O PAPEL DOS MORFEMAS NO BLOQUEIO OU ALÇAMENTO DAS VOGAIS MÉDIAS
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- Yasmin Corte-Real Felgueiras
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1 2177 O PAPEL DOS MORFEMAS NO BLOQUEIO OU ALÇAMENTO DAS VOGAIS MÉDIAS Juliana Camargo Zani USP Introdução O objetivo do presente trabalho é verificar o papel do morfema no bloqueio e/ou alçamento das vogais médias no português brasileiro. Para testar a presente hipótese, será utilizada a teoria proposta por Lee(1995), que classifica os morfemas derivacionais em dois níveis lexicais. Câmara Jr. (1970) descreve o sistema vocálico do português brasileiro como um sistema com sete vogais em posição tônica (a, ɛ, e, i, ɔ, o, u) que se reduz a cinco vogais em posição prétônica (a, e, i, o, u). Esta redução ocorre devido à perda do traço que distingue entre si as vogais médias. Tal processo de perda de traços distintivos e, por conseguinte, a elevação da vogal média, foi chamada por Câmara Jr. (1970) de neutralização. A neutralização é um processo extremamente produtivo na língua, porém, existem casos em que o sistema proposto por Câmara Jr. (1970) não ocorre. Os casos analisados são derivações nas quais a vogal média baixa não é alçada a vogal média alta, mesmo em posição átona, como em (1): 1- a) caf[ɛ] - caf[ɛ]zinho b) forr[ɔ] - forr[ɔ]zão *forr[o]zão c) mulh[ɛ]r - mulh[ɛ]rzona *mulh[e]rzona Uma análise feita por Lee (1995) do português brasileiro propõe que o alçamento é bloqueado quando na palavra derivada é acrescentado um morfema, pelo autor denominado de formação produtiva, tal como o morfema de diminutivo [(caf[ɛ] - caf[ɛ]zinho)]. Essa explicação esclarece o que ocorre no exemplo (1a), porém não esclarece o que ocorre no exemplo (1b). O autor propõe que há duas categorias de sufixos derivacionais na língua: a primeira são os sufixos denominados por ele de sufixos de nível α, tal como os sufixos {-aria}, {- eiro}, {-eza}, {-ário} entre outros. Outra categoria proposta pelo autor são os sufixos de nível β, as chamadas formações produtivas. Dentre sufixos denominados de formação produtiva, estão os sufixos {-mente}, {-íssimo}, {-inho} e {-zinho}. Segundo o autor, apenas os sufixos de nível β bloqueiam a neutralização vocálica das vogais médias em posição átona, tal como demonstra o exemplo (2): 2- a) b[ɛ]la - b[ɛ]lamente b)b[ɛ]lo - b[ɛ]líssimo c) f[ɛ]sta -f[ɛ]stinha d) forr[ɔ] - forr[ɔ]zinho Diante da classificação apresentada por Lee (1995) serão verificadas as seguintes hipóteses: i) O tipo de morfema acrescentado na derivação bloqueia ou permite o alçamento vocálico?
