neefus &J. Brasil encontrada desde o al 2010; Milstein et Brodie primeiro registro) al 2015 Anotrichium furcellatum (J. Agardh) Baldock Argentina Exótica Schwindt et al 2014 Anotrichium yagii (Okamura) Baldock Brasil Exótica Torrano da Silva et al

49 Cutleria multifida (Turner) Greville Argentina Exótica Schwindt et al 2014 Dasya brasiliensis E.C. Oliveira & Braga Brasil Exótica Torrano da Silva et al 2010 Dictyota dichotoma (Hudson) J.V. Lopes-Filho et al Argentina Exótica Lamouroux 2017 Laurencia caduciramulosa Madusa & Torrano da Silva et Brasil Exótica Kawaguchi al 2010 Lomentaria clavellosa (Lightfoot ex Turner) Gaillon Argentina Exótica Schwindt et al 2014 Neosiphonia harveyi (Bailey) M.-S. Kim, H.- G.Choi, Guiry & G.W.Saunders Argentina Exótica Schwindt et al 2014 Pyropia acanthophora (E.C. Oliveira & Coll) M.C. Oliveira, D. Milstein & E. C. Oliveira Brasil Exótica Milstein et al 2015 Pyropia suborbiculata (Kjellman) J.E. Torrano da Silva et Sutherland, H.G. Choi, M.S. Hwang & W.A. Nelson Brasil Exótica al 2010; Milstein et al 2015 Pyropia tanegashimensis (Shinmura) N. Kikuchi & E. Fujiyoshi Brasil Exótica Milstein et al 2015 Pyropia vietnamensis (Tak. Tanaka & P. H. Ho) J.E. Sutherland & Monotilla Brasil Exótica Milstein et al 2015 Rosenvingiella polyrhiza (Rosenvinge) P.C. Silva Argentina Exótica Schwindt et al 2014 Kappaphycus striatum (Schmitz) Doty ex Torrano da Silva et Brasil Exótica (erradicada) P.C. Silva al 2010 Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex P.C. Torrano da Silva et Brasil Exótica (controlada) Silva al 2010 Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar Argentina Invasora Schwindt et al 2014 Contudo, à despeito dos casos mais conhecidos de macroalgas invasoras, nem todas as espécies exóticas se tornam invasoras (e, portanto, tornam-se parte da flora e fauna de fundo) e nem todas as invasoras têm qualquer impacto ecológico, de modo que há várias categorias de espécies exóticas. Para precisamos entender a terminologia: i) Espécie nativa, indígena ou autóctone: ocorre naturalmente em um local ou região, estando presente porque evoluiu ali ou por sua própria capacidade dispersiva e competência ecológica, sem interferência humana. Para espécies nativas que ampliam sua distribuição geográfica, deve-se utilizar os termos expansiva, migrante ou colonizadora. ii) Espécie exótica, alienígena, alóctone, introduzida, não-nativa e nãoindígena: espécie que não ocorreria naturalmente em uma determinada região 49

50 geográfica sem o transporte humano, quer seja intencional ou acidental, e sem qualquer efeito conhecido sobre a biodiversidade. a) Espécie exótica casual ou transiente: espécie exóticas que, ao chegar a uma nova região, consegue se tornar reprodutiva e eventualmente produzir descendentes. Entretanto, nem sempre mantêm uma população viável a longo prazo nessa região sem a intervenção humana direta, podendo extinguir-se localmente. b) Espécie naturalizada: espécie exótica que consegue se reproduzir no local onde foi introduzida e manter uma população estável sem a necessidade da intervenção humana direta, mas que não se dispersa para fora deste local, seja por limitações na dispersão ou pela competência ecológica. Espécies naturalizadas nunca se tornam invasoras de fato. c) Espécie invasora: espécie exótics que, ao contrário das espécies naturalizadas, consegue dispersar-se para áreas distantes do local original da introdução, estabelecer-se e invadir uma nova região geográfica. Espécies invasoras são um notório problema ambiental e/ou econômico (principalmente ao atingir altas densidades e passam a dominar a flora e fauna nativas), porém nem todas geram danos realmente apreciáveis, restringindo-se a ocupar áreas degradadas por não serem capazes de competir com espécies nativas em áreas bem conservadas. 2- Como se espalham? As introduções marinhas, intencionais e acidentais, são resultado de inúmeras atividades humanas, como o transporte marítimo (através de água de lastro ou incrustações de embarcações e estruturas como plataformas de petróleo), a aquicultura, a aquariofilia, turismo e atividades esportivas. Mead et al (2011) verificaram que as incrustações de embarcações e a água de lastro foram os vetores de maior importância nas introduções de espécies exóticas na África do Sul. No caso das macroalgas, no entanto, Williams & Smith (2007) consideraram que os vetores mais importantes para a introdução de macroalgas marinhas são a incrustação de casco (e outras estruturas marítimas que se deslocam) e a aquicultura (tanto quando a espécie-alvo é uma macroalga como também quando as macroalgas estão associadas às espécies-alvos, como mariscos). Torrano-Silva et al (2013) se mostraram preocupados sobre o risco de 50

51 introdução involuntária de espécies não-nativas em águas brasileiras através da aquariofilia. A dipersão de organismos de um local para outro é um processo natural (e lento) que os permite expandir e/ou regredir sua distribuição de acordo com eventos climáticos, geológicos, dentre outros. Entretanto, o avanço nos transportes humanos acelerou esse processo de tal forma que centenas de espécies são hoje cosmopolitas. O processo de bioinvasões aquáticas, principalmente no Brasil, está relacionada aos avanços tecnológicos. Dessa forma, Souza et al (2009) divide o histórico das bioinvasões aquáticas no Brasil em três fases: a) primeira fase (do Descobrimento até o final do século XIX): Nessa época a incrustação em cascos de navios já era responsável por um grande número de introduções marinhas no litoral brasileiro. b) segunda fase (século XX): A partir de 1880 o risco de transporte de espécies exóticas aumentou com o advento do uso da água como lastro para os navios, que passou a ser largamente agravando o transporte de espécies que já era efetuado via incrustação. Essa fase é marcada por grandes avanços econômicos e tecnológicos a nível global. c) terceira fase (meados do século XXI): A partir da década de 1990, o lixo (que inclui uma gama de materiais industrializados flutuantes) também começou a assumir um papel importante na mediação de bioinvasões marinhas em escala global, somado à incrustação e à água de lastro, sendo capaz de cruzar oceanos, rios e províncias biogeográficas. Além isso, o tráfego marítimo aumentou bastante devido também ao aumento do comércio mundial. Nessa fase se intensificam as pesquisas científicas A maioria dos organismos transportados não sobrevivem, principalmente nos ambientes escuros e sujos do tanque de lastro. Entretanto, os que sobrevivem podem ou não ter sucesso em se estabelecer em sua nova área ou co-existir harmoniosamente com a biota local ou se tornar invasores. As áreas portuárias oferecem estruturas artificiais que favorecem o estabelecimento de espécies exóticas (recrutamento, sobrevivência e dispersão). Mead et al (2011), por exemplo, verificaram que na África do Sul a maioria das introduções foram concentradas em áreas portuárias, enquanto apenas 4 invasores foram detectados em áreas de oceano aberto. Segundo Valentine et al (2007), uma invasão bem-sucedida de algas marinhas é um processo complexo de várias fases, incluindo a chegada, o estabelecimento 51

52 (desenvolvimento de uma população de talos macroscópicos), a propagação (envolvendo a dispersão natural ou não para um novo local, o estabelecimento e a expansão subsequente) e a persistência. A persistência refere-se ao turnover de mais de uma geração de talo macroscópico. As características de dispersão das algas introduzidas também têm uma influência importante em sua capacidade de propagação. Embora os mecanismos variem entre as espécies, todas possuem estratégias eficientes de dispersão a curta e/ou longa distância, como propágulos microscópicos, flutuabilidade do talo, rafting e fragmentação. Essas características as tornam particularmente suscetíveis à dispersão auxiliada pela atividade humana. De modo geral, os estudos de algas marinhas invasoras revelam que são oportunistas, tolerantes ao estresse, competitivas, e muitas possuem ciclo de vida heteromórfico. No estudo de Williams & Smith (2007) a maior parte das 277 espécies exóticas compiladas pertencia aos filos Chlorophyta (46) e Rhodophyta (165). As famílias com maior número de espécies mais exóticas foram: Caulerpaceae, Codiaceae, Derbesiaceae, Ulvaceae, Areschougiaceae, Ceramiaceae, Cystocloniaceae, Gracilariaceae, Solieriaceae, Rhodomelaceae, Alariaceae, Chordariaceae e Fucaceae. As características de uma da comunidade podem ser de grande importância para determinar o sucesso de uma invasão, como, por exemplo, nichos ecológicos vagos, subutilizados ou não utilizados são particularmente vulneráveis à invasão, além da disponibilidade e na variabilidade na disponibilidade de recursos. Outros atributos das comunidades que podem influenciar a vulnerabilidade à invasão incluem os que criam uma alta probabilidade de escape de restrições bióticas da espécie exótica, isto é, restrições físico-químicas (ex: temperatura, oxigênio, salinidade, etc), bióticas (ex: predação, competição, doenças, parasitas, etc) e estrutura do habitat (ex: tipo de substrato, abrigo, etc). Além disso, também é sugerido que as comunidades com baixa riqueza de espécies tendem a ser invadidas mais prontamente do que as áreas com alta riqueza de espécies. Por fim, freqüentemente citados como importantes no sucesso da invasão, sobretudo em sistemas terrestres, são o estado de depauperamento do ambiente invadido, como ambientes poluídos (provavelmente porque o ambiente oferece menor competição) e a perturbação, que age para liberar recursos. Segundo Valentine et al (2007), poucos estudos analisaram criticamente o papel da perturbação no processo de invasão de algas, dos quais se observou que a destruição da cobertura de algas nativa demonstrou ser um fator chave para facilitar o 52

53 estabelecimento de algas introduzidas e, se a perturbação for necessária para o estabelecimento, a propagação também dependerá da frequência e intensidade da perturbação. 3- Quais são os impactos econômicos e ecológicos? A introdução de espécies exóticas pode afetar tanto a biodiversidade quanto as atividades econômicas. Uma vez que uma espécie exótica marinha chegue à um novo ambiente, o mais provável é que lá permanecará para sempre, interagindo com as comunidades existentes e, no processo, poderá se misturar ao novo ambiente, modificar os habitats nativos e alterar o equilíbrio ecológico da área receptora. Isto pode ocorrer aumentando favorecendo a predação em organismos nativos, modificando o habitat por sufocação ou competição, reduzindo a diversidade de espécies, fornecendo novo habitat estrutural ou favorecer a invasão do local por outras espécies exóticas. Embora em alguns casos haja um aumento na diversidade estrutural e funcional causado pelas espécies não-ativas e pelas atividades humanas, é possível observar que a biota de todo o mundo está sofrendo um processo de homogeneização. No caso das algas marinhas, a maioria dos estudos tem procurado identificar a fonte das mesmas, com maior interesse em invasões crípticas, porém pouco trabalho tem sido dirigido para examinar as consequências das invasões de algas marinhas. Numa comunidade a mudança da dominância espécies nativas por espécies introduzidas é motivo de preocupação pois não é garantido que retorne a seu estado original. Essa mudança também tem consequências graves para os consumidores secundários, pois herbívoros nativos tendem a não se alimentar das algas exóticas. Além disso, dietas baseadas no consumo de exóticos podem resultar em produção reprodutiva reduzida de herbívoros. Do ponto de vista econômico e do bem-estar humano, as espécies exóticas têm criado desafios complexos, dos quais podemos citar impacto em cultivos e introdução de microorganismos perigosos para o equilíbrio ambiental, incluindo bactérias, vírus e cistos resistentes de dinoflagelados tóxicos que podem levar à florações nocivas e intoxicação por moluscos. Embora menos frequentes espécies marinhas exóticas também podem ter impactos positivos, como a criação de novas atividades econômicas (aquicultura, por exemplo), o aumento do emprego em projetos e programas de manejo e o conhecimento adquirido sobre os processos ecossistêmicos, a dinâmica de recursos e interações de uma determinada região. 53

54 4- Como determinar se uma espécie é invasora? Um dos objetivos fundamentais a ser abordado por taxonomistas, sistematas, ecólogos e analistas de dados é a identificação e caracterização de espécies indígenas e invasores. A categorização de um táxon como introduzido é bastante complicado, como no caso de espécies raras, diminutas e determinação taxonômica duvidosa. Atualmente, estudos de genética populacional podem ser usados para estimar parâmetros demográficos de espécies indígenas e exóticas, além de permitir a organização em unidades evolutivas significativas através do entendimento de sua biogeografia a fim de identificar as rotas de dispersão ou transferência, e quais os fatores que possibilitam sua expansão e/ou possível extinção. Baseado nos padrões de distribuição geográfica é possível definir que espécies seriam, à primeira vista, exóticas, pois o transporte antrópico de fragmentos pode explicar o "salto" de espécies introduzidas para locais geograficamente distantes, sem uma estação intermediária, isto é, possuindo uma distribuição disjunta; porém, é necessário ter cuidado devido aos casos de dispersão à longa distância. Um dos casos mais emblemáticos se trata de espécies cosmopolitas e criptogênicas (Não confundir com espécies crípticas!), que normalmente são candidatas para o status de exóticas. Orensanz et al (2002) classificou as espécies cosmopolitas em três categorias: a) espécies verdadeiramente cosmopolitas, i. e., sua ampla distribuição é anterior à dispersão mediada pelas atividades humanas; b) espécie considerada cosmopolita, porém corresponde a um complexo de várias espécies morfologicamente semelhantes, mas geneticamente distintas e de restrita distribuição geográfica; c) espécies atualmente cosmopolitas devidas à dispersão mediada pelas atividades humanas. Para as espécies criptogênicas, Orensanz et al (2002) classificou-as em cinco categorias, das quais podemos utitilizar quatro: a) ampla distribuição geográfica, incluindo espécies cosmopolitas" e as de distribuição biogeográfica incongruentes; b) potencial invasivo indicado por status exótico documentado em outras regiões geográficas; 54

55 c) abundância na vizinhança de centros de introdução (por exemplo, portos comerciais), mas rara (ou ausente) no resto da região, sobretudo para espécies encontradas em comunidades associadas à atividades humanas (ex: comunidades incrustantes de portos); d) história de vida com potencial dispersivo de longa distância, particularmente para rafting em estruturas artificiais (incrustação no casco de embarcações e outros objetos artificiais flutuantes e/ou à deriva), ou a capacidade de ser disperso com água de lastro; No caso de macroalgas, e outras plantas em geral, herbário e amostras de museus são muito importantes quando se considera a introdução de espécies. Essas coleções permitem revisitar a flora original de uma região, permitem a exploração de eventos passados, incluindo invasões crípticas e, quando possível, permitem isolar e amplificar DNA de espécimes antigos. Descobrir o caso apropriado para uma espécie exige diversas informações e ferramentas, como sistemática, genética, ecologia, registros históricos, dentre outros. No caso da genética, espécies exóticas têm de enfrentar pressões seletivas novas que podem ser detectadas em estudos, como bottlenecks (por deriva genética, efeito fundador, etc), efeito de pequeno número de genes, rearranjos genômicos (transposons, poliploidia, alopoliploidia, etc), hibridização (dos bioinvasores com espécies nativas ou com outras espécies invasoras) e modificação do genoma induzida pelo estresse. 5- Alguns casos de macroalgas exóticas 5.1 Dasya brasiliensis E.C. Oliveira & Braga Espécie comum na costa entre o sul do estado do Rio de Janeiro e o norte do estado de São Paulo. Embora coletada por A. B. Joly em 1962 (à época confundida com outra espécie), nas décadas de 1960 e 1970 esta espécie foi se tornando mais freqüente e abundante na região, indicando uma expansão da população. Alguns autores em meados da década de 2000 lançaram a hipótese de que uma espécie tão conspícua como esta não poderia ter sido ignorada pelos trabalhos extensos e cuidadosos de Joly e seus coautores para aquela região desde a década de Foi então considerada como possivelmente introduzida devido ao tráfego marítimo. Contudo, como sua biomassa não é relevante e não prossegue sua expansão geográfica, não foi considerada invasora por Torrano da Silva et al (2010). Origem desconhecida, se exótica 55

56 5.2 Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex P.C. Silva O sucesso do cultivo de Kappaphycus alvarezii para a produção de carragenana nas Filipinas na década de 1970 motivou sua introdução em muitas áreas tropicais em todo o mundo (vide capítulo 8). Duas espécies deste gênero foram autorizadas a serem introduzidas no Brasil na década de 1990 em São Paulo, incluindo K. Alvarezii, para avaliar sua viabilidade comercial. Entretanto, foram feitas introduções não autorizadas em Santa Catarina, Rio de Janeiro, Ceará, Paraíba, Pernambuco e possivelmente na Bahia. Apesar dos problemas ecológicos relatados de sua introdução em locais como o Havaí (EUA) e a Índia, até o momento não há evidências de problemas derivados da introdução de K. Alvarezii no Brasil, porém, também não há esforços suficientes para avaliar mesmos, especialmente no Nordeste. 5.3 Caulerpa scalpelliformis (R. Brown ex Turner) C. Agardh Espécie tropical e distribuída mundialmente, é bastante comum em grande parte da costa brasileira entre os estado do Piauí e do Espírito Santo. Foi relatada para a Baía de Ilha Grande (Rio de Janeiro) pela primeira vez em 2005 e observou-se populações densas e de rápido crescimento, ocasionando mudanças drásticas na fisionomia da comunidade bentônica da região, com o deslocando de bancos nativos de Sargassum vulgare C. Agardh. A origem das populações de Caulerpa scalpelliformis é incerta (migração natural x introdução mediada pelo homem). Foi categorizado como introdução acidental por Torrano da Silva et al (2010), que a considerou o único caso de macroalgas invasora na costa brasileira até o momento. 5.4 Caulerpa taxifolia (M. Vahl) C. Agardh Sua introdução na Europa foi registrada em 1984 em Mônaco e, após 15 anos desde a sua chegada, cobria 97% das superfícies disponíveis entre Toulon e Genes (França, Mônaco e Itália). Hoje está espalhada no Mediterrâneo, incluindo muitas reservas marinhas, sufocando o habitat existente e substituindo as plantas marinhas nativas, e assim, reduzindo o valor de conservação da reserva. Análises posteriores revelaram que as amostras das populações invasoras estavam intimamente relacionadas com outras cultivadas em aquários europeus antes das primeiras observações no Mediterrâneo. A população invasora na costa californiana (EUA) foi mais tarde relacionada à linhagem de aquário também. Acredita-se que a origem desta linhagem 56

57 seja a Austrália. Ao contrário do caso do Mediterrâneo, o caso da Califórnia obteve êxito em sua erradicação. Essa espécie é bastante agressiva e produz metabolitos secundários tóxicos que auxiliam na competição pelo espaço. É capaz de invadir bancos de gramas marinhas nativos mesmo na ausência de perturbação, mas parece que bancos densos são mais resistentes à invasão. Em recifes rochosos, as comunidades com cobertura de algas nativas são mais resistentes à invasão de C. taxifolia do que aquelas sem uma cobertura bem desenvolvida. Por fim, C. taxifolia ocorre em alta densidade em muitos tipos de habitat, incluindo os ambientes estressados onde recursos estão disponíveis porque outras espécies são raras, como em locais sujeitos a descargas de águas pluviais e de esgoto. 5.5 Codium fragile ssp. fragile (Suringar) Hariot Originária do Japão, esta alga foi introduzida independentemente em várias regiões, como no Mediterrâneo, Estados Unidos (costas atlântica e pacífica), Chile, Canadá, Nona Zelândia, dentre outros. Podemos destacar a invasão da espécie na baía de San Francisco (EUA), no final dos anos 1970, relacionada aos descartes na de caixas de iscas vivas de pesca embaladas em algas e provenientes da Nova Inglaterra. Além disso, no Oceano Atlântico Noroeste, há fortes evidências de que outros organismos invasores (ex: Membranipora membranacea e Paramoeba invadens) facilitaram sua invasão, assim como a perturbação da cobertura de algas nativas é um precursor crítico para a fase de estabelecimento desta alga exótica. É capaz de manter populações estáveis e de persistir mesmo na ausência da perturbação que permitiu seu estabelecimento inicial. Estudos também indicam que inibe o recrutamento de kelps nativos. 5.6 Melanothamnus harveyi (Bailey) Díaz-Tapia & Magg Originalmente descrita para a América do Norte é considerada exótica em águas europeias, com observações locais ao longo dos últimos 170 anos. Estudos moleculares verificaram níveis mais elevados de diversidade nas populações nativas japonesas do que as do Atlântico, além de se verificar dois eventos introduções independentes no Oceano Atlântico Norte: Uma linhagem seria proveniente de Hokkaido (Japão) e foi introduzida no norte do Oceano Atlântico (Nova Escócia e noroeste da Europa). A segunda linhagem, proveniente de Honshu (Japão), foi introduzida no sul do Atlântico Norte (Carolina do Norte), sendo também encontrado na Nova Zelândia e na Califórnia. 57

58 A presença de M. harveyi na Nova Zelândia representou uma invasão críptica devido à sua semelhança morfológica com M. strictissimus (J.D. Hooker & Harvey) Díaz-Tapia & Maggs, nativa. 5.7 Sargassum muticum (Yendo) Fensholt Originário do Japão, esta espécie foi encontrada pela primeira vez na Columbia Britânica em Desde então se alastrou e hoje ocorre em todo o Pacífico Norte, Atlântico Norte e Mediterrâneo, mostrando uma extraordinária capacidade de tolerar uma ampla variedade de condições, sendo considerado altamente invasivo. Estudos indicam que esta alga se estabelece em áreas que geralmente contém baixa cobertura de algas nativas, incluindo as de turf e as crostosas, uma vez que seus estágios iniciais necessitam de bastante espaço e luz. Coberturas estáveis de algas nativas podem inibir a invasão de um local. É interessante notar que Sargassum muticum ocupa um nicho ecológico mais amplo e também cresce muito mais nas regiões invadidas do que em sua área natural. Estudos recentes indicam que os efeitos negativos de S. muticum sobre outras algas são principalmente como resultado do sombreamento e, uma vez removido de uma área, não há garantia da recuperação da mesma por algas nativas. 5.8 Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar Alga nativa do Japão, das Coreias e de partes de China, mas durante as duas últimas décadas foi introduzida acidental ou intencionalmente em costas temperadas em todo o mundo. É uma espécie invasora na Europa, Oceania e Argentina. Undaria pinnatifida é bastante invasiva e cad esporófito pode liberar quase duas centenas de milhões de zoósporos hora, num período de até três meses. Este é o único caso bem documentado de introdução de macroalgas exóticas no Atlântico Sudoeste. Foi registrada pela primeira vez na Argentina em dezembro de 1992 e hoje se encontra espalhada há mais de 700km do local original. As primeiras plantas foram encontradas anexadas a estruturas de cais em Puerto Madryn, sugerindo que o vetor mais provável de introdução foi a água de lastro ou incrustações de navios de carga. Costuma formar densas florestas sazonais em águas de cerca de 15 metros de profundidade. Estudos locais sobre U. pinnatifida revelaram que possui efeitos ecológicos diversos: a) está associada a uma diminuição dramática na riqueza de espécies e diversidade de algas nativas no ponto original de introdução. 58

59 b) no substrato rochoso em que U. pinnatifida ocorre, a riqueza, a diversidade e abundâncias de espécies são maiores em áreas cobertas pela espécie do que nas em que foi removida manualmente, o que pode ser devido à novas estruturas de habitat (maiores e estruturalmente mais complexas) do que as providas por algas nativas c) em áreas em que compete com Macrocystis pyrifera (Linnaeus) C. Agardh, a riqueza, a abundância e a diversidade da flora associada aos apressórios de de M. pyrifera e U. pinnatifida são semelhantes, enquanto que esses parâmetros foram maiores no caso da fauna associada a M. pyrifera. No entanto, uma vez que a densidade e a diversidade da fauna associada ao apressório é diferente, espera-se mudanças na comunidade com a expansão de U. pinnatifida. d) entre a primavera e o verão, plantas de Undaria se desprendem do substrato e são transportadas pelas correntes marítimas, porém acabam por se prender a recifes rochosos, o que pode reduzir a qualidade do habitat para peixes de recife por obstruir fisicamente seus refúgios. Entretanto, foi observado que a abundância de peixes diminuiu em recifes de baixo relevo cobertos por essa alga enquanto não houve efeito sobre a abundância de nenhuma das espécies de peixes em recifes de alto relevo. e) oferece ameaça às algas nativas comparativamente menores, como Codium sp, Dictyota sp, Ulva sp, Anotrichium sp e Ceramium sp, e à algas nativas de importância econômica, como Gracilaria gracilis (Stakhouse) Steioft, Irvine & Farnham, Gigartina skottsbergi Setchell & Gardner e Macrocystis pyrifera (Linnaeus) C. Agardh. Na Oceania, os esporófitos de Undaria pinnatifida podem crescer a densidades elevadas em variados substratos, incluindo os instáveis em que raramente se desenvolvem macroalgas nativas folhosas devido às altas taxas de crescimento dos esporófitos, que atingem rapidamente o tamanho suficiente para estabilizar o material solto. Há casos na Tasmânia (Austrália) em que essa invasora é protegida quando ocorre em reservas marinhas pois nestas não se permite qualquer tipo de captura. Os esporófitos de Undaria pinnatifida também requerem perturbação para se estabelecer a altas densidades, pois a presença de cobertura nativa estável inibe o desenvolvimento de esporófito (competição por luz), enquanto isso não afeta seus gametófitos. A perturbação mais importante, permitindo o desenvolvimento U. pinnatifida, é a herbivoria de algas nativas por um ouriço-do-mar nativo. No entanto, se os danos à cobertura nativa são relativamente pequenos e não há ação de ouriços, as espécies nativas expulsam rapidamente a U. pinnatifida. 59

60 6- Quais são as maneiras de prevenção e remediação? O aumento global no fluxo de pessoas e bens através de transporte marítimo, sobretudo através de novas rotas comerciais, está influenciando diretamente os organismos ao redor do mundo, embora não seja possível definir o aumento dos registros de espécies exóticas se deva a um agravamento do problema ou se apenas reflete o maior esforço de pesquisa e conscientização. Por isso, as respostas da gestão precisam abranger tanto o conhecimento da ameaça representada por uma espécie introduzida quanto as diversas atividades humanas relacionadas. É necessário determinar os riscos de introdução, estabelecimento e propagação de espécies exóticas marinhas em regiões específicas e os seus potenciais impactos no ecossistema, na saúde humana e nas atividades económicas. Contudo, a prevenção é mais eficaz (e mais barata) do que o controle. Ao nível internacional há acordos como na OMC, a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CBD) e o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança para prevenir a introdução e incentivar o controle ou a erradicação das espécies exóticas. Entretanto, iniciativas para prevenir impactos futuros concentraram-se nos transportes marítimos internacionais e nas águas de lastro. A Organização Marítima Internacional (OMI) introduziu orientações voluntárias sobre as águas de lastro em 1997 e promove um programa para minimizar o risco de transferência de espécies marinhas estrangeiras em águas de lastro - o Programa GloBallast. Durante o The GloBallast pilot phase o Porto de Sepetiba, no Estado do Rio de Janeiro, foi escolhido como áreapiloto no Brasil. No caso das macroalgas, das 96 espécies identificadas, 12 não haviam sido citadas anteriormente para a área de estudo, porém não houve indícios de que as novas ocorrências seriam resultado de introduçãos por meio das atividades portuárias. Além disso, métodos que estão sendo desenvolvidos para tratar água de lastro, tais como tratamentos térmico e/ou químico, ultrafiltração, luz ultravioleta, etc. O método de tratamento mais utilizado atualmente é a troca de água de lastro no mar, substituindo a água de lastro original pela oceânica, que teoricamente representa pouca ameaça aos ecossistemas costeiros, porém de eficácia desconhecida. Ao nível nacional e regional, ações concentradas unicamente em um vetor, mesmo que sejam completamente bem-sucedidas, não impedirão novas invasões. A ação a nível nacional pode reduzir a frequência do aporte de espécies exóticas, mas à medida que se estabelecem em regiões vizinhas e/ou em portos dos parceiros comerciais, a taxa de transporte tende a aumentar. É necessário um sistema de gestão 60

61 abrangente que avalie os riscos colocados por diferentes espécies e vetores e, em seguida, conduza a ações apropriadas. O monitoramento do ambiente é imprescindível para o controle e o gerenciamento do problema. O pré-requisito para qualquer tentativa de controle está no conhecimento da fauna e da flora locais, identificando as espécies nativas e determinando a presença, distribuição e abundância de espécies introduzidas. Infelizmente o conhecimento da biota costuma ser escasso, o que dificulta a detecção e avaliação do status das espécies em geral. Projetos de monitoramento, sobretudo a longo prazo, são raros no Brasil. O Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), financiado pelo CNPq em várias partes do país, contribui aumentar o conhecimento ecológico e sócioeconômico através de estudos de casos. Um exemplo é o PELD GUANABARA que avalia variáveis abióticas e biológicas para entender melhor a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas da baía de Guanabara e de suas respostas aos impactos antrópicos e climáticos. O Projeto é coordenado pelo Prof. Jean Louis Valentin e terá duração de nove anos. O responsável pelo monitoramento de macroalgas é o Prof. Joel Campos de Paula. A erradicação de espécies já estabelecidas é muito difícil ou mesmo impossível na grande maioria dos casos devido às técnicas ou aos custos, o que se torna mais complicado no caso das algas marinhas invasoras. A decisão de se optar por um programa de gestão ou pela erradicação deve ser de acordo com o objetivo geral, geralmente de longo prazo, bem como a viabilidade para alcançá-lo. Por exemplo, se os organismos nativos puderem sustentar populações pré-introdução apenas manejando populações de algas invasoras, então a erradicação não é necessária, mas os custos de se sustentar um programa de manejo por muitos anos precisam ser avaliados, bem como a competição entre espécies nativas e a alga invasora e seus potenciais impactos em espécies não-alvo. A gestão de uma espécie exótica reduz os impactos para um nível aceitável, com base em critérios econômicos ou em efeitos toleráveis ao meio ambiente, seja utilizando controles mecânicos (ex: remoção manual), físicos (ex: barreiras), biológicos (ex: patógenos ou predadores) ou químicos, sobretudo porque a sua detecção geralmente ocorreu muito tarde para a remoção completa. A erradicação de uma alga invasora pressupõe, também, uma detecção muito precoce, associada a respostas rápidas e eficientes em termos de custos, cujo objetivo é remover completamente os talos ou eliminar qualquer propágulo viável. Além disso, a importância de respostas rápidas e 61

62 eficazes reflete a preocupação com as elevadas taxas de dispersão de algas e pela necessidade de que todos os importantes vetores sejam identificados, tratados e/ou impedidos de disseminar a espécie para novas áreas. Espécies marinhas exóticas que se estabelecem em novas áreas se adaptam a uma variedade de ambientes, podendo apresentar características não evidentes na sua área nativa. Os esforços de gestão para evitar perturbações na cobertura nativa podem representar uma opção de controle viável para algumas espécies invasoras como Codium fragile ssp. fragile, Sargassum muticum e Undaria pinnatifida, todos os quais requerem perturbação para o estabelecimento e persistência bem-sucedidos. Em locais onde a perturbação pode ser ligada à atividade humana, devem ser concentrados os esforços para minimizá-la. Obviamente, nem todas as perturbações podem ser prevenidas ou controladas, pois diversos distúrbios ecológicos ou fisiológicas podem levar à redução na cobertura de algas nativas, incluindo tempestades, altas temperaturas da água, soterramento ou abrasão por sedimentos, herbivoria e presença de espécies introduzidas. Do ponto de vista da gestão, é claramente preferível manter um ecossistema resiliente do que tentar reabilitá-lo após a mudança de dominância ter 7- Referências Abreu, N.M.N.; Marçal, I.; Duarte, A.B.; Pitombo, F.B.; Vilasboa, A.; Gusmao J. (2016). Microsatellite markers for barnacle studies: Isolation and characterization of polymorphic microsatellite loci from the invasive barnacle Megabalanus coccopoma (Darwin, 1854) and its cross-amplification in the Southern Atlantic endemic species Megabalanus vesiculosus (Darwin, 1854). Biochemical Systematics and Ecology, 66: Agostinho, A.A.; Pelicice, F.M.; Julio, Jr.H.F. (2006). Biodiversidade e introdução de espécies de peixes: unidades de conservação. In: Campos JB, Tossulino MGP, Müller CRC. (eds). Unidades de conservação: Ações para valorização da biodiversidade. Instituto Ambiental do Paraná. Curitiba. Anderson LWJ. (2007). Control of invasive seaweeds. Botânica Marina 50: Bax, N.; Williamson, A.; Aguero, M.; Gonzalez, E.; Geeves W. (2003). Marine invasive alien species: a threat to global biodiversity. Marine Policy 27: Booth, D.; Provan, J.; Maggs CA. (2007). Molecular approaches to the study of invasive seaweeds. Botânica Marina 50:

63 Casas, G.; Scrosati, R.; Piriz, M.L. (2004). The invasive kelp Undaria pinnatifida (Phaeophyceae, Laminariales) reduces native seaweed diversity in Nuevo Gulf (Patagonia, Argentina). Biological Invasions 6: Casas, G.N.; Piriz, M.L.; Parodi, E.R. (2008). Population features of the invasive kelp Undaria pinnatifida (Phaeophyceae: Laminariales) in Nuevo Gulf (Patagonia, Argentina). Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom. 88(1):21 28 Ferreira, C.E.L.; Gonçalves, J.E.A.; Coutinho, R. (2006). Ship hulls and oil platforms as potential vectors to marine species introduction. Journal of Coastal Research, SI 39 (Proceedings of the 8th International Coastal Symposium), Garbary D. (1987). A critique of traditional approaches to seaweed distribution in light of the development of vicariance biogeography. Helgolfinder Meeresunters. 41, GloBallast Partnerships Programme: archive.iwlearn.net/globallast.imo.org/globallast.imo.org/index.html Guiry MD In Guiry MD & Guiry GM. (2017). AlgaeBase. World-wide electronic publication, National University of Ireland, Galway. searched on 14 May 2017 Irigoyen, A.J.; Eyras, C.; Parma, A.M. (2011a). Alien algae Undaria pinnatifida causes habitat loss for rocky reef fishes in north Patagonia. Biological Invasions 13:17 24 Irigoyen, A.J.; Trobbiani, G.; Sgarlatta, M.P.; Raffo, M.P. (2011b). Effects of the alien algae Undaria pinnatifida (Phaeophyceae, Laminariales) on the diversity and abundance of benthic macrofauna in Golfo Nuevo (Patagonia, Argentina): potential implications for local food webs. Biological Invasions 13: Lin, Y.; Zhan, A. (2016). Population genetic structure and identification of loci under selection in the invasive tunicate, Botryllus schlosseri, using newly developed EST- SSRs. Biochemical Systematics and Ecology 66: Lopes-Filho, E.A.P.; Salgueiro, F.; Nascimento, S.M.; Gauna, M.C.; Parodi, E.R.; De Paula, J.C. (2017). Molecular evidence of the presence of Dictyota dichotoma (Dictyotales, Phaeophyceae) in Argentina based on sequences from mtdna and cpdna and a discussion of its possible origin. New Zealand Journal of Botany DOI: / X

64 Mead, A.; Carlton, J.T.; Griffiths, C.L.; Rius, M. (2011). Revealing the scale of marine bioinvasions in developing regions: a South African re-assessment. Biological Invasions 13: Menezes, M.; Bicudo, C.E.M.; Moura, C.W.N et al. (2015). Update of the Brazilian floristic list of Algae and Cyanobacteria. Rodriguésia 66(4): Milstein, D.; Medeiros, A.S.; Oliveira, E.C.; Oliveira, M.C. (2015). Native or introduced? A re-evaluation of Pyropia species (Bangiales, Rhodophyta) from Brazil based on molecular analyses. European Journal of Phycology. 50: Moro, M.F.; Souza, V.C.; Oliveira-Filho, A.T.; Queiroz, L.P.; Fraga, C.N.; Rodal, M.J.N.; Araújo, F.S.; Martins, F.R. (2012). Alienígenas na sala: o que fazer com espécies exóticas em trabalhos de taxonomia, florística e fitossociologia? Acta Botanica Brasilica 26(4): Oliveira, E.C.; Silva, B.N.T.; Amancio, C.E. (2009). Fitobentos (Macroalgas). In: Lopes RM, Coradin L, Pombo VB, Cunha DR (eds). Informe sobre as Espécies Exóticas Invasoras Marinhas no Brasil. Série Biodiversidade, 33. Brasília: Ministério do Meio Ambiente/ Secretaria de Biodiversidade e Florestas Orensanz, J.M.L.; Schwindt, E.; Pastorino, G.; Bortolus, A.; Casas, G.; Darrigran, G.; Elías, R.; Gappa, J.J.L.; Obenat, S.; Pascual, M.; Penchaszadeh, P et al. (2002). No longer the pristine confines of the world ocean: a survey of exotic marine species in the southwestern Atlantic. Biological Invasions 4: Peld Guanabara: Raffo, M.P.; Eyras, M.C.; Iribarne, O.O. (2009). The invasion of Undaria pinnatifida to amacrocystis pyrifera kelp in Patagonia (Argentina, south-west Atlantic). Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom. 89(8): Ramirez, M.E.; Nuñez, J.D.; Ocampo, E.H.; Matula, C.V.; Suzuki, M.; Hashimoto, T.; Cledón, M. (2012). Schizymenia dubyi (Rhodophyta, Schizymeniaceae), a new introduced species in Argentina, New Zealand Journal of Botany. 50(1):51-58 Schwindt, E.; Gappa, J.L.; Raffo, M.P.; Tatian, M.; Bortolus, A.; Orensanz, J.M.; Alonso, G.; Diez, M.E.; Doti, B.; Genzano, G.; Lagger, C et al. (2014). Marine fouling invasions in ports of Patagonia (Argentina) with implications for legislation and monitoring programs. Marine Environmental Research. 99:60-68 Souza, R.C.C.L.; Calazans, S.H.; Silva, E.P. (2009). Impacto das espécies invasoras no ambiente aquático. Ciencia e Cultura. 61 (1):

65 Széchy, M.T.M.; Filho, G.M.A.; Cassano, V.; De-Paula, J.C.; Barreto, M.B.B.; Reis, R.P. et al. (2005). Levantamento florístico das macroalgas da baía de Sepetiba e adjacências, RJ: ponto de partida para o Programa GloBallast no Brasil. Acta Botanica Brasilica. 19(3): Torrano da Silva, B.N.; Amancio, C.E.; Filho, E.C.O. (2010). Exotic marine macroalgae on the brazilian coast: a revision. Oecologia Australis 14(2): Torrano-Silva, B.N.; Carlos, E.; Amancio,1.; Eurico, C.O. (2013). Seaweeds in ornamental aquaria in Brazil: anticipating introductions. Latin American Journal of Aquatic Research 41(2): Raffo, M.P.M.; Cecilia, E.; Iribarne, O.O. (2009). The invasion of Undaria pinnatifida to a Macrocystis pyrifera kelp in Patagonia (Argentina, south-west Atlantic). Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom 89(8), Valentine, J.P.; Magierowski, R.H.; Johnson, C.R. (2007). Mechanisms of invasion: establishment, spread and persistence of introduced seaweed populations. Botanica Marina 50: Williams, S.L.; Jennifer, E.; Smith. (2007). A Global Review of the Distribution, Taxonomy, and Impacts of Introduced Seaweeds. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 38: WWF International. (2009). Silent Invasion The spread of marine invasive species via ships ballast water. Switzerland. 65

66 Anotações: 66

67 CAPÍTULO VI Mudanças climáticas: os efeitos sobre macroalgas marinhas Nuno Tavares Martins Sabrina Gonçalves Raimundo Mudanças climáticas se referem às variações do clima em escala global ao longo do tempo, podendo ser definida como variações estatisticamente significativas na média do clima ou sua variabilidade, persistindo por um longo período (tipicamente décadas ou mais). As alterações climáticas podem ser causadas por processos naturais, eventos externos ao Planeta Terra (exemplo: meteoros) ou por alterações antropogênicas. Ou seja, as mudanças climáticas são fenômenos naturais que ocorrem na Terra. Essas variações abrangem diversas alterações, como mudanças de temperatura, precipitação, umidade relativa do ar, aumento do nível dos oceanos, derretimento das calotas polares e outras. Contudo, ao longo das ultimas décadas, têm se percebido aumento na velocidade dessas mudanças, devido ações antropogênicas desde a Revolução Industrial (principalmente aumento da atividade industrial, desmatamento e aumento populacional). As mudanças climáticas antropogênicas referem-se a qualquer mudança no clima causada pelo efeito cumulativo da atividade humana. A magnitude da mudança climática global antropoge nica é atualmente considerada irreversível em escalas de tempo humanas. Por exemplo, para o ano de 2100 é especulado um aumento de temperatura média da Terra em 2 a 4 C, uma diminuição do ph oceânico de 0,3 até 0,5 e um aumento dos índices de UV entre 12-17%. Box 1: Tempo meteorológico x tempo geológico. Ambos estão dentro do conceito de mudanças climáticas Tempo geológico: escala de tempo medida em milhões de anos, sendo classificada em eras geológicas e seus respectivos períodos. 67

68 As mudanças climáticas ocorrem tanto no ambiente terrestre quanto marinho. Os oceanos cobrem 2/3 da Terra, e por isso, absorvem 80% do calor incidente. O que faz com que as linhas de temperatura nos oceanos (isotermas) migrem mais rápido do que em ambientes terrestres, culminando em comunidades marinhas inteiras a migrarem mais rapidamente (alterando sua distribuição). O aumento da temperatura é um dos principais processos resultantes de mudanças climáticas antropogênicas no ambiente marinho. Esse aquecimento vem sendo confirmado por dados de temperatura dos oceanos registrados nos últimos anos. O aumento da temperatura nos oceanos têm diversas consequências, como aumento de eventos extremos, alterações nos padrões de ocorrência de tempestades e secas, aumento da umidade relativa do ar entre outras. Figura 1. Alguns eventos alterados em consequência do aumento da temperatura nos oceanos. Dessa forma, o aquecimento global deverá produzir grandes mudanças no ambiente marinho, como na distribuição e abundancia de espécies além de mudança na estrutura de comunidades, incluindo extinções locais. Macroalgas marinhas são as bases ecológicas da maioria dos ecossistemas marinhos costeiros, e sua diversidade tem implicações fundamentais para a vida e os serviços ecossistêmicos na zona costeira. As macroalgas ocorrem principalmente nas regiões costeiras, localidade em que está mais susceptível às mudanças, devido à sua proximidade como o ambiente terrestre. As mudanças climáticas deverão alterar diversas características dessas regiões, devido alterações no padrão de ondas, pluviosidade, elevação do nível do mal, diminuição das faixas de areias, erosão e outros. 68

69 Box 2: Serviços ecossistêmicos São benefícios que podemos obter a partir dos ecossistemas de forma direta ou indireta. Exemplos: proteção contra desastres, controle da erosão, alimentos, manutenção do clima, purificação da água, controle de Apesar de algumas espécies de macroalgas terem mostrado alta tolera ncia, ou até mesmo se beneficiarem de mudanças climáticas, o aumento na temperatura tende a trazer mudanças drásticas para comunidades bentônicas. Há diversos estudos acerca dos processos ecológicos em macroalgas, contudo, poucos abordam a distribuição de espécies. A temperatura influencia drasticamente processos biológicos, atuando em diversas escalas: desde moléculas a biotas inteiras. Os efeitos da temperatura em reações químicas, estruturas moleculares e fisiologia das algas são bem documentados, apesar de não tão bem elucidados. Essas lacunas no conhecimento são atribuídas a grande dificuldade em isolar o fator temperatura de outros em ambiente natural. Em teoria, por efeitos que ocorrem nos níveis químicos e moleculares, as algas são beneficiadas com o aumento da temperatura. Contudo, alteração da temperatura pode ser fatal para macroalgas que possuem seu rendimento máximo próximo ao seu limite fisiológico. O aumento de temperatura observado na natureza nos dias de hoje pode não evidenciar nenhuma diferença fisiológica nesses indivíduos, muitas vezes levando a uma falsa interpretação de que toleram tal situação. Por esse motivo, experimentos laboratoriais se fazem necessários. Figura 2. Consequências do aumento da temperatura nos oceanos em diversas escalas. 69

70 Os oceanos absorvem cerca de um terço (1/3) de todo CO 2 emitido antropologicamente - desde a revolução industrial. O impacto antropogênico é de tamanha magnitude de forma que é esperada que a uma diminuição de ph mais significativa ao longo dos próximos séculos do que nos últimos 300 milhões de anos, tendo drásticas consequências para organismos marinhos. A absorção de CO 2 pelos oceanos aumenta a concentração de ácido carbônico (HCO 3 ), o que além de diminuir o ph, diminui também a disponibilidade dos íons carbonato de cálcio. A maioria das macroalgas marinhas tem acesso tanto ao CO 2 quanto ao ácido carbônico para conduzir a fotossíntese. Todavia, algumas macroalgas vermelhas só podem absorver CO 2. Por esses motivos, apesar da mudança no ph, a maior disponibilidade de carbono tem se mostrado benéfica. No entanto, diversas macroalgas vermelhas, por não conseguirem absorver o ácido carbônico, a mudança de ph têm se mostrado prejudicial. Ainda, muitas macroalgas vermelhas (assim como os corais) possuem parede celular com carbonato de cálcio, que também tem sua disponibilidade diminuída devido à alteração do ph. Box 3: CO 2 + H 2 O H 2 CO 3 Até o ano de 2100 é especulado um aumento dos índices de UV entre 12-17%. A radiação UV pode afetar as macroalgas marinhas de diversas maneiras, principalmente causando diminuição da fotossíntese e fixação de CO 2. UV-A tem efeitos ambíguos nas macroalgas, podendo ser usado como fonte de luz para a fotossíntese, direcionando a utilização fotossintética do bicarbonato, tendo efeito positivo na morfogênese e crescimento de algumas espécies de macroalgas. No entanto, níveis altos de UV-A podem causar diminuição da fotossíntese, alterar a diversidade e a biomassa da comunidade bentônica marinha. Por outro lado, UV-B raramente mostra efeito positivo. Podem causar alterações nas mitocôndrias, cloroplastos e outras organelas, além de aumentar a espessura da parede celular, reduzir o espaço intracelular e até mesmo alterar os contornos das células e morfologias. Como descrito acima, diversas são as mudanças ambientais que atuam concomitantemente nos organismos e os fatores são de difícil dissociação em estudos controlados. Um exemplo da ação de diversos fatores é o impacto dos herbívoros sobre 70

71 as comunidades de macroalgas. Os herbívoros são agentes estruturantes fundamentais nas comunidades de macroalgas, influenciando, desde a sobrevivência do indivíduo até a totalidade da biodiversidade. Os resultados das interações entre plantas e herbívoros dependem das características da alga e do herbívoro, incluindo a palatabilidade das, as taxas de consumo per capita de herbívoros e as taxas de crescimento individual e populacional e a abundância global de ambos. Fatores abióticos associados à mudança climática são conhecidos por afetar todos esses atributos. A temperatura pode reduzir as defesas dos herbívoros enquanto que alterações na disponibilidade de nutrientes alteraram a palatabilidade das algas (além do carbonato de cálcio, que é uma importante defesa anti-herbívoro). Ainda, apesar do aquecimento beneficiar algumas populações de herbívoros, a acidificação é geralmente prejudicial para muitos herbívoros invertebrados, particularmente espécies fortemente calcificadas, tais como ouriços do mar e moluscos, Dessa forma, as mudanças climáticas também terão efeitos diretos sobre os herbívoros que por efeito em cascata influenciará nos produtores primários. Box 4: Adaptação e aclimatação de forma extremamente resumida: Adaptação é alteração no genoma e ocorre ao longo de gerações. Aclimatação é ajuste fenotípico e Possíveis respostas fisiológicas de uma espécie e de suas populações podem decorrer de processos de aclimatação ou adaptação. Estudos fisiológicos em populações naturais, não permitem a distinção entre esses processos, pois as variáveis ambientais são distintas e mascaram possíveis conclusões sobre os efeitos de determinados fatores abióticos. E importante, portanto, realizar estudos de variação em condições controladas e determinar o padrão de variação fisiológica em condições laboratoriais em associação com dados de campo. Esses dados devem possibilitar uma melhor previsão dos efeitos das mudanças climáticas em comunidades marinhas futuras. Todo esse aspecto promissor mencionado faz com que os estudos acerca da fisiologia e ecologia sejam de extrema importância para o conhecimento dos ecossistemas marinhos num cenário especulado para o futuro de aumento de temperatura media dos oceanos. 71

72 Referências Burrows, M.T.; Schoeman, D.S.; Buckley, L.B.; Moore P.; Poloczanska, E.S.; Brander, K.M.; Brown, C.; Bruno, J.F.; Duarte, C.M.; Halpern, B.S.; Holding, J.; Kappel, C.V.; Kiessling, W.; O Connor, M.I.; Pandolfi, J.M.; Parmesan, C.; Schwing, F.B.; Sydeman, W.J.; Richardson, A.J. (2011) The Pace of Shifting Climate in Marine and Terrestrial Ecosystems. Science 334: Cheung, W.W.L.; Lam, V.W.Y.; Sarmiento, J.L.; Kearney, K.; Watson, R.; Pauly, D. (2009) Projecting global marine biodiversity impacts under climate change scenarios. Fish and Fisheries 10: Field, C.B.; V.R.; Dokken, D.J.; Mach, K.J.; Mastrandrea, M.D.; Bilir, T.E.; Chatterjee M.; Ebi, K.L.; Estrada, Y.O.; Genova, R.C. (2014) IPCC, 2014: Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Part A: Global and Sectoral Aspects. Contribution of Working Group II to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Harley, C.D.G.; Anderson, K.M.; Demes, K.W.; Jorve, J.P.; Kordas, R.L.; Coyle, T.A.; Graham, M.H. (2012) Effects Of Climate Change On Global Seaweed Communities. Journal of Phycology 48: Hobday, A. et al. (2016) A hierarchical approach to defining marine heatwaves. Progress in Oceanography 141: Poloczanska, E.S. et al. (2013) Global Imprint of Climate Change on Marine Life. Nature Climate Change 3: Trenberth, K.E. (2012) Framing the way to relate climate extremes to climate change. Climatic Change 115: Ji, Y.; Xu, Z.; Zou, D.; Gao, K. (2016) Ecophysiological responses of marine macroalgae to climate change factors. Journal of Applied Phycology 28:

73 Anotações: 73

74 CAPÍTULO VII Ecologia de Costões Rochosos e Metodologias de Amostragem Sabrina Gonçalves Raimundo Gabriela Carvalho Lourenço da Silva Mariana Sousa Melo Introdução Grande parte da superfície terrestre é coberta pelos oceanos, pois aproximadamente 71% do planeta é coberto pelas águas marinhas. Mesmo assim, é um ambiente relativamente pouco investigado, pois, de maneira geral, conhecemos mais a superfície da lua do que o fundo do oceano. Contudo, este ambiente tem grande importância em nossas vidas, indo muito além de um prazeroso banho de mar. A maior parte da população mundial vive junto à costa, o que se relaciona diretamente com os inúmeros serviços que o oceano nos proporciona, como o fornecimento de alimentos, extração de petróleo, entre outros. Porém, esta proximidade e relações estreitas tornam este ambiente muito vulnerável, em parte pelo desconhecimento deste e seus ecossistemas. Com fronteiras sutis, os ecossistemas estão todos ligados, de forma que eventos ocorridos no continente influenciam o oceano, como o aporte de nutrientes e água doce, por exemplo. Assim, podemos influenciar o ambiente marinho com nossas atividades. Por exemplo, a queima de combustíveis fósseis libera gás carbônico (CO 2 ) na atmosfera, que ao se dissolver no oceano acidifica a água, dificultando a formação de conchas e estruturas calcárias por moluscos (como o mexilhão), algas e corais. Sabemos hoje que a profundidade média dos oceanos é 3.800, mas partes mais profundas atingem quase metros e possui cerca de 300 vezes mais espaço para a ocupação dos seres vivos do que os ambientes terrestres e de água doce combinados. Existem mais filos de animais no oceano do que em água doce ou em terra, embora cerca de 80% das espécies animais não sejam marinhas devido à grande diferença dos habitats em terra. No entanto, o ambiente marinho possui dois grandes domínios: a região pelágica, (a coluna d água) e a região bentônica (o assoalho marinho). Os organismos marinhos, nestes domínios, compõem três grandes grupos. O plâncton, o nécton e o bentos (Figura 1). 74

75 Figura 3. Os grupos dentro dos Domínios Marinhos: Plâncton, Nécton e Bentos. O pla ncton agrupa os organismos da coluna d água que vivem a deriva, ou seja, com poder limitado de locomoção, sendo transportados passivamente por correntes e massas d água. Os organismos do pla ncton são classificados em dois grandes grupos principais: zooplâncton (pequenos animais, animais de baixa mobilidade e larvas de peixes e organismos bentônicos, entre outros) e fitoplâncton (organismos fotossintetizantes do plâncton, como as microalgas) (Figura 2A). Embora muito pequenas, as microalgas do fitoplâncton são responsáveis pela produção de aproximadamente 50% do oxigênio disponível na atmosfera através do processo da fotossíntese. O oxigênio liberado neste processo vem da quebra da molécula de água e a matéria orgânica resultante é construída a partir do dióxido de carbono (CO 2 ). Além de liberar oxigênio, organismos fotossintetizantes também produzem matéria orgânica (alimento, na forma de glicose) a partir de gás carbônico (CO 2 ), utilizando a energia do sol. Por isso, são considerados produtores primários, que compõem a base da cadeia alimentar de quase todos os ecossistemas do planeta. O nécton marinho é composto por organismos que vivem na coluna d água e que possuem órgãos eficientes para natação, possuindo então capacidade de locomoção e podendo nadar longas distâncias, independente de correntes e movimentos de massas d água (Figura 2B). Por fim, o bentos são organismos que vivem junto ao fundo oceânico de diversas naturezas, sejam eles sésseis (fixos) (Figura 2D e E) ou móveis (Figura 2C e F). Os habitats costeiros bentônicos estão entre os ambientes marinhos mais produtivos do planeta. 75

