Leonardo de Medeiros Garcia. Coordenador da Coleção. Guilherme Freire de Melo Barros COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS. Conforme Lei n /2014.
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1 Leonardo de Medeiros Garcia Coordenador da Coleção Guilherme Freire de Melo Barros Graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Romeu Bacellar LLM em Contratos Internacionais e Resolução de Disputas pela Universidade de Turim/ItáliaMestrando em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC-PR Ex-Defensor Público do Estado do Espírito Santo Procurador do Estado do Paraná. COLEÇÃO SINOPSES PARA CONCURSOS ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Conforme Lei n / ª edição Revista, ampliada e atualizada 2014
2 Lições preliminares Como esse assunto foi cobrado em concurso? (TJ-AC 2012 Cespe) No que tange aos princípios gerais orientadores do ECA, assinale a opção correta. a) O princípio da prioridade absoluta não pode ser interpretado de forma isolada, devendo ser interpretado de forma integrada aos demais sistemas de defesa da sociedade. Dessa forma, a decisão do administrador público entre a construção de uma creche e a de um abrigo para idosos, ambos necessários, deverá recair sobre a segunda, dada a prevalência da lei mais recente, no caso, o Estatuto do Idoso. b) Buscando efetivar o princípio da prioridade absoluta, o legislador incluiu no ECA um rol taxativo de preceitos a serem seguidos. Gabarito: os itens estão errados. 3. CRIANÇAS E ADOLESCENTES SÃO SUJEITOS DE DIREITO O artigo 5º do Estatuto estabelece que: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. O dispositivo guarda relação com a parte final do artigo 227 da Constituição da República. Tais comportamentos proibidos não se referem apenas aos pais, mas a quaisquer pessoas que tenham contato com a criança ou o adolescente. A conduta negligente, por exemplo, pode ser praticada por um guardião ou alguém que tenha a criança ou adolescente sob seus cuidados em determinada situação. A discriminação pode ter por alvo motivos de cor, religião, origem etc. O artigo 5º busca enumerar de forma ampla qualquer conduta que possa violar os direitos da criança e do adolescente, sendo certo que o Estatuto prevê sanções de natureza civil (ex: suspensão e perda do poder familiar), penal e administrativa o Título VII, do Livro II dispõe sobre crimes e infrações administrativas relacionadas a crianças e adolescentes. O Código de Menores tratava crianças e adolescentes como objeto de proteção. A doutrina moderna dá outra conotação para a 27
3 Guilherme Freire de Melo Barros questão e passa a se referir à criança e ao adolescente como sujeitos de direito. O objetivo é realmente deixar claro que há direitos a respeitar e que toda a sociedade pais, responsáveis e Poder Público deve zelar por eles. Código de Menores X Estatuto da Criança e do Adolescente Tutelava apenas o menor em situação irregular O menor era visto como objeto de tutela Dá ampla proteção à criança e ao adolescente Criança e adolescente são sujeitos de direitos 4. CONCEITO DE CRIANÇA E DE ADOLESCENTE O Estatuto estabelece no art. 2º uma importante divisão conceitual, com implicações práticas relevantes. Considera-se criança a pessoa com até 12 (doze) anos incompletos, ou seja, aquele que ainda não completou seus doze anos. Por sua vez, adolescente é aquele que conta 12 (doze) anos completos e 18 anos incompletos. Ao completar 18 anos, a pessoa deixa de ser considerada adolescente e alcança a maioridade civil (art. 5º do Código Civil). O critério adotado pelo legislador é puramente cronológico, sem adentrar em distinções biológicas ou psicológicas acerca do atingimento da puberdade ou do amadurecimento da pessoa. A distinção entre criança e adolescente tem importância, por exemplo, no que tange às medidas aplicáveis à prática de ato infracional. À criança somente pode ser aplicada medida de proteção (art. 105), e não medida socioeducativa estas aplicáveis aos adolescentes. Nomen Iuris Criança Adolescente Maior Idade De 0 a 12 anos incompletos De 12 completos e 18 anos incompletos A partir de 18 anos completos 5. APLICAÇÃO DO ESTATUTO A QUEM JÁ COMPLETOU A MAIORIDADE Dispõe o parágrafo único do art. 2º que o Estatuto é aplicável excepcionalmente às pessoas entre 18 e 21 anos de idade. Isso se verifica tanto no campo infracional, quanto na área cível. 28
