Arte-Música-Ciência: linguagens da alma, palavras do corpo.

Transcrição

1 Arte-Música-Ciência: linguagens da alma, palavras do corpo. Por Cassiano Zeferino de Carvalho Neto A vibração de uma corda esticada, o assobio de quem se lembra de uma canção, o ritmo de uma baqueta de plástico que insiste em manter o compasso, o cantor ou a cantora que se percebe lembrando de uma música e outras manifestações afins podem ser estudadas como Arte-Música-Ciência, como se procurará abordar a seguir. A descoberta de relações entre harmônicos e escalas e dessas com padrões matemáticos regulares chegam desde a Grécia, no florescer na Filosofia socrática. E mais, a música, um oceano de vibrações, se ligaria intimamente a estados da alma, de prana como uma respiração do cosmos. Ao longo dos tempos arte-música expressou valores sócio-históricos, contextualizados portanto, mas também os transcenderam como ficções antecipando o futuro do futuro, como utopias vibratórias que conduziam corpo-e-alma a estados não triviais de consciência, permitindo que portais se abrissem para outros mundos, trazendo o indizível com palavras para o mundo de origem. As vibrações de uma simples régua fixada por uma das mãos na ponta de uma mesa e posta a oscilar por meio de um estímulo para baixo, fazem parte de uma ciência conhecida e suas tecnologias, chamada Ondulatória. A ondulatória ocupa-se de estudar a produção de vibrações, suas características, formas e meios de propagação e interação com outras vibrações e com a matéria, por assim dizer. Ao lançar uma pedrinha ou um grão de feijão sobre a superfície da água contida em uma

2 vasilha se pode, imediatamente, notar a formação de ondas que se propagarão desde o epicentro, até as bordas do recipiente, para em seguida retornarem, interagindo com outras ondas e produzindo padrões vibratórios. É relativamente fácil contar com estudantes que tocam algum tipo de instrumento musical e quando o fazem, o fazem com gosto e paixão (a menos que tenham sido obrigados a tocá-los, o que é uma pena!). Na organização de momentos de estudos, ensino e aprendizagem, arte-música ocupa um lugar importantíssimo no desenvolvimento das inteligências correlatas, nos processos de socialização, no estímulo à criatividade, na confraternização humana e nos saltos da alma, para outras realizações e realidades. Mas também se constitui num tema que propicia abordagens transversais por compreender aspectos que abrangem ciência e tecnologia. Um violão pode se constituir em uma mídia com fins pedagógicos potencialmente muito rica em possibilidades. O que se abordará aqui será tão somente uma exploração dos recursos, buscando integrar-se princípios de ondulatória aos aspectos arte-musicais. Muitas outras possibilidades semelhantes poderão ser inventadas e exploradas na escola, para todas as faixas etárias com que se trabalha, adequando-se, claro, a profundidade das abordagens, as linguagens e os aprofundamentos cabíveis. Um violão: uma rica mídia dedicada a arte-música-ciência Existe algum estudante que toque violão ou guitarra, em sua(s) turma(s)? Se houver, ótimo, pois ele(s) ou ela(s) se integrará perfeitamente ao conjunto de atividades problematizadoras que serão aqui desenvolvidas. Se não houver, não tem problema: bastará se ter um violão a disposição (hoje com preços muito reduzidos, em função da globalização). Cabe também ter um diapasão básico, para afinar o instrumento. Num primeiro momento se podem observar aspectos físicos das cordas: em que diferenciam? Umas são mais espessas que outras? Algumas são encapadas, outras não? E