2 2178 ii) iii) Comparando-se os morfemas, há algum tipo de morfema que indique um resultado maior? Há alguma diferença quantitativa na porcentagem de bloqueio do alçamento vocálico entre os sufixos de diminutivo? Metodologia Para testar as hipóteses foram gravados 112 substantivos derivados, por 20 informantes, totalizando palavras. Todos os informantes curvavam o ensino superior e a possuíam a faixa etária de 20 anos. O critério para a montagem do experimento foi derivar palavras que possuíam vogais médio-baixas na raiz com sufixos classificados por Lee (1995) como sufixos de nível α e de nível β. Neste experimento foram testados apenas os sufixos β {-inho} e {-zinho} já que foi restringida a classe de palavras e sufixos testados: apenas palavras substantivas e sufixos que derivassem substantivos criando substantivos. As palavras foram apresentadas isoladamente, em uma apresentação montada no Power Point, a montagem do experimento consistiu na combinação de palavras alvo e distratoras e os informantes tinham como tarefa lê-las da forma mais natural possível, sem indicação ou avaliação de pronúncias corretas ou não. Entre as palavras alvo do experimento foram inseridas palavras distratoras, algumas dessas possuíam vogais médio-altas, tal como bebê e bolo, já outras palavras foram escolhidas de forma aleatória, tal como cabelo e rato. Resultados e Discussão O primeiro resultado a ser mostrado é da comparação do que ocorre com bloqueio e alçamento nos contextos em que ocorrem sufixos α e β. Os dados obtidos no experimento estão abaixo na Tabela 1: -α 42% (508) 58% (692) 1200(60*20) -β 79%(524) 21% (136) 660 (33*20) Tabela 1: Comparação entre as porcentagens de bloqueio e alçamento nos sufixos α e β Como é possível observar, os dados obtidos corroboram a teoria de Lee (1995), que propõe que os sufixos chamados por ele de formação produtiva possuem a propriedade de bloquear o alçamento vocálico das vogais médio-baixas, uma vez que podemos perceber, neste contexto ocorreu 79% de bloqueio (cf. 3 a e b). No entanto, os resultados indicam que a aplicação desta propriedade não ocorre em todos os casos já que ocorreu 21% de alçamento nestes contextos (cf. 3 c e d). 3- a) f[ɛ]sta -f[ɛ]stinha b) b[ɔ]la -b[ɔ]linha c) alg[ɔ]z - alg[o]zinho d) chancel[ɛ]r chancel[e]r Os exemplos 3 c e d) foram obtidos na produção de alguns informantes. O que também chama a atenção nestes dados são os resultados obtidos nos contextos em que ocorrem os sufixos α. Nestes contextos, a previsão seria a aplicação do processo de alçamento
3 2179 em todos os contextos, ou uma diferença grande entre porcentagem de alçamento e bloqueio em prol do alçamento vocálico. Porém, os resultados indicam uma diferença de apenas 12% entre a aplicação dos dois processos, apesar da previsão de uma porcentagem maior de alçamento ser obtida. Nos exemplos 4) abaixo estão alguns dados obtidos neste contexto: 4- a)forr[ɔ] -a)forr[ɔ]zão b) abric[ɔ] abric[o]teiro c) caf[ɛ] -caf[ɛ]zão d) s[ɛ]la s[e]lim Estes valores podem indicar que ou a aplicação destes processos é feita de maneira aleatória neste contexto, ou que existe algum tipo de sufixo classificado como sufixo α que influencia neste resultado. Analisando mais detalhadamente os sufixos α, obtém-se os seguintes resultados: -ÃO/ -ZÃO/-ONA /-ZONA 70%(477) 30% (203) 680 (34*20) -EIRO/-EIRA 0,6% (1) 99,4%(159) 160 (8*20) -IA/ -ARIA 1,6% (1) 98,4% (59) 60 (3*20) -ADA 4%(3) 96%(77) 80 (4*20) -IM/-ETA/-ILHA 20% (20) 80% (80) 100(5*20) -ENTO 0% (0) 100% (20) 20 (1*20) -AGEM/URA 0% (0) 100% (60) 60 (3*20) Tabela 2: Porcentagem de bloqueio e alçamento dos sufixos α. Os resultados da tabela acima descartam a possibilidade de aplicação dos processos de alçamento e bloqueio nas vogais médio-baixas de forma aleatória, já que a maioria dos sufixos possui uma grande porcentagem de alçamento, alguns obtendo uma porcentagem de 100% deste processo. Contudo a segunda possibilidade, a existência de algum sufixo de influencie no resultado, é comprovada. Se for observado o comportamento dos sufixos aumentativos, pode-se afirmar que estes apresentam uma tendência contrária à tendência esperada pelos sufixos classificados como α. Nos sufixos aumentativos ocorrem 70% de bloqueio enquanto em outros contextos, como com os sufixos {-agem} e {-ura} a porcentagem de alçamento chega a 100%. Se forem comparados os resultados dos sufixos de nível β, com os resultados obtidos com os sufixos de aumentativo, observa-se uma semelhança entre as porcentagens e as tendências. Uma questão que emerge diante destes resultados é se há, dentro da classe dos sufixos aumentativos, algum sufixo que exerça a influência nos resultados totais ou se esta tendência é apresentada por todos os sufixos. Analisando mais detalhadamente os sufixos aumentativos, têm-se os seguintes dados:
