Todas as línguas do mundo têm dois tipos de estrutura: uma estrutura fonológica e uma estrutura morfossintática.
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1 Quinta semana do curso de Linguística II Aula 1 Professor Alessandro Boechat de Medeiros Departamento de Linguística e Filologia Fonologia Sobre a estrutura lingüística Todas as línguas do mundo têm dois tipos de estrutura: uma estrutura fonológica e uma estrutura morfossintática. Com mais ou menos cinco anos toda criança inserida em uma comunidade de fala adquiriu a língua falada na comunidade (as regras das duas estruturas mencionadas acima), qualquer que seja a língua (das mais de faladas por aí). As línguas variam muito na estrutura, ainda que essa variação seja comensurável. Há línguas que não possuem adjetivos; há línguas que não têm voz passiva, e outras que têm; há línguas que obrigam que o verbo finito esteja sempre na segunda posição da frase; há línguas que obrigam que todos os pronomes interrogativos ocupem a cabeça da sentença ( o que quem para quem você deu? ); há línguas que só têm cinco vogais, outras que têm mais de vinte; há línguas com sistemas silábicos incluindo quase que exclusivamente V ou CV, mas outras que admitem consoantes com ataques e codas complexas; há línguas tonais... A estrutura morfossintática de uma língua pode ser vista nos arranjos das unidades de significado que compõem suas expressões. Costuma ser dividida em estrutura morfológica e estrutura sintática. As unidades que compõem as palavras de uma língua (quando isso é fácil de determinar numa língua) são chamadas tradicionalmente de morfemas, que são os átomos da estrutura morfológica. Estruturalistas como Bloomfield definiam o morfema como a menor unidade de significado de uma língua, e assumiam que morfemas eram de dois tipos: os presos (afixos) e os livres (raízes em línguas como o inglês, mas talvez bons exemplos em português sejam palavras como lápis ou café, que não têm estrutura morfológica mais básica). A identificação de morfemas usava tradicionalmente o método comutativo, identificando mudanças sistemáticas no significado com a substituição da unidade em questão por outra. Por exemplo, em cantavam e cantávamos temos dois morfemas número-pessoais distintos (-m e mos), uma vez que se substituirmos um pelo outro temos significados distintos e isso ocorre em todos os verbos regulares da língua. Mattoso Câmara Jr. ainda defendia haver um terceiro tipo de morfemas, os dependentes, que não eram afixos, mas que formavam com outras palavras uma palavra fonológica ou prosódica é o caso de artigos, preposições, etc.
2 Palavras pertencem a determinadas classes, e muitas vezes os afixos são responsáveis por nos indicar a qual classe uma palavra pertence. Como as palavras, afixos também, portanto, veiculam de algum modo informações sobre classes de palavras ou definindo uma classe (por exemplo, o sufixo ção em destruição ) ou sendo escolhido por uma (por exemplo, o prefixo re- com significado de repetição, com pouquíssimos contra-exemplos, é selecionado por verbos). A morfologia costuma separar processos derivacionais, onde a anexação de afixos cria novas palavras e novos significados (verbalizações, nominalizações, etc., e, em português, prefixação de modo geral), de processos flexionais, em que a anexação de afixos não muda a classe das palavras (marcas modo-temporais, concordâncias, etc.). As estruturas sintáticas são os arranjos das palavras (as quais são geralmente combinações de morfemas) em constituintes maiores, que são também unidades sintáticas (junto com as palavras). Estruturas sintáticas se organizam de maneira hierárquica. Por exemplo, na sentença o tio do Pedro andou de moto, a sentença inclui um sintagma nominal sujeito, o tio do Pedro, e um sintagma verbal, andou de moto. Já o sintagma nominal sujeito é composto de um artigo e um sintagma nominal complexo, tio de Pedro. O sintagma nominal é composto por um nome e um sintagma preposicional, o qual é composto de uma preposição e um nome. O mesmo tipo de análise vale para o sintagma verbal. Ou seja, numa sentença temos pelo menos três níveis: um nível das palavras, um nível dos constituintes sintáticos, constituído de palavras e outros constituintes encaixados, e o nível da sentença, formada por constituintes sintáticos. Estruturas sintáticas e estruturas morfológicas podem ser recursivas. Por exemplo, se Maria tinha um namorado e terminou com ele, ela agora tem um ex-namorado; mas se os dois se reconciliaram, o tal fulano com quem ela voltou a namorar é seu ex-exnamorado. Do mesmo modo, posso me enganar e achar que o João é o avô do Pedro; mas então alguém me esclarece: não! O João é o avô do avô do Pedro. Sobre a estrutura fonológica As línguas faladas usam sons vocais humanos para dar forma a seus morfemas. A fonologia é o ramo da lingüística cujo objetivo é descrever como esse modo de expressão por sons vocais humanos é estruturado, tanto nas línguas em geral como nas línguas individuais (GUSSENHOVEN; JACOBS, 2011: 9). A tarefa mais básica da fonologia é a de levantar quais são os elementos sonoros recorrentes numa língua. Outra coisa observada é que os elementos recorrentes não ocorrem em qualquer ordem e há combinações que são simplesmente impossíveis. Por exemplo, no português falado no Brasil, consoantes oclusivas não ocorrem em coda de sílaba; o tepe que a língua tem não ocorre em início de palavras; etc. A fonologia tem que dar conta disso.