76 A B C D Foto: Mariana Melo E F Figura 4. Biodiversidade presente nos Domínios Marinhos. (A) Plâncton: fitoplâncton e zooplancton (B) Nécton, (C) Bentos: ouriço-do-mar; (D) Bentos: Mexilhões, (E) Bentos: Alga verde, (F) Bentos: estrela-do-mar. Além disso, existe uma grande diversidade de habitats marinhos e costeiros, resultando em um grande mosaico de diferentes tipos de ambientes. De forma geral, os ambientes marinhos são regiões sobre a influência do mar, cada qual com uma condição de pressão, salinidade, profundidade, temperatura, luminosidade e diversidade biológica. Entre os diversos ecossistemas marinhos e costeiros podemos destacar os recifes de corais, as fontes hidrotermais, os manguezais e marismas, as praias arenosas, os costões rochosos, ambientes de mar profundo, entre outros. Embora existam vários ecossistemas que estão presentes na região entre-marés e nas zonas costeiras, os costões rochosos são considerados muito importantes por apresentar alta riqueza de espécies de importância ecológica e econômica, por exemplo, mexilhões, ostras, algas, crustáceos e uma variedade de peixes. Além disso, por receber grande quantidade de nutrientes proveniente dos sistemas terrestres, estes ecossistemas apresentam uma grande biomassa e produção primária de microfitobentos e de macroalgas. Como resultado, os costões rochosos são locais de alimentação, 76

77 crescimento e reprodução de um grande número de espécies. Entre outras características, existe limitação de substrato ao longo de um gradiente existente entre o habitat terrestre e o marinho, favorecendo a ocorrência de fortes interações biológicas entre a grande diversidade de espécies presentes nos costões rochosos. A grande variedade de organismos e o fácil acesso tornaram os costões rochosos uns dos mais populares e bem estudados ecossistemas marinhos. Costões Rochosos Os costões rochosos são afloramentos de rochas cristalinas que em geral estão situadas na transição entre os meios terrestres e aquáticos e por isso sofrem influência da maré e da temperatura da água. Desta forma, muitas são as possibilidades de regiões rochosas, como por exemplo, as falésias, os matacões e os costões rochosos verdadeiros (Figura 3). Estas áreas atuam como substrato para comunidades biológicas, e é considerado como um ambiente muito mais marinho que terrestre já que as espécies que o habitam estão muito mais relacionadas ao mar. No Brasil, as rochas possuem origem vulcânica e estão estruturadas de diversas formas, desde paredões verticais bastante uniformes (ex. a Ilha de Trindade) ou matacões de rocha (ex. a costa de Ubatuba/SP). Assim, encontramos ambientes de costa rochosa em quase toda costa brasileira. No entanto, a maior concentração dos verdadeiros costões rochosos na região Sul e Sudeste entre Cabo Frio (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC). Os costões rochosos podem apresentar muitas características complexas, mas de forma geral quanto maior sua complexidade maior a diversidade de organismo ali encontrada. Por exemplo, existem costões rochosos expostos e outros protegidos que compreendem uma variação biológica distinta entre eles. Os costões expostos são aqueles que recebem impactos de ondas com freqüência e por isso são pouco fragmentados, aparentando-se a um paredão liso. Assim, possuem menor quantidade de habitats comparados aos costões protegidos, além disso, por ser um ambiente que sofre com o alto hidrodinamismo (locais onde o embate de ondas é mais forte), não favorece a existência de organismos mais frágeis. No entanto, possuem alta produção primária devido ao fluxo de nutrientes que chega pela água, de modo que as algas (em geral de talos ramificados) se utilizam desta energia para realização da fotossíntese. Já os costões protegidos estão localizados em áreas em que o hidrodinamismo é menor, como por exemplo áreas no qual aconteceram rolamentos de matacões formando 77

78 A B Foto: Mariana Melo Foto: Mariana Melo Figura 5. Exemplos de Costões Rochosos: (A) Matacões em Itaguá Ubatuba, SP e (B) Costões Rochosos Verdadeiros no Parque Estadual da Ilha Anchieta Ubatuba, SP. piscinas naturais. Assim, esses lugares apresentam alto nível de complexidade biológica, resultando numa grande riqueza de espécies associadas. Nessas áreas podemos encontrar organismos maiores que os de costão exposto, como algas com talos bem desenvolvidos e com abundante biota associada à essas algas (algas, briozoários, esponjas, vermes, entre outros) e que conseguem viver ali. Figura 6. Distribuição dos Ambientes de Costa Rochosa no Brasil. Zonação Ao observar um costão rochoso desde sua porção submersa até a porção rochosa exposta pela primeira vez, um dos fatores mais notáveis é a disposição dos seres vivos 78

79 em faixas ao longo do perfil vertical deste ecossistema. A esta distribuição vertical chamamos zonação que resulta da influência de diversos fatores físicos e biológicos, como por exemplo, a variação das marés e a predação, respectivamente. No costão rochoso é possível observar três zonas distintas: Figura 7. Zonação em costões rochosos. Ao lado esquerdo foto representativa de costão rochoso no Parque Estadual da Ilha Anchieta - Ubatuba/SP. Ao lado direto esquema didático mostrando zonas de supra, médio e infralitoral. 1. Supralitoral: Área na qual podemos encontrar aqueles organismos que nunca ficam submersos, mesmo na maré alta. Esta zona está sujeita apenas a borrifos de água e abriga uma comunidade de líquens, cianobactérias (algas azuis) e de alguns animais móveis, como pequenos moluscos (como a Littorina) e artrópodes (como a Lygia, a baratinha-do-mar); 2. Mediolitoral ou zona entre-marés : Nesta região estão aqueles organismos que estão sujeitos à variação da maré, ficando expostos durante a maré baixa e submersos durante a maré alta. No mediolitoral alto podemos observar cracas e mexilhões, que possuem adaptações à dessecação, enquanto na parte inferior, já ocorrem macroalgas, que ressecam durante o período de exposição e são reidratadas durante a maré alta. 3. Infralitoral: Nesta faixa encontramos aqueles organismos que ficam sempre submersos, mesmo durante a maré baixa. Neste ambiente encontram-se todos os peixes e organismos que não são adaptados a perda d água e altas temperaturas, como ouriçosdo-mar, estrelas-do-mar e anêmonas. 79

80 Influências para formação da zonação em costões rochosos Muitos dos organismos do costão são fixos ou de baixa mobilidade, o que faz com que eles dependam muito das condições da água para sua reprodução, dispersão (através de larvas planctônicas) e para sua alimentação (por serem fixos, portanto filtradores). Desta forma, a zonação observada na composição predominante de alguns organismos em cada faixa do costão rochoso é resultante de fatores físicos e biológicos que atuam como fatores seletivos de organismos aptos à ocuparem cada zona (infralitoral, mesolitoral e supralitoral). Entre esses fatores estão: as marés, a temperatura, radiação solar, hidrodinamismo, as interações biológicas, entre outros. Por muito tempo acreditou-se que a maré era o único fator responsável pela zonação que observamos no costão, hoje já sabemos que este é mais um dos fatores que atuam sobre esse ela, embora seja um dos mais relevantes. Durante a maré baixa, muitos organismos ficam emersos e expostos à condições adversas como dessecação e altas temperaturas (Figura 5). Os organismos que se fixam nas porções mais altas do costão são os primeiros a ficarem expostos e os últimos a serem novamente submersos. Por isso, conseguimos observar uma clara divisão vertical entre as faixas de exposição, já que os organismos que se distribuem de acordo com suas adaptações para estas condições extremas. Outros fatores físicos importantes são a radiação solar e a temperatura. Por exemplo, os cirripédios (cracas) que são crustáceos que ocupam a região do mediolitoral possuem envoltório resistente que abrem e fecham mantendo uma quantidade adequada de água para manter a temperatura do organismo, além de contribuir para que não se exponham à radiação solar. Outro exemplo são as baratinhas-da-praia que também são animais que ocupam a zona de supralitoral, neste caso além de possuírem exoesqueleto quitinoso que diminui o contato com a radiação solar, ela também se locomove muito bem o que facilitar que possa transitar neste ambiente. Também o hidrodinamismo pode ser um fator importante para a predominância de algumas espécies, em particular no mediolitoral. Neste caso, um bom exemplo são as diferentes algas que podem ocupar essa região. Em áreas de alto hidrodinamismo observamos a predominância de algas com talos ramificados pela movimentação das águas que impede a superposição, que causaria sombreamento dos talos inferiores. Os ambientes com baixo hidrodinamismo podem favorecer a fixação e estabelecimento de organismos, principalmente esporos e propágulos, proporcionando a existência de algas com talos não ramificados e outros organismos mais frágeis. 80

81 A B Foto: Mariana Melo Foto: Mariana Melo Figura 8. Exposição de Organismos na maré baixa. Ao lado esquerdo: Aquário Natural, Parque Estadual da Ilha Anchieta. Ao lado direto: organismos de costão rochoso expostos durante a maré baixa (em destaque, alga parda Colpomenia sinuosa). Somado a esses fatores, as interações existentes entre os organismos também ajudam a determinar o padrão observado na zonação dos costões rochosos. Deste modo, competição por espaço, predação e a herbivoria podem ser cruciais na zonação. Alguns estudos mostram que alguns gastrópodes predadores estendem-se desde a zona do médiolitoral até o infralitoral, dependendo do batimento das ondas ou da disponibilidade das presas. Essas interações biológicas tem relevância particular para a determinação da distribuição dos organismos na região do supralitoral, onde fatores abióticos são mais estáveis. Além destes fatores descritos, outros muitos podem atuar como limitadores da distribuição dos organismos. Águas com alta turbidez, por exemplo, podem reduzir a presença de algas na região do infralitoral. Assim, a zonação dos organismos bentônicos num costão rochoso reflete a interação de vários fatores físicos e biológicos, estabelecendo limites precisos de distribuição. Cada costão possui características próprias que vão definir a importância relativa dos fatores abióticos e bióticos na estrutura das comunidades bentônicas dos costões rochosos. De todo modo, este padrão de zonação é comum nos costões rochosos do mundo inteiro. As espécies que ocorrem em cada zona podem variar em função das diferentes latitudes, níveis de maré e exposição ao ar, entre outros, porém mostram adaptações especiais para viverem nesta área, sendo a zonação, a estrutura básica reconhecida na maior parte dos ambientes de costões rochoso. 81

82 Ameaças aos Costões Rochosos Atualmente, os costões rochosos sofrem diversos impactos antropogênicos, por exemplo, por poluição orgânica, industrial, derramamento de óleo, sedimentação em áreas portuárias, captura excessiva, introdução de espécies exóticas, turismo descontrolado, desmatamento das matas de encosta e até mesmo efeitos das mudanças climáticas. Nesse ultimo caso, temos efeitos diversos, incluindo aumento da temperatura, resultando em perda de diferentes espécies como, por exemplo, o branqueamento de corais (fenômeno que acontece com a perda algas que vivem em simbiose com estes organismos e morrem pelo aumento da temperatura ou contaminação de patógenos). Um outro efeito importante das mudanças climáticas sobre todo o oceano é a acidificação dessas águas, podendo ocasionar, entre outros impactos, a não calcificação de estruturas duras de diferentes espécies. Este fenômeno acontece quando a água (H 2 O) e o gás se encontram formando o ácido carbônico (H 2 CO 3 ) que se dissocia no mar, formando íons carbonato (CO ²- 3 ) e hidrogênio (H + ). O nível de acidez se dá através da quantidade de íons H + presentes em uma solução nesse caso, a água do mar. Quanto maior as emissões, maior a quantidade de ions H + e mais ácido os oceanos ficam. Em quantidades normais de absorção de CO 2 pelo oceano, as reações químicas favorecem a utilização do carbono na formação de carbonato de cálcio (CaCO 3 ) utilizado por diversos organismos marinhos na calcificação. O aumento intenso das concentrações de CO 2 na atmosfera, e consequente, diminuição de ph das águas oceânicas acaba por alterar o sentido destas reações, fazendo com que o carbonato dos ambientes marinhos se ligue com os íons H +, ficando menos disponível para a formação do carbonato de cálcio, essencial para o desenvolvimento de organismos calcificadores. A diminuição das taxas de calcificação afetam, por exemplo, o estágio de vida inicial destes organismos, bem como sua fisiologia, morfologia, reprodução, distribuição geográfica, crescimento, desenvolvimento e tempo de vida. Além disso, afeta também a tolerância à mudanças na temperatura das águas oceânicas, tornando-os mais sensíveis e interferindo na distribuição de espécies. Somado a todos esses impactos que foram superficialmente citados, ainda contamos com a falta de conhecimento que temos destes ecossistemas. De forma geral, conhecemos pouco os costões rochosos brasileiros, tendo mais informações ecológicas de curto prazo no Litoral de São Paulo, alguns pontos da Baía de Guanabara, a Costa Norte do Rio de Janeiro e em Cabo Frio (RJ). De modo que expandir a pesquisa para 82

83 outras áreas, considerar monitoramentos e estudos de longo prazo ainda é uma necessidade. Além disso, é igualmente importante que conheçamos melhor as espécies que aí habitam, tendo em vista que o conhecimento é mais aprofundado quando consideramos as macroalgas bentônicas. Pesquisa em Ecologia de Costões Rochosos Realizar estudos ecológicos em costões rochosos apresenta muitos desafios. O próprio ambiente, em si, já é um fator limitante para o pesquisador. A maioria dos estudos em costões rochosos no mundo foi feita na zona entre-marés. Estudos nesta área devem ser planejados para serem executados durante as poucas horas do dia em que a maré está baixa, quando a região está acessível. Estudar o infralitoral também tem suas complicações. Como a amostragem nesta região é feita, geralmente, com mergulho autônomo, o tempo de amostragem é limitado pelo consumo de ar do mergulhadorpesquisador. A grande complexidade física e biológica destes ambientes resulta em uma grande variabilidade em quase todos os parâmetros medidos, mesmo numa pequena escala, seja ela vertical ou horizontal. Por isso, as características únicas deste ambiente devem ser levadas em consideração antes de definir um desenho amostral, para então selecionar os procedimentos mais adequados. Diversos parâmetros contribuem para a alta variabilidade na distribuição dos organismos de costão rochoso. São muitos os gradientes afetando as comunidades, como grau de exposição a ondas e correntes, proximidade de rios, a própria flutuação da maré e uma variação topográfica muito alta. A paisagem do costão rochoso é muito heterogênea, compondo diversos micro-habitats. Por exemplo, fendas, matacões, paredões ou poças de maré. Fatores como inclinação e rugosidade do substrato e incidência de luz também contribuem para uma grande variabilidade espacial. Além de variar em diversas escalas espaciais, os organismos de costão rochoso também apresentam uma considerável variação temporal, que pode levar de anos a décadas. Estas fontes de variabilidade devem ser cuidadosamente analisadas e levadas em conta antes de selecionar os métodos de coleta e desenho amostral. Se a variabilidade natural do sistema não for corretamente avaliada, esta pode gerar um ruído na interpretação dos dados, confundindo os resultados. Isto impede o pesquisador de detectar causas alternativas de variação na estrutura das comunidades como, por exemplo, as resultantes de impactos antrópicos. 83

84 Estudos de campo podem ser classificados de diferentes formas. Entre eles estão: Estudos de base, que tem como objetivo definir o status presente de alguma condição biológica; Estudos de impacto, que incluem detectar e relacionar alterações biológicas com perturbações; Monitoramentos, que consistem em acompanhar determinados parâmetros ao longo do tempo para detectar mudanças; E Estudos ecológicos, que avaliam padrões e processos, onde padrões biológicos são descritos para determinar os fatores que os causam. A pesquisa em ecologia de costão rochoso, hoje em dia, frequentemente envolve experimentos controlados. Entretanto, amostrar padrões de distribuição e abundância por si só ou em conjunto com experimentos é ainda muito importante. Amostragem em Costão Rochoso Para desenhar um método de amostragem em campo adequado, o pesquisador deve ter claros os objetivos e perguntas do estudo. Isso permitirá uma melhor definição das hipóteses a serem testadas e dos parâmetros que devem ser medidos, para assim definir o local de estudo, posicionamento de unidades amostrais e unidades biológicas utilizadas. Desta forma, o desenho amostral pode ser definido de maneira eficaz, com poder estatístico suficiente para responder às perguntas em questão. Independente dos objetivos do estudo, um desenho amostral deve incluir controles tanto no tempo quanto no espaço, replicação de todos os níveis de amostragem, múltiplos locais de amostragem, garantia de réplicas independentes e preferencialmente aleatórias e os resultados devem ser expressos em medidas de variabilidade estatística. A análise, para ser considerada válida, deve possuir poder estatístico. Este diminui à medida que aumenta a variabilidade intrínseca do sistema. Isto reflete diretamente no número de réplicas a serem amostradas no estudo. Seleção dos locais de estudo Os locais de coleta de dados ecológicos devem ser cuidadosamente selecionados. Para que possam ser consideradas réplicas, os locais devem possuir características parecidas quanto ao maior número de parâmetros possíveis. Assim, variações nos parâmetros medidos podem ser detectadas sem que sejam confundidas com a variabilidade natural devido a diferenças geofísicas, por exemplo. Se estas características não forem semelhantes, elas devem ao menos ser registradas. 84

85 A seleção dos locais de coleta deve, portanto, seguir algumas diretrizes, dentre elas: locais com características geofísicas semelhantes; seleção de pontos aleatórios dentre os possíveis locais, para que os dados possam ser extrapolados para toda a área. Dependendo dos objetivos do estudo e dos recursos disponíveis, cabe ao pesquisador definir se a amostragem será feita de forma mais abrangente, em muitos locais, se em poucos locais com um maior esforço de coleta, ou se unirá ambas as estratégias. Unidades Biológicas No ambiente de costão rochoso há uma diversidade muito alta de filos e espécies, o que exige um nível alto de conhecimentos taxonômicos do pesquisador em estudos que envolvem comunidades. Uma estratégia muito adotada é utilizar níveis taxonômicos mais altos ou grupos morfofuncionais como alternativa a espécies, dependendo da pergunta a ser respondida. A estes diferentes tipos de classificação adotados se dá o nome de unidades biológicas. A amostragem de populações, utilizando-se uma única espécie-alvo, ainda é a mais comum em estudos ecológicos. Nestes casos são utilizadas espécies bioindicadoras, mas a seleção de uma determinada espécie vai depender dos objetivos do estudo. Não há regras a priori para definir um modelo biológico, estas são geralmente espécies conspícuas e abundantes. Outro desafio em utilizar uma só espécie é a grande variabilidade no espaço e tempo que estas geralmente apresentam. Categorias taxonômicas mais altas, como família ou gênero, também são utilizadas. Esta estratégia pode ser utilizada quando a resposta da comunidade neste nível é semelhante ao nível de espécie, simplificando a coleta e análise de dados. Morfoespécies também são consideradas e já apresentaram, também, resultados semelhantes aos de espécies. Entretanto, estes tipos de unidades biológicas devem ser utilizados com cautela. É necessário um estudo prévio para detectar se os níveis considerados possuem mesmo respostas semelhantes para não gerar resultados equivocados. Outro tipo de agrupamento utilizado como substituto de espécies é o de grupos funcionais. Estes são espécies que compartilham características semelhantes como forma do corpo, posição trófica, ou ciclo biológico. Estes casos são geralmente aplicados para se detectar respostas ambientais mais amplas e abrangentes, mas podem não ser sensíveis o suficiente para detectar alterações mais sutis. 85

86 Amostragem aleatória Este tipo de amostragem é uma das mais comuns, tanto para a seleção dos locais de coleta, quanto para o posicionamento das unidades amostrais. Amostras aleatórias permitem que o pesquisador extrapole os dados obtidos e faça inferências válidas sobre o universo amostral selecionado, a partir dos dados coletados desta forma. São raros os casos em que é possível determinar a abundância de uma determinada população contando todos os indivíduos. Por isso, uma amostra é utilizada para que se possa estimar a abundância ou parâmetro de interesse. Estas estimativas devem seguir os pressupostos exigidos pelos testes estatísticos selecionados, além de evitar vieses. Para serem consideradas réplicas, amostras individuais devem ser coletadas aleatoriamente, garantindo a independência entre elas e evitando pseudoreplicação. Distribuição de Elementos Amostrais A localização dos elementos amostrais vai determinar a natureza da informação coletada, bem como a precisão dos dados e inferências que podem ser extraídas destes. Há muitas maneiras de se distribuir os elementos amostrais em campo. A figura 6 ilustra algumas delas. A amostragem aleatória é a mais comum e estatisticamente aceita. Esta é geralmente feita determinando-se dois eixos imaginários na área de estudo e sorteando coordenadas. Cabe ao pesquisador definir como serão realocadas as amostras, caso elas caiam em ambientes particulares, como fendas. Nestes casos, o pesquisador deverá seguir sempre o mesmo padrão para evitar viés na coleta. A amostragem sistemática consiste em distribuir os elementos amostrais uniformemente, como em uma grade. Este tipo é relativamente mais simples do que a amostragem aleatória. É vantajoso, pois amostra toda uma área por igual, enquanto aleatoriamente uma área pode ser amostrada mais intensivamente do que outra somente devido ao acaso. Porém, não garante independência entre as amostras, por isso possui um menor poder estatístico. Este tipo de coleta não é recomendado caso haja algum padrão de distribuição espacial da biota que siga um espaçamento semelhante ao da amostragem. Cabe ao pesquisador analisar esta comunidade previamente para definir se esta amostragem é aplicável. Na amostragem direcionada, o pesquisador define os locais onde são posicionados os elementos amostrais. Neste caso, não há como evitar viés por parte do pesquisador e o pressuposto de independência de erros entre as amostras é violado. Há 86

87 poucos casos em que este tipo de amostragem pode ser utilizada, como quando há algum habitat ou espécie alvo que só ocorre em algum determinado local. Então o pesquisador deverá direcionar os esforços de coleta para onde esteja o objeto de estudo. Outro método de amostragem é a estratificada. Como os organismos não se distribuem uniformemente no costão rochoso, a estratificação pode ser utilizada para diminuir a influência da variabilidade espacial, aumentando a precisão da amostragem. Uma vez definidos os estratos de acordo com a fisionomia da área, a distribuição pode ser simples, com o mesmo número de elementos amostrais por estrato; proporcional, com mais elementos amostrais em áreas maiores; ou ótima, com mais elementos amostrais de há uma maior concentração da espécie ou comunidade alvo. A figura 6 ilustra este método. Tipos de amostradores O tipo de unidade amostral também depende dos objetivos de estudo e das espécies a serem estudadas. Os tipos mais comuns são quadrados e transectos de linha. Transectos de linha são plotagens de uma dimensão, utilizados para estimar a cobertura de organismos sésseis. Uma vantagem de se utilizar transectos é que estes englobam uma grande área. 87

88 Figura 9. Tipos de disposição de elementos amostrais. Esquerda: A) Aleatória; B) Sistemática; C) Direcionada. Direita: A) Estratificação simples; B) Estratificação Proporcional; C) Estratificação ótima. Adaptado de Murray et al (2002). Há duas maneiras de estimar dados de cobertura com transectos, uma delas é a de intersecção, onde a distância a qual cada unidade biológica ocupa na linha é registrada. Ou seja, a intersecção entre unidades biológicas no transecto, o que reflete a área que estas ocupam, portanto seu recobrimento. Esta abordagem é precisa, porém trabalhosa. Isto faz com que a segunda estratégia seja mais comum no campo, a de pontos de contato. Pontos de contato são distâncias pré-determinadas pelo pesquisador, podendo variar de poucos centímetros a um metro, geralmente, dependendo da resolução necessária e do tamanho do transecto. Neste método, a unidade biológica exatamente abaixo de cada ponto é registrada. No fim, estes valores são convertidos em porcentagens, estimando a cobertura de cada unidade biológica. Estes pontos podem ser distâncias homogêneas pré definidas ou pontos aleatórios sorteados no transecto. Quadrados, por sua vez, são amostradores de duas dimensões que cobrem uma área do substrato. São utilizados para estimar cobertura, densidade ou biomassa de organismos tanto sésseis quanto móveis. O tamanho do quadrado também depende da resolução e alvo de estudo. No geral, quadrados são utilizados para delimitar uma área onde os organismos serão contados, raspados, ou terão sua cobertura estimada. Para estimar cobertura, assim como no transecto, pontos de contato são utilizados, seja aleatoriamente ou sistematicamente numa grade dentro do quadrado. Outro método, muito utilizado hoje em dia, é o de foto-quadrados. O mesmo princípio é seguido, onde a cobertura das unidades biológicas é estimada a partir de pontos plotados na imagem. Este método é vantajoso, uma vez que reduz muito o tempo de amostragem em campo, permitindo um melhor aproveitamento da coleta, uma vez que tempo é um fator limitante tanto no médio quanto no infralitoral, como já mencionado. Uma desvantagem desta abordagem é que a identificação de espécies é dificultada. Neste caso é muito comum a utilização de substitutos como grupos funcionais ou níveis taxonômicos mais altos. Referências Berchez, F.; Amancio, C.E.; Ghilardi, N.P. & Oliveira, E.C. (2008). Possíveis impactos das mudanças climáticas globais nas comunidades de organismos marinhos 88

89 bentônicos da costa brasileira. In: Buckeridge, M. Biologia e mudanças globais no Brasil. São Carlos: Rima. p Coutinho, R.; Zalmon, I.R. (2009). O Bentos De Costões Rochosos. In: Pereira, R.C.; Soares-Gomes, A. Biologia Marinha. Rio de Janeiro: Interciência. p Ghilardi-Lopes, N.P.; Hadel, V.F.; Berchez, F.A.S. (2012). Guia para educação ambiental em costões rochosos. Porto Alegre: Artmed. 200p. Murray, S.N; Ambrose, R.F.; Dethier, M.N. (2006). Monitoring Rocky Shores. University of California Press, Berkeley, California. 220p. Sabino, C.M.; Villaça, R.C. (1999). Estudo comparativo de métodos de amostragem de comunidades de costão. Revista Brasileira de Biologia v.59, p Schmiegelow, J.M.M. (2004). O Planeta Azul: uma introdução às ciências marinhas. Rio de Janeiro: Interciência 202p. 89

90 Anotações: 90

91 CAPÍTULO VIII Cultivo de Macroalgas Marinhas Patrícia Guimarães Araújo Allyson Eduardo Nardelli 1- Introdução As macroalgas marinhas são utilizadas pelo homem a centenas de anos, sobretudo por povos orientais, e após a segunda guerra mundial, o consumo e produção se expandiram para o ocidente. Atualmente as algas são utilizadas na alimentação direta, em sopas, chás, saladas e sushi, como matéria-prima para produção de hidrocolóides, na composição de adubos e tintas, na composição da ração animal, na indústria farmacêutica, cosmética, nutracêutica e biotecnológica (vide capítulo 2). Até a Idade Média, as algas eram provenientes de coleta em bancos naturais, mas a partir do século XVII com o surgimento dos primeiros substratos artificiais para criação de peixes marinhos, também se desenvolviam os primeiros cultivos de algas. Atualmente, a algicultura tem um papel fundamental no desenvolvimento da maricultura mundial, representa uma alternativa para suprir a demanda de mercado, no complemento de renda de diversas comunidades tradicionais e minimiza a sobreexplotação dos bancos naturais. Além dos aspectos mercadológicos e ambientais favoráveis, a maioria dos sistemas de produção de macroalgas são técnicas relativamente simples, facilmente aprendidas por maricultores, absorve mão de obra local em maior número que outros setores da aquicultura e demanda menor de investimento. De acordo com o último levantamento da FAO, a produção de algas em 2014 foi de toneladas, e representa um dos principais setores da produção aquícola marinha. Cerca de 50 países cultivam algas, mas os principais produtores são a China, Indonésia, Filipinas, Coréia, Japão, Malásia e Tanzânia. Entre os países ocidentais, destacam-se o Chile, com 99% da produção de Gracilaria spp. no continente americano, seguido dos países da África como a Tanzânia, Madagascar, África do Sul e Namíbia. No Brasil, há registros de cultivos de Gracilaria spp. nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, e da espécie Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex. P. C. Silva no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo. Apesar do potencial para produção de 91

92 algas, condições ambientais favoráveis, demanda social e diversos estudos desenvolvidos neste setor, os cultivos de algas no país ainda são em pequena escala e representa uma atividade incipiente. As principais espécies cultivadas são Kappaphycus alvarezii, Eucheuma spp., Gracilaria spp., Laminaria japonica Areschoug (Kelps), Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar, Porphyra spp. (Pyropia spp.) e Sargassum fusiforme (Harvey) Stechell. A produção de algas é basicamente para produção dos hidrocolóides ágar, carragenana e alginato, e consumo humano direto como o wakame, kombu e nori. Originária da região do Indo-Pacífico, a rodófita K. alvarezii se destaca entre as espécies cultivadas, pelo seu elevado potencial de produção e facilidade de cultivo. Por esta razão, K. alvarezii tem sido introduzida em diversas regiões tropicais e subtropicais do mundo para fins de maricultura. Após quatro décadas de introduções, poucos casos de invasão ambiental foram comprovados. O caso mais conhecido foi a invasão de espécies de Eucheuma/Kappaphycus nos recifes de corais na baía de Kane ohe, Havaí, que causou a morte dos corais por sombreamento. Outros casos também são relatados para Índia e Zanzibar. Por isso, é fundamental o planejamento da introdução de espécies exóticas com propósitos de maricultura que contemple programas de avaliação de risco, quarentena e monitoramento ambiental (vide capítulo 5). 2- Técnicas de cultivo de macroalgas As algas podem ser cultivadas com base na propagação vegetativa, como ocorre na produção das algas vermelhas Gracilaria spp, e K. alvarezii, ou através do cultivo que envolve todo ciclo reprodutivo, incluindo alternância de geração, como por exemplo, nos cultivos de L. japonica e Pyropia spp. (vide capítulo 3). Estes cultivos podem ser monocultura, policultura e multitrófica. Nos cultivos baseados em propagação vegetativa, as mudas de algas são presas a cabos, técnica denominada de sistema de tie-tie, redes tubulares ou estacas de madeira, os quais são mantidos flutuando na coluna de água ou no fundo (Figura 1). As estruturas podem ser mantidas no mar, como ocorre na maioria das vezes, ou em tanques. O período de colheita varia de acordo com a espécie cultivada, geralmente varia entre dois a três meses para espécies de Gracilaria, Kappaphycus e Eucheuma. As mudas para manutenção dos cultivos são provenientes de parte do material colhido da produção anterior, da coleta em bancos naturais ou da liberação de esporos de talos esporofíticos selecionados. Esta última técnica é comumente utilizada no Chile para 92

93 produção de Gracilaria chilensis C.J.Bird, McLachlan & E.C.Oliveira e outras regiões como o Havaí. Ela aumenta da produção de algas com cepas de boa qualidade e garante a conservação dos estoques naturais. A Boias Cabos com algas B Bambus ou canos PVC flutuantes Cabos ou redes tubulares com algas C Estacas de madeiras Cabos com mudas de algas Figura 1. Técnicas de cultivo de algas baseada na propagação vegetativa. A) Sistema de cabo flutuante ou tie-tie, B) balsas flutuantes onde as algas estão presas a cabos ou redes tubulares, C) Sistema de cabo presos no fundo. Imagens adaptadas de Trono (1992). Nos sistemas de cultivo que abrange todo ciclo reprodutivo da alga envolve a fase esporofítica com a liberação e semeadura dos esporos, os quais são fixados em substratos artificiais como redes de polipropileno ou substratos rochosos, onde 93

94 geralmente são mantidos em tanques para crescimento. Na fase seguinte de crescimento, os talos gametofíticos são transferidos para áreas maiores, que pode ser tanques maiores ou no mar, onde irão crescer por propagação vegetativa até atingir um tamanho comercial (Figura 2). Geralmente, este tipo de sistema de cultivo são mais onerosos, requer infraestrutura terrestre com controle de temperatura, luminosidade e nutrientes e mão de obra mais qualificada. Liberação dos esporos Desenvolvimento dos esporos (talos filamentosos) em tanques Seleção de linhagens Crescimento e transferência dos talos para redes Crescimento e transferência dos talos para redes Figura 2. Técnicas de cultivo de algas envolvendo todo ciclo reprodutivo. Imagem adaptada de FAO (2005). 3- Cultivo de algas multitrófico As operações aquícolas podem causar impactos negativos como a eutrofização dos corpos d água, devido ao aumento da concentração de nutrientes, o que pode provocar a hipóxia e acidificação das áreas sobre influência dos cultivos, afetando a diversidade dos organismos bentônicos e planctônicos, proliferando patógenos e ameaçando a saúde do ecossistema. Nesse contexto, é recomendável a utilização de métodos de produção que visem não apenas o crescimento econômico, mas também 94

95 uma maior abordagem ecológica e social. Uma maneira para alcançar este objetivo é a implementação da Aquicultura Multi-Trófica Integrada Marinha, AMTIM. A AMTIM é uma abordagem que pode ser adotada para mitigar os possíveis efeitos negativos da monocultura. Esta estratégia de aquicultura baseia-se na produção aquática sob o conceito de reciclagem e reutilização. Em lugar de cultivar uma única espécie (monocultura) e incidir os esforços sobre suas necessidades, a AMTIM tenta imitar um ecossistema natural, combinando o cultivo de várias espécies com funções ecossistêmicas complementares, de modo que um tipo de alimento não consumido (e.g., resíduos, nutrientes e subprodutos) possam ser reaproveitados e convertidos em nutrientes, alimentos e energia para outras culturas. A AMTIM combina o cultivo de organismos alimentados com ração, como peixes e camarões, e de espécies extrativas, que extrai sua fonte de alimento do meio natural, como algas e invertebrados, de modo que os processos biológicos e químicos se equilibram e sejam complementares (Fig-3). Material Orgânico (Ração) Material Orgânico Particulado Material inorgânico Figura 3. Interações entre os organismos cultivados em sistema multitrófico. Sistemas AMTIM experimentais envolvem espécies como peixes ou camarões, que são alimentados com ração e/ou rejeitos de pesca (arraçoados), organismos filtradores de material orgânico particulado (MOP), como ostras, vieiras e mexilhões, e filtradores de compostos inorgânicos, como algas. Os peixes introduzem material orga nico na coluna d água devido a alimentos não consumidos e produção de fezes, além de liberar compostos inorgânicos como NH + 4, PO -3 4 e CO 2, devido à ação metabólica. Organismos filtradores de MOP podem ter um reforço na sua dieta devido 95

96 ao abastecimento de resíduos particulados de alimentos e fezes provenientes dos organismos arraçoados, assimilando parte deste material em seu tecido. Assim, espécies filtradoras podem apresentar uma maior taxa de crescimento, acima das observadas em monocultora de filtradores. Como consequência, a integração dos filtradores possibilitaria a diminuição da carga de MOP para os arredores do cultivo. Por sua vez, os filtradores também introduzem compostos inorgânicos na água pelas suas vias metabólicas. Os compostos inorgânicos provenientes dos arraçoados, dos filtradores e do processo de biodegradação de material orgânico pela ação microbiana, são aproveitados pelos produtores primários como as macroalgas que os usam na produção de compostos vitais para o seu desenvolvimento, como por exemplo, a produção de açúcares, proteínas e enzimas. As macroalgas retiram da água compostos que em dadas concentrações são tóxicos para muitos organismos, como NH + 4, NO - 2, PO -3 4, e as incorporam na sua biomassa. Além disso, as macroalgas contribuem para o aumento da concentração de O 2 e estabilização do ph da água. Por utilizar o resíduo de um subsistema de cultivo (nível trófico) como nutriente de outro e estarem dentro de um mesmo domínio do espaço de cultivo, a AMTIM pode inclusive resultar em aumento da capacidade de produção de um determinado local, antes visto como limitado pela sua baixa produtividade. As algas são parte fundamental dos sistemas de AMTIM, pois contribuem na incorporação de nutrientes dissolvidos (C, N e P) derivados de níveis tróficos mais altos, como por exemplo, peixes e moluscos, convertendo esses compostos potencialmente nocivos para o meio ambiente em biomassa algácea. Desta forma, elas tornam as águas ricas em nutrientes em recursos aproveitáveis, mitigando os efeitos da eutrofização e estabilizando a qualidade da água. Estudos têm demostrado que algas crescidas em sistemas AMTIM apresentam elevado teor de proteínas, polissacarídeos, pigmentos e compostos funcionais, contribuindo dessa forma na produção de biomassa de alta qualidade nutricional, que encontram aplicações em vários setores, desde a produção de suplementos alimentares, fertilizantes, cosméticos e alimentos, até a descoberta de novos fármacos. 96

97 4- Referências Alveal, K.; Ferrario, M.E.; Oliveira, E.C.; Sar, E. (1995). Manual de Metodos Ficologicos. Universidad de Concepcion, Chile. 863p. Bindu, M.S.; Levine, I.A. (2011). The commercial red seaweed Kappaphycus alvarezii an overview on farming and environment. Journal of Applied Phycology 23: Bixler, H.J.; Porse H. (2011). A decade of change in the seaweed hydrocolloids industry. Journal of Applied Phycology 23: Buschmann, A. H.; Varela, D. A.; Hernández-González, M. C.; Huovinen, P. (2008). Opportunities and challenges for the development of an integrated seaweed-based aquaculture activity in Chile: Determining the physiological capabilities of Macrocystis and Gracilaria as biofilters. Journal of Applied Phycology. 20, Chopin, T. et al. (2001). Integrating seaweeds into marine aquaculture systems:key toward sustainability. Journal of Phycology 37: Chopin, T. et al. (2004). The AquaNet Integrated Multi-Trophic Aquaculture Project: Rationale of the Project and Development of Kelp Cultivation as the Inorganic Extractive Component of the System. Bulletin of the Aquaculture Association of Canada 104: Chopin, T. (2006). Integrated Multi-Trophic Aquaculture: What it is, and why you should care..and don t confuse it with polyculture. Aquaculture North America, n. July/August, p. 4 Chopin, T. (2011). Progression of the Integrated Multi-Trophic Aquaculture (IMTA) concept and upscaling of IMTA systems towards commercialitazion. Aquaculture Europe 36: Chopin, T.; Kerin, B. F.; Mazerolle, R. (1999). Phycocolloid chemistry as a taxonomic indicator of phylogeny in the Gigartinales, Rhodophyceae: A review and current developments using Fourier transform infrared diffuse reflectance spectroscopy. Phycological Research 47: Edwards, P.; Pullin, R. S. V.; Gartner, J. (1988). Research and Education for the Development of Integrated Crop-livestock-Fish Farming Systems in the Tropics. ICLARM Studies and Reviews 16:

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99 Tiller, R.; Brekken, T.; Bailey, J. (2012). Norwegian aquaculture expansion and Integrated Coastal Zone Management (ICZM): Simmering conflicts and competing claims. Marine Policy, v. 36, n. 5, p Troell, M. et al. (2009). Ecological engineering in aquaculture - Potential for integrated multi-trophic aquaculture (IMTA) in marine offshore systems. Aquaculture, v. 297, n. 1 4, p Wang, X. et al. (2012). Discharge of nutrient wastes from salmon farms: Environmental effects, and potential for integrated multi-trophic aquaculture. Aquaculture Environment Interactions, v. 2, n. 3, p

100 Anotações: 100

101 CAPÍTULO IX Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos dados à reconstrução de uma hipótese filogenética Annelise Frazão Juan Pablo Narváez-Gómez Luiz Henrique Martins Fonseca Juliana Lovo Breve histórico da sistemática filogenética A busca do homem pelo entendimento da natureza e a sistematização desse conhecimento remonta à Antiguidade. A diversidade de formas vivas e suas semelhanças e diferenças eram assuntos eram abordados por filósofos como Aristóteles e Platão e, posteriormente, pelos naturalistas, como eram chamados os estudiosos das ciências naturais. Atualmente, denominamos Sistemática a área da ciência responsável por estudar a diversidade de organismos existentes em nosso planeta e organizá-los por meio da classificação destes em um sistema de referência. Como é inerente à Ciência, a Sistemática é bastante dinâmica, e ao longo de sua história, diversas escolas de classificação com inúmeros critérios foram propostas e empregadas por diferentes estudiosos. Foi, no entanto, nas décadas de que modificações substanciais ocorreram representando um marco profundo na forma como o homem compreende e classifica os seres vivos. Essas mudanças foram propostas e sintetizadas pelo entomólogo alemão Willi Hennig em uma nova escola chamada de Sistemática Filogenética, na qual foi incorporada a premissa máxima da biologia evolutiva proposta por Charles Darwin, de que os organismos compartilham ancestrais comuns entre eles. Hennig propôs que os sistemas de classificação dos seres vivos refletissem seu grau de parentesco, ou seja, sua história evolutiva, resultando assim em sistemas mais estáveis e preditivos. Além de sugerir que o grau de parentesco passasse a ser o único critério utilizado como base para as classificações, Hennig desenvolveu um método prático que permitiria fazermos inferências sobre essas relações históricas. A partir desse momento, a Sistemática incorpora os conceitos de evolução biológica e 101

102 ancestralidade comum como elemento ordenador da diversidade e passa a contar com uma base metodológica mais clara, objetiva e definida. A Sistemática Filogenética foi gradualmente aceita e implementada pelos sistemas de modo universal e sua conexão com diversas áreas da Ciência ampliou-se. O progresso tecnológico, principalmente nos últimos 30 anos, permitiu que diversos avanços fossem agregados e os estudos filogenéticos tornaram-se corriqueiros, servindo de base para classificações mais robustas (vide Capítulo 10). Atualmente, os estudos de filogenia, além de serem úteis ao trabalho tradicional da taxonomia, possibilitam também uma grande interação entre disciplinas diversas como zoologia, botânica, genética, morfologia, fisiologia, ecologia, dentre outras, resultando no aumento do conhecimento sobre as dinâmicas evolutivas e sobre a geração da biodiversidade do planeta. Figura 1: Esquema hipotético mostrando os diferentes níveis em que a evolução ocorre e o que uma filogenia realmente representa. A partir de um nível individual, quatro indivíduos de uma espécie A de angiospermas (a) podem ser relacionados diretamente com sua geração parental e com a geração parental dos parentais deles e assim por diante, por meio de característicasherdadas (b e c). É possível ainda estabelecer a relação genealógica entre esses indivíduos em nível populacional (d) e da relação entre essas diferentes populações dentro da espécie (e). Por fim, essas populações com todas suas característicasrepresentam uma espécie, que é utilizada para o estabelecimento da história evolutiva em relação a outras espécies (B, C, D, E) por meio de uma filogenia (f). Figura adaptada de Baum (2008). 102

103 Conceitos básicos da sistemática filogenética Uma das grandes inovações propostas pela Sistemática Filogenética foi apresentar um método capaz de reconstruir hipóteses sobre a história evolutiva que ocorreu no passado. Para isso, é necessário, inicialmente, procurar evidências ou vestígios dessa história para posteriormente estimar a hipótese que melhor explica a história evolutiva das espécies. Assim, o método consiste essencialmente no levantamento de evidências de parentesco evolutivo entre os organismos. Da mesma forma com que parentes de uma mesma família possuem semelhanças (morfológicas, fisiológicas, etc.) que sugerem sua relação próxima, o método proposto por Hennig implica na busca de características compartilhadas entre os organismos estudados para inferirmos suas relações. A essas características compartilhadas por herança do ancestral, ou partes correspondentes nos organismos, denominamos de caráter e a suas variações possíveis de estados de caráter. Analogicamente, a história evolutiva de uma parcela de diversidade biológica qualquer pode ser vista como um quebra-cabeça e as evidências. No entanto, como a evolução ocorre por processos históricos, o quebra-cabeças que tem um número exato de peças (a filogenia de um grupo) só poderá ser montado com algumas dessas peças disponíveis (caráteres e seus estados). Por este motivo, o que é possível acessar é uma hipótese sobre a evolução da parcela da diversidade biológica estudada. Neste contexto, o que os cientistas conseguem fazer é reconstruir o padrão que melhor explicaria a história evolutiva de organismos, sendo que representam este padrão por meio de um diagrama dicotômico, a árvore filogenética. Já os processos que geraram o padrão acessado pelos cientistas são quase inacessíveis, pois são eventos genealógicos, ou seja, ocorrem em intervalos menores de tempo entre uma geração e outra. Desta forma, uma genealogia representa os processos de mudanças herdadas ao longo de diferentes gerações em uma linhagem (Figura 1a-e), enquanto uma filogenia representa o padrão possível de ser acessado dadas as evidências disponíveis (Figura 1f). Dessa forma, um filogeneticista busca nos organismos estudados, evidências que possibilitem criar hipóteses sobre suas relações evolutivas. Por exemplo, na Figura 2, observa-se na árvore filogenética que dois táxons (A e B) possuem características compartilhadas ausentes em C. Assim, é possível construir a hipótese de que esses dois táxons (A e B) sejam mais aparentados entre si do que qualquer um dos dois em relação 103

104 a C. Com isso, é possível também deduzir que os caráteres compartilhados exclusivamente por A e B são um indício de que eles estavam presentes no ancestral de AB (Figura 2). No exemplo apresentado, os caráteres observados nos três táxons são Figura 2: Árvore filogenética evidenciando relações entre os táxons A, B e C. Traços representam os caráteres observados nos organismos para inferência das relações. Símbolos em vermelho e azul estados de caráter presentes no ancestral de AB. Símbolos em branco representam estados de caráter que ocorriam no no ancestral ABC e que continuam presentes na linhagem C. Figura de Frazão et al. (2016). "círculo" e "retângulo". Os estados de caráter são, respectivamente, círculo branco, círculo azul e retângulo branco, retângulo vermelho. Os componentes e a leitura apropriada de uma árvore filogenética serão apresentados na próxima seção, Anatomia da árvore filogenética (página 5). Na prática, são considerados caráteres potencialmente informativos para estudos filogenéticos, quaisquer características herdáveis e que apresentem variação no grupo estudado. Considerando que os seres vivos apresentam um fenótipo que é resultado da expressão da informação contida no DNA, e que esses são transferidos hereditariamente, todos os diversos aspectos de um organismo podem ser empregados nas análises. Desse modo, podem ser utilizados caráteres das mais diversas naturezas e escalas como os macromoleculares (DNA, RNA), citogenéticos, fisiológicos, morfológicos, comportamentais, entre outros. O aspecto essencial é que esses caráteres compartilhados pelos organismos em estudo indiquem que alguns deles tiveram uma história em comum e exclusiva. Não são válidos, portanto, caráteres que sofrem modificação a partir da interação com o ambiente e que não sejam transmitidos hereditariamente. Importante ressaltar que essas semelhanças não são a priori evidências comprovadas de origem comum, mas sim são uma hipótese de que esses caráteres tiveram origem no mesmo ancestral e que os organismos compartilham uma mesma história evolutiva. Essa hipótese deverá, então, ser testada com a inferência de uma filogenia. Ou seja, a árvore filogenética é o teste das hipóteses criadas inicialmente com os caráteres utilizados. Aqueles caráteres que foram verificados como tendo origem única do ancestral de um grupo é denominado de homologia (veja detalhes deste conceito na seção Os blocos de construção de uma árvore filogenética: homologia, caráteres, e relações hierárquicas. 104

105 Os diferentes tipos de dados utilizados na inferência de uma filogenia são em potencial igualmente úteis. Não há diferenças qualitativas, ou seja, caráteres melhores ou piores do que outros. Mas, diferentes fontes de dados possuem características diversas, sofrem pressões seletivas diferentes e, por isso, devem ser analisados sob diferentes perspectivas e abordados considerando-se suas particularidades. Com isso, independente da natureza da fonte de dados, é essencial que os caráteres sejam estudados cuidadosamente antes de serem empregados no levantamento de hipóteses de parentesco. Nesse contexto, caráteres moleculares, por exemplo, devido à sua universalidade, permitem a comparação entre organismos muito diversos, como um peixe e uma planta, o que seria difícil com base em sua morfologia. Isso favorece seu emprego em estudos de maior abrangência, isto é, com organismos mais heterogêneos. No entanto, e evolução dos caráteres moleculares não é tão simples quanto pode parecer em um primeiro momento e é necessário que a biologia dessas moléculas seja bem conhecida e considerada nas análises. Ao mesmo tempo, grande parte do conhecimento que temos, foram obtidos a partir de estudos morfológicos e os espécimes precisam ser bem identificados para serem corretamente posicionados na árvore filogenética. Desta forma, estudos utilizando dados moleculares e morfológicos são igualmente essenciais, assim como o emprego de caráteres fitoquímicos, anatômicos, comportamentais, fisiológicos, por exemplo, podem fornecer evidências de parentesco. Anatomia da árvore filogenética Para uma leitura apropriada de uma árvore filogenética é necessário entender elementos fundamentais que a compõem. Nela, os representantes utilizados para o estudo de uma parcela da diversidade biológica são chamados de terminais (Figura 10a). Esses terminais são representados por diferentes táxons. Os terminais se conectam por nós, formando o que chamamos de clados. Os nós representam o ancestral comum hipotético mais recente compartilhado por entidades presentes nos clados. As conexões entre terminais e entre clados são chamadas de ramos (Figura 10a). Tendo em vista que o acúmulo de variação ocorre continuamente, os terminais também representam ramos, os quais chamamos de ramos terminais (Figura 10a). O nó mais externo de uma árvore filogenética que conecta todos os ramos desta é chamado de raiz (Figura 10a). Quando mostramos apenas o padrão da relação entre os terminais, temos um diagrama que 105

106 chamamos de cladograma (Figura 10c). Essa relação entre os terminais também é conhecida como topologia. Contudo, os ramos podem ser informativos e terem diferentes tamanhos, representando uma proporção entre o tamanho do ramo e o número de mudanças estados de caráter acumuladas por uma linhagem (ou a chance de mudança de estado no ramo). O diagrama que mostra a relação entre os terminais e comprimentos de ramos proporcionais a chance de alteração dos estados é conhecido como filograma (Figura 10d). Uma árvore filogenética também pode conter informação temporal. Neste caso, o comprimento dos ramos é proporcional ao tempo transcorrido. Quando a informação temporal é apresentada temos um cronograma (Figura 10e). Além de conter informações distintas em determinados casos, uma árvore filogenética pode ser apresentada de diferentes formas, como pode ser visto na Figura 10b. Para exemplificar a leitura de uma árvore filogenética, vamos utilizar a Erro! Fonte de referência não encontrada.. Nela podemos estabelecer que A e B são mais relacionados entre si do que com C, porque A e B compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo (x). Dizemos que A é grupo-irmão de B, e C é grupo-irmão de A + B, ou seja, compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo entre si (y). Figura 10: Representação esquemática de elementos que constituem uma árvore filogenética. a) Árvore filogenética dos grandes grupos de Angiospermas com cada elemento de uma árvore filogenética indicado. b) As diferentes formas possíveis de se representar uma filogenia. c) Esquema de um cladograma. d) Esquema de um filograma. e) Esquema de um cronograma. Figura de Frazão & Fonseca (2015). A sistemática filogenética procura estabelecer uma classificação que seja natural, ou seja, ela procura reconhecer grupos cujas semelhanças e diferenças sejam todas explicadas pelo mesmo tipo de causas e que representem grupos que, de fato, 106

107 existem na natureza, além dos pressupostos dos pesquisadores. Como vimos anteriormente, a evolução explica, graças a premissa da ancestralidade comum entre organismos, as semelhança e as diferença entre eles. Assim, um grupo natural é reconhecido quando o grupo reconstruído é composto de todas as espécies descendentes de um ancestral. No contexto de uma árvore filogenética, um clado, ou todos os terminais conectados pelo mesmo nó, representam um grupo natural ou um grupo monofilético (). Descobrir esses grupos é um dos objetivos principais da sistemática filogenética. Por outro lado, dois agrupamentos artificias podem ser definidos: o grupo parafilético, o qual contém a espécie ancestral comum, mas não a totalidade dos descendentes (b); e o grupo polifilético, o qual não contém o ancestral comum mais recente entre todos os indivíduos do grupo, mas sim vários ancestrais (c). Com base no estabelecimento de relações entre terminais e entre clados, o objetivo da inferência filogenética é de apresentar hipóteses de relações hierárquicas e dicotômicas entre as entidades biológicas estudadas e reconhecer como grupos taxonômicos válidos são apenas aqueles monofiléticos, representados por clados na árvore filogenética. Os blocos de construção de uma árvore filogenética: homologia, caráteres e relações hierárquicas Uma característica é tida como homóloga quando suas semelhanças e diferenças podem ser consideradas como um mesmo tipo de atributo biológico. O estabelecimento inicial de caráteres homólogos é dada quando suspeitamos que semelhanças ou similaridades entre eles podem ser causadas pela herança a partir de um ancestral comum entre as espécies que os apresentam, e a diferença entre eles como produto da transformação evolutiva do caráter a partir desse ancestral comum. Dizemos que um caráter é um atributo biológico variável que tem ao menos dois estados de caráter discretos e mutuamente exclusivos que distinguem os organismos que os apresentam. Um caráter é, então, uma representação de uma série de transformação evolutiva entre os seus estados. Em outras palavras, o caráter representa uma hipótese de homologia. 107

108 Figura 11: Os três diferentes tipos de grupos possíveis em um cladograma: monofilético (a), parafilético (b) e polifilético (c). Figura de Frazão et al. (2016). Em termos mais gerais podemos dizer que a homologia se refere à similaridade entre atributos biológicos causada pela ancestralidade comum entre as espécies. As homologias representam, então, caráteres que tem uma origem única na história Figura 12: Relação entre a evolução de caráteres e a diversificação das espécies. a) Matriz de caráteres das espécies A, B e C com os seus respectivos estados. b) Cladograma mostrando as relações entre as espécies e exibindo as mudanças entre estados do caráter que suportam as relações entre elas: α(1) é uma sinapomorfia do grupo A, B e C; β (1) e γ(1) são sinapomorfias o grupo B e C; δ é um caráter que é único da espécie B; ε é um caráter que entra em conflito com o padrão descrito pelos outros caráteres com respeito ao relacionamento entre as espécies. c) Representação do que provavelmente teria acontecido na evolução dos caráteres nas espécies A, B e C. Figura de Frazão et al. (2016). evolutiva das espécies. Como vimos anteriormente, descobrir quais caráteres originam-se e transformam-se paralelamente aos processos de diversificação das espécies podem nos ajudar a identificar relações filogenéticas e definir grupos (Figura 12). A ideia básica é que os caráteres, os quais são utilizados como evidência da inferência das relações filogenéticas, evoluem paralelamente à diversificação (=surgimento) das espécies. Por isso, é esperado que cada caráter deverá, em consequência, recuperar independentemente padrões hierárquicos da relação entre espécies irmãs. Portanto, uma árvore filogenética é um diagrama que melhor representa a possível filogenia de um grupo estudado. Quando consideramos uma série de transformação de um dado caráter, podemos verificar que alguns caráteres surgem primeiro do que outros, ou seja, são modificações 108