4 2180 -ZÃO 77% (124) 23% (36) 160(8*20) -ÃO 60% (109) 40% (71) 180(9*20) -ZONA 95%(38) 5% (02) 40 (2*20) -ONA 69% (206) 31% (94) 300(15*20) Tabela 3: Porcentagem de bloqueio e alçamento dos sufixos aumentativos Os dados da tabela acima indicam que o comportamento de bloquear o alçamento das vogais médio-baixas ocorre em todos os sufixos. As porcentagens de bloqueio variaram entre 60% e 95%, porém este comportamento é mais acentuado nos sufixos iniciados por /z/ ({-zão} e {-zona}), chegando o sufixo {-zona} obter 95% de bloqueio. De acordo com os dados observados, os sufixos aumentativos possuem características extremamente semelhantes as características apontadas por Lee (1995) dos sufixos chamados de formação produtiva, contudo convém analisar mais detalhadamente o comportamento dos sufixos β para poder realizar esta comparação. Analisando detalhadamente os sufixos β obtêm-se os seguintes resultados: -ZINHO 77% (231) 23% (69) 300 (15*20) -INHO 81% (293) 19% (67) 360 (18*20) Tabela 4: Porcentagem de bloqueio e alçamento dos sufixos diminutivos Os resultados indicam que ambos os sufixos diminutivos apresentam uma forte tendência a realizar o bloqueio do alçamento vocálico, porém, ao contrário dos resultados apresentados nos dados dos sufixos aumentativos, a tendência de bloqueio se mostra mais acentuada com o sufixo {- inho}. Comparando os dados da Tabela 3 e 4, observa-se que todos os sufixos possuem a tendência de bloquear o alçamento vocálico das vogais médio-baixas. As porcentagens de alçamento variaram entre 60% e 95%. As tendências são mais acentuadas nos resultados com os morfemas {-inho}, {- zão} e {-zona}. Deve ser ressaltado que, apesar da semelhança de comportamento entre os sufixos aumentativos, classificados como sufixos α, e os sufixos diminutivos, classificados como sufixos β, não se pode afirmar que ambos pertencem à mesma classe, já que Lee (1995), em sua proposta sobre os sufixos derivacionais de nível β, apresentou uma lista de características que justificam a criação de uma classe de sufixos derivacionais em outro nível lexical, sendo que o bloqueio do alçamento vocálico é apenas uma das características. Considerações Finais Os resultados obtidos no experimento indicam que o tipo de morfema acrescentado na derivação influencia na ocorrência do bloqueio ou alçamento vocálico. Como foi visto, na maioria dos contextos com sufixos α, ocorre o alçamento das vogais médio-baixas. Já com a maioria dos sufixos β, ocorre o bloqueio do alçamento das vogais médio-baixas. Também foi observado que os morfemas de aumentativo, classificados como morfemas α, possuem a propriedade de bloquear o alçamento vocálico, tal como os sufixos de diminutivo. Analisando mais detalhadamente os morfemas, foi visto que entre os sufixos de diminutivo e aumentativo, existem alguns que possuem uma tendência mais acentuada de bloquear o alçamento vocálico. Estes sufixos são os {-inho}, {-zão} e {-zona}. Enfim, os resultados corroboram com a proposta de Lee (1995), demonstrando que, de acordo com a classificação feita pelo autor, as formações produtivas bloqueiam a neutralização vocálica no dialeto da cidade de São Paulo. A pesquisa demonstrou que o comportamento dos
5 2181 sufixos indicadores de aumentativo é semelhante aos sufixos de diminutivo, um fato novo para esta proposta. Referências Mattoso Câmara Jr., J. (1987) Estrutura da Língua Portuguesa.Petrópolis: Vozes. Lee, S. (1995). Morfologia e fonologia lexical do português do Brasil. Tese de doutoramento. Campinas: Unicamp.
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