4 Direitos fundamentais Direitos fundamentais no ECA Direito à vida e à saúde (arts. 7º a 14) Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade (arts. 15 a 18) Direito à convivência familiar e comunitária (arts. 19 a 52-D) Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (arts. 53 a 59) Direito à profissionalização e à proteção no trabalho (arts. 60 a 69) 2. DIREITO À VIDA E À SAÚDE Não há a menor dúvida em afirmar que o direito à vida é o de maior valor para toda a estruturação do ordenamento jurídico. Não é possível se falar em qualquer outro tipo de tutela de direitos ou em princípios e regras ou em sistema jurídico, sem que haja vida humana. Assim, o direito à vida somente poderia estar mesmo elencado como o primeiro do rol dos direitos fundamentais do Estatuto (art. 7º), o que está em consonância com a previsão constitucional de inviolabilidade do direito à vida na Constituição (art. 5º e art. 227, este relacionado à criança, ao adolescente e ao jovem). Em doutrina, Andréa Rodrigues Amin analisa: Trata-se de direito fundamental homogêneo considerado como o mais elementar e absoluto dos direitos, pois indispensável para o exercício de todos os demais. Não se confunde com sobrevivência, pois no atual estágio evolutivo, implica no reconhecimento do direito de viver com dignidade, direito de viver bem, desde o momento da formação do ser humano. 2 Ao lado do direito à vida, desponta o direito à saúde, que é justamente a qualificação daquele primeiro direito. É dizer, não basta garantir o direito à vida, mas sim o direito à vida com saúde. Nesse contexto, o artigo 7º prevê a necessidade de efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. O meio para garantir o direito à vida e à saúde daquele que ainda vem ao mundo perpassa, necessariamente, por cuidados com a gestante, que é o veículo da vida. Por isso, o capítulo do Estatuto que trata do direito à vida e à saúde de crianças e adolescentes traz 2. AMIN, Andréa Rodrigues. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. op. cit., p. 32 (grifos do original). 33
5 Guilherme Freire de Melo Barros previsões relativas à gestante e ao seu atendimento hospitalar. O artigo 8º garante o atendimento pré e perinatal à gestante, através do Sistema Único de Saúde (CR, art. 198), bem como o apoio alimentar pelo Poder Público à nutriz (art. 8º, 3º). Confira-se a integralidade do artigo 8º: Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema. 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase pré-natal. 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. 5º A assistência referida no 4º deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. Uma gestação adequada previne doenças e permite o desenvolvimento sadio do feto, de maneira que o recém-nascido terá melhores condições de vida. Através da Lei nº /2009, foi introduzido o 4º ao artigo 8º, que aumentou o rol de deveres do Estado, ao inserir o dever de prestar assistência psicológica durante a gestação e após o parto, com os olhos voltados à prevenção do estado puerperal. O objetivo, logicamente, é preservar a vida e a saúde do recém-nascido. Após dispor sobre aspectos pertinentes ao nascimento com vida, o Estatuto impõe ao Poder Público e aos empregadores da iniciativa privada o dever de proporcionar condições adequadas para o aleitamento materno: Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liberdade. 34
6 Direitos fundamentais No âmbito do direito do trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também prevê o direito de aleitamento à empregada, em seu art. 396: Para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais, de meia hora cada um. Parágrafo único. Quando o exigir a saúde do filho, o período de 6 (seis) meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente. Como se vê, os diferentes dispositivos caminham na mesma direção, que é a de garantir o adequado desenvolvimento do recém- -nascido durante os primeiros meses de vida. O direito alcança, inclusive, mães submetidas a medidas privativas de liberdade, direito fundamental garantido também na Constituição da República (art. 5º, inc. L). O que se está a garantir é o direito à saúde e ao desenvolvimento sadio da criança, ou seja, o direito não é da mãe, mas sim do filho. A Lei do Sinase, Lei nº /2012, reforçou tal garantia ao prever que devem ser proporcionadas condições adequadas à mãe-adolescente para amamentar seu filho. É o que estabelece o 2º do artigo 63: Serão asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à execução de medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação. Como esse assunto foi cobrado em concurso? (TJ-ES 2011 Cespe) Acerca dos direitos fundamentais inerentes à criança e ao adolescente, assinale a opção correta à luz do ECA. a) Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe no pré e no pós-natal, desde que a mãe não manifeste interesse em entregar seus filhos para adoção. b) Não há previsão legal de atendimento preferencial da parturiente, no SUS, pelo médico que a tenha acompanhado no período pré-natal. c) É previsto atendimento pré e perinatal à gestante, por meio do SUS, incluindo-se assistência psicológica, como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal. d) Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar somente à nutriz, pois isso resultará no desenvolvimento físico adequado da criança. e) Para que a gestante seja encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, basta que haja a necessidade específica. Gabarito: letra C. 35