109 de caráteres mais antigos. Deste modo, a similaridade entre as espécies surge de uma combinação de caráteres que teriam evoluído cedo na história e outros que têm evoluído tardiamente. Chamamos de apomorfias aos caráteres modificados ou derivados ou mais recentes na série de transformação; e de plesiomorfias aos caráteres ancestrais ou mais antigos na série de transformação. A construção de uma árvore filogenética é realizada a partir da identificação das apomorfias que distinguem clados. Chamamos de sinapomorfías aos caráteres derivados ou mais recentes (=apomorfia) que são compartilhados por todas as espécies ou táxons de um clado particular. As sinapomorfias definem os grupos monofiléticos. Em outras palavras, elas são caráteres com uma origem evolutiva única que são compartilhados pela espécie ancestral hipotética e todas as espécies descendentes. Já aos caráteres ancestrais ou mais antigos (=plesiomorfias) que são compartilhados por todas as espécies ou táxons, tanto do clado particular analisado quanto com os táxons fora dele são denominados simplesiomorfías. Em outras palavras, simplesiomorfias são sinapomorfias em um nível hierárquico maior o qual inclui o clado de interesse e que, não necessariamente, são apresentadas por todos os táxons pertencentes a ele. Quando as simplesiomorfias são utilizadas para criar grupos, é comum que sejam definidos tanto grupos parafiléticos como polifiléticos. Finalmente, podemos dizer que homologias cuja relação hierárquica estabelece as relações filogenéticas são aquelas que, como sinapomorfias, permitem descobrir e identificar os grupos monofiléticos. O resultado que a análise filogenética pretende obter é a congruência entre caráteres no contexto hierárquico da topologia de uma árvore filogenética. Um sinal filogenético é atribuído aos caráteres e sua hipótese de homologia confirmada quando há congruência destes com outros caráteres. Nas análises filogenéticas, porém, é comum que exista conflito entre os caráteres, pois nem sempre eles são congruentes uns com os outros e, em alguns casos, seus estados surgem múltiplas vezes na árvore filogenética. Quando isso acontece o mesmo caráter aparece na análise como suportando diferentes clados não relacionados impedindo, desta forma, uma avaliação correta tanto das sinapomorfias como dos grupos monofiléticos. Quando um caráter não é congruente com os outros na filogenia e aparece, portanto, duplicado em diversos ramos da topologia este é tido como uma homoplasia. Tendo em vista essas precisões terminológicas, podemos dizer agora que o processo de inferência filogenética abrange dois passos metodologicamente diferentes. 109

110 O primeiro passo consiste na procura das evidências a partir de características biológicas, estabelecendo uma lógica sobre a possível transformação evolutiva entre elas e codificar essa informação numa linguagem apropriada para a análise filogenética a fim se obter os dados a serem comparados. Esse passo é conhecido como Análise de Caráteres, e tem como objetivo a construção de uma matriz de caráteres onde a variação é codificada numericamente. O segundo passo consiste em unir essas lógicas inicias de homologia e testar se elas recuperam o padrão hierárquico de relações filogenéticas entre as espécies. Esse passo é conhecido como Inferência Filogenética e estima a topologia que representa as relações filogenéticas a partir da aplicação de diversos métodos à matriz de caráteres, os quais buscam distinguir o sinal filogenético das homoplasias. Homologia em dados morfológicos de plantas A análise de caráteres morfológicos consiste em responder a pergunta: no corpo das plantas o que observar, o que identificar, o que nomear, o que medir para propor hipóteses de homologia entre atributos e descobrir as relações filogenéticas entre as espécies? O problema indicado por essas perguntas é como podemos representar adequadamente a variação das características morfológicas em caráteres para resgatar o sinal filogenético que se encontra neles. Para responder essa pergunta é necessário enxergar como é o processo de produção e coleção dos dados morfológicos e como é feita a comparação entre esses atributos. Vamos supor que um botânico está trabalhando com um grupo de três espécies de plantas X, Y e Z (Erro! Fonte de referência não encontrada.). Num primeiro momento, o botânico enxerga o corpo dos espécimes das diferentes espécies separadamente e descreve a suas proporções, orientação, conexões topológicas (localização no ramo da planta), geometria, composição material, textura e consistência. Todas essas propriedades são estudadas aplicando uma série de tratamentos específicos aos espécimes que permitem obter essas informações. 110

111 Figura 13: Processo de análise de caráteres morfológicos desde a coleção os espécimes até a codificação destes caráteres. Lembre-se que os caráteres morfológicos são dados de natureza verbal: a sua qualidade depende da rigorosidade e objetividade com que são feitas as descrições. O uso de vocabulários técnicos botânicos e o seu exame crítico são fundamentais para potencializar a produção de caráteres morfológicos com sinal filogenético. Figura de Frazão et al. (2016). Por exemplo, se quisermos estudar a anatomia desses espécimes seria necessário seccionar a parte do corpo do espécime de interesse, aplicar corantes específicos e preparar lâminas para enxergar através do microscópio. As diferentes combinações dessas propriedades estruturais definem uma parte da planta à qual é atribuída um nome, permitindo que partes equivalente possam ser reconhecidas em plantas diferentes. Esse nome faz parte dos vocabulários técnicos botânicos. Deste modo, a descrição verbal dessas partes, conjuntamente com as suas propriedades usando termos técnicos botânicos é conhecida como dado morfológico. Esse dado resume os limites estruturais, correlações e conexões com outras partes e formas repetidas no gradiente continuo de variação morfológica da planta que é percebido visualmente pelo botânico. Suponha-se que nos espécimes das três espécies de plantas encontrarmos uma estrutura com as seguintes propriedades: (i) A posição dela é lateral ao eixo principal da planta; (ii) ela tem uma simetria dorsiventral; (iii) ela tem crescimento determinado; (iv) ela apresenta um meristema no ponto de conexão com o caule; (v) ela tem uma função fotossintética. Encontramos que essas propriedades definem o que é uma folha e cada uma delas constitui um dado morfológico. 111

112 Por outro lado, o conceito de caráter em sistemática filogenética implica que ele é independente de outros caráteres e que os seus estados de caráter são mutuamente exclusivos. Entramos aqui no problema de avaliar quais características morfológicas são homólogas. Esse processo implica no uso do método comparativo com o qual avaliamos as semelhanças e as diferenças entre as diferentes partes do corpo da planta entre espécimes de espécies diferentes. Existe um conjunto de regras chamadas de critérios de homologia que permitem identificar quais estruturas são comparáveis e poderiam, portanto, ser homólogas: (1) o critério de topologia, o qual diz que caráteres homólogos geralmente conservam a mesma posição e conexão com outras partes no corpo das plantas; (2) o critério de qualidade especial, o qual diz que os caráteres homólogos exibem propriedades estruturais similares; e (3) o critério das formas transicionais, o qual assume que duas características que não são necessariamente similares em sua estrutura podem ser homólogas se, durante a ontogenia, os passos intermediários entre os primórdios no desenvolvimento e as estruturas adultas são similares. Suponha-se que efetivamente as folhas das espécies de plantas X, Y e Z todas sejam laterais ao caule da planta (critério topológico), dorsiventrais e fotossintéticas (critério de qualidade especial), o que permite um botânico assumir que são estruturas homólogas. Contudo, vemos que a complexidade é variável: a espécie X tem folhas com uma única lâmina, ou simples; a espécie Y tem folhas compostas, ou com várias divisões formando folíolos (pinada); e que a espécie Z tem folhas compostas, mas com a lâmina dos folíolos também divididas (duas vezes pinada). Ao examinar a complexidade estrutural das folhas, encontramos um grupo de propriedades que se mantêm constantes e outras propriedades variáveis. A aplicação dos critérios de homologia é conhecida como um teste de similaridade. Outro teste importante é a conjunção, o qual indica que para serem estruturas homólogas, os caráteres analisados não podem ocorrer juntos no mesmo organismo. No exemplo das folhas entre as plantas X, Y e Z, vemos que nenhuma delas apresenta ao mesmo tempo folhas simples e compostas. Se acontecer que tanto as folhas simples como compostas estivessem num mesmo espécime dessas plantas, então, teríamos que rejeitar a hipótese inicial de homologia. No entanto, embora as folhas passem no teste de similaridade e de conjunção, ainda fica o último teste, o teste de congruência entre as homologias iniciais no contexto da árvore filogenética, o qual será tratado com mais detalhes posteriormente na seção Os métodos de infere ncia filogenética. 112

113 Os caráteres (=hipóteses de homologia) são séries de transformação independentes e únicas evolutivamente cujos estados são modificações a partir de condições ancestrais da estrutura. Um caráter é, então, uma descrição que codifica a informação evolutiva das características morfológicas examinadas. Por exemplo, o caráter que representa a transformação das folhas das espécies X, Y e Z poderia ser codificado segundo sua complexidade da seguinte forma: 1. Folhas, complexidade: (0) Simples; (1) Compostas pinada; (2) Compostas duas vezes pinada. Essa apresentação do caráter tem uma estrutura lógica básica, onde a primeira parte indica estrutura analisada e a o atributo específico de interesse, enquanto a segunda parte indica os estados do caráter definindo quais propriedades dessa estrutura variam e em quais condições. Na prática, o raciocínio é similar para todos os atributos morfológicos: descrevem-se as propriedades estruturais das partes do organismo; identificam-se partes comparáveis a partir da aplicação dos critérios de homologia para propor hipóteses de homologia; e codificam-se as informações num enunciado de caráter que logo será incluído na matriz de caráteres. A matriz de caráteres é composta por linhas que representam os táxons, colunas que representam os caráteres, e em cada célula se preenche o número que codifica o estado de caráter particular que apresenta o táxon específico (Erro! Fonte de referência não encontrada.). Entre os múltiplos tipos básicos de codificação, dois tipos básicos são os mais comuns. O primeiro chamado de transformacional ou convencional exibe múltiplos estados de caráter que se assumem como transformações evolutivas desde um atributo ancestral. Um exemplo dele é o caráter descrito acima sobre a variação das folhas. O outro tipo de caráter é chamado de variável nominal ou neomórfico o qual indica o surgimento ou perda de uma estrutura. Por isso é um caráter binário com os seus únicos estados sendo ausente ou presente. Um exemplo desse tipo de caráter pode ser: 2. Eixo caulinar reprodutivo, carpelo: (0) Ausente; (1) Presente. Apesar da maioria os caráteres morfológicos utilizados serem codificados de forma qualitativa, os caráteres também podem ser codificados de forma quantitativa. Neste caso, a variação contínua deve ser segmentada e codificada como variáveis discretas. Assim, um caráter do tipo quantitativo como o comprimento do pecíolo das folhas, por exemplo, poderia ser assim codificado: 3. Folhas, comprimento do pecíolo: (0) curto, entre 0-1cm; (1) mediano, entre 1,1-2cm; (2) comprido, entre 2,1-3cm. 113

114 As séries de transformação representadas por esses diferentes tipos de caráteres devem ser ordenadas para que as apomorfias e as plesiomorfias possam ser identificadas. Para saber quais estados entre as folhas examinadas já estavam presentes no ancestral hipotético e quais mais recentes, é necessário realizar a polarização dos caráteres. Esse processo permite determinar qual é a direção das transformações ou mudanças entre os estados de caráter. As informações necessárias para descobrir essa ordem podem ser obtidas antes ou depois da análise filogenética. Para definir esta ordem antes da análise filogenética, podem ser utilizadas informações acerca do conhecimento sobre a biologia do desenvolvimento dos caráteres analisados, já que permite verificar quais estados surgem primeiro na ontogenia. Quando não há informação de desenvolvimento, a seleção de um grupo externo é necessária. O grupo externo pode ser fóssil, sendo que as informações nele contidas podem ser examinadas para investigar se, entre os táxons extintos, sabidamente ou supostamente aparentados com as espécies das plantas estudadas, um dos estados de caráter estava presente. Se sim, este é escolhido como o estado de caráter plesiomórfico. O grupo externo também pode ser composto por espécies que a princípio não façam parte do grupo estudado, mas que podem ser aparentadas com as espécies analisadas, sendo que o estado do caráter presente nesse grupo externo será interpretado como plesiomórfico. Assim, assume-se como pressuposto que o estado de caráter presente nos primeiros estágios do desenvolvimento ou no fóssil é o estado plesiomórfico, ou ainda que o grupo externo é composto por organismos aparentados, porém, ausentes do grupo estudado. Homologia em dados moleculares Figura 14: Tipos de mutação em sequencias de DNA: substituições de bases nucleotídicas. Figura de Frazão et al. (2016). em O uso de dados de sequências de DNA análises filogenéticas está amplamente disseminado nos dias atuais. A popularização do uso de sequências nucleotídicas em inferência filogenética ocorreu na década de 1990, principalmente, pela facilidade da obtenção de sequências devido à técnica de PCR (Polimerase Chain Reaction) e pela quantidade de dados 114

115 disponíveis para análise. Essa quantidade de dados é atualmente ainda maior com a crescente facilidade de acesso a dados de sequenciamento de segunda geração (também conhecidos como sequenciamentos de próxima geração ou Next Generation Sequencing). O número de caráteres a serem analisados é, em geral, muito maior para dados genéticos se comparado aos dados fenotípicos comumente utilizados (morfológicos, comportamentais, químicos, entre outros). Mesmo o eucarioto com o menor genoma conhecido, o microsporídio Encephalitozoon intestinalis, possui 150 Gpb de material genético, o que significa um número de potencias caráteres muitas vezes maior se comparado aos caráteres fenotípicos comumente utilizados. Figura 15: Tipos de mutação em sequencias de DNA: inserção, deleção e inversão. Figura de Frazão et al. (2016). A análise filogenética utilizando dados de DNA possui como fonte de evidência os genomas mitocondrial, cloroplastidial ou nuclear. As espécies (ou outros tipos de terminais, como por exemplo genes) são comparadas segundo diferenças no tipo de base nucleotídica, inserção ou deleção das mesmas em posições específicas nos três genomas. O acúmulo dessas diferenças é resultado da evolução molecular que cada linhagem de organismos está sujeita. Entre os mecanismos de evolução molecular mais importantes na geração de diferenças moleculares entre espécies (ou outros tipos de terminais) estão as mutações pontuais, ou substituições de bases (Figura 14). Essas substituições podem ocasionar danos na molécula de DNA ou erros de replicação desta molécula. Inserções ou deleções de bases na sequência também podem ocorrer e são coletivamente conhecidas como indels (Figura 15). Nesse caso, a mutação ocorre tanto por erros na inserção de bases nucleotídicas pela enzima DNA polimerase durante a replicação quanto são causadas por danos ao DNA por agentes externos. Outras importantes fontes de variação molecular são a recombinação cromossômica, a troca de éxons entre genes ou de genes completos e a migração dos elementos de transposição. Nestes casos, as mutações como substituições (Figura 14), inserções, deleções ou inversões (Figura 15) podem ser observadas. 115

116 Figura 16: Alinhamento de sequências de seis espécies diferentes. As linhas representam as espécies, as colunas os caráteres e cada uma dos nucleotídeos possíveis são os estados dos caráteres. As barras ( ) representam a manutenção de espaços devido à ocorrência de indels. Figura de Frazão et al. (2016). Essa variação gerada por mutações, entre outros processos moleculares, é o dado utilizado para a inferência filogenética. Para que isso seja possível, é preciso inicialmente estabelecer a homologia dos resíduos nucleotídicos nas sequências de DNA. Duas sequências serão homólogas se elas descenderem de uma sequência ancestral e, igualmente, seus resíduos serão homólogos se tais descenderem de um resíduo precursor dentro dessa mesma sequência homóloga. Durante o estudo comparativo de sequências de DNA, as homologias são representadas por alinhamentos múltiplos de sequências. Assim como nas matrizes morfológicas, as linhas em um alinhamento são os terminais e as colunas os caráteres, neste caso, os potenciais nucleotídeos homólogos (Erro! Fonte de referência não encontrada.). No caso de moléculas de DNA, os estados possíveis dos caráteres (=colunas) são os quatro nucleotídeos, Adenina, Guanina, Timina ou Citosina (Erro! Fonte de referência não encontrada.). A árvore filogenética será, então, uma representação gráfica da informação contida nesse alinhamento. Sendo assim, a topologia e comprimento de ramos da árvore filogenética são totalmente dependentes do alinhamento utilizado na busca da árvore. A árvore filogenética obtida só terá significado e poderá ser utilizada em outras análises se o alinhamento representar com acurácia as homologias entre as bases. A composição das sequências é a única evidência de homologia utilizada em alinhamentos automatizados sendo, justamente, sua principal limitação. A evolução gera diversidade, assim como mantém a coesão e uniformidade. Dessa forma, como reconhecer a semelhança e definir os caráteres se a informação a ser recuperada está justamente na mudança das bases ao longo do tempo? O principal critério para obtenção de alinhamentos de sequências de DNA é o de similaridade. A grande maioria dos algoritmos utiliza o critério de similaridade aliado a uma função de otimização para acessar a homologia das bases e propor os caráteres e seus estados. Algoritmos são importantes nas ciências em geral e, particularmente, para alinhamentos de sequências de DNA, já que transformam observações empíricas em dados objetivos e reproduzíveis. Em alinhamentos múltiplos, a maioria das 116

117 implementações possuem algoritmos de dois passos: (1) no primeiro deles é feito a maximização da similaridade entre pares de sequências utilizando, em geral, programação dinâmica; e (2) no segundo é realizado um alinhamento progressivo guiado por uma árvore guia, sendo dessa forma um algoritmo heurístico, ou seja, apenas uma parte das soluções é observada na busca da resposta. O primeiro e principal algoritmo para maximizar a similaridade entre pares de sequências foi proposto por Needleman e Wunsch e leva seus nomes. O algoritmo calcula a distância mínima, ou seja, o número mínimo de transformações para que uma sequência se torne idêntica à outra. Durante a rotina de programação dois processos básicos são levados em consideração. A proposição de alterações de bases, representando mutações pontuais, e a inserção de gaps, representando os eventos de indel. O alinhamento de pares de sequências é feito com (1) a atribuição de pesos para abertura de gaps, (2) substituição e (3) a atualização de uma matriz a partir desses pesos, além (4) da proposição do alinhamento do par de sequências otimizando esses valores em uma matriz. O algoritmo de Needleman e Wunsch funciona bem para pares de sequências ou um pequeno número delas. Contudo, o problema de alinhamento de sequências se torna computacionalmente intratável quando envolve dezenas ou centenas de sequências. Uma solução exata e elegante para o problema é obtida com o conhecimento de uma hipótese filogenética para os táxons em análise, utilizando da estrutura desta como guia para inclusão dos pares de sequência. Não obstante, na maioria dos casos é justamente a obtenção da árvore filogenética o objetivo da análise. Nesses casos, é necessário o uso de algoritmos heurísticos, onde somente uma parcela das respostas é acessada. Para solucionar esse problema são empregadas árvores obtidas por métodos de distância, onde um alinhamento não é necessário para se obter a topologia. Nesses casos, a árvore de distância é utilizada como uma aproximação à filogenia e o uso de apenas uma ou um conjunto delas para se obter o alinhamento é o que caracteriza a busca heurística. Os métodos de inferência filogenética Os métodos de inferência filogenética são divididos em métodos baseados em distância e baseados em caráter. Métodos baseados em distância utilizam uma matriz construída a partir do número de diferenças entre pares de táxons e, geralmente, são 117

118 análises realizadas com dados genéticos. Os baseados em caráter utilizam características diretas dos táxons e podem ser utilizados com qualquer tipo de dado sobre o grupo estudado. Há muitos algoritmos disponíveis para inferir filogenias e, por isso, não temos a pretensão de abordar aqui pormenores de cada método. Assim, apresentaremos os fundamentos básicos do funcionamento de cada método e das diferentes escolas atribuídas a estes. Métodos baseados em distância Análises de distância foram muito aplicadas na segunda metade do século XX com dados genéticos. Esses métodos foram utilizados pelos cientistas da chamada escola fenética e ainda são empregados em estudos de genômica. A ideia dessa escola era estabelecer o relacionamento de organismos com base apenas em similaridade. Quanto menor a distância genética entre os táxons, mais próximos eles seriam. Esta forma de pensar o relacionamento evolutivo entre os organismos é muito criticada, já que nem sempre organismos que apresentam pouca diferença entre si compartilham uma história evolutiva em comum. Desta forma, é possível que o estabelecimento de alguns grupos não represente uma hipótese provável da história evolutiva do grupo estudado. Por este motivo os métodos baseados em caráter são os mais aceitos para estudos evolutivos. Neighbor-Joining (agrupamento de vizinhos) e UPGMA (Unweighted Pair Group Method using Arithmetic average) são os métodos baseados em distância mais utilizados. A distância genética é a divergência entre duas sequências derivadas de um ancestral em comum. Na lógica de um método baseado em distância, se as sequências evoluíram como um diagrama dicotômico e se conhecemos as distâncias entre as sequências, seria possível reconstruir a árvore filogenética. Para calcular distâncias genéticas é preciso ter um modelo de substituição de nucleotídeos que forneça uma descrição estatística das substituições de um nucleotídeo para outro. A partir desta probabilidade, calcula-se a distância genética esperada entre os táxons estudados. Métodos baseados em caráter Os métodos baseados em caráter possuem duas escolas, a parcimônia e a probabilística ou paramétrica. Na escola da parcimônia, a melhor hipótese filogenética 118

119 será aquela que assumir um menor número de pressupostos, ou seja, um menor número de mudanças dos caráteres e seus estados melhor explicaria a história evolutiva de um grupo. Na parcimônia, as mudanças dos caráteres são chamadas de passos evolutivos. Quanto mais mudanças detectadas em uma hipótese filogenética, menos parcimoniosa é a hipótese filogenética e vice-versa. Já a probabilística leva em consideração a probabilidade de uma hipótese filogenética ser mais próxima da verdadeira uma vez que temos os dados e um modelo de substituição nucleotídica (=descrição estatística das mudanças de um nucleotídeo para outro) que explique esses dados. A probabilidade de uma hipótese filogenética pode ser inferida com base em máxima verossimilhança ou por inferência Bayesiana. Parcimônia (Figura 10) A busca da árvore mais parcimoniosa (com o menor número de passos) é feita entre árvores não enraizadas (sem direção de transformação dos caráteres). O número de árvores possíveis aumenta exponencialmente com o aumento do número de terminais. Por exemplo, para três terminais existem três árvores possíveis, para quatro terminais existem 15 e para 20 terminais existem árvores possíveis. Dessa forma, existem dois grupos de métodos utilizados para a busca da melhor árvore (ou melhores árvores). Os métodos exatos buscam em todo o universo amostral de possibilidades de árvores a árvore que minimiza o critério de otimização (Figura 10a). Já os métodos heurísticos exploram apenas uma parcela do universo de árvores possíveis, não incluindo todas as possibilidades existentes para um conjunto de dados. Métodos heurísticos foram adotados como critério para busca de árvores filogenéticas porque o número de árvores possíveis, à medida que aumentamos a amostragem de táxons, aumenta muito o tempo computacional da análise de busca de árvores, o que torna o trabalho do sistemata quase impossível de ser realizado. Há diversas estratégias de busca de árvores disponíveis, os quais foram desenvolvidas para otimizar o processo e tornar a inferência filogenética mais confiável, como é o caso do algoritmo de Wagner, rearranjo dos ramos, Ratchet, dentre outros. Como mencionado anteriormente, a ordem para as transformações dos estados dos caráteres deve ser estabelecida para permitir que possamos distinguir estados apomórficos de estados plesiomórficos. Para isso, é necessária a seleção de um grupo externo. Como dito anteriormente, o grupo externo corresponde a um ou vários táxons 119

120 relacionados ao grupo de interesse, contudo existem evidências indicando que não pertencem a tal grupo. A escolha é facilitada caso uma hipótese filogenética prévia já esteja disponível. Não é recomendável restringir as comparações de caráteres a um único táxon externo. Isso porque o grupo escolhido como externo pode apresentar estados apomórficos para os caráteres em análise, dessa forma enviesando as conclusões possíveis sobre a evolução do grupo estudado. Diferente da abordagem apresentada na seção de homologia morfológica, o ordenamento das transformações se dá no momento do enraizamento da árvore, o qual é efetuado no ramo do grupo selecionado como grupo externo (Figura 10b). O próximo passo na inferência por parcimônia é a etapa de otimização. É nesta etapa que os caráteres utilizados na análise são associados à árvore filogenética. Neste passo, as hipóteses de homologia apresentadas na matriz de caráteres são testadas, ou seja, se o caráter utilizado para a análise é ou não de fato uma homologia. Se a hipótese for aceita, o caráter utilizado é uma homologia, a qual poderá ser uma novidade evolutiva (apomorfia) ou não (plesiomorfia). Caso seja um caráter que apareceu mais de uma vez de forma independente nos diferentes táxons estudados, este não é considerado homólogo e sim uma homoplasia e, portanto, a hipótese de homologia inicial é rejeitada. Na Figura 10, os caráteres 1, 2 e 3 são homólogos e o caráteres 4 é uma homoplasia. Diferente dos outros métodos baseados em caráter, a parcimônia não utiliza modelos de substituição de nucleotídeos. Como já mencionado na seção de métodos de distância, os nucleotídeos podem mudar em diferentes taxas dependendo da região do genoma dos organismos. Então como a parcimônia lida com essa variação se os dados utilizados na matriz de caráteres forem informações genéticas? Neste caso, existe a possibilidade de atribuir custos para as mudanças dos nucleotídeos. Quanto mais custo for dado a uma mudança, um maior número de passos será necessário para que tal mudança ocorra e, portanto, menos parcimoniosa será esta possibilidade de mudança. Essa atribuição de custos deve ser muito criteriosa, já que pode trazer ruído para a análise e influenciar o algoritmo a encontrar uma árvore subótima. Existem índices que mensuram o quanto os caráteres utilizados para a inferência da filogenia representaram ou não homologias para o grupo estudado (Figura 10d). O índice de consistência (CI) mede o quanto das hipóteses de homologia criadas para a construção da matriz de caráteres representaram realmente uma homologia ou não. Já o índice de retenção (RI) mede a proporção de autapomorfias (estado presente em apenas 120

121 um táxon) e homoplasias em relação ao número total de passos. Quanto maior for o valor do RI mais apomorfias compartilhadas (=sinapomorfias) não estão sujeitas a homoplasia, ou seja, de não ter aparecido mais de uma vez de forma independente no grupo de estudo. Já quando o RI tende a zero, existem muitas apomorfias não compartilhadas (autapomorfias) e homoplasias. Mas o que fazer quando mais de uma árvore mais parcimoniosa é obtida? Para sumariar essa informação, são empregados os métodos de consenso. A árvore de consenso estrito elimina qualquer clado que não tenha sido reconstruído em todas as hipóteses filogenéticas igualmente parcimoniosas. Porém, parte da informação presente nas árvores é perdida, como no caso dos clados não conflitantes entre si, mas não presentes em todas às árvores. A árvore de consenso de maioria inclui os grupos monofiléticos presentes na maioria das árvores obtidas na análise, haja ou não conflitos entre eles. As estimativas de suporte trazem uma mensuração da robustez de um clado e indicam o quanto os dados disponíveis sustentam a existência do clado, ou seja, esse tipo de análise demonstra o quanto os caráteres de uma matriz contam uma mesma história proporcionalmente. As estimativas de suporte mais usadas são baseadas na reamostragem dos caráteres, sendo o bootstrap (Figura 10e) o mais utilizado. O método de bootstrap é de reamostragem não paramétrica, ou seja, não dependem de parâmetros previamente definidos e atribuição de valores de probabilidades. O bootstrap reamostra os caráteres da matriz com reposição e constrói novas matrizes com o mesmo tamanho original. Na descrição original do método a existência de um clado seria estatisticamente significativa se o valor de suporte obtido seja superior ou igual a 95%, significando que de todas as reamostragens de caráteres, um determinado clado foi recuperado em 95% das réplicas. A interpretação dos valores de bootstrap é difícil devido a grande variação nos resultados e valores inferiores a 95% foram posteriormente propostos como aceita (p.e. 70%). Uma outra forma de se interpretar os resultados de bootstrap seria a de que o resultado obtido indicaria que os dados existentes não seriam capazes de contar uma história bem resolvida para o grupo estudado e que caráteres com mais variações informativas seriam necessárias para auxiliar na melhor compreensão da história evolutiva do grupo. 121

122 Figura 10: Esquema geral mostrando as etapas de um inferência filogenética hipotética por parcimônia. Figura modificada de Frazão & Fonseca (2015). Verossimilhança (Figura 11) A ideia da máxima verossimilhança (Maximum likelihood - ML) está associada a um valor que maximiza a verossimilhança de algo acontecer ou ter acontecido. Assim, a aplicação da máxima verossimilhança na inferência filogenética implica na busca pela árvore que tem a maior probabilidade de ter originado os dados observados. O objetivo é avaliar, assumindo um modelo de substituição de nucleotídeos, a probabilidade condicionada (P) de ter uma árvore específica (T), sabendo que observamos os dados da matriz (D). A notação matemática da probabilidade é P(D T), a qual lê-se qual a probabilidade de uma árvore específica ter gerado os dados utilizados?. Na análise filogenética pelo método de ML é realizado o cálculo do valor de verossimilhança de cada caráter da matriz em uma dada árvore (Figura 11). Os logaritmos das verossimilhanças de cada caráter da matriz são, então, multiplicados para se obter o valor de verossimilhança global da árvore analisada. Na estimativa de verossimilhança, os valores de base ancestrais são feitas levando em consideração os comprimentos dos ramos da árvore analisada. Dessa forma, não é apenas a topologia que é confrontada com os dados, mas também o comprimento dos ramos. A forma 122

123 como o universo de árvores possíveis é explorado é similar ao realizado para a parcimônia, com alguns dos algoritmos de busca heurísticas. Como o comprimento dos ramos também é incluído no cálculo e as árvores precisam estar enraizadas para o cálculo da verossimilhança, o universo de árvores possíveis é maior e o cálculo de verossimilhança mais complexo, fazendo as buscas de árvores mais demoradas. Os algoritmos de ML calculam o valor que maximiza a probabilidade de uma árvore filogenética existir a medida que amostram as possibilidades de árvores. O algoritmo para de calcular as verossimilhanças quando ele não encontra mais nenhuma árvore que tenha a verossimilhança maior do que a uma árvore competente. Na Figura 11, box 2, há um exemplo de como funciona basicamente a seleção de árvores por verossimilhança. Uma árvore A é inferida e tem o valor de verossimilhança igual a 0,888. Uma segunda árvore possível é inferida com o valor de verossimilhança igual a 0,889. O algoritmo pergunta Qual é a melhor árvore, A ou B?, sendo B a melhor. O algoritmo calcula uma nova árvore C com o valor de verossimilhança igual a 0,750, faz a mesma pergunta ao final do cálculo e verifica que B permanece a melhor árvore e continua comparando outra árvore com B. Com o cálculo da nova árvore D, o algoritmo verifica que B ainda permanece com a maior verossimilhança. Portanto, assume que B é a árvore com o valor de verossimilhança que maximiza a probabilidade dos dados da matriz utilizada ter sido gerada. 123

124 Figura 11: Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência por Máxima Verossimilhança. Com adaptações de Herron & Freeman (2014, p. 128). Inferência Bayesiana (Figura 12) 124

125 Figura 12: Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência Bayesiana. A ideia da estatística bayesiana é a de ser possível calcular a probabilidade de algo acontecer ou ter acontecido, sabendo alguma informação a priori. Por exemplo, imagine que um dia você acordou e viu que o gramado de sua casa estava molhado. Você pode criar inúmeras hipóteses acerca do que deve ter acontecido para que a grama esteja molhada, como ter chovido durante a noite ou que seu vizinho molhou a grama. No entanto, você tem uma informação a priori, notou que na noite anterior o céu estava nublado. Dada esta informação, qual seria a hipótese mais provável dentre as que você 125

126 criou? A de que choveu, correto? Mesmo que essa não seja a hipótese correta, ela terá, em sua inferência mental, uma maior probabilidade de explicar o evento. É basicamente assim que a estatística Bayesiana funciona. Num contexto de inferência filogenética, enquanto a verossimilhança avalia uma árvore com base em quão provável é que a evolução teria produzido os dados observados, a inferência bayesiana avalia uma árvore com base em sua probabilidade posterior, P(T D). A probabilidade posterior (P) representa a probabilidade de uma árvore específica (T) ser verdadeira, ou seja, de representar a história evolutiva de um grupo, dada uma matriz de caráteres (D). Além disso, são embutidas no cálculo informações tidas a priori sobre a evolução dos caráteres utilizados e a verossimilhança dos dados dependendo da árvore hipotética. O prior de uma árvore nos algoritmos tradicionalmente usados, como o MrBayes, por exemplo, é a probabilidade de uma árvore dependente do número de táxons na análise. Na Figura 12, por exemplo a probabilidade de uma árvore com quatro terminais com grupo externo fixado existir é 1/3 (=0,333). Este é o valor de probabilidade automático que o algoritmo embutirá na análise. Agora, se não há um grupo externo a probabilidade inicial ou prior para a árvore será 1/12 (=0,083). A probabilidade posterior em quase todos os casos é maior do que o prior. Isso acontece porque os dados utilizados para um determinado grupo de estudo sempre terá alguma informação com sinal filogenético, o que conferirá mais evidências que sustentem uma hipótese testada. O resultado da análise bayesiana é um conjunto de árvores (em geral centenas ou mesmo milhares) que foram amostradas durante a análise. Portanto, esse tipo de inferência é frequentista e não chega a apenas uma árvore final, como é o caso da ML. Uma árvore de consenso de maioria, entre outras opções, é construída para sintetizar os resultados da amostragem. A probabilidade posterior de cada clado é estimada e é utilizada para a sustentação, onde quanto maior é o valor, maior a probabilidade daquele clado existir, dados os dados e informações a priori. A interpretação estatística da probabilidade posterior na árvore final é muito complexa matematicamente. Apesar disso, esta é mais uma característica interessante da análise bayesiana, já que sua árvore filogenética é uma árvore de consenso de maioria representando um conjunto de árvores possíveis, e não apenas uma única árvore como acontece com a inferência por ML. Desta forma, a análise bayesiana é um método de aproximação da resposta e incorpora incerteza à inferência, o que se assemelha mais com a forma com que a história evolutiva dos organismos é acessada por nós humanos. Uma vez que história evolutiva 126

127 não pode ser conhecida, uma distribuição de probabilidade com possíveis cenários parece ser o método de inferência mais razoável. Referências Amorin, D.S. (2000). Fundamentos de sistemática filogenética. 3. ed. Holos Editora e Sociedade Brasileira de Entomologia. Assis, L.C.S. (2009). Coherence, correspondence, and the renaissance of morphology in phylogenetic systematics. Cladistics, 25, Baum, D.A. & Smith, S.D. (2013). Tree Thinking. An Introduction to Phylogenetic Biology. Roberts and Company Publishers. Bell, A.D. (1991). Plant Form: An illustrated guide to flowering plant morphology. New York: OXFORD University press. Claßen-Bockhoff R. (2001). Plant Morphology: The Historic Concepts of Wilhelm Troll, Walter Zimmermann and Agnes Arber. Annals of Botany, 88(6), De Pinna, M.C.C. (1991). Concepts and tests of homology in the cladistic paradigm. Cladistics, 7, Franz, N.M. (2014). Anatomy of a cladistic analysis. Cladistics, 30(3), Frazão, A.; Fonseca, L.H.M. (2015). Árvores Filogenéticas e suas aplicações. In: A. Nagai et al. V Botânica no Inverno 2015, pp Frazão, A.; Narváez-Gómez, J.P.; Fonseca, L.H.M.; Lovo, J. (2016). Inferindo a histo ria evolutiva de organismos: dos fundamentos ba sicos da obtença o dos dados a reconstruça o de uma hipo tese filogene tica. In: E.M. Peña H. et al. VI Botânica no Inverno 2016, pp Gift, N. & Stevens, P.F. (1997). Vagaries in the Delimitation of Character States in Quantitative Variation- An Experimental Study. Systematic Biology, 46(1), Graur, D. & Li, W. (2000). Fundamentals of Molecular Evolution. Sinauer Associates. Hall, B.K. (1994). Homology: the hierarchichal basis of comparative biology. Academic Press, New York, p Hawkins, J.A.; Hughes, C.E.; Scotland, R.W. (1997). Primary homology assessment, characters and character states. Cladistics, 13, Hawkins, J.A. (2002). A survey of primary homology assessment: different botanists 127

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129 Alignment? Systematic Biology 58: Morrison, D.A. (2015). Is Sequence Alignment an Art or a Science? Systematic Botany 40: Patterson, C. (1982). Morphological characters and homology. In Joysey K. A. & A. E. Friday (Eds.). Problems of phylogenetic reconstruction. Systematics Association. Academic Press. New York, NY. Phillips, A.; Janies, D.; Wheeler, W.C. (2000). Multiple Sequence Alignment in Phylogenetic Analysis. Molecular Phylogenetics and Evolution 16: Phillips, A. (2006). Homology Assessment and Molecular Sequence Alignment. Journal of Biomedical Informatics 39: Rieppel, O.; Kearney, M. (2002). Similarity. Biological Journal of the Linnean Society, 75(1), Rosenberg, M.S. (2009). Sequence Alignment: Concepts and History. Em: Rosenberg MS. (Ed.). Sequence Alignment: Methods, Models, Concepts, and Strategies. University of California Press. Scotland, R.W.; Olmstead, R.G.; Bennett, J.R. (2003). Phylogeny Reconstruction: The Role of Morphology. Systematic Biology, 52(4), Sereno, P.C. (2007). Logical basis for morphological characters in phylogenetics. Cladistics, 23, Sereno, P.C. (2009). Comparative cladistics. Cladistics, 25, Simpson, M.G. (2006). Plant morphology. In Plant systematics (pp ). New York: McGraw-Hill. Stevens, P.F. (1984). Homology and phylogeny: morphology and systematics. Systematic Botany, 9(4), Vogt, L.; Bartolomaeus, T.; Giribet, G. (2009). The linguistic problem of morphology: structure versus homology and the standardization of morphological data. Cladistics, 25, Winther, R.G. (2009). Character analysis in cladistics: abstraction, reification, and the search for objectivity. Acta Biotheoretica, 57(1-2), Wheeler, W.C. (2012). Systematics: A course of lectures. Wiley-Blackwell. Wiley, E.O & Lieberman, B.S. Phylogenetics. (2011). Theory and Practice of Phylogenetic Systematics. 2. ed. Wiley-Blackwell. 129

130 Anotações: 130

131 CAPÍTULO X Sistemática vegetal: histórico, conceitos e o estado atual Eric Yasuo Kataoka Jéssica Nayara Carvalho Francisco Juliana Lovo Matheus Martins Teixeira Cota Gisele Alves Bruno Michael Brabo Marco Octávio de O. Pellegrini Introdução Considerada a ciência da diversidade dos organismos, a Sistemática abrange a descoberta e a interpretação da diversidade biológica, assim como a síntese destas informações sob a forma de sistemas de classificação. O propósito fundamental desta ciência é desvendear os ramos da árvore da vida, documentando e relatando as modificações que ocorreram durante a evolução dos organismos, além de buscar identificar os processos responsáveis por esta diversidade (vide Capítulo 9). A Sistemática consiste em quatro elementos básicos: Descrição, Identificação, Nomenclatura e Classificação. Atualmente, a Sistemática é baseada no princípio de que as classificações devem refletir a história evolutiva dos organismos. Assim, a sistemática incorpora a reconstrução filogenética como um de seus elementos. A descrição é produzida em forma escrita por meio da listagem detalhada de todos os atributos estruturais do organismo, sendo, no caso das plantas, descrita seguindo uma ordem topológica e iniciada pelos órgãos vegetativos: raiz, caule e folhas; seguidos pelos reprodutivos: flores, frutos e sementes. A identificação é o processo de atribuição de um nome a um espécime, um indivíduo inteiro ou suas partes. O método mais usual para a identificação de um organismo é a utilização de chaves de identificação, sendo as chaves dicotômicas as mais utilizadas, possibilitando a identificação do material por meio de características morfológicas objetivas e excludentes entre si. Abaixo, segue um exemplo simples de uma chave de identificação hipotética: Chave de identificação para alguns super-heróis: 1. Super-herói homem 131

132 2. Usa capa vermelha, tem super-poderes, é vulnerável à kryptonita, seu símbolo é um S de coloração vermelha... Super Homem 2*. Usa capa preta, não possui super-poderes, não é vulnerável à kryptonita, seu símbolo é representado por um morcego de coloração preta... Batman 1*. Super-herói mulher 3. Usa uma tiara com estrela, cabelo de coloração preta, luta com um laço da verdade, não pode voar, por isso usa um jato invisível... Mulher Maravilha 3*. Não usa tiara, possui cabelo branco, luta controlando o clima e pode voar... Tempestade A identificação pode também ser realizada por comparação, por meio de descrições das espécies candidatas ou por comparação com espécimes já identificados, vivos ou fixados, depositados nos herbários. Apesar de ser um método eficiente, devemos levar em consideração a confiabilidade da identificação dos espécimes para que não ocorra a propagação de uma identificação errônea. Por isso é importante à utilização de materiais identificados por pessoas (consideradas especialistas) que tenham um profundo conhecimento do grupo em questão. A nomenclatura é fundamental para que o nome aplicado ao organismo descrito seja único e universal. Para isso, a nomenclatura vegetal é regida pelo Código Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas, cujas regras visam à estabilidade da nomenclatura. A classificação consiste na organização dos organismos em níveis hierárquicos progressivamente inclusivos de acordo com critérios de similaridade morfológica ou de relações filogenéticas (parentesco) (Figura 1). 132

133 Figura 1. Níveis hierárquicos das categorias taxonômicas. Sistemática e Taxonomia - Um breve histórico A Sistemática usualmente segue atrelada à Taxonomia, e, algumas vezes, divide opiniões quanto às suas diferenças conceituais. Para alguns autores, a Taxonomia é caracterizada por ser uma área mais empírica e descritiva, que nomeia e classifica os organismos de forma subjetiva. Outros ressaltam certas diferenças entre elas, mas frisam sua complementariedade, como o paleontólogo George Gaylord Simpson, que define Sistemática como o estudo científico dos tipos de diversidade e organismos, bem como todas as relações entre eles, e a Taxonomia como o estudo teórico da classificação, incluindo suas bases, princípios, procedimentos e regras. De modo geral, podemos considerar a Taxonomia como parte importante da Sistemática, cujas análises subsidiam estudos mais aprofundados na classificação e compreensão da biodiversidade (vide Capítulo 9). A história da Sistemática Vegetal tem início na Antiguidade (Figura 2), quando Aristóteles (384 a.c a.c) tentou fazer o primeiro sistema de classificação dos vegetais, separando as plantas pela presença ou ausência da estrutura floral. Esse sistema foi utilizado durante a maior parte da Idade Média, e pode ser considerado o início da classificação dos vegetais. Desde Aristóteles até o presente momento podemos dividir a História da Sistemática vegetal em seis fases. 1º Fase. Classificações Antigas: Ainda, concomitante no século III a.c., temos as contribuições expressivas do filósofo grego Theophrastus (c a.c.), sucessor de 133

134 Aristóteles, utilizava um método de classificação em divisões sem muita complexidade. Theophrastus estabeleceu a primeira classificação artificial dos vegetais, em árvores, arbustos, subarbustos e ervas. Durante essa fase da sistemática, outro personagem que se destaca na história é o médico do exército romano Pedanius Dioscorides, considerado fundador da farmacognosia, por meio da sua obra De materia medica, apresentou interesse nas propriedades medicinais das plantas e descreveu cerca de 600 plantas. 2 Fase. Herbalista: Durante a idade média foram os médicos que deram uma ampla contribuição aos estudos dos vegetais, como Andrea Cesalpino ( ). Nesse momento da história, surgem ilustrações e descrições que facilitam as identificações das plantas, essas informações eram feitas apontando as propriedades medicinais que elas possuíam. 3º Fase. Sistemas artificiais. Momento em que surgem os primeiros taxonomistas, nesse período a classificação busca agrupar as plantas por afinidades naturais, sem a preocupação de reuni-las por relação de parentesco. As plantas eram classificadas com base em poucos caracteres, avaliando a ausência ou presença de determinadas características morfológicas e considerando sua similaridade. Durante essa fase da história surgem grandes taxonomistas, um dos mais citados desse período foi de Carl Linnaeus ( ), que escreveu Species Plantarum, baseando sua análise em um sistema de classificação denominado sexual, uma vez que buscava similaridades estruturais reprodutivas. Assim como o trabalho de todos os naturalistas da época, os sistemas de classificação buscavam refletir a Ordem Divina da Criação. 4º Fase. Sistemas Naturais: Tempo de oposição às doutrinas religiosas, ocorre no final do século XVIII. As plantas ainda eram classificadas de forma comparativa, porém os naturalistas levavam em conta um maior número de informações, essencialmente do conhecimento acumulado sobre morfologia vegetal. 5º Fase. Sistemas Evolutivos (Sistemática Evolutiva): Com o surgimento da teoria da evolução no século XIX, a publicação de Origem das Espécies de Darwin direciona a sistemática para a compreensão das relações entre os grupos, modificando o cenário das classificações hierárquicas e passando a buscar as relações evolutivas dos organismos. Nessa fase surge a escola Gradista, que apesar de ser baseada em conceitos evolutivos, não apresenta uma base metodológica com inferência empírica. 134

135 A teoria da sistemática passou novamente por modificações a partir de 1950, quando o entomólogo alemão Willi Hennig ( ) propõe que a classificação dos organismos deveria refletir seu parentesco filogenético e que somente novidades evolutivas compartilhadas por estes organismos (sinapomorfias) permitiriam inferir essas relações; é fundada a escola Cladística que buscava traçar a história evolutiva de ancestralidade dos organismos mediante um diagrama hipotético: o cladograma, construído a partir do critério da Parcimônia (vide Capítulo 9). Para essa reconstrução, somente grupos de organismos que compartiham uma série de características únicas (apomorfias) com o mesmo ancestral (grupos monofiléticos) podem ser reconhecidos na classificação. 6º Fase. Sistemas Filogenéticos na atualidade: Atualmente, com o avanço dos métodos de reconstrução filogenética baseados em modelos evolutivos, predominam estudos focados na reconstrução de hipóteses filogenéticas (vide Capítulo 9). Esses estudos buscam reconstruir uma hipótese de parentesco entre os organismos, com base em dados como sequências de DNA. O sistema de classificação utilizado hoje para as Angiospermas é o APG IV (Angiosperm Phylogeny Group, 2016). Esse sistema da classificação, proposto por Walter S. Judd e colaboradores na década de 90, reformulou os sistemas de classificação das angiospermas, reconhecendo apenas grupos monofiléticos. Figura 2. Linha do tempo ilustrando diferentes fases da sistemática vegetal ao longo da História. 135

136 O papel da Sistemática Filogenética Proposta por Willi Hennig em 1955 a nova escola de sistemática filogenética tornou-se o paradigma da biologia comparada. Sua importância deve-se principalmente por ter proporcionado o entendimento da diversidade à luz da evolução, e permitir a reconstrução de hipóteses de relacionamento evolutivo entre os organismos. Desse modo, a sistemática filogenética não se limita às classificações, mas também oferece um arcabouço para outros aprofundamentos a respeito dos padrões de parentesco reconstruídos, e os possíveis processos que geraram esses padrões. Dado isso, ela permite examinar ou testar hipóteses sobre o modo como os organismos ou caracteres específicos surgiram ou evoluíram ao longo do tempo. Por exemplo, a análise filogenética pode ser empregada para realizar inferências sobre mudanças na distribuição geográfica de organismos e para elucidar relações entre eventos geológicos e a história evolutiva desses organismos. Com os avanços teóricos e metodológicos da Sistemática Filogenética, as reconstruções tradicionalmente baseadas em dados morfológicos e anatômicos são agora integrados com múltiplas fontes de evidências, tais como citologia, ontogenia, embriologia, fisiologia, ecologia, química e, principalmente, genética. Por isso, a "taxonomia integrativa" tenta fazer uso de diferentes fontes de dados para delimitar as espécies de maneira mais robusta. O advento de novas técnicas da biologia molecular permitiu obter grande quantidade de dados, por exemplo, o DNA genômico, de maneira cada vez mais rápida e barata. Deste modo, o aperfeiçoamento e desenvolvimento de técnicas de extração, sequenciamento de genes, alinhamentos de sequências e programas computacionais rápidos e eficientes são recursos relevantes para a Sistemática. Em virtude da disponibilidade de métodos moleculares houve um aumento significativo de filogenias baseadas em sequências nucleotídicas. Tal fato tem gerado grande dinamismo e instabilidade na classificação botânica, comparado aos sistemas de classificação prévios de famílas, ordens e hierarquias superiores (ver APG I, 1998; APG II, 2003; APG III, 2009; APG IV, 2016). Porém, ao mesmo tempo, diversos estudos corroboram as relações entre alguns táxons anteriormente sugeridos por estudos de morfologia comparativa. Portanto, estamos progressivamente mais próximos de um sistema de classificação filogenético mais robusto e que deve refletir a história evolutiva das Angiospermas. 136

137 Embora as unidades operacionais (OTUs) das filogenias sejam representadas por táxons de um determinado nível taxonômico (ordem, famílias, gêneros, etc.), em última instância é preciso nomear as entidades biológicas que pertencem a uma categoria. Assim, ao longo do trabalho de um(a) sistemata, é imprescindível que em algum momento sejam nomeadas as unidades básicas da biodiversidade, ou seja, as espécies. Por exemplo, uma filogenia onde reconhecemos relações entre táxons A, B, C, e D - tem pouco (ou nenhum) significado se não soubermos nada sobre A, B, C e D. É essencial que possamos nomeá-los e caracterizá-los. Disso resulta que nomearmos e reconhecermos as espécies é essencial para qualquer tipo de trabalho, incluindo reconstrução de filogenias, estudos ecológicos, farmacológicos etc (vide Capítulo 23). Daí surge a importância fundamental das atividades taxonômicas básicas como trabalhos de campo, estudos florísticos, descrições de espécies e revisões taxonômicas. É importante salientar que o aprimoramento da Sistemática Filogenética depende de identificações corretas e a base científica estabelecida pelos passos iniciais da Sistemática e Taxonomia se mantém extremamente importantes para que a classificação dos seres vivos mantenha esta eficiência. Com a disponibilização de diferentes ferramentas na biologia molecular, os trabalhos de base como floras, flórulas, estudos morfológicos e estruturais, descrições e monografias têm recebido menos atenção por grande parte dos sistematas, e filogenias inteiras baseadas em dados moleculares têm ganhado grande destaque e atraído mais pesquisadores. Análises robustas e que possam refletir a história evolutiva dos organismos devem contar com um número grande de dados, que vão desde a identificação e descrições corretas dos organismos à disponibilidade de dados morfológicos, anatômicos, palinológicos, entre tantos outros. Autores como Quentin D. Wheeler têm chamado a atenção à importância da renovação da Sistemática Vegetal, apontando que a atualização desta ciência é extremamente necessária, bem como a utilização de dados de base combinadas aos dados e análises modernas. Assim, a nova geração de taxonomistas deve ser composta de cientistas de campo e laboratório capazes de integrar taxonomia clássica como eixo central da Sistemática e as diferentes ferramentas disponíveis atualmente. Além disso, dada a enorme bagagem necessária para desenvolver estudos dessa natureza, torna-se cada vez mais relevante o estabelecimento de parcerias entre pesquisadores de diferentes áreas. A importância fundamental de trabalhos taxonômicos 137

138 Como exposto anteriormente, a busca por classificações mais robustas requer que estudos taxonômicos clássicos e obtenção de filogenias sejam esforços cada vez mais interdependentes. Neste contexto, os trabalhos taxonômicos clássicos ganham importância cada vez maior também em outros âmbitos do conhecimento sobre a biodiversidade. A identificação de espécies e sua descrição geram informações essenciais sobre os organismos, que em interação com outros conhecimentos (evolutivos, biogeográficos, classificativos), geram informações sobre o status de conservação das espécies. Todas essas informações permitem, por exemplo, elaborar e implementar planos de manejo mais adequados a cada ambiente. Assim, apesar da crescente e inegável importância dos métodos filogenéticos, computacionais e a multidisciplinaridade da sistemática atual, em última instância, é apenas depois de descrita que uma espécie nova fica disponível ao conhecimento do ser humano. Sendo assim, essa primeira etapa é crucial para que todo o restante possa ser desenvolvido. Novas espécies são ainda descritas regularmente e estudos indicam que o número de publicações contendo espécies novas aumentou desde meados da década de Além disso, sabe-se que muitas espécies ainda encontram-se em herbários e/ou na natureza desconhecidas. Ainda não se sabe ao certo quantas espécies de plantas existem no planeta (há diversas estimativas, com números bastante variáveis), mas estima-se que sejam ainda desconhecidos cerca de 10% a 20% da flora. Esse cenário, associado ao contexto atual de mudanças climáticas globais, ressalta ainda mais a importância de trabalhos taxonômicos como descrições e inventários florísticos. Tipos de trabalhos taxonômicos Existem diferentes tipos de trabalhos taxonômicos. Em muitos casos, publicações como descrições de espécies podem ser realizadas sozinhas ou podem estar atreladas a trabalhos taxonômicos maiores, como inventários florísticos e outros. Dentre esses trabalhos taxonômicos mais abrangentes, ressaltamos: monografias, floras, guias de campo (field-guides) e listas de espécies (checklists). As floras são trabalhos que descrevem as espécies de um grupo taxonômico de uma região específica, com chaves de identificação, ilustrações científicas das espécies e/ou características diagnósticas (p.ex. Leguminosae Flora do Brasil). Nesse tipo de trabalho, as descrições e discussões costumam ser mais restritas, relativas às populações do local estudado. Já as listas de espécies são trabalhos mais simples, pois apenas apresentam uma listagem das espécies identificadas sem sua descrição. Em geral são 138

139 listas de plantas vasculares, comuns em artigos e em relatórios ambientais. Atualmente, as floras e outros trabalhos taxonômicos são mais relevantes do que foram no passado. Isso ocorre principalmente porque a legislação referente à conservação ocorre em escala nacional e as floras são a base para a compreensão da diversidade de uma dada área. Monografias são parecidas com as floras, pois também descrevem espécies, mas são feitos de forma mais completa, incluindo o máximo de informação disponível, como por exemplo, a biologia, ecologia e distribuição geral do grupo em questão. Além disso, as monografias diferem também por apresentarem resultados mais abrangentes relacionados à pesquisa do autor, como novidades taxonômicas (novidades nomenclaturais, espécies novas, etc.). São, em geral, trabalhos bastante volumosos e que demandam bastante tempo e esforço para serem concluídos. Uma sinopse é um trabalho taxonômico mais conciso, onde são apresentados de forma resumida conhecimentos sobre os grupos em questão (morfologia, ecologia, classificação). São trabalhos focados na identificação de espécies e geralmente incluem uma chave de identificação e ilustrações. Apesar de cada trabalho taxonômico ter um foco diferente, todos utilizam uma mesma ferramenta fundamental: o conceito de espécie. Discussões acerca de o que é espécie sempre geraram grande interesse e muitas discussões, sendo incontáveis as publicações a esse respeito. As diferentes visões sobre o que é uma espécie sempre lidaram, em algum nível, com as diferenças e semelhanças entre os organismos dependendo do que é convencional, seja por meio social ou definido por estudiosos ou especialistas de um grupo. Dentre os inúmeros conceitos de espécie já publicados (Rieseberg & Brouillet 1994, De Queiroz 2007), os três mais comumente empregados em trabalhos taxonômicos são os conceitos biológico, filogenético e taxonômico. Os dois primeiros conceitos são mais utilizados quando os grupos taxonômicos estudados possuem vários outros trabalhos que auxiliam na sua melhor classificação. Já o conceito taxonômico de espécie, que é baseado no menor conjunto de características persistentes que as tornam distinguíveis dentre as outras, é geralmente utilizado em grupos com poucos estudos, onde as descrições são bem sucintas e/ou carecem de alguma informação. Entretanto, apesar dessa importância inegável, ainda são poucos os trabalhos taxonômicos que explicitam o conceito de espécie adotado e essa falta pode gerar mais divergências e dificuldade de compreensão do que são os táxons, dado o caráter subjetivo que esse tema possui. 139