3 quanto ao som que produzem: são mais agudos (altos) ou mais graves (baixos)? As cordas menos espessas produzem sons mais agudos ou graves? Se pode ir propondo questões a esse respeito de modo que os estudantes comecem a se interessar em pensar e investigar sobre o assunto. Como visto em outros momentos, utiliza-se aqui a visão de Gaston Bachelard para o qual a produção de conhecimento está diretamente associada à resolução de um problema; daí a importância em se contextualizar e problematizar situações que envolvam o tema estudado. Outros aspectos que podem ser explorados: escolha uma corda e faça com que ela seja mais esticada pela cravelha correspondente (cravelha, é o dispositivo que propicia aumentar ou diminuir a tensão mecânica sobre as cordas, e que fica localizada geralmente na extremidade do instrumento). O que ocorre quando a corda é esticada: o tom aumenta ou diminui, ou seja, a nota se torna mais alta ou mais baixa? E quanto ao ponto onde se aperta uma determinada corda contra o braço do instrumento: se o ponto de compressão está mais próximo da paleta (local onde todas as cordas estão amarradas), o que ocorre ao tom, aumenta ou diminui? E, contrariamente à situação anterior, o que ocorre ao tom sonoro se o ponto de compressão fica mais distante da paleta? Pelo que se pode ver até aqui, uma avalanche de possibilidades pode ser produzida com um simples violão e uma exploração problematizada desta mídia. Os conceitos que estão por detrás de tantas indagações podem ser apreciados a seguir, longe de serem totalmente contemplados, para o que se sugere em um aprofundamento, visita a bibliografia adequada e relativamente comum em livros de ciência ou física, mais especificamente. Compreendendo a fenomenologia investigada Um meio ao vibrar produz uma onda que por ele se propaga com uma determinada velocidade. Uma das características das ondas é que elas transportam energia sem precisar transportar matéria. A corda que vibra no violão, não se descola da posição em que está fixada (por isso chamada de cordas vibrantes), no entanto o som de sua vibração chega até os ouvidos. Isso acontece porque ocorre a compressão e a expansão do ar a partir do ponto de

4 vibração, alcançando os tímpanos e fazendo-os vibrar, além da colaboração de outros subsistemas, fenômeno fisiológico responsável pela audição. Na tabela a seguir alguns aspectos fundamentais da ondulatória: Uma onda mecânica é produzida quando ocorre a perturbação de um meio físico (ar, líquido ou sólido). A onda se propaga no meio considerado, com uma determinada velocidade e também apresenta uma freqüência, isto é, as vibrações se repetem em intervalos de tempo. Por exemplo, uma freqüência de 60 hertz (unidade de freqüência no sistema internacional de unidades, o que equivale a 60 oscilações por segundo), é considerada baixa freqüência; já uma freqüência de 500 hertz pode ser considerada como freqüência mediana (como aquelas emitidas pela voz humana). As altas freqüências audíveis podem estar localizadas acima de hertz, ou mais. Vale lembrar que o ouvido humano consegue perceber freqüências no intervalo entre aproximadamente 20 e hertz (ciclos por segundo). Ao se prender uma corda do violão em posição mais próxima da paleta seu comprimento diminui e, com isso, a freqüência do som emitida aumenta. Inversamente, quando o comprimento aumenta a freqüência diminui, produzindo som mais graves, ou mais baixos. No entanto quando a corda é mais esticada, pela cravelha, a tensão mecânica sobre a mesma aumenta e com isso aumenta a velocidade de propagação e a freqüência; logo, o som fica mais agudo, ou mais alto. O som precisa do meio físico material para se propagar, por isso não há propagação de ondas sonoras no vácuo. Só para se ter uma idéia, estime o que seria o ruído produzido pelas explosões atômicas solares, constantemente, e nem por isso se ouve um só ruído da estrela, justamente por não haver moléculas suficientes para propagar o som entre o sol e a terra. No violão, ao se tocar uma nota como um lá maior se utiliza o recurso de prender certas cordas e deixar outras livres, de modo que nesta configuração se produzem harmônicos de onda o que leva a se ouvir um determinado tipo de som, diferente de um ré menor, por exemplo. Mas os instrumentos musicais também têm uma característica notável: cada um deles tem como que um DNA próprio; um lá produzido em um violão é diferente de uma mesma nota lá produzida por um piano ou um violino. Esta característica chama-se timbre e se refere à forma de onda que é produzida. O ouvido humano está apto a diferenciar milhares de timbres diferentes, como aqueles de instrumentos de percussão, sopro, cordas, eletrônicos e tantos outros, como o canto dos pássaros, de uma orquestra ou de uma banda. Concluindo esta breve visita à arte-música-ciência espera-se ter contribuído para ampliar o olhar investigativo sobre temas que, aparentemente, nada têm em comum mas que, de fato, são praticamente uma só e mesma coisa: linguagens da alma, palavras do corpo.

5 Referências Internet: (biblioteca digital) Cassiano Zeferino de Carvalho Neto tem Pós-doutorado em andamento no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA); Doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento (EGC/UFSC); Mestrado em Educação Científica e Tecnológica (ECT/UFSC); Especialidade em Qualidade na Educação Básica (INEAM/OEA/USA) e Licenciatura em Pedagogia, com complementação em Física (PUCSP). Fundador da Laborciencia Editora, do Instituto para a Formação Continuada em Educação (IFCE) e do Instituto Galileo Galilei para a Educação (IGGE). Artigo originalmente publicado na Revista Direcional Educador, novembro/2007.