7 Guilherme Freire de Melo Barros 3. IDENTIFICAÇÃO ADEQUADA O artigo 10 do Estatuto possui a seguinte redação: Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a: I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos; II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente; III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem como prestar orientação aos pais; IV - fornecer declaração de nascimento onde constem necessariamente as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato; V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe. Esse dispositivo regula a adequada identificação dos recém- -nascidos e de suas genitoras, a fim de evitar a troca de identidades. Inclusive, os artigos 228 e 229 do Estatuto prevêem como crime as condutas omissivas daqueles deixam de cumprir esse dispositivo. Os prontuários das atividades desenvolvidas devem ser individuais e mantidos pelo prazo de 18 anos (art. 10, I). Dentre os documentos referentes à identificação do recém-nascido, destaca-se a declaração de nascido vivo, DNV (art. 10, inc. IV), pois possibilita à genitora registrar o recém-nascido no registro civil de pessoas naturais. Além disso, é documento de que sempre se vale o Judiciário no procedimento de regularização de registro civil (art. 102). 4. MAUS-TRATOS COMUNICAÇÃO AO CONSELHO TUTELAR Os maus-tratos mais comumente surgem no âmbito familiar, praticados lamentavelmente por aqueles que exercem o poder familiar pai, mãe, padrasto e madrasta. Podem ocorrer também em locais frequentados pela criança ou adolescente, como creche, escola, projeto beneficente, paróquia religiosa, local de trabalho etc. Qualquer que 36
8 Direitos fundamentais seja o local ou o agressor, é necessária a comunicação ao Conselho Tutelar para adoção de providências (art. 13). Inclusive, o Estatuto define como infração administrativa a não-comunicação de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente (art. 245). 5. PREOCUPAÇÃO COM ENTREGA DA CRIANÇA À ADOÇÃO O Estatuto possui como diretriz a preservação da família natural. Ao longo do diploma legal, há diversos dispositivos que materializam esse princípio. Dois deles são o parágrafo 5º do artigo 8º e o parágrafo único do artigo 13. O parágrafo 5º do artigo 8º estabeleceu a necessidade do acompanhamento psicológico à mãe que externa seu desejo de entregar seu filho à adoção: A assistência referida no 4º deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção. Na mesma linha principiológica, o parágrafo único do art. 13 estabelece que a mulher que demonstrar interesse em entregar seu filho para adoção deve ser encaminhada à Justiça da Infância e da Juventude, para que seja devidamente orientada e auxiliada: As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude. O objetivo é buscar a preservação da família natural. O não encaminhamento da mulher à autoridade judiciária pelo médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de saúde caracteriza infração administrativa, prevista no art. 258-B. O objetivo dessas normas é combater o puro e simples abandono de crianças recém-nascidas à própria sorte na rua, em terreno baldio, na porta de hospital etc. O acompanhamento da gestante e da mãe que acabou de ter o bebê preserva a vida e a saúde da crianças, além de preservar, frequentemente, os laços maternos. A doutrina explica: Se as dificuldades são de ordem social, o encaminhamento para o SUS pode bastar. Se as dúvidas são em relação à capacidade de criar o filho, não raro sozinha, o acompanhamento e capacitação da mãe podem se mostrar suficientes. 37