140 Outro problema frequente em trabalhos de taxonomia é a falta de detalhamento e/ou padronização nas descrições. Nesse aspecto, os trabalhos atuais têm seguido padrões para descrições de espécies, seguindo dicionários botânicos e artigos de caracterização estrutural. Alguns dicionários botânicos exibem terninologia para todas as estruturas, tanto vegetativas quanto florais, que são utilizados amplamente nos diferentes grupos vegetais. Entretanto, existem trabalhos similares, porém mais específicos, que apresentam certas estruturas e/ou complexibilidades não observadas em obras mais abrangentes. Atreladas às descrições, as ilustrações das espécies (vide Capítulo 13) são de grande importância, pois representam visualmente todos os termos utilizados, diminuindo dúvidas quanto às estruturas da planta. Portanto, trabalhos taxonômicos são tarefas complexas e dependem essencialmente de um grande esforço de levantamento de dados e envolvem diversas etapas que devem ser executadas sempre com rigor na padronização, precisão e detalhamento (p. ex.: descrições, ilustrações) além da escolha e explicitação de um conceito de espécie que reflita todo o conhecimento obtido, proporcionando uma melhor compreensão do trabalho. Taxonomia na atualidade A taxonomia é uma ciência que remonta à Antiguidade humana, mas foi operacionalizada e formalizada no século XVIII, com a publicação do Systema Naturae pelo botânico sueco Carolus Linnaeus. Considerado o pai da taxonomia, o sistema proposto por Linnaeus é empregado até os dias de hoje. O principal aspecto que caracteriza o trabalho dos taxonomistas é o de lidar com o total ou parcialmente desconhecido. Além disso, a motivação primária é, novamente, de que os organismos só existem, sob uma visão antropocêntrica, se forem devidamente descritos. Assim, a taxonomia é primordial na maioria, senão todas, as áreas das Ciências Biológicas, pois delimita as unidades básicas de estudo (p. ex. espécies) de qualquer trabalho que envolva seres vivos. Os dados gerados em trabalhos taxonômicos têm diversas aplicações e alguns exemplos incluem: (i) embasar estratégias conservacionistas, que têm como foco principal as espécies (p.ex. a lista vermelha de espécies ameaçadas, da IUCN e o Livro Vermelho da Flora do Brasil); (ii) monitorar espécies invasoras; (iii) gerar informações que permitam o uso humano direto da biodiversidade, entre outras. 140

141 No entanto, ao longo do tempo, principalmente a partir da década de 80, a taxonomia foi sendo pouco a pouco desvalorizada sob a justificativa de que essa se dedica somente a descrição de espécies. Este cenário é decorrente de diversos fatores, sendo os principais: a valorização de pesquisas experimentais, e consequentemente menos incentivo à ciência descritiva, o argumento de que não há testes de hipóteses em taxonomia e também ao status associado ás novas metodologias, consideradas mais modernas. A taxonomia é, em sua essência, um trabalho descritivo que busca caracterizar a diversidade biológica, e nem por isso pode ser menosprezada diante de outras áreas do conhecimento humano. Além disso, cada espécie constitui uma hipótese evolutiva inequívoca, estabelecida pelos taxonomistas a partir da análise criteriosa dos atributos do grupo de estudo. Desta forma, os argumentos que embasam algumas justificativas de menor valorização da taxonomia não se sustentam e basicamente demonstram o desconhecimento das bases desta Ciência. Atualmente, o conhecimento taxonômico constitui umas das metas mais urgentes, pois vivemos em meio a uma crise de biodiversidade na qual a velocidade de extinção supera a taxa de descrição de novas espécies. As consequências deste cenário de pouca valorização dos estudos taxonômicos são diversas, como a diminuição do número de taxonomistas treinados, seja pelo menor financiamento de pesquisas, bem como pela supressão de posições, em institutos de pesquisa, para estes profissionais. Além disso, cada vez mais é reforçada a necessidade de uma taxonomia integrativa, baseada em evidências de múltiplas fontes que aumentará a robustez das delimitações de espécies. E é por meio destas abordagens que se busca pelo chamado renascimento da taxonomia. O Renascimento da Taxonomia no século XXI Como dito anteriormente, a taxonomia vem sendo considerada uma ciência datada, ultrapassada, retrô e limitada. Entretanto, a mesma vem sofrendo grandes mudanças e acompanhando os avanços tecnológicos mais recentes. Como resultado do aumento na taxa da extinção de espécies devido à ação antrópica, foi criada a Convenção da Diversidade Biológica (CDB), uma estratégia global visando a conservação e o conhecimento da biodiversidade mundial. Como parte da criação da CDB, foram estabelecidas estratégias específicas para grandes grupos biológicos e metas gerais e específicas a serem cumpridas pelos países membros. A Meta Um (1) da 141

142 Estratégia Global para a Conservação de Plantas (GSPC-CDB) consiste na elaboração de listas de espécies (checklists) confiáveis, preferencialmente on-line, de todas as espécies conhecidas de plantas. O objetivo final desta meta é a elaboração de uma Flora do Mundo, on-line e multilíngue. No final de 2010, a primeira meta foi cumprida em nível mundial com o lançamento do The Plant List, graças à colaboração entre o Missouri Botanical Garden, EUA e o Royal Botanic Gardens, Kew, Reino Unido. Em setembro de 2013, com a colaboração de outras instituições ao redor do mundo, foi lançada uma versão atualizada do site, visando sintetizar todo o conhecimento taxonômico sobre plantas vasculares e briófitas (não abordando algas e fungos). O The Plant List apresenta uma lista com grande parte dos nomes científicos conhecidos, juntamente com links para os nomes sinônimos com os quais cada espécie já foi nomeada. Uma outra iniciativa bastante importante foi o emonocot, lançado também em O projeto foi coordenado pelo Royal Botanic Gardens, Kew, e teve como objetivo inventariar as monocotiledôneas. O emonocot foi um dos primeiros sites a apresentar chaves interativas para a identificação de táxons, imagens de campo, dados sobre forma de vida, descrições, status de conversação, etc. Assim como foi a Lista do Brasil, e continua sendo a Flora do Brasil On-line 2020, o emonocot é constantemente atualizado. E ele hoje é uma ferramenta essencial para o trabalho de especialistas em monocotiledôneas ao redor do mundo. Em âmbito nacional, o Brasil tem cumprido com louvor as metas propostas pela GSPC-CDB. Também em 2010, nós lançamos a primeira versão da Lista de Espécies da Flora do Brasil, um projeto coordenado pelo Intituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), com a coloboração de mais de 300 taxonomistas brasileiros e estrangeiros. Assim como o The Plant List, a Lista do Brasil se propunha a proporcionar uma lista de espécies vegetais aceitas e seus referentes sinônimos. Mas diferente do primeiro, a Lista do Brasil abrangia, além das plantas vasculares e briófitas, algas e fungos e apresentava a distribuição geográfica desses táxons. A cada ano, uma nova versão da Lista do Brasil era lançada, somando novidades como: detalhes sobre forma de vida, substrato, fotos de exsicatas e fotos de campo. Na última versão da Lista do Brasil, lançada em 2015, o sistema contava com a colaboração de cerca de 500 taxonomistas e apresentava um total de espécies aceitas para o território brasileiro. De forma bastante orgânica foi possível acompanhar a evolução de um checklist em uma flórula. No começo de 2016 foi lançado o novo sistema da segunda etapa do projeto, a Flora do Brasil On-line 2020 (FBO 2020). No novo sistema, os 142

143 taxonomistas são capazes de apresentar descrições, chaves de identificação, comentários e todos os outros requisitos para uma verdadeira flora. Tudo apresentado de forma trilíngue (Português, Inglês e Espanhol) e bastante dinâmica. O sistema já se encontra on-line e à medida que as monografias são concluídas, elas se tornam disponíveis ao público. Outra ferramenta clássica da taxonomia que se adaptou às últimas tecnologias foi à chave de identificação. Como já comentado, algumas páginas da internet têm disponibilizado essas ferramentas para auxiliar na identificação de vários níveis taxonômicos. Existem algumas iniciativas importantes na botânica mundial, em relação a chaves virtuais. Uma das primeiras chaves virtuais foi disponibilizada na página Neotropikey. O site coordenado e compilado pelo Royal Botanic Gardens, Kew, contou com a colaboração de especialistas do mundo todo, especialmente de brasileiros. O Neotropkey apresenta uma chave interativa para as famílias de Angiospermas da Região Neotropical e uma página individual para cada uma das famílias. Cada página faz uma breve sinopse sobre o grupo, listando os gêneros registrados para a Região Neotropical e como diferenciá-los. Outro excelente exemplo desse tipo é o CATE-Araceae, que primeiramente apresentou uma chave de identificação para todos os gêneros de Araceae (Monocotiledôneas, Alismatales), além de listagem de espécies, seus sinônimos e dados de distribuição. O site, gerenciado pelo Dr. Thomas Croat, é constantemente atualizado com fotos e todo tipo de dados sobre espécies da família. E agora com o grande acervo digital, especialmente de fotos, começou a produzir chaves de identificação ilustradas para todos os gêneros de Araceae. Páginas voltadas para grupos específicos têm se tornado cada vez mais comuns, com sites para Araceae, Caricaceae, Lecythidaceae, Malpighiaceae, etc. Além das páginas voltadas para grupos específicos, checklists, floras e chaves virtuais, praticamente tudo relacionado à taxonomia pode ser encontrado on-line hoje em dia. Índices e bibliotecas inteiros estão hoje disponíveis na internet e são constantemente atualizados. Exemplos marcantes de sites que se tornaram ferramentas diárias do taxonomista moderno são: o Tropicos, que apresenta informações sobre nomes aceitos, sinônimos, imagens, dados de distribuição, tipificação, obras originais, entre muitas outras; o Index Herbariorum, gerenciado pela Barbara Thiers, que reúne todos os herbários registrados ao redor do mundo, seus curadores, contatos e inúmeras informações sobre as coleções; o Biodiversity Heritage Library (BHL) e o Botanicus.org, que são duas bibliotecas on-line que reúnem inúmeras obras e 143

144 publicações, antigas e modernas. É cada vez mais comum os herbários terem suas coleções inteiras digitalizadas e fotografadas, auxiliando enormemente o trabalho dos taxonomistas. Páginas como o JABOT e o specieslink se tornaram essenciais para a realização de qualquer trabalho de fundo taxonômico hoje em dia. Além disso, duas publicações essenciais em trabalhos nomenclaturais e revisões taxonômicas também se encontram digitalizados. Atualmente, é possível acessar toda a coleção da obra de Stafleu & Cowan, Taxonomic Literature, e inúmeras versões do Código Internacional de Nomenclatura de Algas, Fungos e Plantas. No caso do Código, o site é de fácil navegação, com links para partes importantes e a possibilidade de procurar por termos específicos ao longo de toda a obra. Parte desse enorme processo de informatização, além de bibliografias e publicações, a digitalização de coleções é talvez uma das mais marcantes novidades taxonômicas da modernidade. Inúmeros herbários mundo a fora tem hoje pelo menos parte de suas coleções fotografadas em alta qualidade e com dados de etiqueta transcritos. O JSTOR Plants funciona como uma enorme base de dados de todo o tipo de material científico e artístico. Dentro desta vasta coleção encontramos periódicos científicos e materiais-tipo de espécies, depositados em vários herbários ao redor do mundo. A ideia do projeto do JSTOR Plants é tornar acessível para taxonomistas do mundo todo, os materiais-tipo dos grupos que eles trabalham. Deste modo, o projeto facilita o trabalho dos taxonomistas e evita o manuseio excessivo desses materiais. Entretanto, a empreitada mais icônica de digitalização de coleções é nacional. O Projeto REFLORA, coordenado pelo JBRJ, tem como principal objetivo informatizar e digitalizar coleções de herbários brasileiros. Uma vez fotografados e informatizados, esses materiais são incluídos na base de dados do Herbário Virtual REFLORA (HV), podendo ser acessados por qualquer taxonomista. A segunda e mais ousada etapa do REFLORA é o processo de repatriamento de espécimes da flora brasileira. Essa etapa é feita com base em parcerias entre o Brasil e coleções situadas em diversos países, como os Estados Unidos, França, Inglaterra etc. Nestas coleções todos os espécimes coletados em território brasileiro são fotografados e posteriormente tem os seus dados de etiqueta capturados por uma segunda equipe, situada no JBRJ. Assim, como os espécimes dos herbários brasileiros, os espécimes de herbários internacionais passam a integrar o Herbário Virtual, assim como o herbário digital de sua instituição original. Além de ser essencial para taxonomistas brasileiros em geral, essa etapa do REFLORA possibilita alunos de doutorado e pós-doutorado a viajarem para o exterior e desenvolverem seus 144

145 projetos de tese. Os bolsistas selecionados trabalham meio expediente como membros do projeto e a outra metade do expediente é livre para o desenvolvimento de seus projetos. Com todas essas ferramentas e facilidades da taxonomia moderna, é possível fazer grande parte de um trabalho taxonômico remotamente, a partir de um computador. Essas ferramentas complementam e facilitam grandemente o trabalho dos taxonomistas, permitindo uma maior agilidade científica e um considerável aumento na acessibilidade a essas publicações e todo tipo de conhecimento científico. Além disso, elas facilitam a realização de trabalhos de base, essenciais para o desenvolvimento de todos os trabalhos de ponta. Como já tratado neste capítulo e em inúmeros trabalhos sobre a valorização da taxonomia, floras e coleções científicas, sem esses trabalhos e sem os taxonomistas, não é possível conhecer, preservar, nem explorar o infinito potencial da nossa biodiversidade. A taxonomia é essencial para a construção do conhecimento científico, emergindo hoje em novos formatos e abordagens. A taxonomia hoje não é e não deve ser considerada uma ciência estática, mas sim uma área extremamente dinâmica, que sempre acompanha as inovações de nossa era. Lista de endereços da Internet mencionados no texto. Projeto Endereço Atlas Digital de Sistemática de Criptógamas BHL Botanicus CATE Araceae CRIA e-monograph of the Caricaceae emonocot Flora do Brasil UC/PrincipalUC.do Handwritings from the Linnean Herbarium Herbário Virtual REFLORA 145

146 Index Herbariorum Index Nominum Genericorum Index of All The World s Plant Species Together IUCN Red List JABOT JSTOR Plants Lecythidaceae Pages Livro Vermelho Malpighiaceae Neotropikey Phyto Images Plant Systematics SBB. Catálogo da rede brasileira de herbários. Sociedade Botânica do Brasil. Smithsonian plant image collection The Plant List Tropical Plant Guides Tropicos Useful Plants of the Tropics Virtual Classroom Biology World Checklist of Selected Plant Families sultapublicohvuc/consultapublicohvuc.do rmelho.pdf e/raunkiaer/ E5DFBDE5CF19F F1B678?checklist=sel ected_families%40%

147 Literatura Sugerida Dicionários amplos Harris, J.G. & Harris, M.W. (2001). Plant identification terminology: An illustrated glossary. 2 o ed. Spring Lake Publishing, Spring Lake, 206 pp. Radford, A.E.; Dickinson, W.C.; Massey, J.R.; Bell, C.R. (1974). Vascular plant systematics. Harper & Row, New York. 891 pp. Font Quer, P. (1953). Diccionario de Botánica. Ed. Labor. Barcelona. Dicionários/trabalhos mais específicos Payne, W.W. (1978). A glossary of plant hair terminology. Brittonia 30: Weberling, F. (1989). Morphology of flowers and inflorescences. Cambridge University Press, Cambridge. 405 pp. Theobald, W.L.; Krahulik, J.L.; Rollins, R.C. (1979). Trichome description and classification. In: Metcalfe CR, Chalk L (eds.) Anatomy of the dicotyledons: systematic anatomy of the leaf, stem. vol I. 2 ed. Claredon Press. Referências APG. (2009). An update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants: APG III. Botanical Journal of the Linnean Society 161: Blackmore, S. (2002). Biodiversity update: progress in taxonomy. Science 298: 365. Freitas, D.S.; de Tol Tolentino-Neto L.C.B.; Sano P.T. (2000) Conhecimento popular e conhecimento científico na história da botânica. Ciência & Ensino 8: 7-9. Funk, V.A. (2006). Floras: a model for biodiversity studies or a thing of the past? Taxon 55: Isaac, N.J.B.; Mallet, J.; Mace, G. (2004). Taxonomic inflation: its influence on macroecology and conservation. Trends in Ecology and Evolution 19: Joly, A.B. (1966). Botânica: introdução à taxonomia vegetal. São Paulo, Companhia Editora Nacional, Joppa, L.N.; Roberts D.L.; Pimm, S.L. (2004). How many species of flowering plants are there? Proceedings of the Royal Society B 278: Judd, W.; Singer, R.; Singer, R. (2009). Sistemática vegetal: um enfoque filogenético. 3ed. Artmed. 147

148 Knapp, S. (2008). A century of evolution: Ernst Mayr ( ) species concepts and floras: what are species for? Biological Journal of the Linnean Society 95: Martins-da-Silva, R.C.V. (2002). Identificação de espécimes botânicos. Série documentos, 143. Embrapa. Mayr, E. (1942). Systematics and the Origin of Species. Columbia University Press. Oliveira, J.C. (2010). Fundamentos de Sistemática filogenética para professores de ciências e biologia. Disponível em Padial, J.M.; Miralles, A.; De la Riva, I.; Vences, M. (2010). The integrative future of taxonomy. Frontiers in Zoology 7: 1. Pirani, J.R. (2006). Sistemática: Tendências e desenvolvimento incluindo impedimentos para o avanço do conhecimento na área. Disponível em Pysek, P.; Hulme, P.E.; Meyerson, L.A.; Smith, G.F.; Boatwright, J.S.; Crouch, N.R.; Figueiredo, E.; Foxcroft, L.C.; Jarosık, V.; Richardson, D.M.; Suda, J.; Wilson, J.R.U. (2013). Hitting the right target: taxonomic challenges for, and of, plant invasions. AoB PLANTS 5: plt042. Rouhan, G. & Gaudeul, M. (2014). Plant taxonomy: A historical perspective, current challenges, and perspectives. In Pascale Besse (ed.), Molecular Plant Taxonomy: Methods and Protocols, Methods in Molecular Biology 1115: Santos, C.M.D. & Klassa, B. (2012). Sistemática filogenética hennigiana: revolução ou mudança no interior de um paradigma? Scientiae Studia 10(3): Savage, J.M. (1995). Systematics and the biodiversity crisis. BioScience 45: Silva, P.G.P. (2008). O ensino da botânica no nível fundamental: um enfoque nos procedimentos metodológicos. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências, Bauru. Universidade Paulista. Simpson, G.G. (1961). Principles of Animal taxonomy. Columbia University Press. Wen, J.; Ickert-Bond, S.M.; Appelhans, M.S.; Dorr, L.J.; Funk, V.A. (2015). Collections-based systematics: Opportunities and outlook for Journal of Systematics and Evolution 9999: Wheeler, Q.D. (1995). The Old Systematics : Classification and phylogeny. In Biology, Phylogeny, and Classification of Coleoptera. Papers Celebrating the 80th Birthday of Roy A. Crowson (eds J. Pakaluk and S.A. Slipinski), Muzeum i Insytut Zoologii PAN, Warszawa, pp

149 Wheeler, Q.D. (2004). Taxonomic triage and the poverty of phylogeny. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B 359: Wheeler, Q.D. (2008). Toward the new taxonomy. In Wheeler, QD (Ed). The new taxonomy. CRC Press. Wiens, J.J. (2004). The role of morphological data in phylogeny reconstruction. Systematic Biology 53(4): Winston, J.E. (1999). Describing species. Pratical taxonomic procedure for biologists. Columbia University Press. 149

150 Anotações: 150

151 PARTE II ENSINO DE BOTÂNICA 151

152 CAPÍTULO XI Formação de professores de Botânica: bases teóricas e os desafios contemporâneos da área 1. Introdução Luis Carlos Saito Percia Paiva Barbosa Atualmente, a importância de discutir a formação de um professor é consenso entre os pesquisadores da área da Educação, não apenas em relação à quantidade e a qualidade de informações sobre o assunto a ser ensinado, mas também sobre o conhecimento metodológico e o processo de autorreflexão da prática docente. Isso porque sabemos que quando tal formação é negligenciada, os professores conservam as formas de ensino tradicionais, ou seja, tendem a reproduzir o que experimentaram durante a própria escolarização. Essas formas de ensino são focadas na memorização de conceitos e criam uma distância entre o que se espera, atualmente, do processo de ensino-aprendizagem: o desenvolvimento de competências e habilidades capazes de proporcionarem o desenvolvimento do pensamento crítico do cidadão frente às demandas que surgem em sua vida cotidiana, além da construção de conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais. A profissão de professor se diferencia das demais pela experiência prévia que este possui no ambiente escolar: ainda enquanto aluno do ensino básico, o futuro docente participa da vivência educativa na escola. Dessa maneira, esse contato prévio com o ofício faz com que esse futuro educador crie um pré-julgamento sobre a profissão antes mesmo de se especializar nessa área. Esse julgamento, no entanto, não se restringe aos futuros docentes: os cidadãos, de uma forma geral, também o realizam já que, devido ao fato de experenciarem a vivência escolar enquanto alunos sentem-se aptos a opinar, criticar e exercer a função de professor sem nenhum estudo mais sistematizado e aprofundado sobre o ensino. Outra concepção equivocada sobre a profissão docente é que, diferentemente das demais, ela, muitas vezes, está associada a um dom que proporciona a falsa impressão de que apenas algumas pessoas têm a capacidade de exercê-la. As consequências disso são a associação da figura do professor a uma espécie de sacerdócio, sendo a recompensa de seu trabalho o próprio ato de ensinar, contribuindo, dessa forma para a desvalorização do ofício. 152

153 Partindo-se dessas considerações, no presente capítulo abordaremos as ideias de alguns autores que tentaram elucidar e discutir aspectos da formação docente: Maurice Tardiff, Lee Shulman e Donald Shön, os quais apresentaram em seus trabalhos a ideia de que existem conhecimentos exclusivos dos profissionais do ensino. Cabe destacar, no entanto, que perguntas como quais seriam esses conhecimentos e como se desenvolvem não respondidas de maneira consensual entre os tre s. Além disso, partindo-se da perspectiva de Shulman (cuja obra representa, atualmente, o principal referencial teórico do Grupo de Pesquisa Botânica na Educação do Departamento de Botânica do IBUSP), abordaremos algumas dificuldades encontradas para o atual ensino de Botânica nas escolas. 2. Formação Docente Há muito tempo, tenta-se entender o que é ser um bom professor para que, a partir disso, se possa pensar em maneiras adequadas para se formá-los. Sabe-se que, como qualquer profissional, os docentes apresentam características que são exclusivas de sua prática, sendo que os autores citados anteriormente (Tardif, Shulman e Shön) são importantes referências utilizadas nas pesquisas relacionadas ao ensino de Ciências contemporâneo. Neste contexto, nos parágrafos seguintes abordaremos, com maior profundidade, algumas das ideias defendidas por esses pesquisadores. 2.1 Donald Shön Donald Shön foi um pesquisador americano que deu início ao desenvolvimento de suas ideias sobre formação docente a partir da década de Seu trabalho, além de abordar o papel dos formadores de professores, se baseou também na comparação da formação de educadores com a de arquitetos e artistas (como músicos, pintores, dentre outros). Ele retomou, de forma mais explícita, a concepção do profissional reflexivo, sugerindo que o desenvolvimento profissional do professor acontecia por meio da reflexão sobre sua própria atuação. Em sua obra, Schon apresenta os seguintes termos: Reflexão-na-ação, Reflexão-sobre-a-ação e Reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação. Sobre a primeira, o pesquisador comenta que o professor deve refletir sobre suas ações durante a própria prática como, por exemplo, as reflexões realizadas ao se propor uma aula ou ao se elaborar as respostas para os alunos durante o ensino de alguma temática. Já sobre a segunda, o autor a explica como um processo de reflexão sobre a prática, o qual acontece posteriormente a esta (como uma autoanálise sobre os 153

154 resultados da aula, por exemplo). Por fim, sobre a terceira, Schön comenta que a reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação abarca os motivos que levaram o docente a escolher uma ou outra prática educativa. Neste contexto, pode-se dizer que para o pesquisador, a formação de um professor reflexivo se dá em três momentos: 1) por meio das tentativas do docente em solucionar os conflitos oriundos de sua prática educativa; 2) por meio da reflexão deste sobre sua prática (ou ação ) no momento em que esta acontece; e, por fim 3) após a prática, por meio de sua reflexão sobre sua reflexão de ação. Outras ideias defendidas por Shön dizem respeito ao fato de a formação do educador estar intimamente ligada a sua prática e a uma característica desses profissionais denominada por ele de Artistry. Sobre esta, o pesquisador a define como a capacidade de delimitar um problema e aplicar uma solução improvisando as relações entre a prática e a teoria ou entre a ciência e a técnica. Logo, um professor reflexivo estaria em um patamar de Artistry que o permitiria articular suas aulas com o domínio do conhecimento, o domínio dos propósitos do conhecimento. Cabe dizer que mais importante para Shön foi estabelecer como se formam os profissionais reflexivos e, principalmente, como desenvolver o Artistry destes. Dessa forma, o autor afirma que o papel do formador de professores é similar ao de um coach, sendo que tal termo para os estudiosos dessa linha de pesquisa não pode ser traduzido meramente como treinador ou técnico, pois o primeiro assume, parcialmente, os dois papéis. Neste cenário, o formador deve atuar sobre os problemas aparentes que os professores trazem de suas práticas (reais ou simuladas) e ajudá-los a desconstruí-los até encontrarem um problema real. Por fim, cabe ao coach auxiliar o docente na escolha de estratégias que possam solucionar esse problema real como, por exemplo, o que é ilustrado pelo trecho a seguir: Durante um curso de formação de professores, um destes relata para seu formador que o problema encontrado está relacionado ao fato de seus alunos não obterem resultados satisfatórios nas avaliações de Botânica (o quer pode ser considerado um problema aparente, segundo as ideias defendidas por Shön). O formador, então, lhe pergunta sobre o conteúdo dessa prova, sobre o peso das perguntas, sobre as aulas referentes a esse conteúdo, dentre outras. Isso faz com que o docente perceba que existe um problema em um dos temas, por exemplo, vamos supor que o docente tenha se dado conta que o problema era que os 154

155 alunos não haviam entendido os conceitos relacionados ao tema Fotossíntese (isso pode ser considerado ainda como um problema aparente segundo Shön). Neste contexto, o formador realiza novas perguntas como, por exemplo, quais são as concepções dos alunos sobre a fotossíntese ou sobre a nutrição das plantas. Diante disso, o professor, em um segundo momento, retoma o assunto com sua classe percebendo que, na verdade, seus alunos acreditavam que as plantas se alimentavam pela raiz (o que ainda pode ser considerado como um problema aparente segundo Shön). Dessa forma, de volta ao curso de formação, o docente reporta esse problema para o formador, que novamente lhe pergunta o que os alunos entendiam por alimentar-se. Neste exercício, o professor percebe que os discentes faziam uma correlação direta entre a nutrição da planta e a nutrição de animais (problema real, segundo Shön). Logo, o formador pede para os demais professores participantes do curso elaborarem um exercício que compare a nutrição de uma planta a de um ser humano, sendo que o docente vai comentando sobre a realidade de seus alunos. Ao final desse processo, todos apresentam uma estratégia aplicável e capaz de auxiliar esse professor. Shön ancorou suas teorias de Artistry e de profissional reflexivo na prática docente, ou seja, o desenvolvimento de um bom professor está associado aos problemas que ele próprio vivencia durante sua rotina em sala de aula. Ao aproximar a formação de professores com a formação de artesãos, ele explicita a necessidade de uma relação formador/ professor semelhante à de um mestre com seu aprendiz. Feitas essas considerações, o próximo autor que abordaremos no presente texto é Maurice Tardif. Veremos que, assim como Shön, ele valoriza a prática e a considera um instrumento para a formação de professores. Maiores detalhes sobre esse pesquisador serão apresentados na seção a seguir. 2.2 Maurice Tardiff Maurice Tardiff é um pesquisador canadense conhecido por apresentar ideias sobre os saberes docentes. Para esse autor, o repertório de conhecimentos, práticas, competências e habilidades que são mobilizados para a resolução de tarefas de um profissional são denominados saberes. Estes podem ser desenvolvidos por meio do 155

156 ensino formal, durante a formação do educador, ou por meio de experiências práticas, durante a vida profissional do docente ao longo dos anos. Para Tardiff, cada profissão demanda um saber específico que auxilia o profissional a desenvolver melhor sua prática. Tal saber, no entanto, não é compartilhado com outras pessoas que não praticam a mesma profissão. Logo, para o pesquisador os saberes são plurais e heterogêneos em três sentidos, pois eles: - Advêm de várias fontes: durante a prática docente, o professor pode usar saberes oriundos de sua cultura pessoal, de sua escolarização anterior, de seu aprendizado na universidade, e assim sucessivamente. - Não se restringem a uma disciplina, ao contrário, são ecléticos e sincréticos (ou seja: combinam princípios de diferentes linhas de pensamento). - Procuram atingir, simultaneamente, vários objetivos. Neste raciocínio, os saberes apresentam um sentido amplo que engloba conhecimentos, competências e habilidades construídas ao longo de uma trajetória, além de serem provenientes de diversas fontes. Logo, para Tardiff, adquirimos esses saberes antes mesmo de assumirmos uma posição profissional (no caso dos professores, antes da Licenciatura ou da Pedagogia), sendo que os desenvolvemos ao longo de nosso aprimoramento profissional. Diante do apresentado, pode-se indagar: quais são, afinal, os saberes da profissão professor, segundo Tardiff? Para responder essa pergunta, pode-se dizer que o autor separa tais saberes em quatro tipos principais: -Saberes da Formação Profissional: são aqueles desenvolvidos nas instituições de formação focados, principalmente, na Ciência da Educação e na Pedagogia. São saberes que procuram articular resultados de pesquisas sobre ensino e pedagogia às práticas educativas como, por exemplo, teorias de aprendizagem, neurociência, psicopedagogia, dentre outros. -Saberes Disciplinares: são aqueles referentes ao conteúdo disciplinar a ser ensinado nas escolas, os quais são adquiridos na academia, como Matemática, Química, Biologia e Literatura, por exemplo. -Saberes curriculares: referentes ao conhecimento dos programas, dos conteúdos e dos métodos a serem utilizados pelo professor. Esses conhecimentos 156

157 são selecionados pela instituição onde o professor leciona, ou seja, está relacionado à aplicação dos programas de ensino estipulados pela escola. -Saberes experienciais: obtidos por meio da prática do próprio professor, como um saber-fazer. Estes saberes são desenvolvidos e validados na própria prática educativa sendo incorporados à experiência do docente, modificando seus hábitos e suas habilidades. Por fim, para concluir, pode-se dizer que Tardiff aborda, de forma abrangente, os saberes docentes: para o autor, um professor com saberes bem desenvolvidos seria capaz de ensinar em qualquer situação. Isso, em partes, o difere do próximo pesquisador que abordaremos no presente texto: Lee Schulman, o qual foca suas ideias em situações de ensino mais particulares. Maiores detalhes sobre esse autor serão apresentados no seguinte tópico. 2.3 Lee S. Shulman Lee Shulman é um pesquisador norte americano que apresentou uma importante contribuição para a área de formação docente. Além de tentar traçar panoramas mais gerais sobre os conhecimentos necessários a esse ofício, assim como os dois autores abordados anteriormente, também tentou aprofundar a compreensão sobre situações particulares de ensino (como, por exemplo, o ensino de determinado conteúdo pelo educador dentro de um contexto também específico). Dessa forma, percebe-se que Shulman dá atenção especial ao papel do conteúdo específico na atuação docente sendo que, inicialmente, o autor afirma existir três tipos de Conhecimentos Base relacionados à profissão do educador, que seriam: - Conhecimento do Conteúdo Específico. - Conhecimento Pedagógico do Conteúdo. - Conhecimento Curricular. Percebe-se que, nesse primeiro momento, o pesquisador enfatiza o conhecimento do conteúdo, já que este é apresentado tanto pela base Conhecimento de Conteúdo Específico, quanto pelo Conhecimento Pedagógico do Conteúdo. Entretanto, essa última (do inglês Pedagogical Content Knowledge ou PCK) chamou bastante atenção e tem sido objeto de estudo de muitas pesquisas contemporâneas. Ainda sobre ela, podese dizer que o PCK:... vai além do conhecimento da matéria por si só, mas o conhecimento da matéria para o ensino, eu ainda falo sobre o conhecimento do conteúdo aqui, mas uma 157

158 forma particular do conhecimento do conteúdo que incorpora os aspectos mais pertinentes do conteúdo no seu potencial para ser ensinado. Neste cenário, o PCK é um conhecimento acessado pelo professor durante o preparo de suas aulas, assim como durante a realização destas. Dentro desse conhecimento pode-se incluir a seleção de conteúdo feita pelo docente, a forma utilizada para ensiná-lo, a profundidade da abordagem, a avaliação realizada, dentre outras ações. Continuando as discussões sobre o tema, no ano seguinte à primeira publicação divulgação das ideias sobre as bases de conhecimento docentes, Shulman apresenta outras, destacadas a seguir: - Conhecimento do Conteúdo - Conhecimento Pedagógico Geral - Conhecimento Curricular - Conhecimento Pedagógico do Conteúdo - Conhecimento dos Aprendizes e suas Características - Conhecimento do Contexto Educativo - Conhecimento dos Fins, Propósitos e Valores Educacionais e suas Bases Filosóficas e Históricas A partir disso, nota-se que o Conhecimento Pedagógico ganha evidência, no entanto, vale destacar que Shulman não atribuiu hierarquização dos Conhecimentos Base, ou seja, para ele nenhum conhecimento é mais importante que o outro. Apesar de o autor não ter prosseguido seus estudos sobre essa linha de pesquisa, muitos de seus orientandos continuaram a investigar os Conhecimentos Base do professor, em especial, o PCK. Inúmeros modelos foram propostos a partir de então, entretanto, dois aspectos são constantes em todos eles: o primeiro é a conclusão de que o PCK é um conhecimento exclusivo de professores; já o segundo aspecto refere-se à discussão sobre como tais conhecimentos se interrelacionam. Neste contexto, um dos modelos comumente utilizados pelas pesquisas contemporâneas nessa área é o de Grossman e colaboradores (Figura 1), já que apresenta seis bases de conhecimento com um maior aprofundamento sobre cada um delas: 158

159 Figura 1. Modelo de Conhecimentos Base segundo Grossman e colaboradores (GOES, 2014). Pode-se perceber neste modelo que, apesar de serem conhecimentos separados, os seus respectivos desenvolvimentos são influenciados uns pelos outros, ou seja, quando se estuda o PCK de um professor por meio de entrevistas, questionários e observações de aula, é necessário considerar os outros conhecimentos como moduladores do próprio PCK. Este, como o próprio nome diz, está ancorado em um conteúdo sendo que não é possível dizer, por exemplo, que um professor apresenta um bom PCK de Biologia, pois ensinar Genética ou Bota nica requer diferentes habilidades e conhecimentos do professor. Da mesma forma, não podemos afirmar que existe um bom PCK de Bota nica, pois ensinar o conteúdo de classificação vegetal requer metodologias e estratégias didáticas diferentes daquelas necessárias ao ensino do tema Fotossíntese, por exemplo. Essas especificidades também podem abranger os outros Conhecimentos Base que influenciam o PCK (como, por exemplo, o de contexto, o pedagógico, o curricular, dentre outros). Dessa maneira, só podemos afirmar que aferimos o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo de um indivíduo em uma situação específica de ensino. Os estudos do PCK, assim como o dos saberes docentes de Tardiff, se fazem importantes na atualidade, pois contribuem para a definição e para a avaliação da profissão docente. Aferindo o PCK de um professor, podemos apontar quais são os Conhecimentos Base que precisam ser melhores abordados em sua prática, sendo que este, ao ter a compreensão sobre o seu próprio PCK, pode promover uma autorreflexão a esse respeito, buscando formas de aprimorá-lo. Da mesma forma, acreditamos que a busca pela identificação dos aspectos do PCK de vários licenciandos em cursos de 159

160 formação inicial, por exemplo, pode auxiliar na estruturação desses últimos, tornandoos mais adequados às atuais demandas educacionais. Por fim, vale dizer que as pesquisas sobre as características e especificidades da profissão docente (Artistry, Saberes docentes e Conhecimentos Base), muitas vezes, utilizam abordagens qualitativas. Nesses casos, as conclusões, apesar de serem específicas da situação estudada, podem promover aproximações mais gerais quando vários estudos semelhantes são realizados em diferentes contextos. Para concluir, vale dizer que dentro da área de formação de professores, o grupo Botânica na Educação (BOTED) desenvolve uma linha de investigação relacionada à formação de educadores de Biologia. Os estudos são focados em abordagens de temas relacionados à Botânica e ao seu ensino, sendo que, atualmente, o grupo tem realizado pesquisas sobre o PCK de professores para ensinarem conteúdos da Botânica. Dessa maneira, no tópico a seguir, faremos algumas aproximações entre essa área de ensino e o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (PCK), abordado anteriormente neste texto. 3. Formação de professores, PCK e a Botânica A formação de professores é considerada uma área nevrálgica quando se pensa no aumento da qualidade da Educação no Brasil. Partindo-se disso, vários projetos de governo foram adotados com o intuito de melhorar a capacitação desses profissionais. Em 2002, por exemplo, o Conselho Nacional de Educação brasileiro instituiu as Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica. Tal documento reforçou a importância de se formar o educador de uma maneira ampla, fazendo com que este apresentasse vários tipos de conhecimentos, dentre os quais se destacavam: o conhecimento sobre a cultura geral e profissional; sobre as crianças, adolescentes, jovens e adultos; sobre a dimensão cultural, política e econômica da Educação; sobre os conteúdos da área; além do conhecimento pedagógico e aquele advindo da experiência do ofício. Neste contexto, acredita-se que referenciais que abordam os conhecimentos do professor e sua construção (como aqueles abordados, anteriormente, neste texto: Tardif, Schon e Shulman) podem ser bons aliados nas pesquisas que visam compreender e aprimorar a formação docente, inclusive daqueles profissionais da área de Botânica. Sobre a Botânica, sabe-se que alguns desafios são encontrados durante o ensino, muitos destes, relacionados, justamente, com a má formação do educador. Dentre os principais desafios enfrentados pela área, pode-se citar a descontextualização dos 160

161 temas, ou seja, a desassociação dos conteúdos disciplinares com o contexto sóciohistórico-cultural do estudante. Uma das consequências desse processo é o fato de a Botânica nas escolas ser, geralmente, associada à memorização, conteúdos complicados, fazendo com que estudantes (e, até mesmo, professores) não encontrem sentido para a aprendizagem dos assuntos relacionados a essa temática. Esse tipo de abordagem, que não considera o aluno e seu contexto está associada ao segundo desafio enfrentado pela área: a reprodução de um ensino tradicional e memorístico. Esse tipo de ensino, em nossa visão, acentua a desmotivação dos estudantes (e dos docentes) para a aprendizagem da temática, ocasionando o aprofundamento do terceiro desafio aqui abordado: a Cegueira Botânica. Esta se refere ao fato de, muitas vezes, as pessoas enxergarem as plantas apenas como parte da paisagem, esquecendo-se, inclusive, de que elas são seres vivos. Possivelmente, existem duas causas para esse fenômeno: a primeira está relacionada à tendência de se usar exemplos com animais (ao invés de plantas) nos livros didáticos e nas aulas de Biologia (zoocentrismo). A segunda causa, por sua vez, tem relação com o fato de os seres humanos terem sido evolutivamente selecionados para perceber mais animais do que plantas, o que estaria associado a maiores chances de sobrevivência aos predadores em épocas mais remotas, segundo alguns estudos. Logo, a somatória de todos os problemas citados anteriormente resulta no analfabetismo botânico, o qual diz respeito ao pouco conhecimento das pessoas sobre os vegetais de uma forma geral. Partindo-se dessas considerações, como formas de superar os desafios elencados no parágrafo anterior têm-se: no caso da descontextualização, pode-se dizer que uma das formas de se contornar tal problema poderia ser auxiliando o professor a aprimorar seu conhecimento de contexto (conforme definido por Shulman). Além disso, auxiliá-lo na busca de sentido para se ensinar temas relacionados aos vegetais (que é parte integrante do PCK de qualquer assunto de Botânica) também pode ser uma maneira interessante. Como a descontextualização também está relacionada ao pouco contato com as plantas, assim como ao baixo uso da vegetação local como recursos para a situação de ensino, o conhecimento do conteúdo (assim como o conhecimento pedagógico) também deve ser aprimorado durante a formação do educador como uma possível estratégia para a superação desse desafio. Sobre a escolha de estratégias didáticas mais tradicionais (como aulas teóricas e extensamente expositivas), possivelmente tal desafio pode estar associado ao baixo conhecimento pedagógico, assim como à falta de relação entre este e o conteúdo a ser 161

162 ensinado. Logo, é interessante que, durante a sua formação, o licenciando tenha oportunidades de aprimorar esses conhecimentos. Caso contrário, corre-se o risco desse futuro educador reproduzir apenas estratégias didáticas com as quais se encontra mais habituado, ou seja, aulas teóricas e demonstrativas, por exemplo. Novamente, acreditase que o desenvolvimento do PCK pode ser uma estratégia para criar essas conexões: o desenvolvimento deste, por sua vez, pode ser realizado tanto por meio de simulações de aulas (em que os licenciandos são incentivados a preparar materiais e aulas para o ensino de determinado tema) ou pela própria observação de um professor mais experiente durante sua prática educativa na escola. Sobre a Cegueira Botânica, é necessário que o professor encontre formas de se combatê-la. Dessa maneira, em nossa visão, um ensino contextualizado e problematizador pode contribuir nesse sentido. Logo, um caminho possível seria a maior inserção de vegetais nas aulas, seja como exemplos ilustrativos de alguns conteúdos, seja em aulas práticas, dentre outras. Por fim, buscando-se soluções capazes de amenizar os problemas elencados anteriormente, possivelmente estaríamos reduzindo os índices de analfabetismo botânico, tão comuns na sociedade contemporânea. Em nossa visão, isso poderia aumentar a sensibilização das pessoas para as causas ambientais, contribuindo para o aprimoramento de atitudes relacionadas à preservação e conservação ambiental. 4. Conclusão Os desafios do ensino de Botânica, apontados anteriormente no presente texto, podem estar relacionados a algumas lacunas encontradas durante a formação do docente. Logo, acreditamos que aprimorar a qualidade dessa formação, seja inicial ou continuada, é essencial para que o processo de ensino-aprendizagem se torne mais significativo para os alunos nas escolas. Dessa maneira, pesquisas sobre o ensino de Botânica, assim como aquelas relacionadas à formação dos profissionais que atuarão nessa área, podem auxiliar no desenvolvimento de abordagens sobre a temática o que, possivelmente, amenizaria os desafios enfrentados pela área na atualidade. 5. Referências Balas, B.; Momsen, J.L. (2014). Attention blinks Differently for Plants and Animals. Life Sciences Education, 13,

163 Goes, L.F.de. (2014). Conhecimento Pedagógico do Conteúdo: Estado da Arte no campo da Educação e no Ensino de Química. Universidade de São Paulo. Nóvoa, A. (2002). Formação de professores e trabalho pedagógico. Educa. Perrenoud, P. (2002). Prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e razão pedagógica. Artmed. Schön, D. (1992). Formar professores como profissionais reflexivos. Os professores e a sua formação, 3, Shulman, L. (1987). Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard educational review, 57(1), Tardiff, M. (2014). Saberes docentes e formação profissional. Editora Vozes Limitada. UNO, G.E. Botanical literacy: what and how should students learn about plants? American Journal of Botany, v. 96, n.10, p , Wandersee, J.H.; Schussler, E.E. (1999). Preventing plant blindness. American Biology Teacher, 61(2): Wandersee, J.H.; Schussler, E.E. (2001). Towards a theory of plant blindness. Plant Science Bulletin, 47(1): 2-9 Anefalos, L.C.; Guilhoto, J.J.M. (2003). Estrutura do mercado brasileiro de flores e plantas ornamentais. Agricultura em São Paulo 50:

164 Anotações: 164

165 1- Introdução CAPÍTULO XII Educação Ambiental e o Projeto Ecossistemas Costeiros Sabrina Gonçalves Raimundo Mariana Sousa Melo Camila Lopes Lira Nós ocupamos hoje todas as regiões do planeta, somos então cosmopolitas. Há cerca de 200 mil anos surgiram os humanos modernos no continente Africano, atingindo o atual comportamento e anatomia há cerca de 50 mil anos. Quando surgimos, o Planeta Terra já conhecia diversos outros organismos como plantas, répteis, aves, mamíferos, fungos e bactérias que aqui já habitavam há milhares de anos antes de nós. Uma característica de nossa espécie é o desejo de entender e influenciar o ambiente à nossa volta, procurando explicar e manipular os fenômenos naturais através da filosofia, artes, ciências, mitologia e da religião. E, embora sejamos parte da natureza como um todo, temos atuado sobre ela de forma demasiadamente predatória, causando expressivos impactos em diversas escalas ambientais. Enfrentamos hoje uma crise ambiental que se originou com atividades humanas como: Exploração descomunal dos recursos naturais, no alto consumo, na contaminação e poluição causados pela expansão urbana desordenada, entre outros. A atual situação é preocupante, se intensificando ainda mais se considerarmos o desconhecimento que temos dos limites e da complexidade existente da inter-relação entre os sistemas e suas capacidades, seus elementos e sua resiliência, bem como escala de interação com outros sistemas. Assim, enfrentamos um cenário alarmante, vendo as florestas, os solos, o ar, os rios e a biodiversidade em pleno declínio. Em contrapartida, nunca antes se falou tanto em preservação, conservação e sustentabilidade. Estamos vivendo o que a ex ministra do meio ambiente Marina Silva chamou de década da educação ambiental e da sustentabilidade. A partir desta realidade, as últimas décadas foram marcadas por discussões internacionais que motivaram e ajudaram a consolidar o conceito de Educação Ambiental e o da Sustentabilidade em diversas partes do mundo. A partir de conferências como a de Estocolmo nos anos 70 e Rio92, houve favorecimento do 165

166 desenvolvimento de um cenário de aprovação consensual entre praticamente todos os países do mundo a respeito de seus papéis político, social, econômico bem como o papel individual dos cidadãos em prol do meio ambiente. Entretanto, diversos problemas de interpretação dos conceitos ambientais surgiram ao longo das últimas décadas. De tal modo, a fim de favorecer a prática coesa à teoria, especialmente em torno da temática da Sustentabilidade, surgiram quadros conceituais com diversas finalidades buscando resolver problemas práticos deste conceito. No entanto, outras áreas de interesse ambiental ainda não contam com alternativas teóricas e práticas eficientes, como é o caso das temáticas em Sustentabilidade, em particular a Educação Ambiental. E, embora existam alguns países que já estejam mais avançados nesta questão, a educação ainda está aquém de seu potencial. Tendo em vista a relevância dos processos educacionais para formação das pessoas, tem sido intensificada a articulação da temática ambiental nas políticas globais, regionais e locais buscando a ampliação dessa área visando formar sociedades mais sustentáveis. No Brasil, existem muitas iniciativas que contemplam uma política nacional que pretende estimular o desenvolvimento da Educação Ambiental. Uma delas é o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, que é usado hoje como instrumento fundamental para descrição dos objetivos e dos princípios que devem calçar os processos de Educação Ambiental em ambientes formais e não formais, em faixas etárias distintas. De tal modo, desenvolvemos um projeto que pode ser aplicado tanto em ambientes formais quanto não formais (em Unidades de Conservação, por exemplo), sendo alvo de nossas ações os estudantes de ensino público do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. As questões pertinentes a esse projeto serão detalhadas no decorrer do texto. 2- Histórico da educação ambiental Já há cerca de três décadas que a Educação Ambiental é considerada como um processo de formação dinâmico, permanente e participativo, no qual as pessoas envolvidas devem se tornar agentes transformadores, participando ativamente da busca 166

167 de alternativas para a redução de impactos ambientais e para o controle social do uso dos recursos naturais. No entanto, ainda se trata de um campo de estudos e de práticas recente. A Educação Ambiental (EA) quanto nicho vem como resposta aos diversos problemas ambientais, e mais atualmente também sociais. Por esse motivo, compreender os acontecimentos históricos das diversas épocas, antes, durante a sua formação e depois desta, se faz necessário para o entendimento da constante evolução da EA e de sua relevância para a sociedade como um todo tanto no Brasil quanto no restante do mundo (Figura 1). Figura 17. Histórico da Educação Ambiental no Brasil e no Mundo: Durante os anos 60 as discussões sobre o impacto humano e a crise ambiental na qual estamos ainda inseridos se intensificaram, resultando em uma série de ações internacionais que culminaram conferências importantes para definição de teorias e práticas na área de educação em diversas escalas das décadas seguintes. É importante compreender que a degradação ambiental tem se deflagrado desde a entrada dos portugueses no Brasil por meio da exploração da madeira, do ouro, diamantes, entre outros elementos naturais. No entanto, a implementação do tema ambiental na educação como meio para alcançar novos paradigmas e comportamentos frente aos problemas ambientais têm sido tema de discussão há poucas décadas, principalmente como produto de conferências internacionais refletidas em ações em escalas menores. O desenvolvimento da Educação Ambiental começou a ser discutido especialmente durante os anos 60 com a publicação do livro Primavera Silenciosa da jornalista Rachel Carson que denunciava as consequências devastadoras das atividades humanas sobre, por exemplo, a perda da qualidade de vida dado o uso indiscriminado e excessivo de produtos químicos, como os pesticidas, e seus posteriores efeitos sobre o meio ambiente. Seguido desse alerta de impacto internacional, outros eventos se 167

168 deflagraram e foram importantes para a EA. O próprio termo Educação Ambiental foi cunhado pela primeira vez em 1965 durante a Conferência em Educação da Universidade de Keele, na Grã - Bretanha. Três anos depois, trinta especialistas de várias áreas se reunirem em Roma discutindo a crise na qual a humanidade estaria inserida, formando o Clube de Roma e em 1972 produziriam o relatório "Os Limites do Crescimento Econômico" (The Limits of Growth) que apontava o crescente consumo mundial, o limite de crescimento, possível colapso e ações alternativas ao problema. Tendo esses e outros acontecimentos como pano de fundo, em 1972 aconteceu a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). A conferência aconteceu em Estocolmo, na Suécia, e dela partiu a recomendação de que O secretário-geral, os organismos do sistema das Nações Unidas, em particular da organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (Unesco) e as demais instituições interessadas, após consultarem-se e de comum acordo, adotem as disposições necessárias afim de estabelecer um programa internacional de educação sobre o meio ambiente, de enfoque interdisciplinar e com caráter escolar e extraescolar, que abarque todos os níveis de ensino e se dirija ao público em geral, especialmente ao cidadão que vive nas zonas rurais e urbanas, ao jovem e ao adulto indistintamente, como objetivo de ensinar-lhes medidas simples que, dentro de suas possibilidades, possam tomar para ordenar e controlar o meio ambiente. Essa conferência foi importante para o meio ambiente e para o fomento da EA, e é considerada por muitos, como a responsável por inserir a educação ambiental na agenda global. Assis (1991) documenta que em cumprimento à recomendação feita na Conferência de Estocolmo, em 1975 a Unesco por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lança o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA). Entre as atividades do PIEA, que contribuíram para uma conscientização internacional sobre a educação ambiental, cabe destacar especialmente uma série de reuniões internacionais e regionais, entre elas a Conferência Intergovernamental de Tbilisi, na Geórgia, em Foi nesta conferência que se considerou que embora as bases biológicas constituam um elemento fundamental e natural do meio ambiente, as questões sociais, econômicas, culturais e os valores éticos são dimensões importantes, devendo ser usados como instrumentos que nos façam compreender e utilizar melhor os recursos da natureza, com o objetivo de satisfazer suas necessidades. 168

169 Foi dessa conferência também (Tbilisi em 1977) que a EA foi definida como uma dimensão dada ao conteúdo e a prática de educação, orientada para a resolução dos problemas concretos do meio ambiente, através de um enfoque interdisciplinar e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade. Ela recomenda que a EA deva dirigir-se a pessoas de todas as idades, a todos os níveis, na educação formal e não formal. A EA devidamente entendida deveria constituir uma educação permanente, geral, que reaja às mudanças que se reproduzam em um mundo em rápida evolução. Durante os anos 80 houve muitas ações dispersas ao redor do mundo. No Brasil, o então Presidente João Figueiredo sancionou a Lei n 6938/81, sobre a política nacional do meio ambiente, nela constam os objetivos, instrumentos e diretrizes da política, criando ainda o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), criando também o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Em 1987, foi aprovado pelo Ministério da Educação o parecer 226/87 que enfatiza a necessidade da inclusão da Educação Ambiental nas propostas do currículo escolar. Em paralelo, o mundo também discutia o conceito e a viabilidade do desenvolvimento sustentável, exemplo disso foi a I Conferência sobre o Meio Ambiente da Câmara de Comércio Internacional, com o objetivo de estabelecer formas de colocar em prática o conceito de desenvolvimento sustentado, realizada em 1984 na Cidade de Versalhes. Dez anos passados da Conferência de Tiblisi, aconteceu em Moscou o Congresso Internacional Unesco - PNUMA sobre a educação e a formação relativas ao meio ambiente. Dele resultou um documento denominado Estratégia Internacional de Ação em Matéria de Educação e Formação ambiental para o Dece nio de Todos esses eventos culminaram em um marco para o desenvolvimento da Educação Ambiental que se deu especialmente durante Conferência do Rio em 1992, (popularizada como Rio-92). Ela teve como principal resultado um documento conhecido como Agenda 21, no qual foi proposto um novo paradigma em relação ao desenvolvimento econômico. Além disso, o documento promove o ensino como forma de conscientização e treinamento profissional, formalizando a Carta Brasileira para Educação Ambiental. Em paralelo, surgia o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global como resultado do Fórum das ONGs que acompanhavam a Rio-92 e, sintonizado ao tratado, surge o ProNEA Programa Nacional de Educação Ambiental, que o utiliza como diretriz e sendo de grande importância para a realização da EA em todas as esferas do país. 169

