TEXTUALIZAÇÃO DOS DISCURSOS URBANOS
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- Francisco Cesário Chagas
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1 1 TEXTUALIZAÇÃO DOS DISCURSOS URBANOS Maria Cleci Venturini 1 O suporte teórico que sustenta esta reflexão acerca da textualização dos discursos urbanos encontra-se em Foucault, Pêcheux e Orlandi. Buscamos em Foucault (2004) as relações entre o discurso, o poder e o saber, cujo fio condutor é a ordem do discurso. Para ele não é qualquer dizer que entra na ordem do discurso. Para entrar nessa ordem e ser tido como legítimo e, portanto ser tido como verdadeiro, o discurso precisa satisfazer exigências, ligadas aos procedimentos coercitivos de ordem externa e interna. Diante da limitação de tempo e de espaço nos concentraremos no terceiro sistema de exclusão externa: a vontade de verdade, deslocando-o para a Análise do Discurso, campo de estudos que trata a vontade da verdade como efeito de sentido, definido por Orlandi (2004) como a presença da ideologia na constituição dos sentidos e dos sujeitos. (... ) É da relação entre as muitas formações discursivas (com os sentidos possíveis, que se limitam reciprocamente) que se constituem os efeitos de sentido do discurso pelo trabalho da língua na história, dotando o discurso do valor de verdade, que, ainda de acordo com Foucault tem relação com os saberes que constituem o corpo social. Nosso objetivo é, em relação ao efeito de verdade, verificar a constituição dos discursos e os procedimentos que fazem do texto uma porta de entrada para o discurso, nas palavras de Orlandi (2004). Em Foucault buscamos também os procedimentos de controle interno (o retorno dos discursos em novos discursos, o autor e a disciplinarização) para mostrar o funcionamento desses procedimentos na textualização dos discursos urbanos. Iniciamos nossa reflexão pela vontade de verdade, procedimento de coerção advindo do exterior, do corpo social, que se legitima pelo interdiscurso e pelo funcionamento do pré-construído, trazendo para o intradiscurso o já dito, que materializam no texto, saberes que limitam, reordenam e controlam o que pode ser dito/escrito para dotá- 1 Doutoranda em Estudos Lingüísticos do PPGL em Letras da Universidade Federal de Santa Maria. Professora de Língua Portuguesa e Lingüística da UNICENTRO - Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO. maria.cleci@terra.com.br
2 2 los das condições exigidas para que entrem na ordem do discurso. Pelo nosso olhar o desejo de verdade, como fator de textualidade é sustentado pelos saberes relacionados a memórias cívicas e aos lugares de memória que asseguram a permanência de uma certa representação de realidade, que faz com que os cidadãos urbanos identifiquem-se com o que é dito e aceitem o discurso como verdadeiro. É um fator de textualização e integra o interdiscurso saberes que falam em outro lugar - a aceitação e a legitimação do sujeito que diz eu no texto que circula na cidade. Para ser aceito o sujeito, dotado da posição-autor, atua como intermediário entre os cidadãos, segundo Orlandi (2004:11), corpo da cidade - e a história que constitui a memória histórica dessa cidade. É a posição-sujeito assumida pelo enunciador e o lugar discursivo ocupado por ele, que o autoriza a falar em ou do lugar de, concedendo-lhe o direito de entrar na ordem do discurso como autor, responsável pelo dizer. Parafraseando teóricos da lingüística do texto, a textualização do discurso tem a ver com o sujeito e com a posição que este sujeito ocupa no corpo social e urbano, dotando-o do poder de dizer, de falar em nome de. A ligação do discurso e da história move os discursos da cidade pelas instituições, que pela repetição de enunciados, segundo Pêcheux (1997:159), produz o sujeito sob a forma de sujeito de direito, dotando-o do poder e do dever de dizer o que diz, atravessado pelas formações discursivas e ideológicas a que está assujeitado. Isso significa que os discursos institucionais, além de apresentarem-se como verdadeiros, buscam ganhar legitimidade e adesão pelo controle dos saberes e dos poderes, veiculando diferenciadamente os discursos que produz, tendo em vista, como ilustrou Foucault (idem), determinados grupos sociais, aos quais busca atingir. Pêcheux (1997:191) refere à distribuição desigual do poder e do saber, enquanto bens sociais, dizendo que as contradições que constituem o que chamamos as condições ideológicas da reprodução/transformação das relações de produção se repercutem, com deslizamentos, deslocamentos. A história estruturada pelos textos que formam os discursos da cidade a partir das instituições, de acordo com Orlandi (1990:14), não se define pela cronologia, nem por seus acidentes, nem é tampouco evolução, mas produção de sentidos que se materializa sob a forma de discursos sob a responsabilidade do autor, que aglutina em torno