9 Guilherme Freire de Melo Barros Mas, se apesar dos esforços das equipes de apoio das unidades de saúde e da rede social a genitora se mantiver firme no propósito de entregar o filho em adoção, todo o processo e as consequências de sua decisão deverão lhe ser passadas, propiciando uma manifestação de vontade consciente DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE O segundo rol de direitos fundamentais contém previsões acerca da liberdade, do respeito e da dignidade, e estão previstos nos artigos 15 a 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Há nítida relação entre o rol do Estatuto e as garantias fundamentais previstas na Constituição da República (art. 1º, inc. III, art. 5º, caput). Os artigos 16, 17 e 18 abordam separadamente cada um dos direitos enumerados no art. 15. Liberdade, respeito e dignidade da pessoa humana são valores sociais que permeiam todo o sistema jurídico, da Constituição a atos normativos de menor hierarquia. O direito de liberdade é a faculdade de agir como melhor lhe aprouver, exceto pelas restrições referentes aos direitos dos demais membros da sociedade. A Constituição da República é clara a esse respeito, pois estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, inc. II). O artigo 16, em rol exemplificativo, destrincha o conteúdo do direito à liberdade, que compreende os seguintes direitos: Direito de liberdade direito de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; direito de opinião e expressão; direito de crença e culto religioso; direito de brincar, praticar esportes e divertir-se; direito de participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; direito de participar da vida política, na forma da lei; direito de buscar refúgio, auxílio e orientação. 3. AMIN, Andréa Rodrigues. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. op. cit., p
10 Direitos fundamentais As previsões acerca do direito de liberdade não se esgotam no artigo 16 do Estatuto, pois há diversos outros dispositivos que tutelam e restringem aspectos referentes à liberdade, como o ingresso e permanência em shows e casas de espetáculo (arts. 74 a 76), a autorização para viajar (arts. 83 a 85) e, com maior destaque, a privação de liberdade em caso de prática de ato infracional (art. 106). Por sua vez, o artigo 17 prevê o direito ao respeito, que consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Direito ao respeito Inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral para preservação de imagem identidade autonomia valores ideias e crenças espaços objetos pessoais A partir desse rol, é possível extrair que o direito ao respeito de que trata o Estatuto guarda relação com os direitos da personalidade. A proteção ao direito de imagem de crianças e adolescentes aparece dentro do Estatuto na forma de tipificação de crime e infração administrativa para quem viola essa direito infanto-juvenil. A tutela se espraia também para a regulação da aparição de crianças e adolescentes em shows, filmes, desfiles e eventos festivos. Por fim, o artigo 18 toca à dignidade da pessoa humana. Mais do que um princípio que pode ser objeto de ponderação e de redução ou ampliação de sua aplicação em confronto com outro princípio, a dignidade da pessoa humana é um postulado normativo que deve ser respeitado em qualquer situação, um valor que deve ser perseguido por toda a sociedade, base de construção de uma sociedade mais justa e solidária. A dignidade da pessoa humana está prevista no inciso III do artigo 1º da Constituição da República. Uadi Lamêgo Bulos disserta sobre o assunto nos seguintes termos: 39
11 Guilherme Freire de Melo Barros Este valor agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de Quando o Texto Maior proclama a dignidade da pessoa humana, está consagrando um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo. Por isso, o primado consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social. O conteúdo do vetor é amplo e pujante, envolvendo valores espirituais (liberdade de ser, pensar e criar etc.) e materiais (renda mínima, saúde, alimentação, lazer, moradia, educação etc.). Seu acatamento representa a vitória contra a intolerância, o preconceito, a exclusão social, a ignorância e a opressão. A dignidade humana reflete, portanto, um conjunto de valores civilizatórios incorporados ao patrimônio do homem. Seu conteúdo jurídico interliga-se às liberdade públicas, em sentido amplo, abarcando aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, dos direitos pessoais tradicionais, dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), dos direitos econômicos, dos direitos educacionais, dos direitos culturais etc. Abarca uma variedade de bens, sem os quais o homem não subsistiria. A força jurídica do pórtico da dignidade começa a espargir efeitos desde o ventre materno, perdurando até a morte, sendo inata ao homem. 4 Por sua importância no ordenamento jurídico e na vida em sociedade, a dignidade da pessoa humana está mais uma vez expressa no Estatuto, que lhe buscou traçar o conteúdo ao dispor que se deve pôr a criança e o adolescente a salvo de tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Trata-se de dever imposto a todos os membros da sociedade e ao Poder Público. Crianças e adolescentes, por gozarem de proteção absoluta, hão de ser protegidos contra atos que violem seus direitos da personalidade e sua dignidade. A imposição desse dever a todos não advém somente do art. 18 do Estatuto, mas da própria Constituição da República, cujo art. 227 estabelece tal imposição. 4. BULOS, Uadi Lamêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p