170 O tratado valoriza o papel da educação como ferramenta de formação de valores, transformação humana e social, capaz de promover conservação ambiental. Deste modo, o documento retrata a EA como um processo dinâmico em permanente construção e devendo, assim, propiciar reflexão, debate e sua própria modificação. Assim, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992) tem como tópicos: os princípios da Educação para Sociedade Sustentáveis e Responsabilidade Global, um Plano de Ação, um Sistema de Coordenação, Monitoramento e Avaliação, além de apontar Grupos a serem envolvidos nesta busca pela Educação Ambiental transformadora e os recursos a serem utilizados. Para o Brasil, os frutos da Rio-92, juntamente ao Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis refletiram em resultados educacionais posteriores importantes. Por exemplo, a portaria 773/93 do MEC que instituiu permanentemente um Grupo de Trabalho para EA com objetivos de coordenar, apoiar, acompanhar, avaliar e orientar as ações, metas e estratégias para a implementação da EA nos sistemas de ensino em todos os níveis e modalidades. É importante ressaltar que não somente a educação ambiental quanto nicho educacional que se promoveu na década de 90, mas foi nesta mesma década, em 1996, que se estabeleceu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/96). No entanto, na LDB existem poucas menções à Educação Ambiental. Contudo, foi promulgada em 1999 a Lei nº de 27 de abril de 1999 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e também houve a inserção do tema de Meio Ambiente dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Este documento coloca como objetivo central dessa temática a formação de cidadãos conscientes aptos a decidir e atuar na realidade socioambiental. Para tanto, o PCN entende para ser necessário que os educadores, mais do que informações e conceitos, trabalhem com seus alunos atitudes e formação de valores. Portanto, têm por objetivo auxiliar os educadores na reflexão sobre a prática diária em sala de aula e servir de apoio ao planejamento de aulas e ao desenvolvimento do currículo da escola. Assim, ao longo de todos esses anos, desde que se cunhou o termo Educação Ambiental, houve muitas classificações e denominações explicitaram as concepções que preencheram de sentido as práticas e reflexões pedagógicas relacionadas à questão ambiental. A princípio todas elas partem da ideia de que o próprio conceito de educação ambiental é em si uma adjetivação do substantivo "educação", colocando a ela um atributo especial dado seu caráter ambiental, não enfatizado pela educação comum. 170

171 Deste modo, Educação Ambiental é o nome que historicamente se convencionou dar às práticas educativas relacionadas à questão ambiental. É igualmente importante definir que, para este trabalho reconhecemos como essenciais as características e os princípios propostos pela Conferência de Tbilisi e refinados pelo Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis, que resumido por Celso Marcatto (2002), a EA é um processo: Dinâmico integrativo e permanente no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu meio ambiente e adquiram o conhecimento, os valores, as habilidades, as experiências e a determinação que os tornam aptos a agir, individual e coletivamente e resolver os problemas ambientais. Transformador: possibilita a aquisição de conhecimentos e habilidades capazes de induzir mudanças de atitudes. Objetiva a construção de uma nova visão das relações do ser humano com o seu meio e a adoção de novas posturas individuais e coletivas em relação ao meio ambiente. A consolidação de novos valores, conhecimentos, competências, habilidades e atitudes refletirão na implantação de uma nova ordem ambientalmente sustentável. Participativo: atua na sensibilização e na conscientização do cidadão, estimulando-o a participar dos processos coletivos. Abrangente: extrapola as atividades internas da escola tradicional, deve ser oferecida continuamente em todas as fases do ensino formal, envolvendo a família e toda a coletividade. A eficácia virá na medida em que sua abrangência atingir a totalidade dos grupos sociais. Globalizador: considera o ambiente em seus múltiplos aspectos: natural, tecnológico, social, econômico, político, histórico, cultural, moral, ético e estético. Deve atuar com visão ampla de alcance local, regional e global. Permanente: tem um caráter permanente, pois a evolução do senso crítico e a compreensão da complexidade dos aspectos que envolvem as questões ambientais se dão de um modo crescente e contínuo, não se justificando sua interrupção. Despertada a consciência, se ganha um aliado para a melhoria das condições de vida do planeta. Contextualizador: atua diretamente na realidade de cada comunidade, sem perder de vista a sua dimensão planetária (baseado no documento Educação 171

172 Ambiental da Coordenação Ambiental do Ministério da Educação e Cultura, citado por Czapski, 1998). Transversal: propõe-se que as questões ambientais não sejam tratadas como uma disciplina específica, mas sim que permeie os conteúdos, objetivos e orientações didáticas em todas as disciplinas. A educação ambiental é um dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ministério da Educação e Cultura. Como observado, o desenvolvimento da Educação Ambiental como teoria e também sua prática tem como premissa discussões internacionais, tendo relevância no processo de difusão e motivação de ações na área ambiental. No entanto, o assunto ainda está longe de se esgotar e tem tido cada vez mais relevância. 3- Breve histórico do Projeto Ecossistemas Costeiros O Projeto Ecossistemas Costeiros busca trabalhar a EA em ambientes marinhos desde 2002 através de projetos de extensão e desempenha papel importante e pioneiro na modalidade de EA marinha. A princípio, o projeto direcionava suas atividades aos turistas (ocorrendo esporadicamente com alunos de escolas públicas) que visitavam o PEIA Parque Estadual da Ilha Anchieta desenvolvendo diversas atividades atreladas a trilhas terrestres em ambientes costeiros e também, trilhas aquáticas através de mergulho livre (Figura 2d) e autônomo (Figura 2c), buscando promover a EA de forma contextualizada e holística. O projeto (realizado em parceria com o Instituto de Biociências da USP, nasceu tendo como primeira atividade a Trilha subaquática, e acabou ganhando esse codinome nos anos subseqüentes) foi ganhando novos parceiros e diversas outras atividades foram criadas, visando atingir um público cada vez mais variado, como por exemplo, o Mergulho Virtual (Figura 2a), que através de painéis informativos e participativos possibilita que a EA seja tratada tanto em ambientes abertos quanto fechados, pois esses painéis podem ser expostos em diversos ambientes, como UCs e até mesmo em escolas. Com o passar do tempo, as trilhas aquáticas ganharam duas novas modalidades, sendo a primeira delas o Aquário Natural (Figura 2f), onde o ambiente de Costão Rochoso é amplamente explorado (através de um cone adaptado com um vidro na parte de baixo), conectando questões ambientais e abrangendo um público muito variado, de crianças até idosos. Outra modalidade, que é um pouco mais recente é a de Trilha que 172

173 usa Caiaques como instrumento de EA (Figura 2b) utilizando também o material desenvolvido com cone e fundo de vidro para explorar os organismos do costão rochoso. E para rechear ainda mais as opções de atividades terrestres, foi desenvolvido o modelo Trilha Vertical (Figura 2e) promovendo a EA sob uma perspectiva um pouco mais elevada através de uma agradável escalada. a b Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros c d Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros e f Fonte: Mariana Melo Fonte: Mariana Melo Figura 18. Algumas atividades do Projeto Trilha Sub-aquática : Atividades de EA realizadas pelo Projeto Ecossistemas Costeiros: (a) Mergulho fora d água; (b) Trilha com Caiaques; (c) Trilha com Mergulho Autônomo; (d) Trilha com Mergulho Livre; (e) Trilha Vertical com Escalada e (f) Aquário Natural No decorrer dos anos e crescente alcance do projeto, viu-se que, além do direcionamento já fornecido aos monitores que realizavam as atividades, era necessário também o desenvolvimento de protocolos, visando à padronização das informações passadas em cada atividade, facilitando assim a formação de monitores e a efetiva continuidade dos objetivos do projeto. Em 2014, o primeiro protocolo foi iniciado com 173

174 a atividade em trilha terrestre, com uma abordagem diferenciada, onde não só a composição do ecossistema era abordada, mas sim conteúdos em torno de um tema central, que nesse caso é um fenômeno: as Mudanças Climáticas Globais. Atualmente, esse protocolo está direcionado principalmente a escolas (ensino fundamental II e ensino médio) tendo como principal instrumento uma gincana inserida numa trilha terrestre, com ações prévias e posteriores à visita em uma Unidade de Conservação. Com esse protocolo, busca-se trabalhar conteúdos do currículo comum fora da sala de aula e com quatro principais bases: outdoor learning (ensino fora da sala de aula), fenomenologia (aprendizado através de fenômenos), Filosofia Ambiental (respeito a natureza) e as principais bases da Educação Ambiental, entre elas a Transdisciplinaridade (conforme descrito anteriormente). Dessa forma a atividade principal é a Trilha das Mudanças Climáticas Globais, onde durante a caminhada, os alunos participam de uma gincana (placas na trilha com pequenos desafios) que tem como principal objetivo tratar de assuntos essenciais para o entendimento das Mudanças Climáticas, como por exemplo, a Fotossíntese e o Ciclo do Carbono. Nessa atividade procura-se trabalhar também aspectos como a autonomia, a interatividade, a participação e a cooperação, sempre de forma holística e buscando um processo continuado, que possa proporcionar ganhos afetivos e cognitivos aos alunos, professores e monitores. Visando atingir o processo continuado (muito mais efetivo), temos uma nova modalidade de protocolo onde se insere a Trilha das Mudanças Climáticas Globais, que é dividido em 3 principais momentos: 1- Formação dos Professores: Momento em que nos reunimos com os professores da escola interessados no projeto para realizar uma formação, discutindo os principais assuntos do projeto, tendo como finalidade principal que os professores trabalhem esses conteúdos, de forma dinâmica com os alunos antes da visita à UC. 2- Visita à Unidade de Conservação: Os alunos irão fazer uma visita à UC para que através da realização da atividade, ocorra a consolidação desses conhecimentos obtidos previamente em sala de aula. 3- Conclusão - Produção de Vídeo sobre Mudanças Climáticas: Temos como proposta de finalização, a produção de vídeos por parte dos alunos sobre a temática das Mudanças Climáticas Globais. Esses vídeos serão classificados por uma equipe, e os 174

175 melhores vídeos serão premiados com suas respectivas escolas e professores responsáveis. Figura 3. Trilha das Mudanças Climáticas Globais. Fonte: Projeto Ecossistemas Costeiros Atualmente, somente o protocolo da trilha terrestre denominada Trilha das Mudanças Climáticas Globais está concluído, porém, a atividade completa com as escolas (na qual a Trilha das MCG está inserida) já é realizada, e vem alcançando grande sucesso entre as UCs e escolas do estado de São Paulo. O protocolo do Aquário Natural vem sendo trabalhado e apesar de não poder ser realizado em qualquer ambiente, já vem sendo feito e contribui fortemente como ferramenta educacional para algumas escolas públicas. Dessa forma, partindo-se dos novos preceitos estabelecidos pelo Projeto Ecossistemas Costeiros, se espera que os próximos protocolos de atividade possam trazer grandes contribuições para a EA. Mais informações pelo site: e através da página no facebook: facebook@ecosteiros2. 175

176 4- Referências Assis, E.S. (1991). A UNESCO e a Educação Ambiental. Em Aberto, Brasília, v. 10, n. 49. Ausubel, D.P. (1982). A aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes. Brasil. Lei no 9.795, de 27 de abril de Disponível em: Czapski, S. (1998). A implementação da Educação Ambiental no Brasil. Coordenação de Educação Ambiental do Ministério da Educação e do Desporto, Brasília - DF. Disponível em: Correa, L.B.C.G. (1998). Comércio e meio ambiente: atuação diplomática brasileira em relação ao selo verde. Instituto Rio Branco Fundação Alexandre de Gusmão Centro de Estudos Estratégicos. Brasília. Costa. (2011). Freinet: suas contribuições ao processo de sensibilização ambiental, em especial a "aula das descobertas". Teses Universidade Federal do Paraná. 103p. Demerell, P.; Howe, C.; Milner-Gulland, E.J. (2013). Child-orientated environmental education influences adult knowledge and household behaviour. Environmental Research Letters v 08, p Dias, S; et al. (2015). The IPBES Conceptual Framework connecting nature and people. Environmental Sustainability v 14, p Dias, S. (1992). Educação ambiental princípios e práticas. São Paulo: Gaia, p 34 e 38. Ghilardi-Lopes, N.P.; Hadel, V.F.; Berchez, F.A.S. (2012). Guia para educação ambiental em costões rochosos. Porto Alegre: Artmed. 200p. Gadotti, M. (2001). Pedagogia da terra: ecopedagogia e educação sustentável. In: Torres, C.A. (org.). Paulo Freire y la agenda de la educación latino americana en el siglo XXI. Buenos Aires: Edições do CLACSO. pg Galvão. Resumo descritivo da política nacional do meio ambiente. Portal da Educação. Disponível em: Acesso em abril Hasting, A. (2013). From patterns to predictions. Nature v.49, p

177 Higuchi, N.; Pereira, H.S.; Santos, J.; Lima, A.J.N.; Higuchi, F.G.; Higuchi, M.I.G.; Ayres, I.G.S.S. (2009). Governos locais amazônicos e as questões climáticas globais. Manaus: INPA/Ed. dos autores. p.100. Jacobi, P. R. (2005). O desafio da construção de um pensamento crítico, complexo e reflexivo. Educação e Pesquisa, São Paulo. v.31, n. 2, p Layrargues (2004). Identidades da educação ambiental brasileira, Brasilia: Mma,p 7. Marcatto, C. (2002). Educação ambiental: conceitos e princípios. Belo Horizonte: FEAM. Disponível em: Conceitos-Principios. Marcussi, S; et al (2011). Questionnaires and drawings as an evaluation tool:working the subject solutions in high school. Universidade Federal de Lavras. Meadows, D.H; et al. The limits of Growth: The report Club of Rome's project on the predicament of mankind. Library of Congress Catalog Card Number: , Moura, A. C. O. S. (2004). Sensibilização: diferentes olhares na busca dos significados. Teses Rio Grande, p.101. Disponível em: ONU. (1987). Relatório Brundtland, (Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - tema "Nosso Futuro Comum". Disponível em: Programa nacional de educação ambiental. (2005). - ProNEA / Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental; Ministério da Educação. Coordenação Geral de Educação Ambiental ed - Brasília : Ministério do Meio Ambiente. Unesco. (2004). United Nations Decade of Education for Sustainable Development: p 64. Disponível em: 177

178 Anotações: 178

179 Introdução ILUSTRANDO UM PENSAMENTO: VETORIZAÇÃO GRÁFICA APLICADA À BOTÂNICA Ricardo Silva Batista Vita Carlos Eduardo Valério Raymundo É difícil afirmar quando surgiram as ilustrações científicas, uma vez que é igualmente difícil qualificar uma ilustração (desenho, pintura ou foto) como científica. Ilustração científica pode ser definida como uma interpretação visual (impressa ou vídeo) de um texto, conceito ou processo, elaborada com medidas precisas e sem ambiguidade, é o aspecto visual da ciência. CAPÍTULO XIII Um animal pintado em uma parede pode ser uma travessura de criança (Figura 1A), uma pichação (Figura 1B) ou uma pintura pré-histórica em uma caverna (Figura 1C) e cada uma dessas imagens pode ilustrar um trabalho científico. A travessura de criança poderia ilustrar uma pesquisa sobre a influência da arte no desenvolvimento psicomotor em função dos estágios de desenvolvimento cognitivo. A pichação poderia ilustrar um trabalho analisando a relação das mensagens subliminares das pichações com fatores psicossomáticos dos pichadores. E certamente a pintura rupestre pode ilustrar um trabalho arqueológico ou paleontológico relacionando pinturas e fósseis na busca de pistas e respostas sobre animais extintos. É possível perceber que não podemos menosprezar uma ilustração ou afirmar que ela não tem valor científico, pois tudo depende da informação que pode ser obtida a partir desta. Figura 1. Pintura de um eqüino gerada no Corel Photopaint. A) Simulação de uma pintura feita por uma criança na parede de uma sala. B) Simulação de uma pichação em um muro de rua. C) Simulação de uma pintura rupestre na parede de uma caverna. 179

180 Apesar de alguns autores considerarem que oficialmente a ilustração científica teve início no século XVI, a partir do renascimento, um breve passeio pela história das ilustrações no cotidiano da nossa espécie sugere que sempre houve a necessidade de transmitir conhecimento através de imagens. Independente da utilização de uma metodologia ou rigor científico na elaboração das ilustrações, ao longo da história das civilizações, muitas destas imagens foram enriquecidas com informações científicas e ilustram ou influenciam diversos estudos até os dias atuais. Ilustrações rupestres, sumérias, babilônicas, persas, celtas, egípcias, medievais, iluministas, enfim, muitas civilizações possuíam artistas e intelectuais que registravam elementos e eventos naturais através de ilustrações e por muitos séculos foi a forma mais representativa de materializar o processo de pensamento. Em uma caverna europeia cuja pintura rupestre mostrava o contorno de um mamute com um coração delineado no peito, já indicava a necessidade e utilidade de conhecer a anatomia do animal e transmitir esse conhecimento para as próximas gerações. Nas pinturas egípcias da antiguidade (1600 A.C.) já estavam representados procedimentos médicos e a anatomia humana, ainda que bidimensionais. Hipócrates ( A.C.) já representava a anatomia de animais dissecados, mas foi na Alexandria Helênica que Herophilus ( A.C.) utilizou metodologia experimental em medicina para ilustrar a anatomia do corpo humano. A partir do renascimento a razão substitui a subjetividade e as ilustrações científicas mais conhecidas são de Leonardo da Vince ( ) que retratou detalhes da Medicina, Mecânica, Zoologia e Botânica. Entretanto foi Andreas Vesalius ( ) que publicou um dos mais influentes trabalhos sobre a anatomia humana intitulado De humani corporis fabrica, o qual foi produzido por praticantes de medicina e artistas trabalhando juntos. As ilustrações botânicas começaram a ser representadas em cavernas há pelo menos anos, entretanto os primeiros registros podem ser mais antigos ( anos), uma vez que as pinturas rupestres são datadas à partir do carbono e os pigmentos utilizados em algumas cavernas africanas não possuíam carbono em sua composição, como mencionado no livro Termites of the Gods. As plantas também estavam presentes na Antiguidade e Idade Média, sendo Theophrastus considerado o pai da botânica o qual publicou dois livros: De historia plantarum e De causis plantarum. Pedanius Dioscorides compilou o livro De Materia Medica em 1478, com cerca de 600 plantas medicinais com ilustrações. Porém, foi no início da Idade Moderna que Carolus 180

181 Linnaeus (Carl von Linné / Caroli Linnæi) tornou notório o uso das ilustrações botânicas com finalidade científica a partir do seu livro Systema Naturae em Após o surgimento da imprensa e o aumento de exploradores e naturalistas viajando pelo mundo, o uso das ilustrações tornou-se essencial em publicações relacionadas ao ensino e pesquisa. Alguns destes pesquisadores sonhavam em conhecer as florestas tropicais como o naturalista inglês Henry Bates que enviou para a Inglaterra cerca de espécies, sendo a maioria de insetos. No Brasil o início da imprensa e da exploração científica começou após a chegada família real, dando início à documentação dos trabalhos científicos. Importância da ilustração científica Você seria capaz de ilustrar um simples copo de vidro contendo água? Essa ilustração seria capaz de mostrar ao leitor que o copo é de vidro e o conteúdo é realmente água, sem ler o texto? Parece simples, mas conhecer as propriedades físicoquímicas do vidro e da água não o torna capaz de produzir uma boa ilustração (Fig. 2), isto requer conhecimento e habilidades artísticas. Portanto, se você não possui habilidades artísticas é prudente procurar ajuda especializada. Figura 2. Ilustração mostrando três técnicas de desenho para representar um copo de vidro contendo água. O copo da esquerda é uma vetorização simples com número mínimo de linhas e preenchimento sólido. O copo do centro é uma vetorização por rastreio de bitmap, uma ferramenta nativa do Corel Draw. O copo da direita é um filtro fotográfico que simula a técnica do carvão, uma ferramenta nativa do Corel Photopaint. A ciência é baseada em experimentos e observação e seus resultados podem ser representados visualmente facilitando sua verificação. A importância da ilustração científica é notória na divulgação e conhecimento de eventos e fenômenos naturais ou 181

182 artificiais, seja da Biologia, Física, Medicina, Arqueologia, Geologia, etc., portanto não é exagero afirmar que a relação entre ciência e arte impulsionou o progresso de ambas. Essa união foi enaltecida por muitas décadas, onde a visibilidade de um dependia do outro. Atualmente esta dependência diminuiu devido à facilidade de produzir uma ilustração através da computação gráfica. Entretanto ainda hoje existem profissionais em ilustração científica e cursos superiores para formação de ilustradores científicos. A ilustração científica é uma forma de transpor a rigorosidade da informação científica para além dos muros acadêmicos através da linguagem visual, com o propósito de transmitir um conhecimento novo ou facilitar a compreensão de um conhecimento já existente. São as imagens que direcionam o ambiente criado em nossa mente em torno do assunto que estamos lendo, ajudando a entender conceitos e processos mais complexos. Além disso, um dos pré-requisitos do trabalho científico é gerar conhecimento e consequentemente transmiti-lo de forma clara e objetiva, neste contexto, as imagens são um link facilitador entre o conhecimento prévio e a aprendizagem significativa. O conhecimento gerado nas pesquisas científicas não deve permanecer restrito aos níveis acadêmicos de uma área específica; deve ser amplamente inteligível. As ilustrações científicas apesar de serem produzidas como forma específica de comunicação visual, podem transmitir informações entre pesquisadores, entre uma instituição de pesquisa e um leigo, entre um pesquisador e um professor e principalmente entre o professor e o aluno. Essa transposição didática deveria ser uma das principais diretrizes da pesquisa científica, sendo assim as ilustrações são fundamentais para facilitar a difusão do conhecimento científico. Uma ilustração botânica ou zoológica de uma espécie, por exemplo, apresenta e destaca mais informações que uma fotografia. Ao elaborar uma ilustração podemos acrescentar em um mesmo plano características e detalhes que estavam escondidos em uma sombra, camuflado em semitons ou simplesmente em outro plano de visão, sendo imprescindível para a classificação dos seres vivos. Assim, é possível eliminar elementos não essenciais e evidenciar características mais relevantes para o estudo em questão. Uma boa ilustração é necessária quando não podemos registrar através de nenhum dispositivo científico um objeto, um evento ou fenômeno, a exemplo de uma partícula subatômica, uma via Biossintética ou alguma forma de vida já extinta. Atualmente 182

183 alguns jornais e revistas já exigem resumos gráficos que representem o núcleo do trabalho, enquanto as agências financiadoras estrangeiras sugerem que os trabalhos apresentem um componente de divulgação pública, ou seja, uma boa ilustração. O valor artístico agregado à informação científica é inerente à exponencial difusão e adesão dos bilhões de pessoas (aproximadamente 3,5 bilhões) conectadas à internet. Na World Wide Web tudo acontece muito rápido e uma boa ilustração científica pode atrair milhões de visualizações de um público cada vez mais diversificado. Imagens x Textos Uma imagem vale mais que mil palavras? Atribuída ao filósofo chinês Confúcio, a frase é notória e diretamente relacionada ao fato de que a velocidade da percepção visual é maior que a leitura de um texto. Por este motivo, do ponto de vista publicitário, as imagens são mais eficazes por serem capazes de transmitir uma mensagem para o maior número de pessoas em um menor intervalo de tempo. Por outro lado, os textos podem potencializar a transmissão das ideais possibilitando a construção de significados a partir da leitura simultânea de imagem e texto. Ainda com base nos princípios da publicidade e marketing, associar textos às imagens tem o poder de influenciar e direcionar o pensamento, principalmente quando o leitor ou expectador possui pouco conhecimento prévio sobre o assunto, ou seja, o valor de uma imagem é proporcional e indissociável da informação que já adquirimos anteriormente. Considerando publicações científicas, processos complexos como mecanismos moleculares, podem facilmente ser explicados por uma ilustração bem elaborada, economizando alguns parágrafos ou páginas, ou ainda causar mais impacto que todo o texto. Mil palavras valem mais que uma imagem? Assim como a frase de Confúcio mencionada acima, mil palavras podem não valer mais que uma imagem. Imagine um cientista chinês tentando explicar o que é Tilose, em chinês, para um morador de rua, que mal sabe falar seu próprio idioma. Nesta situação, mesmo que estivéssemos usando as palavras mais simples, ainda não seria suficiente para fazê-lo compreender o que é Tilose. Da mesma forma se apresentássemos uma imagem de Tilose para este morador de rua, certamente não obteríamos mil palavras de seu conhecimento sobre este assunto. Por outro lado, se esta mesma imagem for apresentada para um anatomista vegetal de qualquer nacionalidade, poderia valer mais que mil palavras. O fato é que imagens e textos só fazem sentido quando há conhecimento prévio sobre determinado assunto. A foto de um cachorro, de uma pedra ou da lua, possui significado para a maioria da 183

184 população mundial, independente do idioma falado ou escrito, pois já viram e ouviram algo sobre cada uma destas imagens, e apenas o conhecimento sobre uma imagem pode ser traduzida em mil, dez mil, um milhão de palavras. Tipos de ilustração Considerando os artigos científicos podemos classificar as ilustrações em dois grupos principais: de informação e de especulação. A ilustração informacional é aquela que pretende mostrar um objeto ou processo com o maior nível de clareza e precisão possível, representando a realidade sem nenhuma alteração. A ilustração de especulação é inferencial e tem o objetivo de sugerir e induzir o leitor a imaginar como algo poderia ser. Não obstante, uma ilustração especulativa não pode ultrapassar os limites do tangível ao apodera-se de forma exagerada dos recursos computacionais ou de profissionais das artes, isto porque o perfeccionismo destes recursos pode gerar um produto que se aproxime do surreal ou da fantasia. Regras básicas A primeira regra ao elaborar uma ilustração é não mostrar o que já foi mostrado. Se for necessário utilizar uma ilustração que já foi utilizada em outros trabalhos, devem ser apresentados novos elementos que mostrem ou expliquem uma novidade. Assim como os textos, uma ilustração deve ser clara e objetiva, capaz de informar o leitor sem confundi-lo, seja por possuir elementos insuficientes ou em excesso. Quando a imagem possui muitos elementos torna-se poluída, desviando a atenção do leitor e a informação principal que deveria ser transmitida torna-se obscura. Uma boa imagem, além de clara, objetiva e fácil de lembrar, precisa ser atraente e se possível surpreendente. O artista reserva-se o direito de representar sua própria realidade, alterando cores e formas para representar melhor sua mensagem, mas espera-se que o cientista seja fiel à realidade. Nem sempre isto é possível e em algumas situações é preciso retirar ou acrescentar detalhes que estão dificultando a visualização e o entendimento, pois a função da ilustração nem sempre é retratar com precisão absoluta a realidade, neste caso uma fotografia seria mais adequada. A ilustração não deve ser construída apenas para ver, mas sim para entender. 184

185 O posicionamento dos elementos gráficos de uma ilustração devem obedecer uma ordem lógica, a da leitura. Diferente das culturas orientais, nós aprendemos a orientar a visão e a leitura da esquerda para a direita e de cima para baixo e no sentido horário, portanto é natural manter esse padrão nas ilustrações, gráficos, tabelas e diagramas. Existem dois tipos básicos de ilustrações: vetor (Figura 3A) e pixel (Figura 3B). Imagens produzidas por vetorização são aquelas constituídas de textos, linhas, traços e preenchimentos. Imagens constituídas de pixels são fotos, vídeos ou imagens digitalizadas por um processo específico (câmeras digitais, scanners e softwares). Outros tipos de imagens obtidos por emissão de ondas/partículas (termocâmeras, eletromicroscópios, tomógrafos, etc.) são convertidos em pixels para ilustrar trabalhos científicos. Figura 3. A) Imagem vetorizada, mostrando que as ampliações não causam perda de qualidade. B) A mesma imagem convertida em pixels (digitalizada) com 600dpi, mostrando que as ampliações provocam perda de qualidade à medida que os pixels tornam-se distinguíveis na imagem. Jornais e revistas geralmente permitem quatro formas de ilustrações: Vetor (linha artística) no formato EPS (Encapsulated PostScript), Vetor convertido em pixel no formato TIFF (Tagged Image File Format), Pixel em escala de cinza nos formatos TIFF ou JPEG (Joint Photographic Experts Group) e Pixel em escala de RGB (Red, Green, Blue) nos formatos TIFF ou JPEG. Toda ilustração científica deve apresentar uma legenda explicando de forma muito resumida as características mais relevantes. É importante não descrever o óbvio e aproveitar para falar o que não foi dito nos resultados. Identificar os destaques da legenda sempre com o texto horizontal e o tamanho da fonte indicado pelo meio de publicação. A escala deve ser indicada em todas as imagens e quando for necessário incluir uma referência de tamanho padrão conhecido. 185

186 A resolução das imagens em pixels é geralmente de 300 dpi tanto para escala de cinza quanto para RGB e 1000 dpi para vetores. As imagens devem estar bem recortadas e preferencialmente configuradas para 16 milhões de cores. Caso a imagem final seja constituída de vetor e pixel, preferencialmente deve ser salva no formato EPS. O tamanho final da ilustração varia bastante de acordo com o meio de publicação. Se os dados que deverão estar presentes na ilustração forem definidos com clareza e precisão, é possível ousar e deixar fluir um pouco de criatividade para impactar o leitor. Uma ilustração não precisa ser, e dificilmente será a descrição final de uma teoria científica. Técnicas e softwares Atualmente existem diversas técnicas e softwares para gerar uma ilustração e a escolha depende dos dados a serem representados ou simplesmente da disponibilidade de recursos, mas independente das escolhas, a decisão será do autor, do artista ou de ambos. Em alguns casos será necessária uma combinação de técnicas. As técnicas utilizadas durante a vetorização gráfica são o desenho mão livre, decalque, escaneamento ou fotografia digital, e software de edição gráfica. A vetorização gráfica (Figura 4) é a conversão de pixel em vetor, ou seja, transformar uma foto em desenho. Trabalhar com vetorização é como um desenho à mão livre feito em um computador utilizandoo um software, porém com a praticidade de possuir diversas ferramentas virtuais que facilita e agiliza o trabalho de arte final. Esta técnica permite produzir diversos tipos de ilustrações, do simples contorno de uma estrutura até a simulação de uma tomografia computadorizada (Figura 4). 186

187 Figura 4. Ilustração comparando Micro Tomografia Computadorizada (A, B e C) com a vetorização gráfica (D, E e F) utilizando ápice caulinar de Tradescantia zebrina Heynh. A) Seção transversal obtida no Micro tomógrafo. B) Seção longitudinal padrão do Micro tomógrafo. C) Sequência de seções transversais (slides) escaneadas pelo micro tomógrafo. D) Sequência de seções transversais vetorizadas à partir de lâminas histológicas obtidas em micrótomo rotativo. Seção transversal (E) e longitudinal (F) obtidas à partir de amostras incluídas em Paraplast e corada com Azul de Astra e Safranina. A figura (E) indica três etapas do processo de vetorização utilizando o software Corel Draw. A vetorização gráfica permite criar, ajustar, destacar ou modificar estruturas, de forma que em apenas uma arte final esteja representada um conjunto de informações obtidas a partir de diversas observações. Por outro lado também é possível, a partir de uma única estrutura, desmembrá-la em diversas imagens. Através da vetorização gráfica é possível converter dados ou ideias em imagens, mostrar uma possível transição entre estruturas como desenvolvimento, estabelecer relações ou evidenciar características difíceis de observar em um único plano de visualização. Um bom exemplo é a análise conjunta de seções transversais e longitudinais de lâminas histológicas. Ao analisar estas imagens conseguimos após diversas observações imaginar a estrutura em três dimensões, portanto é possível aplicar a mesma premissa no rastreamento por vetorização gráfica para simular uma modelo tridimensional. O rastreamento é um processo que utiliza a vetorização gráfica para analisar o percurso ou trajetória de uma estrutura interna. O rastreamento é um dos processos mais complexo da vetorização uma vez que este reproduz manualmente a função da tomografia ou ressonância. Nas três situações uma amostra é escaneada e fatiada em diversas seções transversais (slides), obtidos a intervalos regulares e em seguida são reconstruídos em uma estrutura tridimensional virtual. Tomografia e ressonância produzem slides virtuais (não invasivos), enquanto na vetorização gráfica os slides são mecanicamente obtidos em micrótomo rotativo. Seções transversais ou longitudinais seriadas de material incluído em parafina, paraplast ou historesina são escaneados e digitalizados para um computador e em seguida vetorizados através de um software gráfico. Após vetorizados os slides podem gerar uma animação, um modelo 3D ou ser manipulados de diversas formas. Os programas mais indicados para ilustração, tanto para trabalhar com vetor quanto pixel, são Corel Suite (indicado para Windows) e Adobe Creative Suite (indicado para MAC). Estes são os mais indicados para vetorização gráfica, pois são os programas 187

188 mais completos e eficientes existentes no mercado, desenvolvidos para profissionais, porém amplamente utilizado por amadores e iniciantes. Conclusão Enfim, uma boa ilustração é aquela desenhada com palavras no lugar de linhas e preenchimentos e o leitor deve ser capaz de enxergar essas palavras. A tecnologia produz imagens fantásticas atualmente, mostrando detalhes além da visão humana, entretanto ainda não temos nenhum dispositivo para ler mentes, portanto a única forma de colocar no papel aquela imagem reveladora que está na sua mente é através da ilustração científica. Referências Cat, J. (2001). On understanding: Maxwell on the methods of illustration and scientific metaphor. Studies In History and Philosophy of Science Part B: Studies In History and Philosophy of Modern Physics, 32(3), Hodges, E.R. (2003). The guild handbook of scientific illustration. John Wiley & Sons. Loechel, W.E. (1960). The history of medical illustration. Bulletin of the Medical Library Association, 48(2), 168. Loos, E.M. (2000). Evaluating Scientific ilustrations: Basics for Editors. Sci. Ed., 23 (4), 124, 125. Madhusoodanan, J. (2016). Science illustration: Picture perfect. Nature, 534(7606), Mguni, S. (2015). Termites of the Gods: San Cosmology in Southern African Rock Art. Nickelsen, K. (2006). Draughtsmen, botanists and nature: constructing eighteenthcentury botanical illustrations. Studies in History and Philosophy of Science Part C: Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences, 37(1), Ottino, J.M. (2003). Is a picture worth 1,000 words?. Nature, 421(6922), Porter, C. (1995). The History of Scientific Illustration. Journal of the History of Biology, 28(3), Rapatão, V.S., & Peiró, D.F. (2016). Ilustração científica na Biologia: aplicação das técnicas de lápis de cor, nanquim (pontilhismo) e grafite. Revista da Biologia, 16(1),

189 Rodrigues, V. (2013). Tips on effective use of tables and figures in research papers. Editage Insights ( ). Rolandi, M., Cheng, K., & Pérez Kriz, S. (2011). A brief guide to designing effective figures for the scientific paper. Advanced Materials, 23(38), Smith, P.H. (2000). Artists as scientists: nature and realism in early modern Europe. Endeavour, 24(1), Wood, P., & McDonnell, P. (1994). Scientific illustration: a guide to biological, zoological, and medical rendering techniques, design, printing, and display. John Wiley & Sons. 189

190 Anotações: 190

191 PARTE III ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO 191

192 CAPÍTULO XIV Aspectos gerais do desenvolvimento foliar em angiospermas Carlos Eduardo Valério Raymundo Ricardo Silva Batista Vita A folha é o órgão vegetal mais variável morfológica e anatomicamente e a sua organização final é produto da atividade de diferentes regiões de crescimento. Ela está envolvida em diferentes processos fisiológicos vitais como na fotossíntese, respiração, transpiração e produção de metabólitos secundários. É também a fonte de hormônios e outras moléculas de crescimento envolvidos no controle da fotorrecepção, fotomorfogênese, atividade cambial e floração (vide Capítulo 19). Registros fósseis indicam que as folhas evoluíram ao menos duas vezes na evolução das plantas vasculares, representado por folhas microfilas em licófitas (por exemplo, Selaginella e Isoetes) e folhas megafilas em Eufilófitas (samambaias, gimnospermas e angiospermas). De acordo com diferentes teorias, os microfilos podem ter evoluído como protuberâncias laterais originadas no córtex caulinar, com base na Teoria da Enação (Figura 1A). As primeiras plantas tinham um eixo dicotomicamente ramificado sem folhas e sem distinção entre eixos e megafilos. Diferentemente dos microfilos, os megafilos possivelmente se originaram a partir de um sistema inteiro de ramos com achatamento das porções terminais, segundo a Teoria do Teloma (Figura 1B). Figura 19. Ilustrações indicando prováveis passos evolutivos de microfilos e megafilos. A. Teoria da Enação - Os microfilos se originaram a partir de projeções do eixo principal da planta, chamadas enações. B. Teoria do Teloma - Os megafilos se originaram a partir da fusão de sistemas de ramos e achatamento das porções terminais, chamadas teloma. 192

193 1) Desenvolvimento O desenvolvimento da folha inicia-se no meristema apical caulinar (MAC), a partir de divisões periclinais na zona periférica do meristema apical onde células da túnica participam da formação de uma protuberância (Figura 2A, setas pretas). Os locais de iniciação do primórdio foliar são determinados pelo acúmulo, e posterior influxo, de auxinas que resultam do transporte polar mediado por proteínas da família PIN- FORMED, transportadoras deste hormônio. Sucessivas divisões periclinais e anticlinais nessa região resultarão no primórdio foliar, o qual na fase inicial terá seu crescimento preferencialmente no sentido próximo-distal e depois se expande no sentido médiolateral e abaxial-adaxial. Figura 20. Ilustrações mostrando ápice caulinar. A) Meristema apical caulinar 1) sem protuberância e 2) divisões periclinais na túnica provocando o surgimento das protuberâncias (setas pretas). B) Meristema apical caulinar (MAC) de Passilfora herbertiana indicando primórdios foliares (foto: arquivo pessoal Carlos Eduardo). O primórdio foliar passa por uma fase de crescimento apical, onde é estabelecida a região correspondente ao pecíolo e à nervura central (Figura 3B). O espessamento (abaxial-adaxial), nesta fase, é dado pela intensa atividade mitótica presente na região adaxial do primórdio, denominada meristema adaxial. Normalmente ocorre a instalação do meristema marginal no limite dos domínios adaxial-abaxial, e através da atividade deste meristema a lâmina foliar é produzida com seu formato dorsiventral característico. 193

194 Abaixo descreveremos em detalhe os principais mecanismos e formação do primórdio foliar até a sua diferenciação em uma folha madura. O processo de morfogênese foliar pode ser dividido em três fases: Iniciação Morfogênese 1ª Morfogênese e expansão 2ª 1.1) Iniciação A fase de iniciação começa por divisões periclinais em um pequeno grupo de células lateralmente situadas em relação ao meristema apical caulinar. É nesta zona periférica do meristema apical que sucessivas divisões periclinais e anticlinais originam o primórdio foliar, o qual consiste em uma protoderme, uma região de tecido meristemático fundamental e procâmbio. O rápido desenvolvimento do primórdio resulta em uma estrutura cônica com a face adaxial plana ou achatada e uma face abaxial geralmente convexa (Figura 3A). Desde o primórdio foliar, as folhas achatadas (flat) apresentam uma identidade adaxial e abaxial, porém quando ocorre a perda desta polarização outros tipos de folha são formados, a exemplo das folhas cilíndricas. A polaridade adaxial-abaxial é determinada com base na posição relativa ao MAC. As células próximas ao MAC diferenciam-se no domínio adaxial, e aquelas distantes do MAC tornam-se o domínio abaxial, gerando uma folha bifacial (Figura 3A). Em geral, uma folha adulta e perpendicular ao eixo axial do caule apresenta o domínio adaxial (superior) da folha consiste em uma epiderme com uma ou mais camadas de parênquima paliçádico no mesofilo que otimizam a absorção de luz. Na face adaxial também é possível encontrar estômatos, tricomas e outros anexos epidérmicos. O domínio abaxial (inferior) da folha consiste em uma epiderme com estômatos e células do parênquima esponjoso, que além de absorver energia luminosa, participam das trocas gasosas e da regulação da transpiração, assim como também ocorre no parênquima paliçádico. A vascularização foliar está alinhada ao longo do eixo adaxialabaxial, com tecido do xilema diferenciando adaxialmente e o floema abaxialmente. 194

195 1.2) Morfogênese 1ª A morforgenêse 1ª é o termo utilizado para descrever os processos que estabelecem a forma básica das folhas durante o estágio inicial de desenvolvimento, determinando sua simetria e sub-regiões. Nas eudicotiledôneas a morfogênese 1ª é responsável pela iniciação da lâmina foliar, especificação dos diferentes domínios da lâmina foliar (nervura central, pecíolo e base foliar) e formação de estruturas marginais (serração, lobos e folíolos). A iniciação da lâmina na periferia do primórdio coincide com o crescimento e espessamento do eixo pecíolo-nervura central, delimitando os domínios da lâmina e nervura central dentro da porção distal das folhas. Nessa fase ocorre o aumento da espessura foliar e a lâmina começa a ser formada, resultante da atividade dos meristemas (blastozonas) apical e marginal (Figura 3B). A continuidade desses meristemas leva a expansão lateral da lâmina, onde cada metade se estende para cima e em ambos os lados. E a variação da atividade desses meristemas e do alongamento do primórdio foliar pode resultar em uma grande diversidade de forma foliar. 1.3) Expansão e morfogênese 2ª A terceira fase da morfogênese foliar, a morfogênese 2ª abrange um período de tempo muito mais longo e representa um aumento da área superficial e volume através da expansão e diferenciação celular. Nesta fase será definida a forma final da folha. O padrão de expansão pode ser isométrico ou alométrico (Figura 3C). O isométrico retém a forma estabelecida pela morfogênese 1ª, já o alométrico altera essa forma. O restante do crescimento se dá pela atividade do meristema intercalar e difuso, com um aumento na área e volume (95% das células). É nessa fase que o tecido do mesofilo e do tecido vascular é diferenciado, e as margens foliares se desenvolvem. No processo da morfogênese foliar, diferentes meristemas estão envolvidos no desenvolvimento e no crescimento das folhas. Eles agem simultaneamente ou sequencialmente, e são denominados meristema apical, meristema adaxial, meristema em placa, meristema intercalar e meristema marginal. A variação na forma foliar está diretamente relacionado com a atividade e duração destes meristemas. Hageman (1996) adotou a terminologia Blastozone como alternativa ao termo Meristem, com base no argumento de que as regiões de crescimento formadoras das folhas são capacitadas à 195

196 morfogênese, diferente dos meristemas apicais os quais são capazes de exercer organogênese. Figura 3. Ilustração das três fases da morfogênese foliar. A, iniciação da folha. O primórdio da folha expressa a simetria longitudinal e a simetria dorsiventral (diferenças entre lados adaxial e abaxial). B, morfogênese primária. Blastozona marginal (sombreado) expressa potencial morfogenético para formar lâmina, lóbulos e folíolos. Linha superior, vista adaxial da folha; Inferior, vista em corte transversal da lâmina. C, Expansão e morfogênese secundária. Expansão isométrica e alométrica de lóbulos produzidos durante a morfogênese primária ) Meristema apical - O desenvolvimento do primórdio foliar é iniciado a partir do meristema apical, o qual geralmente apresenta uma atividade de certa duração nas eudicotiledôneas (Figura 4A). 196

197 1.3.2) Meristema intercalar No geral o crescimento apical das folhas cessa relativamente cedo durante o desenvolvimento e o crescimento próximo-distal é dado pela atividade do meristema intercalar. A primeira região a cessar as divisões celulares é a ponta da folha e por último na sua base (Figura 4B) ) Meristema adaxial - Em folhas de algumas eudicotiledôneas uma faixa de células interna a epiderme na face adaxial (Figura 4C) sofre divisões periclinais e contribui para o aumento em espessura das folhas e divisões anticlinais aumentando a área foliar. Esse meristema também contribui com o crescimento do pecíolo e nervura central ) Meristema marginal Região de crescimento localizada entre os limites dos domínios adaxial-abaxial do eixo foliar (Figura 4C), e podem estar divididos em iniciais marginais e iniciais submarginais. Este meristema origina parte das camadas de células do mesofilo. Quando o primórdio de uma folha dorsiventral jovem atinge determinado comprimento, pequenas protuberâncias aparecem lateralmente em ambos os lados decorrentes da atividade do meristema marginal. Importante ressaltar que o tamanho e formato da folha não são necessariamente definidos pela atividade do meristema marginal, mas estão ligados a processos dependentes e independentes de divisão celular. Desta maneira, mesmo após o encerramento da atividade do meristema marginal, uma folha pode alterar sua forma ao longo do desenvolvimento através de crescimento alométrico, ou seja, expansão celular desigual em diferentes regiões dos órgãos ) Meristema em Placa - Como resultado da atividade do meristema marginal certo número de camadas das células do mesofilo se estabelecem na lâmina. Essas células tendem a se dividirem anticlinalmente (perpendicular à superfície), caracterizando o meristema em placa (Figura 4D), expandindo a lâmina lateralmente. Desta maneira, folhas com diferentes morfologias surgem como resultados de diferentes padrões de desenvolvimento, especialmente perceptíveis na atividade do meristema marginal, que pode ser prolongada resultando em lâminas foliares de diversos padrões, ou mesmo estar ausente, como ocorre em folhas com morfologias cilíndricas. 197

198 Figura 4. Representação esquemática da localização dos diferentes meristemas atuando no desenvolvimento do primórdio foliar. A e B) Seção longitudinal.c e D) Seção transversal. 2) Desenvolvimento: Aspectos moleculares Com o advento das técnicas moleculares e com o uso de plantas modelos, principalmente Arabidops thaliana (L.) Heynh., permitiu o avanço dos estudos da morfogênese em nível genético molecular. Atualmente sabe-se que o desenvolvimento dos primórdios foliares na zona periférica do meristema apical, está relacionada com a expressão dos genes da classe I KNOTTED1-LIKE HOMEOBOX (KNOXI) para seu estabelecimento e manutenção. Vários genes estão envolvidos na dorsiventralidade das folhas que é determinada de duas formas opostas: adaxialização e abaxialização. Os genes HD-ZIP de classe III REVOLUTA (REV), PHABULOSA (PHB) e PHAVOLUTA (PHV) são responsáveis 198

199 pela adaxialização, enquanto que as famílias de genes KANADI e YABBY são responsáveis para abaxialização. A expressão gênica também define a formação de folhas simples e compostas. A diferença entre folhas simples e compostas está relacionada ao padrão de expressão de uma família de genes homeobox específicos de plantas, os genes de KNOX de classe I. Os genes da Classe I KNOX são transcritos no MAC, mas são especificamente downregulado no primórdio das folhas simples. Por outro lado, os primórdios da maioria das folhas compostas mantêm a expressão de mrna dos genes KNOX de classe I. Estudos observaram que a sobre-expressão do KNOX de classe I no tomate aumenta a organogênese repetida dos folíolos, resultando em "folhas super-compostas". 3) Folhas maduras: Morfologia e anatomia Como visto anteriormente a morfologia de uma folha madura é resultado da atividade de diversos padrões de desenvolvimento. A forma final da folha é definida pelos padrões de crescimento dorsiventral (DV), médio-lateral (ML) e próximo-distal (PD). Apesar da grande variação das folhas maduras, a maioria partilha certo número de atributos, sendo eles: 1- Posição lateral no caule. 2- Padrão de desenvolvimento determinado (às vezes, há caso no qual as folhas têm um desenvolvimento indeterminado e cresce por toda a vida da planta, a exemplo das espécies dos gêneros do Monophyllaea e Streptocarpus 3- Associação com uma gema axilar na face adaxial da base da folha. 4- Posição de sub-regiões ao longo do eixo longitudinal da folha, geralmente representado por lâmina e base da folha (pecíolo e estípulas se houver). 5- Simetria dorsiventral com achatamento no plano transversal. As folhas variam em tamanho e forma, e na sua estrutura interna, sendo tradicionalmente divididas em duas grandes classes morfogenéticas: folha simples ou compostas. Folhas simples têm uma única lâmina plana, cujas margens são contínuas e podem ser lisas (inteiras), lobadas ou serrilhadas. Em folhas compostas típicas de eudicotiledôneas, as lâminas são compostas de vários apêndices sésseis ou peciolados regularmente espaçados, chamados de folíolos que são ligados a uma raque central. Os folíolos surgem em duas organizações básicas chamadas pinada e palmada. 199

200 Anatomicamente as folhas são compostas por três sistemas de tecidos: o sistema de revestimento, fundamental e vascular. O sistema de revestimento que se diferencia da protoderme constitui a epiderme, revestindo toda a superfície foliar. O sistema fundamental se origina do meristema fundamental, constitui o mesofilo da lamina foliar e o córtex da nervura mediana. O sistema vascular se origina do procâmbio e constitui os tecidos vasculares. 3.1) Base foliar - A maioria das folhas apresenta uma forma achatada com duas superfícies, a adaxial (superior) e abaxial (inferior), onde a epiderme é contínua e única em toda a sua extensão. O número de camada da epiderme pode variar de uni à multisseriada. A epiderme é caracterizada pela presença de estômatos, tricomas e células especializadas (células buliformes, litocistos, etc.). Nos primeiros estágios da formação da folha, projeções laterais da base podem surgir, as estípulas. As estípulas desempenham a função primordial na proteção dos tecidos meristemáticos e jovens e possuem uma morfologia variável, podendo ser cilíndricas, simétricas e assimétricas. Em outros casos há o surgimento de uma estrutura entre a bainha e a lâmina foliar conhecida como lígula, ocorre principalmente nas gramíneas. 3.2) Lamina foliar- O mesofilo compreende todos os tecidos delimitados pela epiderme e o sistema vascular da folha. Nesta região está presente o parênquima, um tecido envolvido principalmente na fotossíntese, além de estar relacionado com a produção de metabólitos secundários e acúmulo de substâncias. Este tecido geralmente está diferenciado em parênquima paliçádico e esponjoso. As células do parênquima paliçádico são geralmente colunares e perpendiculares à epiderme, enquanto as células do parênquima esponjoso têm formas irregulares. O parênquima paliçádico geralmente está localizado no lado superior da folha, e o parênquima esponjoso, no lado inferior. 4) Referências Bharathan, G.; Goliber, T.E.; Moore, C.; Kessler, S.; Pham, T.; Sinha, N.R. (2002). Homologies in leaf form inferred from KNOXI gene expression during development. Science, v. 296, n. 5574, p Dengler, N.G. & Tsukaya, H. (2001). Leaf morphogenesis in dicotyledons: current issues. International Journal of Plant Sciences, v. 162, n. 3, p ,

201 Efroni, I.; Eshed, Y.; Lifschitz, E. (2010). Morphogenesis of simple and compound leaves: a critical review. The Plant Cell, v. 22, n. 4, p Esau, K. (1977). Anatomy of Seed Plants. (New York: John Wiley and Sons). Fleming, A.J. (2002). The mechanism of leaf morphogenesis. Planta, v. 216, n. 1, p Fukushima, K.; Hasebe, M. (2014). Adaxial abaxial polarity: the developmental basis of leaf shape diversity. Genesis, v. 52, n. 1, p Hagemann, W. & Gleissberg, S. (1996). Organogenetic capacity of leaves: the significance of marginal blastozones in angiosperms. Plant Systematics and Evolution, v. 199, n. 3, p Hasson, A.; Blein, T.; Laufs, P. (2010). Leaving the meristem behind: the genetic and molecular control of leaf patterning and morphogenesis. Comptes Rendus Biologies, v. 333, n. 4, p Mchale, N.A. & Koning, R.E. (2004). Phantastica regulates development of the adaxial mesophyll in Nicotiana leaves. The Plant Cell, v. 16, n. 5, p Yamaguchi, T.; Nukazuka, A.; Tsukaya, H. (2012). Leaf adaxial abaxial polarity specification and lamina outgrowth: evolution and development. Plant and Cell Physiology, v. 53, n. 7, p Waites, R. & Hudson, A. (1995). Phantastica: a gene required for dorsoventrality of leaves in Antirrhinum majus. Development, v. 121, n. 7, p

202 Anotações: 202

203 CAPÍTULO XV Anatomia floral, esporogênese e gametogênese Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira Yasmin Vidal Hirao Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva O que é a flor? A flor é um ramo altamente modificado que apresenta apêndices especializados (folhas metamorfoseadas). Esse ramo é constituído de uma haste (pedicelo) que possui uma porção terminal dilatada (receptáculo) de onde emergem os apêndices modificados: sépalas, pétalas, estames e carpelos. As flores são compostas por três principais conjuntos de apêndices ou órgãos, chamados de verticilos: o perianto (verticilo das pétalas e sépalas), o androceu e o gineceu. O androceu é o conjunto de estames da flor. O estame é frequentemente diferenciado em antera e filete. Cada antera é geralmente, constituída de duas tecas, e cada teca de dois esporângios (lojas ou sacos polínicos). No entanto, pode haver variação nesses números. As tecas da antera são ligadas entre si e com o filete através do conectivo. Nos estames são produzidos os esporos (andrósporos), mas em algumas espécies há a presença de estames estéreis, denominados estaminódios, responsáveis pela atração de insetos. O gineceu compreende os carpelos da flor, que podem ser diferenciados em três partes: uma porção basal dilatada (ovário), que possui uma superfície interna formando uma cavidade central (lóculo) e da qual emergem excrescências formadas por tecido dérmico e subepidérmico (placenta), de onde se originam os óvulos; uma porção mediana, denominada estilete; e uma apical, receptiva ao grão-de-pólen, chamada estigma. Estrutura anatômica: perianto Quando os verticilos estéreis da flor podem ser morfologicamente diferenciados em sépalas (cálice) e pétalas (corola), denomina-se perianto. Quando, morfologicamente, esses verticilos são iguais, sendo então compostos apenas de tépalas, ele é denominado perigônio. Anatomicamente estas estruturas são as que mais se assemelham às folhas, sendo constituídas, geralmente, de epiderme abaxial, mesofilo, 203