3 3 dessa posição os cidadãos urbanos que se identificam com o que é dito, garantido ao textodiscurso parte de sua textualização. Ainda de acordo com Foucault, os procedimentos de controle interno - discurso fundador, autor e disciplinarização, dão conta do controle que os discursos exercem internamente sobre eles mesmos, através do retorno dos discursos em outros discursos, segundo Orlandi (1990), os discursos fundadores. A função-autor é exercida discursivamente pela posição-sujeito e a disciplinarização, segundo Foucault (idem:36) é responsável pelo princípio de controle de produção do discurso, que lhe fixa os limites pelo jogo de uma identidade que tem a forma de uma reatualização permanente de regras. A função-autor materializa-se lingüisticamente o processo discursivo, através do qual o sujeito assume a autoria do que é dito. Nenhum discurso, portanto tem possibilidade de materializar-se sem que haja um sujeito que assuma a autoria do dizer, respaldado pelas instituições que dotam o sujeito de poderes que o habilitam a dizer o que diz. É por isso que, segundo Orlandi (1988:19), há na gênese de todo discurso o projeto totalizante de um sujeito, projeto este que o converte em autor. Este projeto tem a função de assegurar a coerência e a completude de uma representação. A questão autor é, ainda na visão de Foucault (2004), um procedimento de coerção interna, que realiza, juntamente com a disciplinarização regras que regem a formulação dos discursos o retorno de determinados discursos em novos discursos. Nessa perspectiva a cidade é um texto que se dá a ler e também se deixa constituir. Mostra-se algumas vezes como uma folha em branco e em outras, como folhas totalmente preenchidas, sem margens, sem espaço de inclusão, sem lacunas: uma memória saturada. Essas são impressões empíricas de quem chega a um espaço urbano e pretende interpretálo, conhecer a sua ordem. Segundo Orlandi (2004 a:11) no território urbano, o corpo dos sujeitos e o corpo da cidade formam um, estando o corpo do sujeito atado ao corpo da cidade. Dessa forma a imagem do sujeito/cidadão e a imagem do espaço urbano não se separam em nenhuma das dimensões que compõem a cidade (social, material, cultural, econômica e histórica) A dimensão da cidade como corpo que se constitui numa simbiose que resulta da articulação entre o tempo, o espaço e o corpo dos cidadãos urbanos mostra a
4 4 importância de sabê-la, de conhecer sua ordem, sua história, seus costumes. De saber enfim, quais são seus limites, suas fronteiras suas lacunas, seus excessos e suas margens. A relação estabelecida entre a ideologia e a interpretação, entre a falta e o excesso, entre a saturação e a completude produzidas pelas evidências que estabilizam o sentido e trazem para a reflexão a textualização dos discursos urbanos materializa-se a partir de textos, exemplares de discursos que a cidade dá a ler e pelos quais se narra, significando-se na e pela língua na história. As cidades contam a sua história, criam suas memórias e se representam através de nomes e de eventos, limitando a interpretação. Mesmo assim, como diz Orlandi (idem) os excessos escapam ao trabalho institucional, passando a compor o discurso urbanos, apesar de, na maioria das vezes, não entrarem na ordem do discurso. As instituições dão visibilidade a um lado da cidade, mas não conseguem apagar o que está do outro lado. Com isso, concluímos esta reflexão dizendo que os fatores que constituem os discursos da cidade são de várias ordens, passando segundo Foucault pelo saber e pelo poder e de acordo com Pêcheux pela ideologia que interpela o cidadão em sujeito do seu dizer. Enfim, é pelo interdiscurso que os dizeres da cidade textualizam-se em discursos, sustentando-se em textos fundadores, em lugares de memórias e nas instituições. BIBLIOGRAFIA AUGÉ, Marc. As formas do esquecimento. Trad. Ernesto Sampaio. Placeto Cristo Rei, Almada, Iman edições, FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Petrópolis, Vozes, A ordem do discurso. Aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 de dezembro de Trad.Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Ed. Loyola, Microfísica do Poder. 21ª. Ed. Org. e Trad. De Roberto Machado. São Paulo: Ed. Paz e Terra, LE GOFF. Jacques. A história nova. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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6 6 SOUZA, Pedro de. O esquecimento como condição damemória: a identidade em desabamento no ato de dizer. In INDURSKY, Freda e CAMPOS, Maria do Carmo. Discurso, Memória e Identidade. Porto Alegre: Ed. Sagra Luzatto, SCHERER, Amanda. Reflexões sobre o papel da memória. Porto Alegre: UFRGS, 2004, 1o. Seminário de Análise de Discurso I SEAD, realizado na UFRGS. Porto Alegre: 2005., Morales, Gládis, Leclerq, Hélené. Palavras d intervalo no decorrer da TEDESCO, João Carlos. Nas cercanias da memória: temporalidade, experiência e narração. Passo Fundo: ed. UPF, 2004.
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