12 Direito à convivência familiar Capítulo III Direito à convivência familiar Sumário 1. Introdução 2. Convivência familiar 3. Permanência fora do convívio familiar limites 4. Igualdade de direitos entre os filhos 5. Pátrio poder Poder familiar (Lei nº /2009) 6. Carência de recursos materiais 7. Processo judicial contraditório para perda ou suspensão do poder familiar 8. Família natural 9. Reconhecimento de filho e de estado de filiação. 1. INTRODUÇÃO Dentre os direitos fundamentais da criança e do adolescente, o que recebe tratamento mais minucioso é o do direito à convivência familiar e comunitária, disciplinado nos artigos 19 a 52-D. Esse tema abrange direitos e deveres relacionados à família natural e à família substituta, em suas três modalidades guarda, tutela e adoção. Em razão da extensão da matéria, o assunto foi divido em diferentes capítulos para tratarmos primeiro da convivência familiar e da família natural e, em seguida, das formas de colocação em família substituta. 2. CONVIVÊNCIA FAMILIAR A criança e o adolescente têm direito a ser criado por uma família, pois esta é o pilar de construção de todas as sociedades de que temos notícia na História humana. É através da família que o indivíduo nasce, cresce e se desenvolve, é a família que lhe presta assistência, que preserva a estrutura social que temos hoje. O direito à família é, pois, um direito natural, inato à própria existência humana. 41
13 Guilherme Freire de Melo Barros A esse respeito, é importante notar que a Constituição de 1988 deu menos importância ao casamento, e mais às relações familiares em si prova disso é a previsão do artigo 226: Art A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento) 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010) 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Os trechos grifados deixam claro que o mais relevante para a sociedade atual é a família, a união de seus membros, sejam casados ou não. Em doutrina, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel destaca: A partir do momento em que a Constituição Federal Brasileira de 1988 descolou o enfoque principal da família do instituto do casamento e passou a olhar com mais atenção para as relações entre pessoas unidas por laços de sangue ou de afeto, todos os institutos relacionados aos direitos dos 42
14 Direito à convivência familiar membros de uma entidade familiar tiveram que se amoldar aos novos tempos. 1 Nesse contexto, o Estatuto estabelece, em seu artigo 19, que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. A diretriz do Estatuto é a de que se deve dar sempre preferência à família natural, ou seja, a criança ou adolescente deve ser criada por aqueles com quem tem laços de sangue. Entretanto, se essa convivência for perniciosa, prejudicial a ela, é possível sua colocação em família substituta, através de guarda, tutela ou adoção. O que não se pode admitir é que a criança ou o adolescente fique impedida de conviver dentro do seio de sua família natural em virtude de obstáculos de terceiros. Nesse contexto, a regra do artigo do Código Civil se afigura inconstitucional. Sua redação é a seguinte: Art O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro. Segundo a norma, um homem que tenha um filho de relacionamento anterior e se case novamente (ou estabeleça união estável) pode ser impedido de levar este filho para morar consigo por sua cônjuge (ou companheira). A norma sequer faz menção a real existência de motivos legítimos para tal recusa. A nosso ver, o dispositivo não subsiste diante de um exame de sua constitucionalidade, uma vez que a tutela dos direitos da criança e do adolescente deve ser buscada com absoluta prioridade (CR, art.227). Assim, o direito inatacável de ser criado ao lado de seu genitor não pode ser obstaculizado em razão de um capricho (ciúme ou implicância) do companheiro. 2 O critério fundamental para verificação dessa questão é o do melhor interesse da criança ou do adolescente, ou seja, deve-se 1. MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. op. cit., p Nesse sentido: MACIEL, Katia Regina Ferreira Lobo Andrade. op. cit., p. 85. Segundo indica a autora, essa posição é minoritária na doutrina, que tem defendido a validade da norma. 43
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