204 feixes vasculares e epiderme adaxial (Figuras 1 e 2A-D). A epiderme, assim como nas folhas, pode apresentar estômatos e tricomas. Na epiderme das porções apicais das pétalas, é comum a presença de células cônicas, cuja função ainda é muito discutida, possivelmente estando associada com a atração de polinizadores. Nas pétalas que possuem coloração, observa-se a presença de cromoplastos e também a presença de antocianinas. As pétalas podem ainda apresentar as chamadas glândulas de cheiro, ou osmóforos, envolvidas com a atração de polinizadores. Figura 1: Secção transversal de uma flor de Bromeliaceae. Note que as sépalas (Se) e pétalas (Pe) possuem anatomia muito semelhante à da folha, possuindo epidermes (abaxial e adaxial), mesofilo e feixes vasculares. An=Antera, Es= Estilete, Fi=Filete, Pe= Pétala e Se=Sépala. Foto de Fernanda M. C. de Oliveira. Estrutura anatômica: androceu O androceu é o conjunto de estames da flor. O estame é frequentemente diferenciado em antera e filete (Figura 3). Cada antera é, geralmente, constituída de duas tecas, e cada teca, de dois esporângios (lojas ou sacos polínicos) (Figura 2E). No 204

205 entanto, pode haver variação nesses números. As tecas da antera são ligadas entre si e com o filete através do conectivo. Os estames produzem os esporos masculinos (andrósporos ou micrósporos), mas em algumas espécies há a presença de estames estéreis, denominados estaminódios, responsáveis pela atração de insetos. Figura 2: Secções transversais do botão floral de uma Bromeliaceae. A: Notar que a sépala (Se) e a pétala (Pe) têm anatomia semelhante à da folha, sendo constituída de epidermes (abaxial e adaxial) mesofilo e feixes vasculares. B: Detalhe da anatomia da sépala. C: Detalhe da anatomia da pétala. D: detalhe da porção apical das pétalas de Bromeliaceae. Notar que as células da epiderme possuem grande deposição de cutícula. E: Detalhe de um filete e uma antera. Note que a antera é composta de duas tecas, e cada teca de dois sacos polínicos. F: Detalhe do estilete. Note que as células epidérmicas do interior possuem 205

206 coloração diferenciada, devido à sua função secretora (células do tecido transmissor). An= Antera, Es= Estilete, Fi= Filete, Pe= Pétala, Se= Sépala. Fotos de Fernanda M. C. de Oliveira. Morfologicamente, os filetes podem ser arredondados, triangulares ou achatados. Podem ainda estar livres ou conados, isto é, fundidos entre si formando um tubo. Anatomicamente sua estrutura é muito simples, sendo constituído por uma epiderme (que pode ser cutinizada, conter estômatos e tricomas) e um mesofilo usualmente composto por parênquima fundamental (idioblastos contendo ráfides e até mesmo drusas podem estar presentes). A vascularização é dada por um feixe vascular, que pode ser anficrival, e percorre todo o filete até a região do conectivo (localizado entre as tecas da antera). As anteras apresentam algumas características peculiares, relacionadas com o desenvolvimento dos microsporângios (ou androsporângios). A parede externa das anteras é constituída pela epiderme, que pode ou não possuir deposição de cutícula. A camada de células subepidérmicas constitui o endotécio, e geralmente possuem espessamento anelar ou helicoidal em suas paredes. A camada mais interna constitui o tapete, cujas células são multinucleadas. Este tecido é de fundamental importância e está relacionado com a nutrição dos micrósporos. Quando sofre desintegração, concomitante com a maturação dos grãos-de-pólen, a parede do saco polínico é constituída apenas de epiderme e endotécio. 206

207 Figura 3: Esquema da morfologia de um estame. Notar as diferentes regiões do estame, em particular, a antera (microsporófilo) onde são produzidos os micrósporos e microgametófitos (grãos-de-pólen). Ilustração de Yasmin V. Hirao. A parede das anteras sofre uma abertura, chamada de deiscência, para a liberação dos grãos-de-pólen. Em algumas espécies a deiscência é precedida pela destruição das paredes localizadas entre os lóculos da mesma teca (deiscência rimosa). Em seguida, o tecido externo dessa região, que pode estar reduzido à epiderme da antera, sofre rompimento e o grão-de-pólen é liberado. Se na parede dos lóculos existir endotécio, este participa ativamente da liberação do grão-de-pólen através da contração das suas células, ocasionada pelo dessecamento da antera e pela presença do espessamento secundário. A abertura resultante, formada pelo estômio, é semelhante a uma fenda, por onde os grãos-de-pólen são liberados. Estrutura anatômica: gineceu O gineceu possuiu como unidade morfológica o carpelo. O carpelo, assim como as demais partes florais, é interpretado como uma estrutura foliar que, ao longo da evolução, sofreu um dobramento, internalizando os óvulos em sua porção denominada ovário. Uma flor pode apresentar um único carpelo, denominado gineceu unicarpelar; ou ainda possuir mais de um carpelo, denominado pluricarpelar. Os carpelos podem ser unidos, sendo assim chamados de gineceu sincárpico, ou isolados, chamados apocárpicos. Usualmente o carpelo é subdividido em três regiões: ovário (porção basal dilatada formando uma cavidade central lóculo que acomoda os óvulos), estilete (porção mediana), e estigma (porção apical responsável pela recepção e germinação do grão-de-pólen) (Figura 4). No ovário, distingue-se a parede do ovário, o (s) lóculo (s) e, quando há mais de um lóculo, os septos. O mesofilo da parede do ovário geralmente é homogêneo, sendo composto de epiderme externa, mesofilo ovariano, feixes vasculares (dorsais carpelares e ventrais carpelares) e epiderme interna. A epiderme interna delimita o lóculo. Na região marginal da folha carpelar, usualmente, encontra-se a placenta (tecido composto por excrescências formadas por tecido dérmico e subepidérmico projetadas para o interior do lóculo). Os óvulos encontram-se inseridos na placenta, a qual possui vascularização dada, usualmente, pelos feixes ventrais carpelares, responsável por nutrir os óvulos. 207

208 De acordo com a localização dos óvulos em relação à parede do ovário, tem-se a placentação, cujos principais tipos são: axilar (que se encontra na margem da folha carpelar, quando o ovário é pluricarpelar e plurilocular), parietal (que se encontra na parede da folha carpelar, quando o ovário é pluricarpelar e unilocular), central livre (onde a placenta forma uma coluna livre na região central do lóculo) ou basal (na porção basal do ovário, quando este é unicarpelar) (Figura 4). Figura 4: Esquema da morfologia de um carpelo e diferentes tipos de placentação. Na placentação parietal, os óvulos se encontram na parede do ovário. Já na placentação axilar, os óvulos se encontram nas margens do carpelo, que se unem na porção central do ovário (note a presença de septos, delimitando os lóculos). A placentação basal ocorre quando o ovário é unicarpelar e o óvulo se encontra na porção inferior do ovário. Na placentação central livre, os óvulos se encontram na porção central do ovário, não estando ligados às margens das folhas carpelares (o ovário é unilocular e não há a presença de septos). Ilustração de Yasmin V. Hirao. 208

209 Os óvulos são os precursores das sementes. Possuem origem nas camadas subdérmicas da placenta e, morfologicamente, são constituídos pelo nucelo, tegumento (s), calaza, rafe e funículo. A estrutura do nucelo será tratada junto com a megagametogênese. Existem diferentes tipos de óvulos, classificados de acordo com o número de tegumentos que os envolvem e também com o grau de inclinação do saco embrionário. Assim, em relação ao número de tegumentos, os óvulos podem ser classificados como ategumentados (quando os tegumentos estão ausentes), unitegumentados (quando há apenas um tegumento) e bitegumentados (quando hpa a presença de dois tegumentos: o tegumento interno e o externo). Já em relação a curvatura do saco embrionário, os óvulos podem ser anátropos (quando a micrópila fica próxima ao funículo e a calaza encontra-se ao lado oposto), ortótropo (quando a micrópila, o funículo e a calaza encontram-se em linha reta, também denominado óvulo átropo ou ereto), campilótropo (óvulo curvado, onde a calaza encontra-se próxima ao funículo) e hemítropo (onde micrópila e calaza encontram-se em pólos opostos) (Figura 5). O estilete é a porção mediana dos carpelos (Figuras 2E e 4). Quando único e proveniente de um gineceu sincárpico, o estilete deriva de todos os carpelos que compõem o gineceu. Os carpelos podem ainda estar unidos apenas na região basal do estilete e livres em sua porção apical. Anatomicamente, os estiletes têm a anatomia muito semelhante às folhas, sendo igualmente constituídos por epiderme externa, mesofilo, feixes vasculares (usualmente a vascularização é dada apenas pelos feixes dorsais de cada carpelo, mas ocasionalmente podem ocorrer os feixes ventrais carpelares) e epiderme interna. Os estiletes podem ser ocos (como ocorre em muitas Monocotiledôneas) ou sólidos (comum nas Eudicotiledôneas). Quando o estilete é sólido, o tubo polínico atravessa o tecido parenquimático longitudinalmente para então chegar aos lóculos do ovário. Quando o estilete é oco, em seu interior (na epiderme interna) pode ocorrer um tecido secretor denominado tecido transmissor (Figura 2E), responsável pela nutrição do tubo polínico enquanto este atravessa longitudinalmente o gineceu até a chegada nos lóculos do (s) ovário (s). O estigma é a porção apical do gineceu, responsável pela recepção do grão-depolén. Pode ser do tipo úmido, quando há uma secreção recobrindo os estigmas onde os grãos-de-pólen serão recepcionados, ou pode ser do tipo seco. As células epidérmicas do estigma geralmente possuem papilas, onde os grãos-de-pólen ficam aderidos e 209

210 germinam. Anatomicamente, também são constituídos pela epiderme abaxial (dependendo do seu formato), mesofilo, feixes vasculares e epiderme adaxial. Figura 5: Esquema da megaesporogênese e megagametogênese e tipos de óvulos. Na megaesporogênese, o megasporócito sofre uma divisão meiótica, produzindo quatro megásporos. Destes, três degeneram, sendo apenas um o megásporo funcional. Este megásporo sofre divisões mitóticas sequenciais, sem a sua celularização, até que oito núcleos sejam formados, constituindo o saco embrionário, contido no interior do óvulo. Ainda, pode-se observar neste esquema os principais tipos de óvulos: anátropo, ortótropo, hemítropo e campilótropo. Ilustração de Yasmin V. Hirao. Vascularização floral Anatomicamente, um dos tópicos mais estudados concerne a respeito da vascularização floral. A vascularização floral é estudada sempre a partir do cilindro 210

211 vascular formado nos pedicelos, sendo que o número de traços vasculares varia nas diferentes peças florais. Cada sépala apresenta o número de traços vasculares existentes nas folhas da mesma planta. Usualmente, encontram-se três traços de cada sépala no pedicelo e um único traço de cada pétala. No mesofilo das sépalas e pétalas, os feixes vasculares formam uma rede complexa, que lembra a vascularização da folha propriamente dita. Os estames geralmente possuem um traço vascular no cilindro, que continua como feixe isolado nos filetes e conectivo. Raros casos de vascularização dos estames por mais de um feixe vascular foram reportados. Os carpelos possuem três traços vasculares no receptáculo: o traço dorsal e os traços ventrais, que podem se ramificar em seu interior. A vascularização dos óvulos, usualmente, é dada pelos feixes ventrais, ou por ramificações deste. Os estiletes e estigmas geralmente são vascularizados apenas pelos feixes dorsais carpelares, embora em alguns casos os feixes ventrais também estejam presentes. Esporogênese e gametogênese Os gametófitos das Angiospermas são muito reduzidos em tamanho: o microgametófito maduro é constituído de apenas três células no interior do grão-depólen, e o megagametófito (saco embrionário) é constituído de apenas sete células, ficando retido durante toda a sua existência no tecido do esporófito. A polinização nas Angiospermas é indireta: o grão-de-pólen é depositado sobre a superfície estigmática, germinando através de processos induzidos quimicamente, e então o tubo polínico cresce através ou sobre os tecidos do carpelo até atingir os lóculos do ovário, onde recebe estímulos químicos e/ou físicos para a sua entrada no óvulo. O óvulo, então, depois de fecundado, formará a semente, enquanto que o ovário se desenvolverá em fruto. Microsporogênese e microgametogênese Dois processos distintos levam a formação dos microgametófitos: a microsporogênese e a microgametogênese. A miscrosporogênese, ou androsporogênese, leva à formação dos micrósporos, ainda no interior dos microsporângios (sacos polínicos) presentes na antera. Já a microgametogênese é o processo pelo qual se formam os microgametófitos, no interior do grão-de-pólen, até atingirem o estágio tricelular em seu desenvolvimento. 211

212 Primeiramente vamos acompanhar o desenvolvimento dos micrósporos. A antera, no início do seu desenvolvimento, consiste de um conjunto de células uniformes, excetuando-se a epiderme já parcialmente diferenciada. Quatro grupos de células férteis, ou ditas esporogênicas, tornam-se evidentes no interior da antera. Cada um desses grupos de células esporogênicas é circundado por várias camadas de células estéreis. Estas células estéreis se desenvolvem como parte da parede do saco polínico, incluindo as células que provém à nutrição dos micrósporos em desenvolvimento, chamadas células do tapete (camada mais interna da parede do saco polínico). As células do tapete também são responsáveis por acrescentar uma camada lipídica à superfície do grão-depólen já formado. Então, neste estágio de desenvolvimento, as células esporogênicas se tornam os microsporócitos, ou células mãe de micrósporos, e se dividem meioticamente. Assim, cada célula mãe de micrósporo diploide dará origem a uma tétrade de micrósporos haploides (Figura 6). Figura 6: Esquema da microesporogênese e microgametogênese. Na microgametogênese, a célula mãe de micrósporo, nutrida pelo tapete, sofre meiose, produzindo quatro micrósporos. Estes micrósporos já possuem parede celular, e, imediatemente passam para a gametogênese. Na gametogênese, os micrósporos sofrem uma mitose desigual, formando o microgametófito imaturo, que terá deposição de exina ornamentada em sua parede celular. Este microgametófito imaturo é constituído de duas células: a célula gerativa e a célula vegetativa. Ilustração de Yasmin V. Hirao. 212

213 Durante a meiose, cada divisão nuclear pode ser seguida imediatamente pela formação de parede celular, ou os protoplastos dos microsporócitos podem formar paredes simultaneamente após a segunda divisão da meiose. A primeira condição é comum às Monocotiledôneas enquanto que a segunda é comum às Eudicotiledôneas. A partir de então, as características dos grãos-de-pólen são adquiridas. O grão-de-pólen desenvolve uma parede externa (exina) e uma parede interna (intina). A exina é composta pela esporopolenina, substância muito resistente que é derivada, principalmente, das células do tapete. Já a intina é produzida pelo protoplasto do micrósporo (Figura 5). A microgametogênese, ou androgametogênese, nas Angiospermas é uniforme. Inicia-se quando os micrósporos se dividem mitóticamente, formando duas células no interior da parede original do micrósporo. A divisão forma uma grande célula do tubo, ou célula vegetativa e uma célula pequena, denominada célula geradora, que se move para o interior do grão-de-pólen. Este grão-de-pólen bicelular ainda é imaturo e, na grande maioria das Angiospermas, o microgametófito se encontra no estádio bicelular no momento da liberação do grão-de-pólen na antera. Na minoria das espécies, o núcleo da célula geradora se divide antes da liberação do grão-de-pólen pelas anteras, dando origem a dois gametas masculinos, ou células espermáticas, resultando num microgametófito tricelular Megasporogênese e megagametogênese Dois processos distintos levam a formação do megagametófito (ou saco embrionário): a megasporogênese e a megagametogênese. A mesgasporogênese é a formação dos esporos no interior do nucelo (megasporângio), dentro do óvulo. A megagametogênese é o desenvolvimento do megásporo em saco embrionário (megagametófito). O óvulo é uma estrutura relativamente complexa, como mencionado anteriormente. È formado pelo pedúnculo (denominado funículo), que suporta o nucelo, envolvido por um ou dois tegumentos. Inicialmente, o óvulo em desenvolvimento consiste apenas de nucelo, porém precocemente se desenvolvem os tegumentos, envolvendo este nucelo, deixando apenas uma pequena abertura, denominada micrópila (Figura 5). No início do desenvolvimento do óvulo, apenas um megasporócito surge no nucelo. O megasporócito diplóide se divide por meiose, formando quatro megásporos 213

214 haploides, dispostos em uma tétrade linear. Assim, a megasporogênese está concluída. Na grande parte das Angiospermas, três destes quatro megasporócitos haploides se degeneram. Geralmente o megásporo sobrevivente está localizado na região mais distante da micrópila (Figura 5). O megásporo funcional logo cresce às custas do nucelo, e seu núcleo sofre divisão mitótica. Cada núcleo resultante sofre novamente divisão mitótica, resultando quatro núcleos. Estes, por sua vez, sofrerão mais uma divisão mitótica, chegando ao final do terceiro ciclo com oito núcleos. É importante lembrar que durante estas divisões mitóticas, não há a celularização, isto é, não são formadas paredes celulares, ficando os núcleos livres no nucelo. Os oito núcleos se organizam então em dois grupos: um grupo próximo à extremidade micropilar e outro próximo a extremidade calazal. Um núcleo de cada um desses grupos migra para a região central da célula octanucleada, compondo os núcleos polares. Os três núcleos da porção micropilar se individualizam e se organizam no chamado aparelho oosférico, composto de uma oosfera e duas sinérgides (as sinérgides têm vida curta). Os três núcleos da porção calazal passam pelo processo de celularização e constituem as antípodas. A célula central abriga os dois núcleos polares. Assim, ao final da megagametogênese, tem-se uma estrutura com sete células e oito núcleos compondo o megagametófito maduro, também conhecido como saco embrionário. O padrão descrito acima é o mais comum, no entanto em cerca de 1/3 das Angiospermas esse processo é diferente, resultando em um número diferente de células e núcleos no megagametófito final. Polinização e dupla fecundação Com a liberação dos grãos-de-pólen das anteras, sua transferência para os estigmas pode ocorrer de diversas formas. Esse processo denomina-se polinização. Em contato com o estigma, os grãos-de-pólen absorvem água e germinam, isto é, formam o tubo polínico. Se a célula geradora ainda não havia sofrido divisão, esta ocorre, gerando os dois gametas. O grão-de-pólen germinado contém o núcleo da célula tubo e os dois gametas, constituindo o microgametófito maduro. O estilete e o estigma são modificados estruturalmente, como abordado no tópico de anatomia do gineceu. Isto facilita a germinação e o crescimento do tubo polínico até o (s) lóculo (s) do (s) ovário (s), transportando os dois gametas e o núcleo do tubo para o interior do ovário 214

215 O tubo polínico entra no óvulo pela micrópila e penetra uma das duas sinérgides próxima a oosfera. A sinérgide começa a se degenerar após a polinização ter ocorrido e antes do tubo ter alcançado a célula central e os núcleos polares. Os dois gametas e o núcleo do tubo são descarregados na sinérgide através de um poro na extremidade do tubo polínico. Por fim, um dos gametas entranha a oosfera e o outro junta-se aos núcleos polares, ocorrendo a chamada dupla fecundação. Referências Appezzato-da-Glória B.; Carmello-Guerreiro S.M. (2006). Anatomia Vegetal. 2ª edição. Viçosa: Editora UFV. Beck, C.B. (2010). An introduction to plant structure and development. Cambridge: Cambridge University Press. Bhojwani, S.S.; Soh, W.Y. (2001). Current trends in the embryology of Angiosperms. Nova Déli: Springer-Science+Business Media. Eames, A.J. (1961). Morphology of Angiosperms. New York: McGraw-Hill. Endress, P.K. (1994). Diversity ans evolutionary biology of tropical flowers. Cambridge: Cambridge University Press. Esau, K. (1959). Anatomia Vegetal. Tradução de José Pons Rosell. 1ª Edição. Barcelona: Edições Omega. Esau, K. (1974). Anatomia das plantas com sementes. Tradução de Berta Lange de Morretes. 1ª Edição. São Paulo: Editoea Edgard Blucher LTDA. Fahn, A. (1974). Plant Anatomy. 2ª Edição. Oxford: Pergamon Press. Glover, B.J. (2007). Understanding flowers and flowering: An Integrated Approach. Oxford: Oxfors University Press. Leins, P.; Erbar, C. (2010). Flower and fruit. Morphology, Ontogeny, Phylogeny, Function and Ecology. Sttutgart: Schweizerbart Scince Publishers. Rudall, P.J. (2007). Anatomy of flowering plants: an introduction to structure and development.cambridge: Cambridge University Press. Weberling, F. (1989). Morphology of flowers and inflorescences. Cambridge: Cambridge University Press. 215

216 Anotações: 216

217 CAPÍTULO XVI Anatomia e identificação de madeiras Erica Moniz Ferreira da Silva Introdução A madeira é um produto vegetal utilizado comercialmente em inúmeras aplicações, contribuindo para o avanço tecnológico da humanidade e representando um material de importância cultural e econômica. Destaca-se de outros materiais pelo baixo consumo de energia no seu processamento e por sua alta resistência mecânica. Anatomicamente corresponde ao xilema secundário das plantas e apresenta uma enorme variabilidade quanto às características ali presentes, refletindo em diferentes propriedades físicas e mecânicas que determinam o uso adequado de cada material do ponto de vista comercial. As vantagens mencionadas quanto ao uso adequado de madeiras podem ser perdidas se o conhecimento prévio de suas propriedades não for levado em consideração e tais propriedades são específicas para cada uma das espécies. Sob esse aspecto, a identificação de madeiras torna-se imprescindível, não somente para fins acadêmicos, mas também como auxílio para se detectar erros e fraudes em relação à venda e utilização desta matéria-prima. A identificação de uma árvore depende de diferentes características morfológicas, como cascas, folhas, flores, frutos, e após o processo de extração da madeira essas características acabam sendo perdidas e, portanto, a identificação deve ser realizada de maneira a considerar somente o tecido vegetal ali presente. Para isso, foram desenvolvidas técnicas específicas e com bom grau de confiabilidade quanto aos resultados. No Brasil, os primeiros estudos de anatomia da madeira remetem à década de 20 no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo e atualmente o país dispõe de diversos laboratórios especializados e espalhados por diferentes estados que utilizam técnicas macroscópicas e microscópicas para a identificação deste material. 217

218 Características Macroscópicas Para identificar uma madeira, inicialmente são observadas características morfológicas macroscópicas, visíveis a olho nu ou com o auxílio de uma lupa de 10 vezes de aumento. Essas características são ainda divididas em dois grupos: organolépticas e anatômicas. As características organolépticas são também conhecidas como características sensoriais e correspondem àquelas notáveis sem a necessidade de qualquer instrumento óptico, utilizando-se somente dos sentidos (tato, olfato, paladar e visão), sendo elas: cor, odor, gosto, grã, textura, densidade, dureza e brilho. A cor é geralmente a primeira característica a ser notada, e alguns cuidados devem ser levados em consideração a respeito desta observação. A coloração da madeira pode ser alterada por diferentes fatores, como exposição ao ar e/ou à luz, presença de alguns tipos de fungos manchadores ou escurecimento natural, e sendo assim, para uma melhor observação desta característica, a madeira deve ser raspada com faca ou lixa. O odor também é uma característica marcante para algumas espécies, podendo ser agradável como no caso das cerejeiras, por exemplo, (Amburana cearenses) ou ainda desagradável como as cupiúbas (Goupia glabra). Não é uma característica presente em todas as espécies, podendo ser classificado como distinto ou indistinto. As amostras também devem ser raspadas para evidenciar possíveis odores. O gosto também pode ser peculiar para algumas espécies e esta característica só deve ser observada caso a madeira não tenha recebido nenhum tipo de tratamento químico. Algumas lascas de madeira são retiradas e posicionadas sobre a língua e os gostos variam de amargos a adocicados. A grã refere-se à orientação dos elementos celulares em relação ao eixo principal da árvore e pode ser visualizada em seção longitudinal através de desenhos característicos, podendo apresentar os elementos celulares das seguintes formas: Direita paralelos ao eixo principal; Revessa não paralelos ao eixo principal, podendo ser perpendiculares a este; Inclinada oblíquos em relação ao eixo principal; Helicoidal disposição espiralada; 218

219 Ondulada disposição em forma de ondas. A textura está relacionada com a grã e pode ser sentida principalmente em seção longitudinal ao se passar os dedos pela superfície, tal como a dureza é notada ao toque. A densidade é uma das características de maior importância do ponto de vista comercial, pois está diretamente relacionada às propriedades físicas do material. Macroscopicamente as madeiras são classificadas popularmente como leves e pesadas. O brilho também deve ser observado em seção longitudinal livre de qualquer produto químico. Esta característica está relacionada tanto com a orientação dos elementos celulares quanto com a presença de extrativos, como resinas e óleos. Ressalta-se o fato de que, este contato inicial é subjetivo, já que depende das diferenças de sensibilidades de cada observador, e, portanto, somente desta maneira não é possível realizar uma identificação confiável adequada, pois para que isso ocorra é necessário um conjunto de todas as etapas que serão aqui mencionadas. As características macroscópicas anatômicas são observadas com o auxílio de uma lupa com 10 vezes de aumento em superfícies polidas de madeira e dessa forma algumas estruturas como vasos, raios parenquimáticos e parênquima axial podem ser vistos e classificados quanto à forma, tamanho ou distribuição. Os vasos, que são responsáveis pela condução de seiva nas árvores, podem ser vistos em seção transversal em forma de poros. Em uma avaliação macroscópica são classificados quanto à visibilidade, podendo ser distintos a olho nu, distintos apenas sob lente de 10 vezes de aumento ou indistintos mesmo sob lente. Essa mesma classificação é feita para os raios parenquimáticos, que são também responsáveis na condução da seiva, e apresentam em seção transversal, uma aparência semelhante a linhas entre os vasos. O parênquima axial é uma característica marcante e essencial na identificação de madeiras, pois, quando presente, pode assumir diversas configurações distintas, o que permite a sua classificação quanto ao desenho formado. Em observação macroscópica, quando distinto sob lente, apresenta-se geralmente mais claro que o tecido das fibras e os tipos que podem ser visualizados sob lente são: escasso, vasicêntrico, confluente, unilateral, aliforme, e em faixas (figura. 1). A partir do conjunto dessas características macroscópicas já é possível identificar alguns gêneros de plantas, no entanto, para maior confiabilidade e visualização de estruturas não visíveis somente com 10 vezes de aumento, é necessária a 219

220 observação de características microscópicas, e para isso, são realizados procedimentos laboratoriais para a obtenção de cortes histológicos micrométricos da madeira, possibilitando assim, a visualização em microscópio. Figura 1: Esquema representativo dos tipos de parênquima axial, visualizados em seção transversal com auxílio de uma lupa de 10x de aumento. Adaptado de Zenid e Ceccantini, Planos anatômicos de Corte O preparo de uma lâmina histológica requer habilidades em se reconhecer os três planos anatômicos de corte: Transversal perpendicular ao eixo principal da árvore; Longitudinal tangencial perpendicular aos raios; Longitudinal radial paralelo aos raios (figura. 2). Em cada plano, é possível ver as mesmas estruturas dispostas e detalhadas de maneiras diferentes e, portanto, algumas características são melhor ou unicamente observadas em um determinado plano. Uma lâmina histológica para identificação de madeiras deve contar todos os planos para análise. 220

221 Como a árvore é uma estrutura tridimensional e esta dinâmica é perdida quando se fazem cortes tão pequenos, a correta identificação dos planos é necessária para a montagem visual da estrutura completa. Figura 2: Representação dos três planos anatômicos de corte da madeira: transversal, tangencial e radial, demonstrando como algumas características são observadas em cada um deles. A partir da localização desses planos, são elaborados pequenos cubos da madeira para processamento e corte e as técnicas utilizadas variam conforme o material e o foco da análise. Comumente esses pequenos blocos, chamados de corpos de prova, são fervidos para que a madeira seja amolecida e posteriormente cortada em micrótomo de deslize obtendo-se cortes com espessuras médias de 20 µm. Características Microscópicas A partir da obtenção de lâminas histológicas, algumas estruturas podem ser vistas mais detalhadamente em microscópio e as classificações destas características, juntamente com o que já foi observado macroscopicamente, compõem uma identificação completa de uma madeira. Diferentemente da observação macroscópica, com o auxílio de um microscópio é possível visualizar, descrever e ainda medir estruturas, classificando-as de acordo com suas dimensões e frequência. A análise descritiva é chamada de qualitativa, enquanto a elaboração de medidas se dá em uma análise quantitativa. 221

222 A International Association of Wood Anatomists (IAWA Committee) elaborou recomendações que objetivam orientar e padronizar os procedimentos e os caracteres gerais a serem adotados em análises anatômicas de madeiras. A partir desta base é possível elaborar uma lista de caracteres pertinentes e associá-los àqueles descritos para determinada espécie. Algumas das características observadas são: tamanho, frequência e distribuição dos vasos, assim como a presença de resinas, tilos, gomas e outros componentes que podem obstruí-lo; o formato das placas de perfuração e os tipos e tamanhos de pontoações; altura, frequência, largura e o formato das células que compõem o raio; espessura de fibras; tipos de parênquima axial e quantidade de células que o compõem; presença de elementos secretores, canais axiais, canais radias, laticíferos; presença e tipos de cristais e sílicas. Cada uma dessas características isoladas não representa nenhum dado significante para a identificação, sendo necessário, portanto, um agrupamento de todas ou de grande parte delas para que seja elaborada uma lista de características. Ao término da listagem, pode-se seguir uma chave de identificação para chegar ao resultado correspondente em um banco de dados. Também é realizada uma comparação com amostras já identificadas em xilotecas. Importância da identificação e suas dificuldades Todos esses procedimentos têm como finalidade fornecer dados para a pesquisa botânica e auxiliar na fiscalização quanto ao uso correto das espécies, tanto sob aspectos sustentáveis e jurídicos, protegendo espécies ameaçadas, quanto sob aspectos comerciais, garantindo ao consumidor um material adequado para seus devidos fins, pois a correta identificação das madeiras, além de contribuir para um melhor planejamento das atividades madeireiras, aumenta consideravelmente a credibilidade do consumidor. A identificação de materiais vegetais em geral, também contribui para investigações criminais e registros históricos de patrimônios como obras de arte, espaços arquitetônicos antigos e construções abandonadas. A crescente preocupação quanto à exploração irracional dos recursos florestais, aliada à necessidade de melhoria da qualidade de produtos e serviços exigem uma utilização adequada desta importante matéria-prima e a multiplicidade de espécies 222

223 existentes faz da identificação anatômica de madeiras uma tarefa relativamente complicada. Na tentativa de diminuir as dificuldades, os anatomistas de madeira procuraram desenvolver métodos auxiliares como a publicação de manuais ilustrados, bancos de dados eletrônicos, intercâmbios de materiais entre xilotecas e a padronização de caracteres e utilização de nomes científicos. O uso de nomes populares, por ser específico em cada região, acaba contribuindo de maneira negativa, favorecendo fraudes, já que um mesmo nome popular pode ser utilizado para diferentes espécies. Além desta problemática, a obtenção de material em condições adequadas nem sempre é possível e assim, sem maiores informações ou conteúdos vegetais, a identificação é inviabilizada. Esta área de pesquisa vem crescendo a cada vez mais devido à vasta importância ecológica, econômica e acadêmica, demonstrando ser uma ferramenta necessária e pontual para amenizar e até mesmo evitar que o manejo de espécies seja realizado de maneira equivocada. Referências Bibliográficas Burger, L.M. & Richter, H.G. (1991). Anatomia da madeira. São Paulo. Editora Nobel. IAWA - International Association of Wood Anatomists. IAWA list of microscopic features for hardwood identification. IAWA Bulletin n.s. 10 (3): IBDF - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. (1985). Identificação e agrupamento de espécies de madeiras tropicais amazônicas; síntese. Brasília, IBDF, 59p. IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. (1992). Normas de procedimentos em estudos de anatomia de madeira: I. Angiospermae, II. Gimnospermae. LPF Série Técnica nº 15. Brasília, IBAMA. IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo. (1985). Madeira: o que é e como pode ser processada e utilizada. São Paulo: IPT. Manieri, C. (1983). Manual de identificação das principais madeiras comerciais brasileiras. São Paulo, PROMOCET, 241P. 223

224 Zenid, G.J.; Ceccantini, G.C.T.; Derivados, P. (2007). Identificação Botânica de Madeiras. São Paulo: IPT. Zenid, G.J. (1997). Identificação e agrupamento das madeiras serradas empregadas na construção civil habitacional na cidade de São Paulo. Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP. 169p. 224

225 Anotações: 225

226 CAPÍTULO XVII Estruturas secretoras nupciais e de proteção Josiana Cristina Ribeiro Juliana Castelo Branco Brasileiro Introdução O processo de secreção das plantas é definido como a transferência de um produto do metabolismo, seja este intermediário ou final, de uma região para outra dentro da própria célula ou para fora do protoplasto da célula secretora. Sendo assim, existem vários processos classificados como secreção nas plantas. Para uma melhor compreensão dos processos de secreção que iremos discutir aqui, é necessário um breve entendimento sobre o metabolismo primário e secundário nas plantas, pois ambos estão envolvidos com a função de secreção. Chama-se de metabolismo primário o processo no qual o produto decorrente pode ser armazenado ou não para uma posterior remobilização. Este é o que chamamos de produto intermediário, já citado no primeiro parágrafo, e como exemplos destes temos o RNA, os fotoassimilados, os hormônios, as substâncias percussoras de celulose, entre outros. Distintamente, no metabolismo secundário o produto é, geralmente, um composto de substâncias que não são mais funcionais no metabolismo da planta, mas possuem um importante valor adaptativo/ecológico para ela. Podemos citar os terpenos, alcaloides (nicotina, cafeína, cocaína), glicosídeos, taninos, resinas, cristais de oxalato de cálcio e flavonoides (pigmento); estes desempenham importantes funções relacionadas à proteção e polinização das plantas. Os produtos do metabolismo secundário podem ser liberados dentro de compartimentos no corpo da célula e ali permanecerem, ou armazenados para uma posterior eliminação. Este é o processo de secreção que trataremos neste capítulo. Existem diversas estruturas especializadas nesses processos de secreção nos vegetais que são denominadas, de um modo geral, de estruturas secretoras. Estas, por sua vez, tratam-se de células ou tecidos organizados e especializados que secretam substâncias específicas, e, geralmente, apresentam função determinada. O mesmo tipo de estrutura 226

227 secretora pode estar presente em diferentes órgãos, ou pode estar confinado em algum órgão. Tanto órgãos vegetais reprodutivos quanto vegetativos podem conter estruturas secretoras, por isso, além de seu importante papel ecológico, são fundamentais para a taxonomia e filogenia dos grupos. A topologia e o conteúdo do exsudato (composto de substâncias secretado) estão intimamente associados a função da estrutura secretora. A partir disso, podemos classifica-las em: estruturas/glândulas nupciais, associadas à polinização ou estruturas/glândulas protetoras, que desempenham uma função de defesa contra herbivoria. Estruturas secretoras Nupciais Existe uma grande variedade de tipos de glândulas nupciais e quanto maior a complexidade do mecanismo de polinização, maior a diversidade de glândulas em uma flor. Cabeça do estilete Uma grande variedade de espécies apresentam seus grãos de pólen agregados em polínias, que corresponde a todos os grãos de pólen de um saco polínico unidos, como ocorre em espécies da família Orchidaceae e da subfamília Asclepiadoideae (Apocynaceae). A cabeça do estilete é a porção superior dos estiletes fundidos, ocorrendo uma dilatação do ápice e recoberto lateralmente por epiderme secretora. A cabeça do estilete apresenta uma camada epidérmica de células secretoras dispostas em paliçadas que pode conter tricomas, esta epiderme pode cobrir grande parte desta estrutura, em algumas espécies de Apocynaceae esta epiderme pode estar diferenciada em cinco partes secretoras alternas às anteras. A sua secreção pode ser heterogênea, viscosa, amorfa, rígida sendo denominada translador. O polinário é composto pelo translador, que é secretado pela cabeça do estilete, e pelas polínias, formadas pelas anteras. O translador tem a forma de uma colher ou clips, onde o pólen será depositado, ele pode ser composto por um corpúsculo e duas caudículas, a polínia é presa pela caudícula ao corpúsculo. Primeiramente, é formado o corpúsculo e em sequência as caudículas, assim dando origem ao translador. As caudículas se ligam às polínias de anteras adjacentes completando a formação do 227

228 polinário. O Translador pode ser formado por lipídios, proteínas e fenólicos. O corpúsculo e as caudículas podem conter ácidos graxos, compostos fenólicos, mucilagem e proteínas. A secreção produzida está relacionada à dispersão do pólen, e a sua composição, aspecto e viscosidade parece estar relacionada ao grau de agregação dos grãos de pólen e mecanismo de polinização. A sua secreção auxilia na adesão do pólen ao polinizador e em seguida, promovendo a captura do pólen pelo estigma ou pela fenda estaminal da outra flor. Nectários florais (NF) São glândulas que secretam o néctar e estão localizadas nos órgãos reprodutivos. Os NF podem apresentar morfologias diversas, em muitas flores apresentam-se na forma de um anel contínuo ao redor do gineceu. Anatomicamente, estas glândulas consistem em epiderme, parênquima e feixe vascular (predominância de floema). O parênquima é responsável pelo armazenamento e, conjuntamente com o floema, pela produção do exsudato (néctar), que será liberado através de estômatos, ou tricomas localizados na epiderme secretora. O néctar contém altas concentrações de açúcares, aminoácidos e outros compostos orgânicos, que podem sofrer alterações influenciadas pelas condições do meio. O açúcar do néctar provém da fotossíntese realizada pelo próprio nectário ou em outros órgãos da planta, e o amido pode ser um produto intermediário de armazenamento. A quebra do amido armazenado torna possível a alta produção de néctar em qualquer momento do dia. Insetos, pássaros, morcegos, entre outros, visitam as flores em busca do néctar, em troca carregam consigo os grãos de pólen que serão liberados próximo ao estigma da própria ou de outra flor. Osmóforos São também conhecidas como glândulas de odor. Elas produzem e liberam compostos voláteis, de composição variável, que funcionam como atrativo para polinizadores com um longo alcance. A miofilia provocada por essas estruturas nas flores da tribo Ceropegieae (Apocynaceae) é um exemplo de adaptação que ocorreu neste grupo. As substâncias produzidas são compostas prioritariamente por óleos voláteis terpenos e compostos fenólicos de baixo peso molecular. O odor liberado pode ser 228

229 agradável ou desagradável, o tipo pode estar relacionado a coloração das pétalas. Em espécies de Ceropegieae, por exemplo, com pétalas marrom escuro, avermelhadas ou amareladas, o odor liberado é desagradável, enquanto que em flores de corola branca (Ditassa gracilis) o aroma é perfumado. Morfologicamente, os osmóforos possuem estruturas multicelulares, polimórficas, como já descrito para Orchidaceae. Em sua anatomia apresentam células epidérmicas simples e/ou subepidérmicas, tricomas ou papilas, presentes em muitas flores. Nas orquídeas estão localizadas no labelo, mas essas glândulas podem ser encontradas apenas no ápice das pétalas como em espécies do gênero Ceropegia (Apocinaceae). Estruturas Secretoras de Proteção As plantas utilizam um amplo conjunto de características de defesa contra diversos fatores como a herbivoria, patogenia, estresse hidríco. Coléteres Os coléteres além de estarem nas flores também estão nas folhas. Dentre as diversas estruturas secretoras presentes nas Angiospermas, os coléteres destacam-se como glândulas que produzem uma secreção viscosa. Eles podem ser encontrados nos órgãos vegetativos e/ou reprodutivos de diversas famílias de Eudicotiledôneas, como na lâmina foliar, nervura central, na base dos pecíolos, brácteas, bractéolas, sépalas, em ápice caulinares e regiões nodais. Em coléteres, observa-se uma epiderme unisseriada secretora composta por células colunares dispostas em paliçada e um eixo parenquimático não secretor, cujas células são alongadas longitudinalmente em relação ao coléter. Na grande maioria, os coléteres são avascularizados, como por exemplo, nas espécies da família Apocynaceae. Os coléteres secretam diversas substâncias podendo apresentar uma hipoderme secretora de fenólicos que confere uma cor enegrecida aos coléteres foliares, algumas espécies podem secretar mucilagem, glicose, ramnose, amido, proteína e compostos lipofílicos. A ocorrência de coléteres tem uma grande relevância taxonômica e ecológica. Os coléteres mudam de cor durante as fases de secreção, durante a fase pré-secretora 229

230 eles são verdes, na fase secretora tornam-se amarelados e castanhos do ápice para a base durante a senescência - fase pós-secretora, já em coléteres que apresentam hipoderme secretora eles são enegrecidos durante a fase secretora. A sua secreção permeia e protege os meristemas e órgãos em desenvolvimento, contra o dessecamento devido à capacidade de retenção de água da mucilagem, proliferação de fungos e fitófagos, imobilizando-os. Tricomas Os tricomas podem ser tectores ou glandulares, são encontrados no caule, nas folhas, nas sépalas, no pedúnculo e nas raízes. Os tricomas tectores podem ser unicelulares ou multicelulares. Os tricomas simples (unicelulares) são muito comuns podendo variar em seu tamanho, na sua forma e espessura da parede. Os multicelulares podem ser ramificados ou não. Os ramificados unisseriados compõem-se de uma única fileira de células, já os multisseriados compõem-se de mais de uma fileira de células. Dos tricomas tectores podemos citar os estrelados, que possuem o ápice com ramificações e possuem uma ou mais células formando a haste. Os escamiformes, estes tricomas geralmente são achatados e multicelulares. Os sésseis apresentam-se sem hastes são denominados escamas e com hastes são denominados tricomas peltados, estes tricomas tem a função de absorver água e sais da atmosfera. E os radiculares, que são células epidérmicas alongadas das raízes, têm um papel importante no aumento da absorção das raízes. Tricomas glandulares são multicelulares ou unicelulares podendo conter várias substâncias na sua secreção como óleos, néctar, resinas, mucilagem, sucos digestivos e água. Estes tricomas podem apresentar uma grande variedade de formas e tamanhos. As células que constituem a cabeça são secretoras e sua secreção pode ser eliminada através dos poros cuticulares ou por rompimento da cutícula. No entanto os tricomas urticantes apresentam uma célula secretora apical que possui uma base dilatada, volumosa envolvida com a epiderme e uma porção superior tubular bastante alongada. Esta célula secretora produz cristais que ficam localizados numa região subapical onde ocorre a ruptura por ação mecânica formando uma cunha que penetra facilmente na pele liberando a secreção urticante. Já as plantas carnívoras desenvolvem tricomas bem especializados, com secreção mucilaginosa, capazes de capturar a preza como insetos e pequenos animais e enzimas para digerí-los. 230

231 Laticíferos São células especializadas ou uma fileira de células que produzem látex. Laticíferos estão presentes em diversas espécies vegetais. Além de estarem presentes em órgãos florais e frutos, também podem ser encontrados nos tecidos fundamentais e vasculares dos órgãos vegetativos como no caule, nas folhas e no córtex das raízes. Geralmente o látex é constituído por polissacarídeos, proteínas, ácidos graxos e aromáticos, enzimas, grãos de amido, taninos, terpenos, como hidrocarbonetos poliisoprênicos (borracha), compostos fenólicos e alcaloides. Os laticíferos são classificados como articulados ou não articulados. Os laticíferos articulados não-anastomosados consistem de séries simples ou ramificadas de células. Os laticíferos articulados anastomosados, cujas paredes celulares dissolvem-se rapidamente, podendo também ramificar-se por fusão lateral de outras células e consequentemente se alongam fazendo com que cresçam em comprimento. Os não articulados se desenvolvem a partir de uma única célula que se alonga com o crescimento da planta podendo-se ramificar. Os laticíferos são encontrados desde o início da formação da planta, originando-se em células do meristema fundamental e/ou do procâmbio. A forma de crescimento dos laticíferos no corpo da planta deve-se à adição de novas células meristemáticas seguido do alongamento celular. A cor do látex pode variar entre branco, avermelhado, amarelado ou esverdeado. Isto se deve ao látex conter uma diversidade de compostos biologicamente ativos, os quais podem ser vários metabólitos especializados e proteínas em concentrações que geralmente são muito mais altos que nas demais células da folha. Os laticíferos tem a função de proteção da planta contra a herbivoria, devido à presença de compostos tóxicos, dissuasivos alimentares e compostos que inibem o crescimento de microorganismos, como fungos e bactérias, e de selar ferimentos, pois o látex coagula rapidamente funcionando como uma barreira física à entrada de patógenos. Portanto, conferindo maior sucesso evolutivo às plantas latescentes em relação às não latescentes nos diversos ambientes. 231

232 Nectários extraflorais (NEF) São glândulas secretoras de néctar não envolvidas diretamente com a polinização, presentes em caules jovens, pecíolos, estípulas, lâminas foliares e peças florais estéreis. Sua principal função está relacionada com a proteção da planta contra herbivoria, servindo como uma fonte de substâncias atrativas para insetos (como formigas), que, em troca, fornecem proteção a planta contra o ataque de outros insetos, como a fase larval de borboletas. Espécies de Passiflora (Passifloraceae) possuem relações mutualistas entre os NEF e insetos, por isso, constantemente são realizados estudos de relações ecológicas e evolutivas com espécies dessa família. Os NEF possuem estruturas diversas e anatomia semelhante aos NF, com epiderme, parênquima e feixe vascular, porém com a possibilidade de vascularização ausente. O néctar dessas glândulas também é como no NF, contém uma alta proporção de açúcares, quantidades significantes de aminoácidos e pequenas proporções de outros compostos orgânicos. Referências bibliográficas: Agrawal, A.A & Fishbein, M. (2006). Plant defense syndromes. Ecology, 87:S132- S149. Appezzato-da-Glória, B.; Estelita, M.E.M. (2000). Development, structure and distribution of colleters in Mandevilla illustris and M. velutina (Apocynaceae). Revista Brasileira de Botânica, 23: Appezzato-da-Glória, B & Guerreiro-Carmello, S.M. (2006). Anatomia vegetal. 2 ed. rev. atu. Viçosa: UFV. 438p. Beck, C.B. (2005). An Introduction to Plant Structure and Development. Cambridge University Press, p Demarco, D. (2005). Estruturas secretoras florais e coléteres foliares em espécies de cerrado de Aspidosperma Mart. e Blepharodon Decne. (Apocynaceae s.l.). Campinas, Dissertação de Mestrado, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas. Demarco, D. (2008). Glândulas de órgãos vegetativos aéreos e florais de espécies de Asclepiadeae (R.Br.) Duby (Asclepiadoideae, Apocynaceae) de Mata Atlântica do Estado de São Paulo. Campinas, Tese de Doutorado, Instituto de Biologia, Universidade Estadual de Campinas. 232

233 Demarco, D. (2014). Secretory tissues and the morphogenesis and histochemistry of pollinarium in flowers of Asclepiadeae (Apocynaceae). International Journal of Plant Sciences, 175: Demarco, D. (2017). Floral glands in asclepiads: structure, diversity and evolution. Acta Botanica Brasilica. 31:in press. Demarco D.; Kinoshita L.S.; Castro M.D.M. (2006) Laticíferos articulados anastomosados: novos registros para Apocynaceae. Revista Brasileira de Botânica 29: De Bary, A. (1884). Comparative anatomy of the vegetative organs of the phanerogams and ferns. English translation by F.O. Bower & D.H. Scott, Oxford, Clarendon Press. Endress, M.E & Bruyns, P. V. (2000). A Revised Classification of Apocynaceae s.l. The Botanical Review, 66:1-56. Endress, P.K. (1994). Diversity and evolutionary biology of tropical flowers. Cambridge, University Press. Fahn, A. (1979). Secretory tissues in plants. London, Academic Press. Fallen, M.E. (1986). Floral structure in the Apocynaceae: morphological, functional and evolutionary aspects. Botanishe Jahrbücher für Systematik, 106: Farrell, B. D.; Dussourd, De.; Mitter, C. (1991). Escalation of plant defense: do latex/resin canals spur plant diversification? American Naturalist, 138: Giordani, R.; Tolla, D.; Regli, P.; Buc, J. (2000). Role of terpenes from Asclepias curassavica latex for antifungal activity. Journal de Mycologie Medicale, 10: Mahlberg, P.G. (1993). Laticifers: an historical perspective. The Botanical Review, 59:1-23. Metcalfe, C.R & Chalk, L. (1950). Anatomy of the dicotyledons: leaves, stem and wood in relation to taxonomy with notes on economic uses. 2 v., Oxford, Clarendon Press. Pickard, W.F. (2008). Laticifers and secretory ducts: two other tube systems in plants. New Phytologist 177: Ribeiro, J.C.; Ferreira, M.J.P.; Demarco, D. (2017). Colleters in Asclepeadoideae (Apocynaceae): protection of meristems against desiccation and new functions assingned. Intenational Journal of Plant Sciences. DOI: / Da Silva, A.G. (1992). Osmóforos: Restrospectiva dos últimos 20 anos de pesquisa. Rodriguésia, Rio de Janeiro, 42-44:

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235 235

236 CAPÍTULO XVIII Respostas das plantas ao estresse hídrico Priscila Pires Bittencourt Sara Sangi Miranda Introdução Qualquer alteração negativa na fisiologia de uma planta, devido à influência de um fator externo que alteram o seu equilíbrio pode ser estabelecido como estresse. O termo foi definido como "qualquer condição desfavorável ou substância que afeta ou bloqueia o metabolismo, o crescimento ou o desenvolvimento de uma planta", por Lichtenthaler (1996). Podendo ser medido em relação a fatores que possam estar relacionadas com desenvolvimento, crescimento, produtividade e sobrevivência da planta. Estresses abióticos como salinidade, seca, inundações, calor, frio, excesso de luz, radiação UV, toxidade de metais pesados afetam direta e indiretamente no crescimento e produtividade das plantas. Dessa forma, as plantas apresentam mecanismos de adaptação e aclimatação à estresses ambientais como forma de os tolerarem. Algumas adaptações ao nível de folha são conhecidas como: Transformação de folhas em espinhos; Redução do tamanho da folha; Eficiente controle estomático; Queda das folhas (abscisão foliar); Redução no número de folhas; Maior espessura da parede celular e maior presença de cera. Algumas adaptações ao nível de caule são: Diminuição da altura; Engrossamento e retorcimento; Caule chamado de cladódio (cactáceas); Alto teor de hidrofóbicos; 236

237 Metabolismo ácido das crassuláceas e armazenamento no caule ou raiz. Adaptações ao nível de raiz são: Aprofundamento e engrossamento (inteiramente e parcialmente) das raízes (Figura 1). Figura 21. Algumas adaptações ao estresse hídrico em relação a raiz, caule e folha O processo de adaptação de um determinado organismo a um novo ambiente ou as mudanças que ocorreram no mesmo é definida como aclimatação, que envolve um conjunto de regulações estruturais, fisiológicas e bioquímicas em relação a essa mudança ambiental sofrida. Quanto maior o potencial de aclimatação da planta, mais rápido é a sua capacidade de resposta às variações ambientais. A capacidade de alteração das respostas às variações ambientais está relacionada à plasticidade das espécies, o qual está relacionado ao potencial de aclimatação da espécie. Plasticidade fenotípica é a capacidade de um único genótipo apresentar diversos fenótipos de acordo com as diferentes condições ambientais, sendo este um fenômeno comum. Como a maioria das plantas são organismos sésseis, este é um meio pelo qual estas enfrentam a heterogeneidade do ambiente. Não é um estudo recente, no entanto tem ganhado um maior destaque devido sua importância em estudos evolutivos, principalmente no cenário atual de grandes mudanças climáticas. Segundo a OMM (Organização Meteorológica Mundial), o ano de 2016 obteve uma temperatura mundial recorde sendo considerado o ano mais quente da história, 237

238 desde 1880 quando se começou a registrar as temperaturas. As previsões realizadas pela OMM apontam que as condições climáticas extremas continuarão em E alertam que as correntes de ar serão cada vez mais instáveis devido ao aquecimento global, levando assim, a mais situações de clima extremo. E ainda, dados científicos apontam para uma variação significativa dos índices pluviométricos, podendo destacar eventos consideráveis de seca. A seca é um evento climático extremo, caracterizada por precipitação abaixo do normal durante um período de meses a anos. Estresse hídrico Quando a disponibilidade hídrica do solo é inferior à demanda exigida pela planta, caracteriza-se um evento de estresse hídrico. Os primeiros efeitos do déficit hídrico são em nível celular com perda de turgor na célula e diminuição no potencial hídrico e osmótico, o que afeta, consequentemente, o crescimento das plantas. Respostas ao déficit hídrico estão relacionadas com a capacidade de controlar a perda de água nas células. Dessas respostas, destaca-se o fechamento estomático e em consequência a diminuição na condutância estomática, o que leva a uma diminuição na taxa de transpiração provocando um decréscimo na taxa de fotossíntese e por consequência a diminuição da difusão do CO 2 para os espaços intercelulares. Em condições de estresse hídrico severo e prolongado, processos bioquímicos e moleculares afetam a inibição fotossintética. A todo o momento, as plantas estão condicionadas ao estresse, por um ou mais fatores ambientais, desta forma, espécies que são capazes de perceber estímulos e responder de maneira rápida e eficaz apresentam maior capacidade para se estabelecerem em diferentes ambientes. Assim, a plasticidade fenotípica mantém a homeostase das plantas sob condições de estresse. Organismos vivos apresentam evidências de que o desenvolvimento de mudanças de características funcionais e estruturais estão associados aos fatores ambientais que estão expostos. Na maioria das vezes a plasticidade esperada na natureza é menor do que a observada então por isso, sugere-se a existência de um custo de plasticidade. Estes custos podem variar de acordo com a condição pela qual a planta está submetida, sendo mais importantes em ambientes estressantes. 238

239 As mudanças produzidas nas espécies que apresentam elevado potencial de plasticidade fenotípica favorecem a adaptação em ambientes instáveis, heterogêneos ou de transição, pois facilita a exploração de novos nichos. Espécies pioneiras, espécies que normalmente iniciam a colonização do biótipo e são resistentes aos fatores abióticos do mesmo, normalmente apresentam maior flexibilidade. Sendo assim, em populações de ambiente heterogêneo, espera-se observar maior potencial plástico. Uma considerável plasticidade fotossintética também pode ser observada em grande parte das plantas, principalmente plantas que apresentam Metabolismo Ácido das Crassuláceas (CAM). As plantas CAM facultativas são um exemplo dessa plasticidade, onde o comportamento CAM é uma opção, e não uma obrigatoriedade em termos de mecanismo de fixação do carbono. Plantas que apresentam essa plasticidade podem ciclar livremente entre os comportamentos fotossintéticos CAM e C 3 (ou C 4 ) dependendo das condições ambientais circundantes. Em contraste, nas plantas conhecidas como CAM constitutivas, o ciclo CAM é expresso mesmo quando as condições ambientais encontram-se propícias à captura diurna do CO 2. O CAM é um modo especializado de fotossíntese que apresenta um mecanismo de conservação de água, quando comparado com a fotossíntese C 3. A absorção de CO 2 ocorre principalmente a noite, quando a força motriz para a perda d água através da transpiração é menor, então a eficiência do uso da água (EUA) (ou WUE, em inglês) é melhorado. Dessa forma, é possível observar uma abundância de espécies CAM em locais com limitações de água. O metabolismo CAM, apresenta um fluxo massivo diário do carbono entre os carboidratos de reserva produzidos durante o período iluminado e os ácidos orgânicos acumulados durante o período noturno. Este comportamento fotossintético pode apresentar variações, dependendo das condições ambientais. Além do CAM clássico (ou Classic-CAM ), outro mecanismo conhecido é o CAM reciclador (ou CAM-cycling, em ingle s), o qual apresenta um padrão diurno de trocas gasosas similares ao observado em plantas C 3 (abertura estomática apenas durante o período iluminado), mas que apresenta acúmulo noturno de ácidos orgânicos tal qual observado nas plantas CAM clássicas. Acredita-se, portanto, que a fonte principal de CO 2 para a formação noturna dos ácidos orgânicos nas plantas CAM cycling seria a respiração noturna dos tecidos. Quando em condições de escassez hídrica severa, plantas CAM clássicas e CAM-cycling podem apresentar uma terceira variação do comportamento CAM, 239

240 conhecido como CAM ocioso (ou CAM-idling, em ingle s). O CAM-idling é caracterizado por apresentarem os estômatos fechados 24 horas por dia, mas apresentam flutuação diurna nos teores de ácidos. Devido a falta de captura líquida de CO 2 atmosférico, o CAM-idling, não proporciona ganhos adicionais de carbono. No entanto, não permite o crescimento do vegetal, o CAM-idling propicia um mecanismo eficiente para reciclar grande parte do CO 2 respiratório, ao mesmo tempo em que os estômatos completamente fechados durante dia e noite minimizam a perda de água pela planta. Acredita-se que o CAM-idling ajude na manutenção de um balanço positivo de carbono e auxilie na redução dos efeitos deletérios dos processos de fotoinibição e fotorrespiração durante períodos intermitentes de intenso estresse hídrico. Em condições estressantes, plantas capazes de apresentar esse comportamento fotossintético, se beneficiariam com uma retomada mais rápida na captura de CO 2 atmosférico quando as condições ambientais se tornam mais amenas e propícias ao crescimento vegetal. Figura 2: A) Fatores abióticos, como disponibilidade de água, podem induzir comportamentos fotossintéticos CAM e C 3 /C 4. Essas alterações podem ser reversíveis, plantas que apresentam essa plasticidade podem ciclar livremente entre os comportamentos fotossintéticos. B) Variações dos comportamentos fotossintéticos CAM, dependendo das condições ambientais. Ácido abscísico 240

241 O ácido abscísico (ABA) é responsável por regular vários processos do ciclo de vida das plantas, estando envolvido na maioria das respostas aos estresses ambientais, incluindo o déficit hídrico, salinidade e as baixas temperaturas. Plantas submetidas a condições de estresse hídrico ou salino apresentam incrementos consideráveis no conteúdo endógeno de ABA, os quais parecem ser decorrentes principalmente de um aumento na síntese desse hormônio. Uma função do ABA durante o crescimento vegetal é mediar a resposta a estresses ambientais tais como a seca, a salinidade e o frio. Níveis ligeiramente elevados de ABA (característica das condições de estresse hídrico moderado) promovem o crescimento das raízes, mas inibem o crescimento dos brotos. No entanto, em condições de estresse hídrico severo, o crescimento de raízes e brotos são inibidos, em compensação a formação de raízes laterais é promovida. Genes associados com as respostas de defesa a estresses abióticos são expressos apenas quando os teores de ABA são elevados, por exemplo, com frio e estresse hídrico. Acredita-se que existam pelo menos, dois caminhos de expressão gênica em resposta ao estresse: um dependente e outro independente do ABA, pois sabe-se que vários outros genes induzidos por estresses ambientais são indiferentes ao tratamento com ABA exógeno. Alguns estudos analisaram transcriptomas inteiros de diferentes genótipos expostos a diferentes estresses. As análises revelaram que muitos fatores de transcrição são regulados pelo estresse, incluindo transcritos e pseudogenes. Estes estudos mostraram que 25-50% dos genes regulados pela ABA também são regulados pela seca ou salinidade. Efeitos desse hormônio na proteção ao déficit hídrico são exercidos principalmente através da indução da expressão de genes que codificam a síntese de proteínas que apresentam função de evitar perda de água e restaurar danos celulares. Outras respostas fisiológicas de grande valor adaptativo para a sobrevivência das plantas em condições de baixa disponibilidade hídrica também são controladas pelo ácido abscísico. Referências Coelho, G. (2009). Efeito de épocas de irrigação e de parcelamento de adubação sobre a produtividade do cafeeiro Catuaí. Ciência e Agrotecnologia, v. 33, n. 01, p

242 Cushman, J.C. (2000). Crassulacean acid metabolism. A plastic photosynthetic adaptation to arid environments. Plant Physiology 127: Da Matta, F.M. (2004). Exploring drought tolerance in coffee: a physiological approach with some insights for plant breeding. Brazilian Journal of Plant Physiology, v. 16, n. 01, p Gaspar, T.; Franck, T.; Bisbis, B.; Kevers, C.; Jouve, L.; Hausman, J.F.; Dommes, J. (2002). Concepts in plant stress physiology. Application to plant tissue cultures. Plant Growth Regulat. 37, Herrera, A. (2009). Crassulacean acid metabolism and fitness under water deficit stress: if not for carbon gain, what is facultative CAM good for? Annals of Botany, 103: Disponível em: Acesso em: 02 de maio de Kranner, I.; Farida, V.M.; Richard, P.B.; Charlotte, E. S. (2010). What is stress? Concepts, definitions and applications in seed science. New Phytol, 88, Lichtenthaler, H.K. (1996). Vegetation stress: an introduction to the stress concept in plants. J. Plant Physiol. 148, Moreira, M.A.; Adami, M.; Rudorff, B.F.T. (2004). Análise espectral e temporal da cultura do café em imagens Landsat. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 39, n. 03, p , Nakashima, K.; Ito, Y.; Yamaguchi-Shinozaki, K. (2009). Transcriptional regulatory networks in response to abiotic stresses in Arabidopsis and grasses. Plant Physiol. Pivello, V.R. (2010). Role of phenotypic plasticity in the invasiveness of a grass species of global importance. In: Association for Tropical Biology and Conservation. Rabelo, R.G.; Vitória, A.P.; Silva, M.V.A.; Cruz, R.A.; Pinho, E.I.B.; Rodrigues, D.R.; Freitas, A.V.; Cunha, M. (2013). Structural and ecophysiological adaptations to Forest gaps. Trees, v.27: Valladares, F.; Gianoli, E.; Gómez, J.M. (2007). Ecological limits to plant phenotypic plasticity. New Phytologist, [s.l.], v. 176, n. 4, p , dez. Vítolo, H.F. (2011). Influência da temperatura de armazenamento na qualidade de sementes de Caesalpinia peltophoroides Benth. (sibipiruna) Dissertação de mestrado UNOESTE - SP. Winter, K.; Aranda, J.; Holtum, J.A.M. (2005). Carbon isotope composition and wateruse efficiency in plants with crassulacean acid metabolism. Functional Plant Biology, 32:

243 Winter, K.; Garcia, M.; Holtum, J.A.M. (2008). On the nature of facultative and constitutive CAM: environmental and developmental control of CAM expression during early growth of Clusia, Kalanchoe, and Opuntia. Journal of Experimental Botany, 59: Winter, K.; Garcia, M.; Holtum, J.A.M. (2009). Canopy CO2 exchange of two neotropical tree species exhibiting constitutive and facultative CAM photosynthesis, Clusia rosea and Clusia cylindrica. Journal of Experimental Botany, 60: Winter, K.; Holtum, J.A. (2014). Facultative crassulacean acid metabolism (CAM) plants: powerful tools for unravelling the functional elements of CAM photosynthesis. J Exp Bot. 243

244 Anotações: 244

245 CAPÍTULO XIX Nutrição mineral: avaliando a escassez nutricional em plantas Antônio Azeredo Coutinho Neto Me. Priscila Primo Andrade Silva Dra. Ana Zangirolame Gonçalves 1) Introdução Os elementos minerais presentes no solo estão disponíveis para absorção das plantas na forma de íons (ânions e cátions) e são requeridos em maior ou menor quantidade dependendo da função exercida na planta. Estes íons são necessários na formação de diferentes compostos essenciais às diversas reações bioquímicas e moleculares nas plantas, como o crescimento, a reprodução e a manutenção do seu metabolismo. De acordo com estudos recentes, pode-se encontrar mais de 60 elementos químicos nas plantas, dos 89 elementos disponíveis naturalmente no ambiente. Entretanto, apenas um pouco mais de uma dezena de elementos são considerados indispensáveis para seu desenvolvimento, crescimento e reprodução (vide Capítulo 20). Para ser considerado essencial, o elemento deve seguir alguns critérios de essencialidade: (1) a deficiência desse elemento impossibilita a planta de completar o seu ciclo de vida; (2) o elemento que está em escassez para a planta não pode ser substituído por outro elemento com características químicas similares; e (3) o elemento em deficiência para a planta participa diretamente do seu metabolismo. Os elementos químicos podem ser classificados em (1) elementos não minerais, que são aqueles obtidos prioritariamente por meio da água e do dióxido de carbono, como o carbono (C), o oxigênio (O) e o hidrogênio (H), ou (2) elementos minerais, que são aqueles obtidos através do substrato. Ainda, estes elementos químicos são divididos em macronutrientes, que são aqueles que as plantas necessitam em maior quantidade, e em micronutrientes, que as plantas necessitam em menor quantidade (Tabela 1). O estudo das necessidades dos diferentes elementos minerais (macro e micronutrientes), de como são absorvidos, transportados e assimilados pelas plantas é conhecido como nutrição mineral. Estes elementos são absorvidos por meio das raízes das plantas, mas 245

246 em alguns casos também podem ser absorvidos por meio de tricomas foliares (em bromélias epífitas, por exemplo). Tabela 1. Concentrações médias de alguns elementos classificados como essenciais para as plantas. Modificado de Buchanan et al. (2015). Elemento essencial Símbolo químico Concentração em tecido fresco Macronutrientes mm Nitrogênio N 71,4 Potássio K 17 Cálcio Ca 8,3 Fósforo P 4,3 Magnésio Mg 5,5 Enxofre S 2,1 Micronutrientes µm Cloro Cl 188 Ferro Fe 120 Boro B 123 Manganês Mn 61 Zinco Zn 20,4 Cobre Cu 6,2 Níquel Ni 0,006 Molibdênio Mo 0,07 2) Disponibilidade dos elementos minerais no ambiente No solo, os elementos minerais estão difundidos na água intersticial nas formas aniônicas e catiônicas. Alguns destes elementos são resultantes de um processo conhecido como intemperismo, o qual decompõe os diferentes tipos de rochas em íons ou minerais primários, que posteriormente darão origem a minerais secundários por meio de reações químicas, e poderão ser absorvidos e translocados pelas plantas. Na fração argilosa do solo, comumente encontramos os minerais em três estágios (Tabela 2). Os nutrientes minerais presentes no solo sofrem sucessivas reações químicas (geralmente hidrólises) formando compostos com maior disponibilidade para a absorção e o transporte nas plantas e/ou microorganismos. Porém, se estes compostos não são absorvidos, a tendência é que sejam lixiviados pela água da chuva. Entretanto, alguns íons ficam aderidos à superfície das partículas de argila, especialmente em solos em estágio inicial de intemperismo. 246

247 Tabela 2. Minerais mais comuns encontrados na fração argilosa do solo. Modificado de Kerbauy (2008). Mineral Fórmula química Minerais primários Calcita CaCO 3 Gesso CaSO 4 2H 2 O Olivina (Mg, Fe) 2 SiO 4 Mica K 2 Al 2 O 5 [Si 2 O 5 ] 3 Al 4 (OH) 4 K 2 Al 2 O 5 [Si 2 O 5 ] 3 (Mg, Fe) 6 (OH) 4 Feldspato (Na, K)AlO 2 [SiO 2 ] 3 CaAl 2 O 4 [SiO 2 ] 2 Zircão ZrSiO 4 Rutilo TiO 2 Epidoto Ca 2 (Al, Fe) 3 (OH)Si 3 O 12 Turmalina NaMg 3 Al 6 B 3 SiO 27 (OH, F) 4 Birnessita (Na, Ca)Mn 7 O 14 2,8H 2 O Minerais secundários (argilas silicatadas) Esmectita M x (Si, Al) 8 (Al, Fe, Mg) 4 O 20 (OH) 4 Vermiculita Clorita X = Cátion na intercamada Caolinita Si 4 Al 4 O 10 (OH) 8 Alofana Si 4 Al 4 O 12 nh 2 O Minerais secundários (óxidos) Imogolita Si 4 Al 4 O 10 5H 2 O Gibbsita Al(OH) 3 Goethita FeO(OH) Hematita Fe 2 O 3 Ferridrita Fe 10 O 15 9H 2 O Os componentes do solo possuem maior quantidade de carga negativa do que positiva e, com isso, atraem e adsorvem mais os íons positivos. Nos solos mais ácidos, os grupos funcionais das moléculas inorgânicas assumem carga positiva e, em meio menos ácido ou alcalino, a superfície assume carga líquida negativa. A capacidade de troca catiônica (CTC) de uma superfície pode ser determinada como a quantidade de mols de carga positiva presa por unidade de massa de argila. Cada tipo de solo possuí uma determinada CTC, determinando a absorção de cada nutriente. 3) A absorção e o transporte dos nutrientes A maioria das plantas absorvem os nutrientes por meio de um sistema radicular especializado. Todavia, em locais úmidos e quentes, as plantas podem absorver o nitrogênio excretado por bactérias e cianobactérias (fixadoras de nitrogênio) aderidas na 247

248 superfície foliar. Materiais secos ou úmidos que são depositados sobre as folhas, oriundos da poluição e do uso de substâncias borrifadas (por exemplo, pesticidas e adubos) também entram pela epiderme. Além disso, algumas espécies de plantas possuem estruturas especializas nas folhas que ajudam na absorção de água e nutrientes, denominadas tricomas foliares (vide Capítulo 14). Quando contidos na solução do solo, os nutrientes minerais podem penetrar nas raízes por três vias, denominadas apoplástica, simplástica e transmembrana. A primeira ocorre por meio da translocação dos nutrientes entre os espaços intercelulares (apoplasto) do parênquima cortical até a endoderme, onde estão localizadas as estrias de Caspary (estruturas lignificadas que não permitem a passagem de nenhuma substância). Entretanto, devido à quantidade de pectinas que constituem as paredes celulares e as lamelas médias, esta via permite apenas a entrada de cátions, uma vez que as pectinas possuem um grupo carboxílico (RCOO - ) que repele os ânions. Assim, os ânions necessariamente são translocados via simplasto, ou seja, dentro da célula (intracelular), através dos plasmodesmos e/ou via transmembrana, por meio de canais nas membranas celulares e tonoplasto (intracelular). Vale ressaltar que os cátions também são translocados via simplasto. A captação dos íons da solução do solo para dentro das células ocorre por meio de carregadores (ou sistema de carregadores) que se movem dentro do sistema de membranas e/ou através de canais iônicos (ou túneis de proteína) cuja posição é fixa na membrana celular, sendo ambas as estruturas formadas por grandes moléculas proteicas ou complexos dessas proteínas. Existem carregadores de alta e baixa afinidade específicos para cada tipo de íon. Os mecanismos de transporte de alta afinidade são ativados quando há baixas concentrações desses nutrientes, enquanto os mecanismos de baixa afinidade são ativados quando há altas concentrações dos mesmos. Além dos íons, as plantas também podem absorver algumas moléculas de baixo peso molecular, como a ureia e os aminoácidos. Contudo, os íons são as fontes mais disponíveis para absorção na solução do solo. As plantas também possuem mecanismos bioquímicos e fisiológicos que ajudam na absorção, como a excreção de H + - e HCO 3 originados a partir da atividade respiratória, promovendo trocas iônicas nas superfícies das argilas e partículas húmicas, disponibilizando os demais íons para a absorção. Esta liberação de H +, combinada ao aumento da capacidade de redução das raízes e a liberação de substâncias de baixo peso molecular (aminoácidos), são responsáveis pela 248

249 formação de quelatos metálicos [Ferro (Fe), Alumínio (Al) e Manganês (Mn)] que são absorvidos facilmente pelas raízes das plantas. As três principais formas de transportes dos elementos minerais são: (1) cotransporte ou simporte, quando dois íons de cargas opostas são transportados simultaneamente através da membrana por meio de carregadores; (2) contra-transporte ou antiporte, quando um íon dentro da célula é trocado pelo íon absorvido, sendo ambos de mesma carga e realizado por carregadores; e (3) unipórtico, quando dois íons são transportados em sentidos opostos por meio de um canal iônico, devido a uma diferença de potencial elétrico entre o citosol e o apoplasto. Os transportes de íons podem acontecer tanto a favor, como contra um gradiente de concentração, pois frequentemente as plantas necessitam acumular íons. Quando um íon é transportado contra a um gradiente de concentração, é necessário gasto energético pela planta e este processo ativo de transporte depende do fornecimento de energia proveniente da fotossíntese e da respiração. Por outro lado, não há gasto energético quando um íon é transportado a favor de um gradiente de concentração. 4) Fatores que influenciam a disponibilidade, a absorção e o transporte dos nutrientes A absorção das diferentes formas de nutrientes pelas raízes das plantas é dependente de interações físico-químicas do ambiente, como aeração, temperatura, disponibilidade hídrica, ph, interações bióticas e o tipo de substrato. Além disso, a capacidade de absorver e transportar os nutrientes também é depende do estágio de desenvolvimento que o vegetal se encontra. 4.1) Interações físico-químicas 4.1.1) Aeração É essencial que a região próxima das raízes (rizosfera) apresente aeração, visto que as raízes, assim como outros tecidos, realizam a respiração celular aeróbica. Em solos alagados, as plantas enfrentam a falta de quantidade ótima de oxigênio no solo, causando uma redução na absorção de alguns nutrientes, como potássio e fosfato. Alguns nutrientes precisam ser oxidados por bactérias aeróbicas para que possam ser absorvidos pelas plantas, como os íons NH + 4 e NO - 3. Entretanto, muita aeração pode causar uma redução da disponibilidade de Fe e Mn, devido a sua insolubilidade das formas oxidadas. 249

250 4.1.2) Temperatura A temperatura do substrato influencia a capacidade de difusão das moléculas, influenciando em uma maior ou menor absorção pelos vegetais. A velocidade das reações químicas também é alterada pela temperatura, pois as reações químicas tendem a aumentar sua velocidade em temperaturas mais altas, enquanto reduzem sua velocidade em temperaturas mais baixas. Em temperaturas extremamente frias, a difusibilidade e as reações químicas das moléculas podem diminuir bastante, além da possibilidade de formar cristais e danificar tecidos ou células dos vegetais quando a água congela. Por outro lado, a viscosidade da água decresce em temperaturas muito altas, levando a uma maior percolação dos íons e degradação das enzimas ) Disponibilidade hídrica A água é o meio de transporte dos nutrientes. Uma vez que os nutrientes estão solubilizados na água, estes podem ser absorvidos e transportados dentro da planta pelos vasos condutores. Alguns elementos possuem menor mobilidade nas plantas, como o cálcio, que necessita de muita água para ser absorvido e transportado ) Concentração hidrogeniônica do meio (ph) A concentração dos íons de hidrogênio pode afetar direta ou indiretamente a disponibilidade dos nutrientes para as raízes das plantas ou ainda causar toxicidade química. A acidez do substrato pode aumentar quando elementos como o cálcio e o magnésio são perdidos, por percolarem o substrato junto com a água. A maior acidez no substrato pode disponibilizar maiores quantidades de micronutrientes, que em altas concentrações podem causar toxicidade para as raízes das plantas. Apesar dos diferentes níveis de ph no substrato, os elementos geralmente estão disponíveis para obtenção das plantas na faixa de ph 5,0 a 6,5 (Figura 1). 250

251 Figura 1. Influência do ph do substrato na disponibilidade de nutrientes para as plantas em solos orgânicos. Modificado de Taiz & Zeiger (2013) ) Interações bióticas Muitas plantas estabelecem associações simbióticas entre suas raízes e fungos micorrízicos. Esse tipo de interação possibilita o aumento da área de absorção de nutrientes das raízes, pois as hifas dos fungos crescem e alcançam maiores áreas do solo e absorvem água e nutrientes. Por exemplo, plantas com micorrizas obtêm mais fosfato e nitrogênio que plantas sem estas interações (Figura 2). Os fungos, por sua vez, obtêm um local com condições ótimas de desenvolvimento e presença de foto-assimilados produzidos pelas plantas hospedeiras. Ainda, as plantas micorrizadas são menos afetadas negativamente em solos com altas concentrações de metais e outros sais. 251

252 Figura 2. (A) Erythrina speciosa sem micorrizas; (B) Erythrina speciosa com micorrizas e maior crescimento em relação à planta sem micorrizas; (C) Detalhe das micorrizas nas raízes de Erythrina speciosa. 5) A função de cada elemento mineral e os sintomas de sua escassez Os elementos minerais desempenham diversas funções no decorrer do desenvolvimento e crescimento das plantas. A quantidade necessária de cada um dos elementos varia de acordo com a espécie vegetal, seu estágio de desenvolvimento, as condições abióticas e as interações bióticas. A deficiência desses elementos minerais essenciais afeta mais de um processo metabólico das plantas e mais de uma estrutura vegetal. Quando se compara plantas bem nutridas com plantas com ausência/deficiência de algum nutriente, observam-se alguns sintomas (Figuras 3 e 4). Por serem necessários em maior quantidade, os macronutrientes geralmente são aqueles que normalmente limitam o desenvolvimento adequado das plantas. 252

253 Figura 3. Eruca sativa (rúcula) cultivadas in vitro por 15 dias com todos os nutrientes (controle) e com a ausência de algum macronutriente. (A) Visão geral do crescimento das plantas (folhas, hipocótilos e raízes) e (B) a comparação da face adaxial e abaxial dos cotilédones. De maneira geral, as deficiências se apresentam visíveis nas folhas (novas ou maduras) com o aparecimento de clorose (amarelamento) e/ou necrose (regiões marrons ou morte). As plantas também podem apresentar sintomas de deficiência quando os micronutrientes estão ausentes (Figura 4). 253

254 Figura 4. Eruca sativa (rúcula) cultivadas in vitro por 15 dias com todos os nutrientes (controle) e com a ausência de algum micronutriente. (A) Visão geral do crescimento das plantas (folhas, hipocótilos e raízes) e (B) comparação da face adaxial e abaxial dos cotilédones. Para cada um dos elementos essenciais, podem-se observar diferenças específicas em determinadas regiões das plantas, como alterações nas folhas, nos caules e nas raízes (Figuras 3 e 4). As manifestações externas de deficiências nutricionais refletem alterações no crescimento e desenvolvimento das plantas, podendo levar à redução do seu fitness e à morte. 254

255 5.1) Macronutrientes 5.1.1) Nitrogênio: Uma vez que o nitrogênio está presente nos aminoácidos, proteínas, nucleotídeos, ácidos nucleicos, clorofilas e coenzimas, ele é um dos elementos minerais essenciais mais limitantes para o desenvolvimento das plantas. Quando ocorre a deficiência desse elemento, a planta geralmente apresenta diminuição acentuada do seu crescimento, clorose generalizada, raízes primárias mais alongadas e acúmulo do pigmento antocianina (cor arroxeada em algumas regiões) (ver Figura 3) ) Potássio: O potássio como é o cofator de diversas enzimas, está envolvido no processo de osmose, manutenção da eletronegatividade celular e está envolvido na abertura e no fechamento dos estômatos. Na deficiência de potássio, as plantas apresentam áreas cloróticas nos ápices e margens foliares, os caules ficam fracos, as plantas podem murchar com facilidade e pode ocorrer inibição da formação e crescimento de gemas (ver Figura 3) ) Cálcio: O cálcio é um importante componente da parede celular, é cofator de ativação de enzimas e pode atuar como mensageiro celular. Quando ocorre sua deficiência, os ápices foliares e radiculares podem morrer, pode ocorrer curvamento das folhas, diminuição do crescimento, as raízes podem ficar reduzidas em tamanho, apresentando mais ramificações e pode ocorrer a clorose generalizada, levando à morte do vegetal (ver Figura 3) ) Fósforo: O fósforo faz parte dos açúcares, ácidos nucléicos, coenzimas, fosfolipídeos, do ATP e ADP. As plantas com deficiência de fósforo geralmente apresentam acúmulo de antocianinas, ocorre redução da expansão das folhas, os caules ficam atrofiados e as folhas mais maduras tendem a morrer com o aumento da severidade da deficiência desse elemento (ver Figura 3) ) Magnésio: O magnésio é o principal componente da molécula de clorofila e também é um ativador de diversas enzimas, como àquelas envolvidas na transferência de fosfatos. A falta desse elemento causa clorose internerval, afetando primeiramente as folhas mais maduras, enquanto os ápices e margens foliares podem se curvar para cima (ver Figura 3). 255

256 5.1.6) Enxofre: O enxofre é um elemento que compõe alguns aminoácidos e proteínas, é um constituinte funcional de enzimas e participa de processos de desintoxicação por metais pesados. A deficiência de enxofre pode causar a clorose generalizada, acúmulo de antocianinas e redução do crescimento (ver Figura 3). 5.2) Micronutrientes 5.2.1) Ferro: O ferro está envolvido na síntese das moléculas de clorofila e é um dos componentes do citocromo e de enzimas ligadas a absorção de nitrogênio, como a nitrogenase. Na deficiência de ferro, as folhas apresentam clorose internerval, ficando totalmente cloróticas, com necrose (ver Figura 4) ) Boro: O boro está envolvido no metabolismo de ácidos nucléicos, alongamento celular, é necessário na integridade de membranas e influencia a utilização do cálcio. Na sua deficiência, a base das folhas novas apresenta deterioração, ocorre a redução do crescimento radicular, morte das gemas apicais e laterais, seguida da morte de todo o sistema caulinar (ver Figura 4) ) Manganês: O manganês é um ativador de algumas enzimas (desidrogenases, descarboxilases, quinases, oxidases e peroxidases), está envolvido na manutenção da membrana do cloroplasto e participa das reações da fotossíntese (liberação do oxigênio). Na deficiência de manganês ocorre a clorose internerval, manchas pequenas de necrose e desorganização das membranas dos tilacoides (ver Figura 4) ) Zinco: O zinco participa da ativação de algumas enzimas, como a desidrogenase glutâmica (oxida proteínas de reserva, liberando energia para as células e atuando na síntese de aminoácidos) e a anidrase carbônica (auxilia a enzima Ribulose1,5-Bifosfato Carboxilase Oxienase [RUBISCO] na captura do CO 2 ). Na sua deficiência, há redução no alongamento do caule, clorose internerval, folhas reduzidas e distorcidas (ver Figura 4) ) Cobre: O cobre é um elemento ativador que compõe algumas enzimas envolvidas em oxidação e redução, como o ácido ascórbico oxidase (atua na degradação do ácido L-ascórbico ao longo do processo de amadurecimento de frutos), fenolase (responsáveis pela oxidação quando há formação de fenois), e outras enzimas. A 256

257 deficiência de cobre pode causar deformação nas folhas novas, a coloração destas folhas fica verde escura, causa fechamento estomático e manchas de necrose (ver Figura 4) ) Molibdênio: o molibdênio é um cofator da enzima nitrato redutase, ou seja, é essencial na redução do nitrato durante o metabolismo do nitrogênio nas plantas. Na sua deficiência, ocorre o acúmulo de nitrato, clorose e necrose internerval. 6) Referências Buchanan, B.B.; Gruissen, W.; Jones, R.L. (2015). Biochemistry and molecular biology of plants. 2. ed. American Society of Plants Biologistis. Epstein, E. & Bloom, AJ. (2006). Nutrição Mineral de Plantas: Princípios e Perpectivas. 2. ed. Trad. Editora Planta. Kerbauy, G.B. (2008). Fisiologia vegetal. 2. ed. Guanabara Koogan. Larcher, W. (2004). Ecofisiologia vegetal. 3. ed. Rima. Marschner, P. (2012). Mineral Nutrition of Higher Plant. 3. ed. Academic Press. Raven, P.H; Eichhorn, S.E; Evert, R.F. (2014) Biologia vegetal. 8. ed. Guanabara Koogan. Taiz, L. & Zeiger, E. (2013). Fisiologia Vegetal. 5. ed. Artmed. 257

258 Anotações: 258

259 CAPÍTULO XX Recursos genéticos vegetais: aplicações do cultivo in vitro Antônio Azeredo Coutinho Neto Me. Priscila Primo Andrade Silva 1) Introdução 1.1) História dos recursos genéticos vegetais ao longo do tempo As grandes coleções de recursos genéticos vegetais tiveram início há mais de 500 anos com a coleta de espécies de plantas do novo mundo pelos colonos ibéricos. Também há relatos de antigas coleções de plantas medicinais cultivadas pelos muçulmanos e em monastérios na Europa. Três séculos mais tarde, os Reais Jardins Botânicos de Kew foram criados no Reino Unido, um dos mais antigos, extensos e prestigiados Jardim Botânico do mundo. Este apresenta uma vasta coleção com mais de 95% das angiospermas conhecidas. Nos séculos XVI e XVII, outros grandes jardins botânicos foram originados em diversas regiões do mundo com o objetivo de aumentar a variedade das coleções e preservar a variabilidade de espécies vegetais. A variabilidade vegetal integrante da biodiversidade tem sido utilizada para atender às necessidades e objetivos humanos (por exemplo, programas de melhoramento, biotecnologias e outras ciências a fins) e é conhecida como recursos genéticos vegetais ou fitogenéticos. Com o intuito de regulamentar a preservação e utilização dos recursos vegetais, criou-se o Conselho Internacional de Recursos Fitogenéticos (International Board for Plant Genetic Resources - IBPGR) em 1974 por meio do apoio do Conselho de Pesquisa Agrícola Internacional (Consultative Group on International Agricultural Research - CGIAR). Posteriormente, as atribuições do IBPGR foram concedidas ao Instituto Internacional de Recursos Fitogenéticos (IPGRI) em Mesmo com a regulamentação criada pelo IBPGR, houve uma significativa redução da variabilidade genética das espécies vegetais nos últimos 100 anos, devido à perda do seu habitat natural (desmatamento, expansão urbana, modernização da agricultura), distúrbios no seu habitat (construções de rodovias, cidades, etc.) e desastres naturais (secas, enchentes, aumento da temperatura). Estes eventos são os principais 259

260 responsáveis pela erosão genética ou gênica, que é a perda de material genético ao longo do tempo (devido a fatores naturais ou artificiais). Para evitar ou diminuir o processo de erosão genética, foram desenvolvidas estratégias de conservação denominadas: (1) ex situ, a conservação que é feita fora do habitat da espécie, realizado principalmente por meio de bancos de germoplasma; (2) in situ, quando a conservação ocorre dentro do habitat da espécie, como bosques, parques e reservas naturais; e (3) on farm, quando a conservação visa também à possibilidade de exploração junto aos moradores e produtores locais. A estratégia de conservação ex situ (bancos de germoplasma) possui algumas vantagens em relação à conservação in situ, dentre elas podemos citar a manutenção do material genético, pois diminui o seu contato com patógenos, pragas e fatores abióticos ou bióticos que apresentem risco para a conservação da espécie. O banco de germoplasma visa preservar a biodiversidade na forma de sementes, pólen, tecidos, órgãos vegetativos e plantios em casa de vegetação e no campo. Uma das técnicas utilizadas como bancos de germoplasma é conhecida desde 1902, o chamado cultivo in vitro, no qual se cultivam células somáticas em frascos com solução nutritiva e livre de contaminações. Entretanto, a conservação dos recursos genéticos por meio de bancos de germoplasma in vitro é uma atividade contínua que demanda tempo, profissionais capacitados, instalações adequadas, etapas de desenvolvimento da técnica, além de recursos financeiros para manter o bom funcionamento e a manutenção do banco. 2) Laboratório de cultura de tecidos vegetais 2.1) Instalações Para o estabelecimento das atividades de cultura de tecidos é necessário um ambiente asséptico, com condições de temperatura e iluminação controladas, além de instalações apropriadas para as atividades que serão realizadas. Assim, o laboratório de cultura deve ser separado em sala de limpeza, sala de preparo, sala de transferência, sala de cultura e outras dependências. Sala de limpeza: é o local para a lavagem de vidrarias; autoclavagem de meios de cultura, água e materiais diversos; descarte de meios de cultura utilizados e outros resíduos. Esta sala deve apresentar pias fundas com torneiras, autoclave, destilador, estufa de secagem de vidraria, armários e prateleiras para estocagem temporária de vidraria, escorredores para vidraria e bancada para trabalho. 260

261 Sala de preparo: é o local para o preparo de meios de cultura e outras soluções. Esta sala deve possuir armários e estantes para a estocagem de vidraria e do material (de consumo e permanente) utilizado nas atividades do laboratório, também deve ser dotado de geladeira, freezer, micro-ondas, balanças, medidor de potencial hidrogeniônico (phmetro), agitador magnético e bancadas para trabalho. Sala de transferência: é o local para manipulação asséptica do material vegetal. Esta sala deve estar equipada com câmara de fluxo laminar, aparelho de ar condicionado, armários e estantes para armazenamento temporário dos meios de cultura e materiais já autoclavados. Deve ser instalada ao lado da sala de cultura e ter vedação contra a entrada de ar e poeira externa ao laboratório. Sala de cultura: é o local onde as culturas serão mantidas até serem retiradas dos frascos. Esta sala deve ser equipada de estantes com prateleiras iluminadas por lâmpadas fluorescente ou lâmpadas L.E.D. A intensidade luminosa pode variar de 30 a 150 mmol m -2 s -1. O fotoperíodo deve ser mantido por meio de comutadores eletrônicos, com 12 horas de luz e 12 horas de escuro, ou ainda 16 horas de luz e 8 horas de escuro. A temperatura da sala pode ser mantida em torno 25 C (dependo da espécie), por meio do uso de aparelho de ar condicionado. Outras dependências: (1) câmaras de nebulização são ambientes dentro da casa de vegetação equipados com atomizadores utilizados para manter o teor de umidade elevado em todo o ar na instalação, onde as plantas são transferidas após a saída da sala de cultura; (2) telado é uma instalação feita de uma armação de madeira, plástico ou metal envolvidos lateral e superiormente por tela de nylon de cor preta ou cinza, onde as plantas obtidas da câmara de nebulização são mantidas em vasos para terminar a fase de aclimatização; (3) casa de vegetação são ambientes com cobertura plástica, telhas transparentes ou de vidro e laterais de tela de nylon, onde são mantidas as plantas após a aclimatização. 3) Etapas do cultivo in vitro O cultivo de tecidos vegetais também pode ser chamado de micropropagação ou propagação vegetativa in vitro, devido ao tamanho dos explantes. A técnica de cultivo in vitro, além de ser utilizada para conservação vegetal por meio de bancos de germoplasma, também permite a produção de material vegetal homogêneo e em larga escala para a comercialização. O cultivo in vitro é diferente para cada espécie, seja para 261

262 propagação vegetal com interesse comercial quanto com interesse de conservação, mas basicamente apresenta quatro estágios de desenvolvimento: 3.1) Estágio I estabelecimento in vitro Seleção e coleta de explantes: os explantes são considerados células, tecidos ou órgãos vegetais escolhidos para o estabelecimento in vitro. O nível de diferenciação do material utilizado e a finalidade do cultivo in vitro ou micropropagação são fatores relevantes para a seleção dos explantes. Os explantes mais indicados são aqueles que contêm maior proporção de tecido meristemático ou que tenham maior capacidade de expressar a totipotência, como gemas apicais (caulinares ou radiculares), gemas axilares (segmentos nodais), meristemas florais, embriões ou tecidos da semente. Todavia, visto que outras células vegetais de algumas espécies apresentam totipotência, outros tipos de tecido podem ser utilizados como explante. Desinfestação: obter os tecidos descontaminados sem levá-los à morte é o grande desafio nesta etapa. Assim, os pré-tratamentos aplicados na planta matriz são muito importantes para o êxito dessa etapa, principalmente em relação aos microrganismos endógenos. Para a desinfestação dos explantes, são utilizadas substâncias com ação germicida, como o etanol, hipoclorito de sódio, hipoclorito de cálcio, cloreto de mercúrio, ácido clorídrico, peróxido de hidrogênio, fungicidas, antibióticos, entre outros. As combinações dos princípios ativos desinfestantes, assim como suas concentrações e tempo de exposição, variam em relação ao tipo de explante, levando em consideração a sensibilidade, a superfície (reentrâncias) do tecido a ser desinfestado e outros fatores que possam influenciar na desinfestação. É indispensável que o processo de desinfestação seja realizado em capela de fluxo laminar em condições assépticas, com o uso de material previamente esterilizado, a fim de evitar contaminações por fungos ou bactérias (Figura 1). 262

263 Figura 1. Clonagem a partir de explantes de segmentos caulinares de Catasetum fimbriatum (Orchidaceae) em meio de cultivo Vacin e Went (1949). A. Contaminação por fungos; B. Contaminação por bactérias. Meios de cultura: diversas formulações de meios básicos têm sido utilizadas para o cultivo in vitro. Todavia, a formulação descrita por Murashige e Skoog (1962) (MS) é a mais utilizada para o cultivo in vitro de diversas espécies. As formulações básicas em geral contêm os nutrientes (macro e micronutrientes) (vide Capítulo 20) e outras substâncias necessárias para o desenvolvimento dos tecidos (ou órgãos da planta) que podem ser modificadas de acordo com as necessidades da espécie a ser propagada. Outras substâncias podem ser adicionadas aos meios de cultura, como (1) antioxidantes (ácido cítrico, ácido ascórbico e carvão ativado) para diminuir a oxidação de compostos fenólicos que são liberados por células danificadas; (2) fitorreguladores (citocininas, auxinas e giberelinas) utilizados para suprir as possíveis deficiências dos teores endógenos de hormônios nos explantes, e (3) agentes solidificantes (ágar) usados para solidificar ou semi-solidificar os meios para inocular o explante. Os frascos contendo o meio de cultura devem ser previamente autoclavados antes da transferência dos explantes. 3.2) Estágio II multiplicação in vitro Multiplicação dos propágulos: embora o principal objetivo desta fase seja o maior número de plantas no menor espaço de tempo, é importante alcançar uma média satisfatória de plantas com o mínimo de variação de explante para explante, além da qualidade e homogeneidade das plantas produzidas. Visto isto, variáveis como a composição dos meios de cultura utilizados, as condições ambientais de crescimento e o cuidado na manipulação do material durante as subculturas podem ser alteradas para otimizar esta fase, de acordo com a necessidade da espécie vegetal que está sendo 263

264 utilizada. Os explantes cultivados a partir de células ou tecidos vegetais podem se desenvolver por meio de (1) embriogênese somática, onde células haploides ou somáticas se desenvolvem por meio de formação de embriões zigóticos ou somáticos, através dos estágios embriogênicos; (2) organogênese, processo de desenvolvimento sem a passagem por estágio embrionário, induzido a partir de células ou tecido vegetal (Figura 2). Ambos os processos podem ocorrer de forma direta, quando a planta se desenvolve diretamente em um explante; e indireta, quando ocorre a formação de um calo (estrutura que apresenta células em diferentes estágios de diferenciação) que posteriormente dará origem à planta. Figura 2. Processos de embriogênese somática (B) e organogênese direta (D). A. Planta adulta de Feijoa selowiana doadora de explante; B. Embrião somático de Feijoa selowiana em processo de regeneração; C. Planta adulta de Garcinia humilis doadora de explante; D. Regeneração de planta a partir de segmento caulinar. Meios de cultura para multiplicação: modificações nas formulações básicas dos meios de cultura, como alterações na concentração de nitrato de amônio, de potássio e cloreto de cálcio podem aumentar a taxa da multiplicação de algumas espécies. Também existem relatos que a concentração de sacarose ou outras fontes de açúcar podem favorecer a multiplicação e o crescimento de algumas espécies de plantas. Os fitorreguladores são outras substâncias muito utilizadas para a multiplicação em diferentes concentrações, como as citocininas [benzilaminopurina (BAP), cinetina (CIN) e isopenteniladenina (2iP)], auxinas [ácido naftaleno acético (ANA), ácido indólbutírico (AIB) e ácido indolacético (AIA)] e giberelinas (ácido giberélico - GA 3 ) (vide Capítulo 22). 264

265 Condições de incubação: o escuro total ou intensidades de luz reduzidas podem reduzir a oxidação fenólica nos explantes após o isolamento e também podem diminuir o estresse em explantes que não estavam expostos à luz, como meristemas de rizomas, bulbos e raízes. Para evitar a indução de dormência é indicado ajustar o fotoperíodo para dias longos (16 horas de luz e 8 horas de escuro). A temperatura pode variar de 20 a 27 C dependendo da espécie. O tipo de tampa do frasco utilizado também pode influenciar o desenvolvimento das culturas, determinando o nível de trocas gasosas com o ambiente externo. A vedação total do frasco leva ao acúmulo de gases liberados pela cultura (etileno e CO 2 ) e à saturação de vapor de água que diminui o fluxo transpiratório nas culturas, podendo ocasionar a deficiência de elementos minerais e a vitrificação dos propágulos. 3.3) Estágio III - Enraizamento Enraizamento da parte aérea: as plantas obtidas a partir do cultivo in vitro geralmente não apresentam raízes, sendo necessário induzir a sua formação para posterior transferência às condições ex vitro. A rizogênese pode ser dividida em indução, iniciação e alongamento das raízes. Para algumas espécies é possível induzir o enraizamento a partir de diluições em formulações básicas do meio de cultura (MS, White, entre outros), sendo indicado utilizar meios mais diluídos na fase de indução e mais concentrados na fase de alongamento das raízes. A sacarose, vitaminas e inositol também proporcionam o enraizamento de algumas espécies. Além destes, auxinas (AIB, ANA e AIA) em baixas concentrações também são utilizadas para o desenvolvimento de raízes. O carvão ativado também pode ajudar no alongamento, pois ele simula a condição de escuro que as raízes normalmente se desenvolvem. 3.4) Estágio IV - aclimatização Aclimatização das plantas: estágio no qual as plantas obtidas por meio do cultivo in vitro são transferidas para condições ex vitro antes da transferência para o campo, ou seja, as plantas são transplantadas em vasos contendo substrato (casca de pinus, vermiculita, fibra de coco, areia, entre outros) e são mantidas em ambientes úmidos e com baixa intensidade luminosa antes de serem levadas ao campo. Essa etapa envolve a substituição de uma condição heterotrófica (fornecimento de carbono na forma de açúcar) para outra autotrófica (sem o fornecimento de açúcar); transferência das plantas de uma situação de reduzido fluxo respiratório para um ambiente que demanda o aumento da taxa de transpiração, podendo levar ao estresse hídrico; 265

266 mudança de uma condição de alta disponibilidade de nutrientes para outra onde é necessário incrementar a absorção de sais e passagem de um ambiente asséptico para outro onde a planta estará sujeita ao ataque de microorganismos. Em algumas espécies, essa mudança súbita pode representar um fator limitante para o processo de propagação. 4) Melhoramento vegetal 4.1) Produção de material vegetal homogêneo A produção de espécies em larga escala e com uma homogeneidade tem sido requerida ao longo do tempo, com o aumento na comercialização de plantas. A técnica de cultivo in vitro que possibilita essa produção em larga escala e com homogeneidade tem um grande foco em espécies ornamentais herbáceas e arbustivas. Por exemplo, algumas empresas focam apenas na produção de orquídeas e bromélias (Figura 3), enquanto outras produzem plantas do setor alimentício, como banana, coqueiro e canade-açúcar, assim como também produzem algumas espécies arbóreas. Figura 3. Clonagem de Phalaenopsis (Orchidaceae). A. Cultivo in vitro a partir de hastes florais em meio de cultura Vacin e Went (1949); B. Plantas aclimatadas em estágio juvenil em casa de vegetação; C. Plantas adultas com flores em estufa. 4.2) Acelerar o processo de maturação vegetal Estudos de floração A técnica de cultivo in vitro permite o estudo e a aplicação de fatores externos que influenciam a floração de espécies vegetais como a variação da quantidade de nutrientes, concentrações de hormônios externos, luminosidade e temperatura (Figura 4). 266

267 Figura 4. Floração in vitro de Psygmorchis pusilla (Orchidaceae) em meio de cultura Vacin e Went (1949). Nesta etapa, podem-se realizar estudos sobre a polinização das espécies, fertilização e desenvolvimento de embriões em condições controladas, utilizando diferentes materiais reprodutivos, desde os óvulos até as anteras. A realização da polinização in vitro possibilita acompanhar os processos de antese, deiscência das anteras, emascular e proteger botões florais, e obter pólen asséptico. Assim, pode-se compreender melhor a floração e a frutificação das espécies, permitindo a melhoria das condições de reprodução e de desenvolvimento de algumas plantas. 4.3) Variabilidade somaclonal As espécies vegetais, após passarem por diversos cultivos assexuados, podem apresentar naturalmente variabilidade genotípica e, em alguns casos, fenotípica, seja através de cultivo in vitro ou in vivo. Essa variação é conhecida como variação somaclonal e pode ser positiva ou negativa para o produtor. As plantas de bananeira, após serem repicadas mais de sete vezes, podem apresentar diferentes variações fenotípicas ao serem aclimatadas em campo. São diversos tipos de variações que podem ser até deletérias para o estágio reprodutivo ou vegetativo das bananeiras. Quando existe uma busca de plantas com homogeneidade na produção, a variação genética é reduzida e/ou perdida, havendo formação de plantas anãs, plantas sem flores ou frutos. Porém, o cultivo in vitro pode levar a uma variação somaclonal positiva, como frutos de pimentão com menor número de sementes em relação às plantas matrizes, ou plantas com folhas variegadas que são de interesse comercial (Figura 5). 267

268 Figura 5. Cultura in vitro em meio Murashigue e Skoog (1962) de Spathiphyllum wallisii (lírio da paz). A. Planta com folhas normais; B. Planta com variação somaclonal (folha variegata). 4.4) Intercâmbio de material vegetal As plantas in vitro são uma possibilidade para importação ou exportação de material vegetal vivo para estudos em outros Estados ou países, pois a técnica possibilita que plantas sejam enviadas para outras localidades sem o envio de outros seres vivos, como fungos, bactérias e invertebrados. Ainda, as condições assépticas e protegidas do material in vitro permitem que estes materiais vegetais permaneçam protegidos mesmo quando em averiguação por órgãos de vigilância sanitária e serviços de quarentena de material biológico vivo. 4.5) Plantas livres de fitopatogênicos As plantas podem ser acometidas por pragas e doenças que causam injúrias ou até a sua morte. Essas doenças podem ser causadas por fungos, bactérias, nematoides, micoplasmas e vírus. Quando os agentes químicos que erradicam determinada doença de um vegetal não são efetivos ou ainda não existem no mercado, pode-se usar a técnica de cultivo in vitro como maneira de obtenção de material desinfestado da doença. Plantas, como a batata (Solanum tuberosum), o alho (Allium sativum) e a mandioca (Manihot esculenta), geralmente são propagadas por ramos, bulbos, rizomas e outros (vegetativamente). Todavia, quando são acometidas por doenças causadas por vírus, 268

269 essas plantas são micropropagadas via ápices caulinares, os quais possuem menores quantidades virais, permitindo o desenvolvimento e crescimento de plantas livres ou com carga viral muito baixa a ponto de não apresentarem sintomas da doença. Um dos fatores que permite a obtenção de culturas livres de contaminação é o tamanho pequeno dos explantes utilizados no estabelecimento inicial da cultura, pois a literatura cita que explantes de 0,12 à 0,4 mm permite obtenção de plantas livres de vírus. Outra maneira de obtenção de plantas com menor carga viral é utilizando-se a técnica de microenxertia, especialmente na citricultura. 4.6) Microenxertia Essa técnica consiste em germinar in vitro uma semente que originará uma planta de tamanho suficiente para ser decapitada, o porta-enxerto, induzindo-se em paralelo a produção de uma gema em uma planta matriz ex vitro. A gema da planta matriz é coletada e passa por desinfestação, sendo inserida in vitro sobre o portaenxerto. A microenxertia geralmente é utilizada para a obtenção de plantas livres de doenças ou ainda para a produção de plantas idênticas aquelas plantas matrizes do campo. 4.7) Produção de compostos químicos O uso da técnica de cultura de tecidos vegetais permite a produção de compostos primários e secundários (vide Capítulo 22) pelas plantas, sem a necessidade da retirada in situ. Dentre as vantagens anteriormente descritas para o cultivo in vitro (grande número de indivíduos, menor tempo de cultivo, ausência de microrganismos), também se pode controlar totalmente o ambiente, e com isso, aumentar a produtividade do calo ou planta para a produção do composto químico. No estabelecimento in vitro, com esse objetivo, procura-se selecionar plantas que produzam maior quantidade do composto químico de interesse. Posteriormente, realiza-se a escolha do tipo de explante e a desinfestação do tecido. Na sequência do estabelecimento da cultura in vitro, procuramse determinar o meio de cultivo sólido, com a presença ou não de reguladores de crescimento e desenvolvimento. Esse meio de cultivo específico induz a formação de calos, como o realizado para Senecio douglasii, cujo extrato já se mostrou eficiente no controle de nematoides (Figura 6). 269

270 Figura 6. Cultura in vitro de calos produtores de compostos químicos de interesse, mantida em meio Murashigue e Skoog (1962) e obtidas de folhas de Senecio douglasii (Cinerária-marítima). Uma outra maneira de cultivo in vitro que também pode e é empregado para produção de metabólitos vegetais de interesse é a cultura de células sem parede celular (protoplastos). Uma das culturas pesquisadas através desta é com a espécie Coptis japônica, que produz o alcaloide berberina do grupo dos alcaloides isoquinolínicos. Estes alcaloides vêm sendo testados com bons resultados para doenças neurodegenerativas como o Parkinson. Porém, a cultura de protoplastos, assim como a cultura de calos em meio sólido ou líquido, possibilita que os pesquisadores realizem melhoramento genético vegetal através de produção de plantas transgênicas, obtenção de híbridos naturais e seleção de mutantes. 4.8) Estudo molecular e celular (mutantes e transgênicos) Os protoplastos e os calos vegetais podem ser submetidos a condições indutoras de mutações como as radiações eletromagnéticas (radiação x, radiação gama e ultravioleta) ou radiações corpusculares (alfa, beta), ou ainda através de agentes mutagênicos químicos, como compostos semelhantes às bases moleculares do ácido desoxirribonucleico (DNA) que causam o pareamento incorreto de bases, antibióticos que podem gerar fragmentação nos cromossomos, e agentes alquilantes que reagem com o DNA. Após a exposição ao mutagênico físico ou químico, os protoplastos e/ou calos são transferidos para um meio seletivo de mutante e sequencialmente para um meio de regeneração do vegetal. A geração desses mutantes na população de células ou plantas homogêneas pode conferir características de interesse ainda inexistentes em espécies cultivadas no campo. 270

271 A obtenção de células vegetais transgênicas a partir da cultura de protoplastos é efetiva tanto quanto aquela empregada com calos. Entretanto a regeneração de plantas a partir de protoplastos tanto para plantas mutantes citadas anteriormente quanto para as transgênicas demandam protocolos específicos. O protocolo de transgenia com protoplastos realiza-se com culturas já estabelecidas, onde geralmente transfere-se diretamente DNA livre. Também utiliza-se a transferência de plasmídeos com o promotor e respectivo gene de interesse obtido de um outro vegetal, animal ou microrganismo através do cultivo da bactéria Agrobacterium tumefaciens ou Agrobacterium rhizogenes durante algumas horas. Em seguida a infecção as bactérias são eliminadas com antibióticos e seleciona-se as plantas com inserção positiva do gene para a regeneração e obtenção das plantas transgênicas. A transferência do gene de interesse para a célula vegetal pode seguir através de duas vias, a via de inserção direta em que a membrana celular é desestabilizada com polietilenoglicol (PEG) ou ainda através da aplicação de pulsos elétricos curtos de alta voltagem (eletroporação) e através de disparos de projéteis de ouro ou tungstênio com DNA, essa técnica chama-se biobalística. A outra via é indireta por meio da inserção do gene em um plasmídeo bacteriano que é inserido na região deletada de Transferred DNA (T-DNA). Essa via pode ser utilizada tanto para protoplastos, calos e outros tecidos vegetais in vitro. Após a transferência do plasmídeo pela bactéria para a célula vegetal, que pode levar dependendo da cultura é variável para mais ou menos, seleciona-se as plantas através de meios de cultivo com antibióticos como a canamicina ou geneticina. As transgênicas possuem gene de resistência (genes marcadores transferidos junto no plasmídeo) aos dois agentes, porém aquelas não transformadas não possuem essa resistência e não se desenvolvem no meio de seleção. Também utilizam-se genes repórteres como aquele que codifica a expressão da enzima β-glucuronidase (GUS) que pode ser avaliado histoquimicamente para a confirmação da transgenese. Outras técnicas como reação em cadeia da polimerase (PCR) acoplada com o uso de fitas de DNA com 20 pares de base complementares (primers) ao gene de interesse possibilitam a detecção da inserção positiva no material genético do vegetal. A célula, calo ou tecido vegetal é transferido para meios de regeneração (Figura 7), podendo passar novamente por uma seleção para eliminar falsos positivos da transgenia. 271

272 Figura 7. Plantas de Solanum lycopersicum regeneradas de folhas com calos e mantidas em meio Murashigue e Skoog (1962) suplementado com o fitohôrmonio cinetina (citocinina). 5) Conservação vegetal 5.1) Banco de germoplasma in vitro Em muitos locais do mundo existem bancos de germoplasma que tem como função a preservação do material genético de plantas que em seu habitat natural estão extintas ou em risco de extinção, pensando em usos atuais ou futuros desses bancos como fonte de espécies e variedades que possam ser reestabelecidas no ambiente ou usadas para estudos e melhoramento do biotipo selvagem. Existem diversos tipos de bancos de germoplasma, o mais comum deles é feito a partir da conservação das sementes. Entretanto, nem todas as plantas possuem sementes ou ainda sementes possíveis de se manterem viáveis por longos períodos de tempo. Algumas dessas sementes, se armazenadas, perdem ao longo do tempo a sua viabilidade, como as sementes de Brassavola tuberculata (Orchidaceae) que após 360 dias de armazenagem reduz quase 30% na germinabilidade das sementes. Uma alternativa para este problema de diminuição de viabilidade (das sementes) é o cultivo in vitro destas espécies, feito em meios modificados para proporcionar um crescimento lento sem prejudicar o desenvolvimento do vegetal, luminosidade mais baixa que a utilizada com frequência nos cultivos in vitro e baixas temperaturas (Figura 8). O cultivo in vitro de espécies ameaçadas de extinção em bancos de germoplasma abre possibilidade para sua recuperação in situ em áreas de conservação. 272

273 Figura 8. Banco de germoplasma para manutenção de algumas espécies vegetais. 5.2) Recuperação de espécies em risco de extinção A recuperação de espécies extintas ou ameaçadas de extinção é uma modalidade ainda em estudos e insipiente, devido às questões éticas e ambientais envolvidas nas discussões de reintrodução de uma espécie no ambiente natural. Algumas espécies perderam o seu ambiente natural e existem somente em bancos de germoplasma, como a espécie de cactos de apenas 100 indivíduos de Melocactus sergipensis. Essa espécie apresenta-se em risco de desaparecimento do ambiente natural. Esta espécie de cacto possui sementes com um período de armazenagem relativamente curto e tem sido levantada a possibilidade de cultivo in vitro e sua reintrodução em parques de conservação da região do estado de Sergipe onde a espécie ocorre. Mantendo uma conservação in vitro e também criando uma conservação in situ, pode-se manter o banco genético dessa espécie. Para algumas espécies, o cultivo in vitro é uma forma eficiente de conservar e preservar a espécie vegetal. 6) Referências Berilli, S.S.; Carvalho, A.J.C.; Freitas, S.J.; Faria, D.C.; Marinho, C.S. (2011). Avaliação do desenvolvimento de diferentes tamanhos de mudas micropropagadas de abacaxizeiro, após aclimatação. Revista Brasileira de Fruticultura 33(1): Bregonc, S.I.; Reis, E.S.; Almeida, G.D.; Brum, V.J.; Zucoloto, M. (2008). Avaliação do crescimento foliar e radicular de mudas micropropagadas do abacaxizeiro cv. Gold em aclimatação. Idesia 26(3): Cid, L.P.B. (2010). Cultivo in vitro de plantas.1.ed. Embrapa. Rosa, Y.B.C.J.; Júnior, G.A.M.; Soares, J.S.; Rosa, D.B.C.J.; De Macedo, M.C.; CEZAR, A.M.A. (2013). Estudo da viabilidade de sementes de Brassavola 273

274 tuberculata hook. em função do período de armazenamento, tempo de cultivo e tratamento pré-germinativo. v. 19, n 02, Ornamental Horticulture. Torres, A.C.; Caldas, L.S.; Buso, J.A. (1998). Cultura de tecidos e transformação genética de plantas. 1. ed. Embrapa. Torres, A.C.; Caldas, L.S.; Buso, J.A. (1999). Cultura de tecidos e transformação genética de plantas. 2. ed. Embrapa. 274

275 Anotações: 275

276 CAPÍTULO XXI Da genômica à bioinformática Sara Sangi Ricardo Ernesto Bianchetti Bem-vindo à era Genômica Genoma é todo o DNA presente no núcleo das células germinativas. No caso dos humanos, as células somáticas possuem dois genomas: um provindo do gameta masculino e o outro provindo do gameta feminino. A genômica baseia-se em estudar todo o genoma de determinado organismo. Não é possível estudar aquilo que não se conhece e em termos de genômica para conhecermos tem-se a necessidade de sequenciar. O sequenciamento de um genoma baseia-se na determinação da ordem de nucleotídeos na cadeia de DNA de um indivíduo. A história do sequenciamento teve início década de 1970 quando Sanger e colaboradores (1977) e Maxam e Gilbert (1977) desenvolveram metodologias de sequenciamento de DNA por terminação de cadeia e fragmentação. Pelo menor custo e facilidade de automatização a metodologia de sequenciamento proposta por Sanger prevaleceu durante os próximos 30 anos, sendo ainda utilizado nos dias de hoje em casos pontuais. O genoma do fago phi X174, primeiro organismo a ter o genoma totalmente sequenciado, foi sequenciado utilizando o método proposto por Sanger. Apesar da longetividade do sequenciamento de Sanger, apenas em 2000 o primeiro organismo vegetal, a espécie modelo para estudos genéticos e fisiológicos Arabidopsis thaliana, foi inteiramente sequenciada. Exponencialmente, hoje uma série de espécies vegetais já foi inteiramente sequenciada, incluindo várias de interesse agronômico, como o tomateiro, batata, arroz, soja, trigo, aveia, sorgo e milho. Em 1990 com o início do projeto Genoma Humano e subsequente investimento das instituições públicas e privadas surgiram o desenvolvimento de novas metodologias capazes de gerar informações maiores, mais baratas e em menor tempo do que o sequenciamento de Sanger. Portanto, em 2006, deu-se a emergência do Sequenciamento de Nova Geração (Next Generation Sequencing, NGS) incorporando elementos revolucionários à época, diminuindo drasticamente o custo do sequenciamento e aumentando exponencialmente o número de sequências geradas. A NGS é representada por cinco plataformas comercialmente disponíveis: 454 FLX (Roche); Solexa (Illumina 276

277 Inc.); SOliD (Applied Biosystems, ABI); Polonator G007 e Helicos HeliScop., sendo as três primeiras plataformas amplamente utilizadas. A Roche, Illumina e ABI atualmente dominam o mercado e possuem alta taxa de sequenciamento. Conforme demonstrado na Figura 1, o custo do sequenciamento decresceu drasticamente com o desenvolvimento das NGS. Com o declínio no custo e o desenvolvimento de metodologias mais eficazes, a quantidade de projetos visando o sequenciamento de genomas teve um grande incremento. Figura 1. Custo por sequenciamento de genoma ao passar dos anos. O gráfico apresenta o custo por sequenciamento ao longo dos anos em 2006 com os adventos da NGS nota-se o declínio do custo do sequenciamento. A partir de 2008, o Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (National Human Genome Research Institute, NHGRI) iniciou o financiamento de uma série de projetos voltados para meta de sequenciar o genoma humano por US$ 1000 ou menos, permitindo a obtenção de informação acerca de variação de alelos entre diferentes indivíduos e o aumento de estudos na diversidade encontrada dentro de uma mesma espécie. Com o investimento massivo e os avanços tecnológicos, as tecnologias de Sequenciamento de Terceira Geração (Third Generation Sequencing Technologies, TGS) começaram a aparecer modificando até a nomenclatura dos sequenciamentos anteriores (Figura 2). 277

278 Figura 2. Nomenclatura utilizada para o reconhecimento das tecnologias de sequenciamento e suas respectivas plataformas Diferentemente das NGS, as TGS não necessitam de amplificação do DNA, evitando os possíveis erros causados pela técnica de Reação de Cadeia de Polimerase (PCR - metodologia de amplificação do DNA) e requer menor manipulação da amostra. Nas TGS a utilização mínima de reagentes e o uso em nanoescala tornaram possível o sequenciamento de uma única molécula de DNA. As técnicas utilizadas na terceira geração baseiam-se principalmente na nanotecnologia e no reconhecimento físico dos nucleotídeos e são capazes de produzir sequências entre 30 e 200 vezes mais longas comparadas ao sequenciamento de segunda geração. As TGS são representadas pelas seguintes plataformas: IonTorrent (Applied Biosystems, ABI); Nanopore (GridIon/MiniIon) e PacBio RS (Pacific Biosciences). A plataforma MiniIon possui a aparência de um pendrive e transmite os dados gerados no sequenciamento direto para o computador. Com o desenvolvimento dessas tecnologias cada vez mais baratas e eficazes a genômica se tornou pessoal. Hoje já é possível realizar o sequenciamento completo do genoma de um humano em menos de 15 minutos e por menos de US$ 1000 dólares. O desenvolvimento de tais recursos nos possibilitou entrar em uma era de avanços tecnológicos onde já é possível saber a nossa susceptibilidade a determinadas doenças e nossas heranças ancestrais. No cenário agronômico, tais alterações promovidas pelo aumento nas tecnologias para decifrar genomas vem sendo informalmente chamada de segunda revolução verde, onde o conhecimento de um genoma permite a manipulação do DNA de espécies agronomicamente relevantes de forma mais eficiente, facilitando processos de transformação gênica estável (organismos geneticamente modificados), 278

279 mutações induzidas (Tilling), identificação de QTL e introdução destas em linhagens do mesmo gênero e o incremento do vigor hibrido. Tais estratégias são utilizadas com maior velocidade e eficência que o melhoramente vegetal convencional e vem promovendo drásticas alterações na agricultura com impacto mundial. Genômica: Estrutural, Funcional e Comparativa Sequenciar é apenas o primeiro passo para se conhecer o genoma. As plataformas de sequenciamento geram uma enorme quantidade de dados que requerem o desenvolvimento de ferramentas de bioinformática para interpretá-los. As ferramentas desenvolvidas são capazes de interpretar esses dados e estabelecer, armazenar, analisar e até mesmo predizer a estrutura de biomoléculas. Atualmente a genômica é dividida em três grandes áreas de estudo que visam estudar cada componente do genoma: Estrutural, Funcional e Comparativa. Genômica Estrutural Depois de ter determinada amostra sequenciada, a genômica estrutural envolve a localização, organização e a caracterização das várias estruturas do genoma desse determinado indivíduo. Seu objetivo principal é a construção de uma série de mapas descritivos de cada gene de cada cromossomo. Genômica Funcional A genômica funcional vem ganhando destaque nos últimos anos com o incremente de outros tecnologias -ômicas. Durante os estudos funcionais, a genômica torna-se outra ferramenta, acompanhada da transcriptômica, proteômica e metabolômica, onde juntas, é possível elucidar a função que cada gene exerce no organismo e como cada gene interage entre si controlando as características fenotípicas do organismo. Para tal estudo são analisadas diferentes abordagens: O conjunto completo de transcritos (transcriptoma); O conjunto de proteínas (proteôma) e o conjunto de metabólitos (metabolôma) produzidos ou modificados pelo organismo em diferentes estágios de desenvolvimento. Dentre as formas de estudar a genômica funcional, nos últimos anos também vêem ganhando destaque a epigenômica, onde a interação do DNA com a cromatina define quais genes serão transcritos em determinada condição. A Figura 3 esquematiza as diferentes abordagens realizadas na genômica 279

280 funcional a fim de elucidar as funções de cada gene transcrito e traduzido pelo organismo. Figura 3. Esquema ômica que visa elucidar a relação genótipo x fenótipo. Através da análise do transcriptoma é possível determinar quando e onde cada gene é expresso em determinado tecido do organismo e, ainda, é possível quantificar essa expressão. Compreender o transcriptoma é essencial para interpretar os elementos funcionais do genoma. Várias tecnologias foram desenvolvidas a fim de caracterizar o transcriptoma de organismos, e por esse motivo, não apenas as bibliotecas genômicas, mas também bibliotecas de DNA complementar cdna vem sendo usadas como ferramente essencial para entender a funcionalidade dos genes de um organismo. O cdna é produzido através da transcrição reversa de um RNA mensageiro, obtendo um retrato de todos os genes que foram transcritos quando determinado órgão de um organismo é exposto a uma condição. Uma das tecnologias mais recentes é o RNA seq, uma ferramenta altamente sensível para medir a expressão do transcriptoma em diferentes tecidos e estágios de desenvolvimento. Essa técnica também é capaz de detectar genes expressos em níveis baixos e fatores de transcrição com alta expressão. Pontualmente, através dos estudos associados entre genoma e transcritos é possível determinar a função de cada gene no organismo vegetal de interesse. Mutações 280

281 induzidas por tilling, caso ocorra no promotor de determinado gene, é capaz de comprometer sua transcrição de forma deletéria, permitindo a avaliação da função daquele gene no desenvolvimento vegetal. Ainda na regulação transcricional, a tecnologia recentemente descoberta CRISPR acarreta um efeito deletério no gene alvo de interesse, tornando ainda mais refinada e direcionada a alteração de um genoma. Associar a genômica com a transcriptômica também é essencial para aplicar a regulação inibitória de forma pós-transcricional: através da transcriptômica, é possível quantificar em que momento e sob qual condição, determinado gene de interesse tem sua expressão elevada, e utilizando as sequências conhecidas do gene através da genômica, torna-se palpável fazer o silenciamento por RNA de interferência, onde o transcrito é degradado antes da tradução de proteína e os níveis de expressão de determinado gene diminuem drasticamente. Aplicando o silenciamento via RNAi de forma especifíca no tecido onde existe expressão detectada do gene, é possível avaliar os impactos que seu efeito mitigado pode acarretar em determinada condição. Após a transcrição, o RNA mensageiro é traduzido em uma proteína. Nos estudos da proteômica são analisadas todas as proteínas funcionais, que são as biomoléculas responsáveis pelo fenótipo das células. Pelos diferentes tipos e estruturas das proteínas as tecnologias que permitem analisar o perfil global das proteínas presentes em determinado tecido são ainda realizadas em géis. Uma das tecnologias mais difundidas é a eletroforese em géis bi-dimensionais de poliacrilamida. Os avanços na proteômica ainda permitem analisar o perfil proteico não apenas de um tecido, mas também de determinados compartimento sub-celular onde o pool de proteínas estará localizado. Por fim, as análises do metaboloma visam estudar em larga escala os compostos químicos formados, transformados ou degradados pelo organismo em determinada fase de desenvolvimento ou em determinado ambiente, sendo assim, possível quantificar e anotar quais compostos estão presentes ou ausentes. As limitações no estudo da metabolômica está relacionada à complexidade química dos metabólitos e na sua variação biológica, sendo então exigidas técnicas diferentes para a análise de cada metabólito (vide Capítulo 22). Em geral a separação de metabólitos por cromatografia permite a identificação, quantificação e purificação do mesmo, o que pode ser utilizado para diversas finalidades, o que permite verificar, além do perfil metabólico, a criação também de um mapa de metabolismo e associação da variação de determinada rota metabólica a um conjunto de proteínas e ao perfil de transcritos envolvidos na mesma condição. 281

282 A investigação conjunta do transcriptoma, proteoma e metaboloma possibilita analisar as relações genótipo x fenótipo e as suas interações em diferentes ambientes e estágios de desenvolvimento. A utilização de ferramentas de bioinformática é um ponto chave nessas análises. Existem diferentes programas e banco de dados disponíveis que facilitam os estudos desses diferentes perfis de expressão gênica. Alguns bancos de dados disponíveis estão listados na Tabela 1. Tabela 1. Bancos de dados integrativos de genomas de plantas disponíveis Genômica Comparativa A genômica comparativa visa estudar a evolução e relação entre os genomas. Ela é uma maneira de encontrar regiões funcionais e evidências de funções genéticas conservadas e os mecanismos evolutivos desenvolvidos geneticamente por cada organismo, para tanto é largamente utilizado a presença de marcadores moleculares, que são sequências conservadas entre diferentes espécies de um mesmo gênero ou diferentes indivíduos em uma mesma espécie, as variações detectadas nos marcadores, associado a caracteres morfológicos torna possível à criação de uma árvore filogenética e a constatação do tempo em que ocorreu a divergência de duas espécies de um ancestral comum. Algumas das ferramentas de bioinformática utilizadas nesse processo são o MEGA e o PHYLOGENY ( 282

283 Referências American Institute of Physics. "The 15-Minute Genome: Faster, Cheaper Genome Sequencing On The Way." ScienceDaily. ScienceDaily, 29 July < Maxam, A.M. & Gilbert, W. (1977). A new method for sequencing DNA. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 74(2), Mochida, K. & Shinozaki, K. (2010). Genomics and bioinformatics resources for crop improvement. Plant and Cell Physiology, 51(4), Ozsolak, F. & Milos, P. M. (2011). NIH Public Access. Nature Reviews Genetics, 12(2), Rapaport, F.; Khanin, R.; Liang, Y.; Pirun, M.; Krek, A.; Zumbo, P.; Betel, D. (2013). Comprehensive evaluation of differential gene expression analysis methods for RNA-seq data. Genome Biology, 14(9), R r95 Sanger, F., Nicklen, S.; Coulson, A.R. (1977). DNA sequencing with chain-terminating inhibitors. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 74(12), Sanger, F.; Air, G.M.; Barrell, B.G.; Brown, N.L.; Coulson, A.R.; Fiddes, C.A.; Hutchison, C.A.; Slocombe, P.M.; Smith, M. Nucleotide sequence of bacteriophage phi X174 DNA. Nature.1977 Feb 24;265(5596): PubMed PMID: Schadt, E.; Banerjee, O.; Fang, G. (2012). Modeling kinetic rate variation in third generation DNA sequencing data to detect putative modifications to DNA bases Modeling Kinetic Rate Variation in Third Generation DNA Sequencing Data to Detect Putative Modifications to DNA Bases, Tamura, K.; Peterson, D.; Peterson, N.; Stecher, G.; Nei, M.; Kumar, S. (2011). MEGA5: Molecular evolutionary genetics analysis using maximum likelihood, evolutionary distance, and maximum parsimony methods. Molecular Biology and Evolution, 28(10), Wang, Z.; Gerstein, M.; Snyder, M. (2010). RNA-Seq : a revolutionary tool for transcriptomics, 10(1),

284 Anotações: 284

285 PARTE IV RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS 285

286 CAPÍTULO XXII Vias de síntese de metabólitos secundários em plantas Fernanda Mendes de Rezende Daniele Rosado Fernanda Anselmo Moreira Wilton Ricardo Sala de Carvalho Introdução O metabolismo vegetal pode ser dividido em primário e secundário. Caracterizase como metabolismo primário os processos comuns e pouco variáveis à grande parte dos vegetais, e que levam à síntese de carboidratos, proteínas, lipídios e ácidos nucleicos. Tais sínteses ocorrem por vias conhecidas como glicólise e ciclo de Krebs (ciclo do ácido carboxílico) que, além de sintetizar intermediários para outras vias metabólicas, geram energia e poder redutor a partir de reações de oxido-redução de compostos orgânicos. Além destas vias, pode-se obter energia através da β-oxidação de ácidos graxos e degradação de produtos que não são essenciais para a planta. Esses processos compõem a unidade fundamental de toda a matéria viva. A distinção entre metabolismo primário e secundário (ou especial) se dá pelo conceito de que metabólitos secundários não estão envolvidos em processos geradores de energia e/ou de constituição do protoplasto. Outro ponto é que os metabólitos secundários não estão presentes ubiquamente entre as plantas, expressando a individualidade de famílias, gêneros e, até mesmo, espécies (vide Capítulo 23). A característica inerente do metabolismo secundário é a sua elevada plasticidade genética e diversidade que garante adaptações flexíveis à mediação de fatores bióticos e abióticos. Apesar do nome, as substa ncias oriundas de vias secundárias são vitais para as plantas, atuando como atrativos ou repelentes de polinizadores, dissuasores de herbivoria, na proteção contra radiação UV e poluição, estresse hídrico, na sinalização intraespecífica, na alelopatia, dentre outras funções. Essas substâncias secundárias são os chamados princípios ativos vegetais comumente encontrados em diversos produtos e terapias, mas o que de fato são esses princípios ativos presentes nos vegetais? São substâncias formadas a partir de produtos da fotossíntese com a função de defesa para a planta. Para nós, humanos, são essas as 286

287 substâncias responsáveis pelo efeito medicinal de uma planta, porém dependendo da dose administrada, o efeito deixa de ser terapêutico e passa a ser tóxico. O princípio ativo é uma mistura de substâncias que proporciona a ação farmacológica e difere de fármaco à medida que o termo designa uma substância química conhecida e de estrutura química definida. Diversas plantas apresentam uso medicinal milenar e nos extratos destas plantas a ação conjunta ou isolada de certas substâncias é responsável pela atividade biológica. Este efeito difere de acordo com a dose e pode ser exemplificado com os glicosídeos cardioativos, encontrados nas espécies Digitalis lanata e Digitalis purpurea (Scrophulariaceae), quando em pequenas doses são amplamente utilizados para o controle de problemas relacionados ao baixo débito cardíaco, entretanto, em doses maiores são tóxicos, paralisando o coração na fase de sístole. Outro exemplo é o alcaloide tubocurarina, principal constituinte do curare (Chondrodendron tomentosum, Menispermaceae). Essa substância, embora tenha sido usada pelos índios para fabricar flechas envenenadas, tem valor medicinal, visto que ela é um relaxante da musculatura lisa. Os metabólitos secundários de plantas têm um grande valor agregado do ponto de vista econômico. Primeiramente, porque de todos os compostos identificados, poucos são aqueles que são utilizados como drogas, saborizantes, fragrâncias, inseticidas ou corantes. De todas as drogas usadas na medicina ocidental cerca de 25% são derivadas de plantas, quer como um composto puro (fármaco) ou como derivado de um produto de síntese natural. Além deste valor econômico real e efetivo, eles também apresentam grande potencial como modelos para o desenvolvimento de novos medicamentos, uma vez que a enorme biodiversidade da natureza é uma fonte de recursos para o desenvolvimento de medicamentos. Mas como substâncias com propriedades e ações tão diversas são sintetizadas pelas plantas? Os metabólitos secundários são muito diversos, mais de 50 mil já foram identificados em espécies de angiospermas, e são sintetizados em diferentes compartimentos celulares, por quatro vias de biossíntese, são elas: via do acetato malonato, do ácido mevalônico (MEV), do metileritritol fosfato (MEP) e do ácido chiquímico. Através dessas vias são formados os três principais grupos de metabólitos secundários: terpenos, substâncias fenólicas e substâncias nitrogenadas (Figura 1). Além destes grupos, também merecem destaque os derivados de ácidos graxos e os 287

288 policetídeos aromáticos. Interessantemente, para classificação em cada grupo as características estruturais e propriedades químicas são mais importantes do que o compartilhamento de uma mesma via de síntese. Por exemplo, os alcaloides são agrupados por apresentarem um caráter básico, conferido pela presença de um ou mais átomos de nitrogênio, dentro de um ou mais anéis heterocíclicos. Os compostos fenólicos, por sua vez, são caracterizados por apresentarem uma hidroxila funcional ligada a um anel aromático, porém podem ser sintetizados por vias distintas. Outros grupos ou subgrupos são baseados na presença de certos tipos de esqueletos básicos em suas estruturas. Alguns detalhes sobre as rotas biossintéticas, sua importância para a sobrevivência das plantas e utilização serão expostos a seguir. Figura 1. Esquema geral das vias de biossíntese do metabolismo vegetal secundário (retângulos rosas) e suas conexões com o metabolismo primário (retângulos vermelhos), em detalhe os metabólitos primários (verde) e os secundários (azul). Figura de Moreira, Derivados de ácidos graxos São compostos sintetizados pela via do acetato malonato e o início da síntese ocorre no plastídio, onde serão formados ácidos graxos C 16 e C 18 a partir de condensação de unidades de malonil-coa e acetil-coa. Essas reações são intermediadas por um conjunto de enzimas, codificadas por sete genes diferentes, denominado FAS II (type II Fatty Acid Synthase). Esses ácidos graxos são transportados para o retículo endoplasmático, onde sofrem diversas reações de alongamento pela ação do complexo enzimático FAE (Fatty Acid Elongation) formando ácidos graxos de cadeia longa (C 20 -C 40 ), precursores dos demais compostos da cera - os 288

289 derivados de ácidos graxos. Reações de descarboxilação levam à formação de alcanos, álcoois secundários e cetonas (Figura 2). Ainda é obscura a síntese dos aldeídos, entretanto, acredita-se que possam surgir de reações enzimáticas com os alcanos ou diretamente pela perda de hidroxilas dos ácidos graxos. A partir dos ácidos graxos de cadeia longa também podem ser formados, por reações de redução, os álcoois primários e os ésteres (Figura 2). Os mecanismos de transporte dessas substâncias ainda não são claros, podendo ocorrer por proximidade, vesículas, transportadores específicos e proteínas transportadoras de lipídios. O papel dessas substâncias para as plantas é de extrema importância, pois são constituintes da cera cuticular. As ceras são misturas complexas de hidrocarbonetos alifáticos de cadeia longa com série homóloga (por exemplo, n-alcanos, álcoois, aldeídos, ácidos graxos e ésteres) que podem apresentar pequenas quantidades de terpenoides. Juntamente com a cutina e a suberina, as ceras constituem o conjunto de substâncias hidrofóbicas que mantêm as superfícies impermeáveis e restringem a perda de água dos tecidos através da transpiração. Além disto, ao revestir os órgãos aéreos, ela atua como uma barreira entre o meio interno e externo, conferindo proteção contra os raios UV, entrada de patógenos e poluição. O surgimento desta camada protetora foi um dos fatores importantes para a conquista do ambiente terrestre há 400 milhões de anos. Figura 2. Esquema da via acetato malonato, em verde as principais classes formadas. Em algumas espécies, principalmente de Asteraceae e Apiaceae (vide Capítulo 23), os ácidos graxos insaturados podem sofrer sucessivas desnaturações originando os poliacetilenos. Essa classe de compostos atua como um sistema de defesa contra insetos e herbívoros, além de atuarem como fitoalexinas (substâncias que combatem a infecção por patógenos invasores de plantas). A cicutoxina, encontrada na cicuta aquática 289

290 (Cicuta virosa, Apiaceae), é um exemplo de poliacetileno tóxico a mamíferos, causando vômitos, convulsões e paralisia respiratória, podendo levar a morte. O falcarinol, outro poliacetileno, é encontrado em Falcaris vulgaris (Apiaceae) e causa dermatite quando a planta é manuseada sem o devido cuidado. Curiosamente, esse composto é encontrado nas raízes de uma das plantas medicinais mais utilizadas mundialmente, o Ginseng (Panax ginseng, Araliaceae). Dentro do grupo dos derivados de ácidos graxos há as acetogeninas, compostos C 35 e C 37 sintetizados a partir de ácidos graxos C 32 e C 34, no qual, através da adição de uma molécula de propano-2-ol, há a formação de um anel lactônico que caracteriza as acetogeninas. Geralmente são encontradas em espécies pertencentes à Magnoliales, mais comumente nas Annonaceae. Essa classe de substâncias é produzida pelas plantas para suprimir a alimentação de insetos, além disso, já foi demonstrado que elas apresentam um grande potencial para a utilização em humanos como substâncias com propriedades antitumoral, antimicrobiana, anti-helmíntica e antiprotozoário. Policetídeos aromáticos Os policetídeos aromáticos também são formados pela via do acetato-malonato. A partir da cadeia carbônica denominada poli-β-cetoéster diversas ciclizações formam os policetídeos aromáticos (Figura 2). Todas essas reações de biossíntese desses metabólitos são intermediadas por proteínas homodiméricas, com dois sítios ativos, denominadas Policetídeos Sintases do tipo III (PKS III). As diferentes subclasses de policetídeos aromáticos dependem do tipo de molécula utilizada como iniciadora da extensão da cadeia carbônica pela malonil-coa. A seguir são apresentados alguns exemplos dessas subclasses com as suas respectivas unidades iniciadoras (Tabela 1). Caso a unidade iniciadora seja a acetil-coa ocorrerá a biossíntese das cromonas e das antraquinonas. As cromonas possuem ampla distribuição nos diferentes clados do APG IV, dentre esses compostos pode-se citar a visnagina, encontrada em frutos de Amni visnaga (Apiaceae), que é utilizada medicinalmente como agente antiasmático. As antraquinonas possuem uma distribuição mais restrita no APG IV, sendo encontrado nas Fabaceae, Rhamnaceae, Rubiaceae, Polygonaceae e Xanthorrhoeaceae. Um exemplo dessas substâncias são as emodinas, encontradas no gênero Cassia. Essas substâncias são utilizadas medicinalmente como estimuladoras do movimento peristáltico do intestino. 290

291 Por outro lado, se a unidade iniciadora for um ácido graxo haverá a biossíntese dos ácidos anarcádicos. Estes compostos estão presentes em espécies de Anacardiaceae e são substâncias extremamente alergênicas. Utilizando como unidade iniciadora o hexanoil-coa haverá a produção de canabinoides, que são encontrados em espécies do gênero Cannabis (Cannabaceae) e possuem diversos efeitos sobre o sistema nervoso central de humanos. Quando o precursor é o benzoil-coa há a biossíntese das bifenilas, dibenzofuranos, benzofenonas e xantonas. As bifenilas e dibenzofuranos são fitoalexinas encontradas em espécies pertencentes às Rosaceae, enquanto as benzofenonas e xantonas são encontradas em espécies pertencentes às Clusiaceae e Gentianaceae e possuem um alto potencial antioxidante e antitumoral. Utilizando como precursor o p-cumaroil-coa haverá a biossíntese dos flavonoides e estilbenos, que serão detalhados posteriormente nesse capítulo. As bifenilas, dibenzofuranos, benzofenonas, xantonas, flavonoides e estilbenos são considerados compostos de biossíntese mista por utilizarem como precursores compostos provenientes da via do ácido chiquímico (benzoil-coa e p-cumaroil-coa) e sofrerem extensão da cadeia carbônica através da via do acetato-malonato. 291

292 Tabela 1. Policetídeos aromáticos e seus respectivos precursores, unidades de extensão, vias de síntese, classes e exemplos. Compostos fenólicos O grupo dos compostos fenólicos inclui substâncias com ao menos um anel aromático no qual houve a substituição de ao menos um hidrogênio por um grupo hidroxila, sendo que estas substâncias podem ser simples ou com diversos graus de polimerização. Podem ocorrer naturalmente na forma livre (agliconas), ligados a açúcares (glicosídeos), ou ainda, ligados a proteínas, terpenos, entre outros. Ácidos fenólicos, quinonas, fenilpropanoides, cumarinas, flavonoides e as substâncias poliméricas (taninos e ligninas) são exemplos de substâncias fenólicas. A eritrose 4-fosfato e o fosfoenolpiruvato são intermediários glicolíticos que se unem e sofrem reações que levam a formação do ácido 3-dehidrochiquímico que formará as estruturas C 6 -C 1. Um exemplo é o ácido gálico que originará a classe dos taninos hidrolisáveis. Os taninos hidrolisáveis são polímeros de ácido gálico e elágico (dímero de ácido gálico) esterificados com açúcares. Esses fenólicos são substâncias adstringentes (precipitam proteínas transformando-as em derivados insolúveis) e essa 292

293 propriedade é muito importante na proteção contra herbivoria, uma vez que torna o material vegetal pouco palatável e com menor valor nutricional. O ácido 3-dehidrochiquímico formará o ácido chiquímico que após diversas reações sintetiza os aminoácidos aromáticos (fenilalanina, tirosina e triptofano). A fenilalanina, quando desaminada pela ação da PAL (fenilalanina amônia liase), origina o ácido cinâmico, o primeiro fenilpropanoide (C 6 -C 3 ) formado. Os fenilpropanoides subsequentes podem sofrer diversas alterações mediadas por enzimas que levarão a formação de outras classes de substâncias fenólicas, como as lignanas e as ligninas. Este complexo polimérico (lignanas e ligninas) confere rigidez e resistência mecânica à parte aérea das plantas, característica que conferiu uma melhor sustentação e possibilitou maior transporte de água e minerais a partir das raízes, permitindo a conquista do ambiente terrestre. Para a síntese de flavonoides e estilbenos, substâncias com 15 átomos de carbono, são combinados esqueletos carbônicos provenientes de duas vias: a via do ácido chiquímico e a via do acetato-malonato, portanto, são de biossíntese mista (Figura 3). Após a fenilalanina ser desaminada, hidroxilada e ligada a uma coenzima-a (CoA) ocorre a formação de uma molécula de coumaroil-coa. Essa estrutura liga-se a três unidades de malonil-coa, levando a formação de uma chalcona, após algumas reações mediadas pela chalcona sintase, essa é a primeira classe de flavonoides formada. A mesma estrutura que origina a chalcona sofre uma série de reações mediadas pela estilbeno sintase, culminando com a formação das diversas substâncias pertencentes à classe dos estilbenos, dentre elas o resveratrol. A chalcona, por sua vez, pode isomerizar-se em uma flavanona e a partir dela são formadas as demais classes de flavonoides. Dessa forma, flavonoides são substâncias que possuem, em geral, um esqueleto C 6 -C 3 -C 6, onde C 6 -C 3 é proveniente do chiquimato e ele está ligado a um anel C 6, proveniente da via do malonato. As diferentes classes de flavonoides diferem uma das outras devido a pequenas variações nessa estrutura básica de 15 carbonos. As flavanonas, por exemplo, têm o anel B ligado ao carbono 2, enquanto que as isoflavonas têm o anel B ligado à posição 3. Flavonas e flavonois são muito semelhantes entre si, à única diferença é que os flavonois apresentam um grupo hidroxila (OH) na posição 3. As antocianidinas, que são a forma aglicona e os cromóforos de antocianinas, apresentam um oxigênio catiônico. Por fim, as proantocianidinas (PAS ou taninos condensados), formadas pelo ramo terminal da via dos flavonoides, apresentam as mesmas propriedades dos taninos 293

294 hidrolisáveis, apesar de serem polímeros de catequinas. Os flavonoides atuam na proteção dos tecidos vegetais frente à ação mutagênica dos raios UV e participam da atração de polinizadores e dispersores de sementes. Antocianinas propiciam uma vasta gama de tonalidades (diferentes tons de vermelho, púrpura e azul). A diversidade de cores encontrada deve-se primeiramente ao padrão de hidroxilações, glicosilações, acilações e metilações de suas estruturas básicas, e aliado a isso, há outros fatores que podem influenciar nas cores encontradas como: copigmentação (flavonoides, fenilpropanoides, aminoácidos, carotenoides, dentre outros), ph vacuolar e complexação com metais. Alguns compostos fenólicos, como fenilpropanoides e flavonois, além de atuarem como copigmentos podem conferir a cor branca. Os processos biossintéticos que levam a formação da fenilalanina ocorrem nos plastídios e a síntese dos fenilpropanoides e flavonoides prossegue na parte citosólica do retículo endoplasmático, sendo que essas substâncias são armazenadas nos vacúolos. Elas também podem ser encontradas em outros compartimentos celulares como parede celular, núcleo, cloroplastos e, até mesmo, no espaço extracelular dependendo da espécie, do tecido ou do estágio de desenvolvimento da planta. Os flavonoides são sintetizados principalmente no citosol, em complexos multienzimáticos ligados às membranas do retículo endoplasmático (RE), e de lá são transportados para seus destinos subcelulares. As cumarinas, furanocumarinas e estilbenos, exemplos de classes de substâncias fenólicas, protegem as plantas contra patógenos (bactérias e fungos) e herbívoros, além de inibirem a germinação de sementes de plantas adjacentes impedindo a competição destas pelos mesmos recursos (alelopatia). Os compostos fenólicos têm recebido crescente atenção por parte da indústria alimentícia, cosmética e farmacêutica. A eles são atribuídos uma vasta gama de efeitos fisiológicos como: antialérgicos, anti-inflamatórios, antimicrobianos, antitrombóticos, antioxidantes, cardioprotetores e vasodilatadores. Por estes efeitos, este grupo de substâncias, as quais são presentes em altos níveis em frutas e vegetais, são consideradas benéficas à saúde humana, especialmente pelo potencial antioxidante. 294

295 Figura 3. Esquema da via de síntese dos compostos fenólicos. Modificado de Moreira (2015). Terpenos Os terpenos formam o maior grupo de produtos naturais, apresentando uma grande diversidade estrutural, com mais de 35 mil substâncias identificadas. Eles são derivados teóricos do isopreno, uma estrutura de cinco carbonos, sendo o número dessa unidade presente na molécula utilizada para a classificação, podendo existir: monoterpenos (C 10 ), sesquiterpenos (C 15 ), diterpenos (C 20 ), triterpenos (C 30 ), tetraterpenos (C 40 ) e politerpenos (mais de 40 carbonos). Os terpenos são tidos como derivados teóricos do isopreno pelo fato desta molécula não estar envolvida na síntese dos terpenos, os precursores são o isopentenil difosfato (IPP) e o dimetilalil difosfato (DMAPP). A síntese deste grupo de metabólitos secundários se dá a partir de duas vias, a do MEV (que tem como precursor acetil-coa) que ocorre no citosol, e a do MEP (derivado de intermediários glicolíticos) a qual é uma 295

296 rota plastidial. Atualmente sabe-se que há uma comunicação entre estas duas vias podendo haver trocas dos componentes formados por cada uma, assim ambas levarão a formação do IPP que pode se converter em seu isômero DMAPP. A ligação do IPP e DMAPP forma o geranildifosfato (GPP), uma molécula de 10 carbonos, a partir da qual são formados os monoterpenos. O GPP pode se ligar a outra molécula de IPP, formando um composto de 15 carbonos, o farnesil difosfato (FPP), precursor da maioria dos sesquiterpenos. A adição de outra molécula de IPP ao FPP forma o geranilgeranil difosfato (GGPP), um composto de 20 carbonos, precursor dos diterpenos. Por último, dímeros de FPP e GGPP são precursores dos triterpenos (C 30 ) e tetraterpenos (C 40 ), respectivamente (Figura 4). Cada uma destas classes de terpenos possui uma ampla gama de funções nas plantas e alguns exemplos serão abordados a seguir. Os monoterpenos e os sesquiterpenos são substâncias presentes nos óleos voláteis e conferem a determinadas plantas seu aroma característico (como as Lamiaceae, Ocimum sp., por exemplo). Os óleos voláteis também possuem compostos provenientes de outras vias como, por exemplo, os fenilpropanoides. Os óleos voláteis estão associados à defesa (repelindo ou atraindo insetos) e sinalização molecular nas plantas, além disso, exibem atividades antimicrobianas e têm sido amplamente utilizados na indústria cosmética, farmacêutica e alimentícia. Há diterpenos essenciais como o fitol, que faz parte de várias moléculas como, por exemplo, a clorofila, e é um dos mais simples e abundantes diterpenos. Outra molécula essencial dentro desta classe é a giberelina. As giberelinas compõem um grupo de hormônios vegetais envolvidos na regulação de diversos processos como o alongamento celular e a senescência. No caso dos triterpenos, atividades anticancerígenas foram relatadas para os tipos ursano, lupano e oleanano, substâncias encontradas em diversas plantas. Os triterpenos também são frequentemente encontrados na forma de saponinas (do latim: sapo = sabão) que possuem propriedades surfactantes. Limonoides, que são triterpenos modificados, têm reconhecida atividade inseticida como, por exemplo, no óleo de Neem (Azadirachta indica, Meliaceae). Triterpenos, tais como, os esteroides sitosterol, estigmasterol e campesterol, são frequentemente encontrados como parte estrutural da membrana celular. Esteroides também são de interesse nutricional pela sua capacidade de reduzir os níveis de colesterol absorvido. 296

297 Os carotenoides ou tetraterpenoides (C 40 ) são sintetizados no plastídio via 2- metileritritol 4-fosfato (MEP). Esses terpenos são substâncias lipossolúveis, amplamente distribuídas no reino vegetal, em geral atuam como pigmentos relacionados à fotoproteção e atração de polinizadores nas plantas, além de serem precursores da vitamina A cuja deficiência em humanos pode causar problemas de visão. Como pigmentos conferem colorações amareladas e alaranjadas, e podem coexistir com as antocianinas resultando assim em tonalidades marrons e bronze. Figura 4. Esquema da síntese de terpenos pelas vias MEV e MEP. Compostos nitrogenados Compostos nitrogenados são defesas químicas anti-herbivoria e, quando pigmentos, atrativos de polinizadores. As quatro classes mais importantes são: alcaloides, betalaínas, glicosídeos cianogênicos e glucosinolatos. Essas substâncias são formadas a partir de aminoácidos aromáticos e alifáticos. 297

298 Alcaloide é o nome dado a um grupo de substâncias bastante heterogêneo, predominantemente sintetizado por plantas (dos 27 mil alcaloides conhecidos no momento, 21 mil são de origem vegetal). Eles têm em comum o caráter alcalino, conferido pela presença de um ou mais átomos de nitrogênio, e podem ter um ou mais anéis heterocíclicos. Essa classe de compostos nitrogenados é reconhecida pelo seu amplo espectro de atividades biológicas, por isso correspondem a princípios ativos comuns em plantas medicinais e tóxicas. Alguns exemplos são a papoula (Papaver somniferum, Papaveraceae), que contém morfina, codeína e papaverina; o café (Coffea arabica, Rubiaceae), que contém cafeína; a espécie Chondodendron tomentosum (Menispermaceae), da qual se extrai o curare, potente relaxante muscular com atividade anestésica, utilizado como veneno de flecha por indígenas sul-americanos. Outro alcaloide muito conhecido é a nicotina (presente no fumo, Nicotiana tabacum, Solanaceae). Os diferentes tipos de alcaloides são classificados de acordo com o aminoácido precursor utilizado para a formação de sua estrutura e o anel nitrogenado formado a partir deste, sendo que os aminoácidos mais comuns são os alifáticos, como a lisina e a ornitina, e os aromáticos, como a tirosina e o triptofano (Tabela 2). A partir da lisina são biossintetizados os alcaloides quinolizidínicos (vide Capítulo 20), compostos tóxicos para herbívoros, encontrados em Berberidaceae, Ranunculaceae, Solanaceae e em Fabaceae, como a Lupinus sp., que contém a lupinina; os alcaloides indolizidínicos, comuns em Fabaceae, possuem alta atividade anti-hiv; os alcaloides piperidínicos, distribuídos em diversas famílias do APG IV, alguns compostos dessa classe são utilizados em preparações para pessoas que querem parar de fumar, como é o caso da lobenina, encontrada na Lobélia (Lobelia inflata, Campanulaceae), que estimula os mesmos receptores da nicotina, simulando o efeito dessa substância. A ornitina, por sua vez, é precursora dos alcaloides tropânicos, como a atropina e a cocaína, cuja distribuição (vide Capítulo 23) se concentra em espécies pertencentes às Malpighiales e às Solanales; dos alcaloides pirrolidínicos, como a higrina, encontrada em folhas de coca (Erythroxylum coca, Erythroxylaceae); e dos alcaloides pirrolizidínicos, mais comumente encontrados nas ordens Asparagales, Fabales, Asterales e na família Boraginaceae, que são compostos hepatotóxicos, portanto, inibidores de herbivoria. 298

299 A tirosina é precursora dos alcaloides pertencentes às classes dos aporfínicos, tetraidroisoquinolínicos, isoquinolínicos, benziltetraidroisoquinolínicos, morfinanos e protoberberínicos. Dentre os alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como destaque aqueles encontrados na papoula, são eles: a morfina, um potente anestésico; a codeína, utilizada em formulações de xaropes antitussígenos; e a papaverina, utilizada em medicamentos contra cólicas devido ao seu efeito anestésico da musculatura lisa. A partir do triptofano são sintetizados os alcaloides pertencentes às classes dos quinolínicos, β-carbonílicos, pirroloindólicos, indólicos e pirroloquinolínicos. Dentre os alcaloides pertencentes a essas classes podemos citar como destaque a vincristina, extraída da vinca-de-madagáscar (Catharanthus roseus, Apocynaceae), que é muito utilizada como agente quimioterápico, principalmente no combate a leucemia. As betalaínas são alcaloides indólicos que atuam como pigmentos em algumas espécies de Caryophyllales (vide Capítulo 23). Elas conferem colorações avermelhadas a violetas (betacianinas) ou amareladas a tons de laranja (betaxantinas). A presença de antocianinas e betalaínas são excludentes, não há uma espécie se quer descrita com a síntese das duas classes. Glicosídeos cianogênicos possuem um resíduo de açúcar e um grupamento nitrila. Eles são armazenados em vacúolos e, quando a planta é atacada, são hidrolisados pela enzima que se encontra no citoplasma gerando cianeto, substância altamente tóxica. A mandioca (Manihot esculenta, Euphorbiaceae) possui concentrações altas de um glicosídeo cianogênico chamado linamarina, por isso antes de seu consumo é necessário um preparo prévio a fim de evitar a intoxicação por esse composto. Glucosinolatos são substâncias que contêm enxofre, nitrogênio e açúcar em sua molécula. Eles ocorrem em quase todas as espécies de Brassicaceae e são responsáveis pelo sabor picante do agrião, rabanete e pelo gosto característico dos brócolis, repolho, mostarda, etc. Quando a planta é atacada, os glucosinolatos são hidrolisados pela enzima mirosinase, produzindo isotiocianatos e nitrilas que agem na defesa da planta como toxinas e repelentes contra herbívoros. 299

300 Tabela 2. Exemplos de classes de alcaloides, seus respectivos precursores, fonte e uso por humanos. Engenharia metabólica de substâncias secundárias A Engenharia Metabólica é a manipulação de funções celulares, através da tecnologia do DNA recombinante, para melhoria direcionada de uma característica (vide Capítulo 21). Os progressos na aplicação de técnicas moleculares para alterar a produção de determinadas substâncias trazem inúmeras abordagens interessantes como: melhorar a produção de metabólitos secundários utilizados como produtos químicos (fármacos, inseticidas, corantes, aromas e fragrâncias); introduzir a produção de um composto de interesse em outras espécies de plantas (ex. mais adequada para o cultivo); alterar características de plantas alimentícias e ornamentais (ex. alterando cores de flores, ressaltando sabores, cheiros ou aspecto de alimentos, reduzindo nível de compostos tóxicos ou indesejáveis em fábricas de alimentos ou forragem); aumentar a resistência contra pragas e doenças. 300

301 O arroz-dourado, ou golden-rice, ilustra a importa ncia da tecnologia do DNA recombinante para a produção de metabólitos secundários de interesse agronômico e nutricional. Este transgênico foi gerado para produzir betacaroteno, precursor da vitamina A, que confere a coloração amarelada e dá nome à linhagem. Para a obtenção destas plantas transgênicas foram inseridos dois genes exógenos sob controle de um promotor de endosperma, de modo que os transgenes se expressam somente nos grãos. O primeiro transgene codifica a fitoeno sintase de milho, que utiliza GGPP como substrato para a produção de fitoeno. O segundo gene (CRTI) codifica uma fitoeno desaturase bacteriana responsável pela síntese de licopeno. Ciclases do próprio endosperma, como a licopeno isomerase e α, β-licopeno ciclase, catalisam as reações de síntese de betacaroteno a partir do licopeno, de modo que os níveis desta substância chegam a 35 µg por grama de arroz seco. Devido à facilidade de produção, baixo custo no mercado e amplo consumo do arroz, a variedade transgênica aparece como uma das promessas para combater a deficiência de vitamina A, especialmente em populações pobres asiáticas que tem o arroz como base da alimentação. Outro exemplo de engenharia do metabolismo secundário em favor da agricultura é o caso do combate à mariposa Plutella xylostella. A traça-das-crucíferas, causada por esta espécie, é uma das principais pestes que atacam as plantações de Brassicaceae, como brócolis, repolho, couve e mostarda, em todo o mundo. As fêmeas de P. xylostella são atraídas por glucosinolatos, que estimulam também a ovoposição nas folhas das plantas hospedeiras, provocando enormes prejuízos às plantações. Como forma de prevenir infestações e proteger as culturas, tem sido estudado o emprego de outros cultivares mais atrativos aos herbívoros especialistas, mas que não provêm as condições ideais para o desenvolvimento das larvas. Neste contexto, foi desenvolvido o tabaco transgênico que produz benzilglucosinolato, um alcaloide característico das brassicaceas, através da inserção de seis enzimas que catalisam reações consecutivas da biossíntese do benzilglucosinolato a partir da fenilalanina. O tabaco transgênico é mais atrativo para oviposição do que a variedade selvagem e também é um hospedeiro que permite menor taxa de sobrevivência das traças, protegendo as culturas e evitando o uso de defensivos agrícolas. Avanços na biotecnologia dos metabólitos secundários são também possíveis ferramentas para reverter um grande gargalo na produção de biocombustíveis. A obtenção de celulose com esse fim é limitada pela presença da lignina, portanto, é de interesse industrial a obtenção de plantas com níveis reduzidos de lignina, mas que não 301

302 apresentem desenvolvimento comprometido, baixo vigor ou inferioridade agronômica. Como alternativa, é possível modificar a estrutura química deste polímero de modo a torná-lo mais acessível aos métodos de extração de biomassa. Uma das estratégias para isso é a construção da chamada zip-lignina, que se baseia na incorporação de conjugados de monolignol e ferulatos na estrutura do polímero. Foi produzido com este fim um choupo transgênico, no qual foi introduzida uma feruloil-coa: monolignol transferase de Angelica sinensis. Essa transferase introduz ligações do tipo éster, quimicamente instáveis em comparação às ligações éter, normalmente presentes no esqueleto da lignina. Desta forma, são obtidos polímeros que necessitam de menos energia para serem degradados, facilitando a obtenção de açúcares para fins industriais. O conhecimento detalhado das estruturas químicas e vias de síntese de substâncias secundárias pode proporcionar diversas aplicações biotecnológicas de interesse econômico em processos agrícolas, industriais e biotecnológicos. Referências Buchanan, B.B.; Gruissem, W.; Jones, R.L. (Ed). (2015). Biochemistry & Molecular Biology of Plants. Chichester: John Wiley & Sons, 1264p. Chase, M.W.; Christenhusz, M.J.M.; Fay, M. F.; Byng, J.W.; Judd, W.S.; Soltis, D.E.; Mabberley, D.J.; Sennikov, A.N.; Soltis, P.S.; Stevens, P.F. (2016). An update of the Angiosperm Phylogeny Group classification for the orders and families of flowering plants: APG IV. Botanical Journal of the Linnean Society, v. 181, n. 1, p Dewick, P.M. (2009). Medicinal Natural Products A biosynthetic approach. Third edition. John Wiley and Sons. West Sussex. UK. Maeda, H & Dudavera, N. (2012). The Shikimate pathway and aromatic amino acid biosynthesis in plants. Annual reviews of plant biology, v. 63, p Møldrup, M. E.; Geu Flores, F.; de Vos, M.; Olsen, C. E.; Sun, J.; Jander, G.; Halkier, B. A. (2012). Engineering of benzylglucosinolate in tobacco provides proof ofconcept for dead end trap crops genetically modified to attract Plutella xylostella (diamondback moth). Plant biotechnology journal, v. 10, n. 4, p Moreira, F. A. (2015). Perfil da alteração na produção de substâncias fenólicas e açúcares livres na interação entre Tapirira guianensis Aubl. (Anacardiaceae) parasitada por Phoradendron crassifolium (Pohl ex DC.) Eichler 302

303 (Santalaceae). Dissertação de Mestrado. Instituto de Biociências, São Paulo. Universidade de São Paulo (Orientadora: Furlan, C. M.). Paine, J.A.; Shipton, C.A.; Chaggar, S.; Howells, R.M.; Kennedy, M.J.; Vernon, G.; Wright, S.Y.; Hinchliffe, E.; Adams, J.L.; Silverstone, A.L.; Drake, R. (2005). Improving the nutritional value of Golden Rice through increased pro-vitamin A content. Nature Biotechnology, v. 23, p Simões, C.M.O.; Schenkel, E.P.; Gosmann, G.; Mello, J.C.P.; Mentz, L.A.; Petrovick, P.R. (Orgs.). (2010). Farmacognosia: da planta ao medicamento. 6 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS; Florianópolis: Editora da UFSC, 1104p. Taiz, L. & Zeiger, E. (2010). Plant Physiology. 5ª edição, Artmed, 782p. Verpoter, R. & Alfermann, A.W. (2000). Metabolic Engineering of Plant Secondary Metabolism. Kluwer Academic Publishers, 297p. Wilkerson, C.G.; Mansfield, S.D.; Lu, F.; Withers, S.; Park, J.Y.; Karlen, S.D.; Gonzales-Vigil, E.; Padmakshan, D.; Unda, F.; Rencoret, J.; Ralph, J. (2014). Monolignol Ferulate Transferase Introduces Chemically Labile Linkages into the Lignin Backbone. Science, v. 344, n. 6179, p

304 Anotações: 304

305 CAPÍTULO XXIII Metabólitos secundários como ferramenta para a sistemática de Angiospermas Pâmela Tavares da Silva Andressa Cabral Introdução A Sistemática Vegetal é o ramo da Biologia Vegetal que envolve a descoberta, a descrição e a interpretação da diversidade biológica baseando-se nas relações evolutivas entre os organismos. Toda esta informação é sintetizada em sistemas de classificação que possam gerar previsões testáveis. Seu principal objetivo é obter uma árvore filogenética que reconstrua a história evolutiva dos vegetais, mostrando a relação natural entre os táxons. As reconstruções filogenéticas são realizadas através de inferências, as quais podem ser obtidas de diferentes maneiras e baseando-se em diferentes filosofias, todas buscando a melhor a hipótese para explicar a evolução dos táxons em questão. Para realizar suas inferências pesquisador@s baseiam as análises em um conjunto de caracteres (evidências) que auxiliam na construção e sustentam as hipóteses evolutivas. Estas evidências podem ser obtidas de diversas fontes, de várias estruturas e estágios do desenvolvimento da planta. Dentre os caracteres mais utilizados, podem ser citados os morfológicos, macromoleculares (DNA e RNA), anatômicos, cromossômicos, embriológicos, palinológicos, bioquímicos e de proteína. Os metabólitos secundários demonstraram ter utilidade na sistemática de Angiospermas por estarem frequentemente restritos a grupos relacionados filogeneticamente. Por este motivo, eles têm sido recentemente utilizados nos estudos de variações entre táxons e nas construções de hipóteses filogenéticas como caracteres bioquímicos. O emprego destes compostos como caracteres na sistemática vegetal está, em geral, baseado na sua presença ou ausência em um dado grupo. Contudo, vários compostos podem ser formados por diferentes vias biossintéticas, e por isso, a elucidação destas vias também tem sido relevante quando interpretadas em filogenias. A seguir, iremos abordar brevemente o metabolismo vegetal e as categorias de metabólitos secundários com utilidade na sistemática de Angiospermas. 305

306 Um exemplo é mostrado no sistema de Dahlgren (1989), em que no ponto de vista químico, as ordens poderiam ser divididas usando algumas classes de substâncias, como Betalaínas, Taninos Elágicos, Benzilisoquinolinas, Glicosinolatos, Poliacetilenos, Lactonas Sesquiterpênicas, Iridóides. Figura 1. Esquema modificado da classificação de Dahlgren (1989), mostrando as classes de substâncias utilizadas. Embora a definição de metabolismo primário e metabolismo secundário não estejam inteiramente esclarecidos, podemos dizer que o metabolismo primário é responsável pela produção de protoplasto (todo o conteúdo celular exceto membrana plasmática e parede celular) e energia, ou seja, incluem a produção de carboidratos, proteínas, nucleotídeos e lipídios. O metabolismo primário esta distribuído por todos os organismos e é essencial à vida. Já o metabolismo secundário não esta ligado aos processos essenciais à vida como produção de energia e/ou constituição do protoplasto, e não estão distribuídos por todos os organismos vegetais de forma ubíqua, expressando a individualidade de famílias, gêneros e, até mesmo, espécies. Onde para cada organismo ou grupo vegetal, serão produzidos de forma exclusiva os metabólitos secundários, seja para proteção frente a patógenos ou herbívoros, seja para atração, polinização e/ou dispersão das sementes, entre outras defesas e por conta disso possuem diversas estruturas, 306

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