3 Os exemplos acima indicam uma coisa importante: parece haver uma imposição de um nível mais alto do que o dos segmentos (sons, unidades fonológicas), que impede determinados tipos de combinações destes. Esse segmento é a sílaba. Do mesmo modo, veremos que os próprios segmentos podem ser pensados como compostos de traços articulatórios, que permitem inúmeras generalizações. Assim como morfemas compõem palavras, que compõem sentenças, traços fonológicos compõem segmentos que compõem sílabas e palavras. De fato, a estrutura fonológica é hierárquica: segmentos compõem sílabas (simbolizadas por σ), que compõem pés (F), que compõem palavras fonológicas (ω) e assim por diante. Uma terceira observação importante é que segmentos podem ser pronunciados de modo diferente a depender do contexto em que ocorrem. As línguas possuem processos bastante regulares que modificam os segmentos em contextos particulares. Por exemplo, os segmentos [p, t, k] em inglês são aspirados em início de sílaba: tack é pronunciado como [t h æk], mas não em outros contextos: stack [stæk]. Em português, fricativas em final de sílaba são vozeadas ou desvozeadas a depender do vozeamento ou desvozeamento do segmento que vem na sílaba seguinte. A fonologia precisa dar conta disso também. Dois tipos de estrutura Recapitulando: as expressões lingüísticas têm sempre dois tipos de estrutura: uma estrutura morfossintática, de que falamos antes, que reflete os elementos de significado e seus arranjos, e uma estrutura fonológica, que é a estrutura mais imediatamente relevante para a pronúncia da expressão. As duas estruturas não são isomórficas: ou seja, morfemas não correspondem sempre a segmentos, ou a sílabas, etc. Observem-se, por exemplo, as duas estruturas abaixo. A = palavra ω 3 3 in- A F F at- A σ σ σ σ -ivo i na ti vo O conceito de fonema Até o momento no curso, preocupamo-nos com a descrição e representação de propriedades superficiais dos sons da língua (sons lingüísticos, do sistema lingüístico, não qualquer tipo de som). As unidades que compõem as sequências de sons da fala são chamadas de fones, ainda que tenhamos nos referido a elas muitas vezes pela palavra segmento (que é um termo ambíguo para fone e fonema) ou simplesmente sons da fala.
4 Fonemas podem ser vistos como famílias de sons (fones) que são foneticamente similares e que exibem certos padrões de distribuição numa língua. Por exemplo, o fonema /t/ do português falado no sudeste é uma família de sons composta por [t] e [tʃ]. Se dois sons foneticamente semelhantes ocorrem no mesmo ambiente fonético e se a substituição de um pelo outro implica mudança de significado, esses sons estão associados a fonemas distintos (DAMULAKIS, 2014). Por exemplo, nos sistemas das variantes do português faladas no sudeste do Brasil, [t] e [tʃ] correspondem ao mesmo fonema (pois estão em distribuição complementar), mas não no sistema do inglês padrão: por exemplo, talk e chalk. Assim, /t/ e /tʃ/ são fonemas no inglês, mas [t] e [tʃ] são fones do fonema /t/ no português. Em português, os sons [p] e [b] fazem contraste, como em pato e bato, apesar de serem foneticamente semelhantes (só se distinguem pelo vozeamento). Do mesmo modo, [o] e [u], sons foneticamente semelhantes que inclusive estão envolvidos em processo de redução em sílaba átona final no português do Brasil, são fonemas da língua, pois, quando tônicos, distinguem significado em soco e suco. Pares como soco e suco ou bato e pato são exemplos de pares mínimos pares que compartilham todos os sons com exceção de um. O método de comutação é um método eficaz de se identificar fonemas de uma língua, mas é preciso ter um certo cuidado por dois motivos. 1) Nem sempre é possível encontrar-se um par mínimo, o que não quer dizer que os sons para os quais não há par mínimo não sejam fonemas da língua. Caso de Goethe e Götter no alemão. 2) Às vezes a língua apresenta pares mínimos que não caracterizam, de fato, fonemas distintos. Em português, por exemplo, tcheco [tʃɛko] e teco [tɛko] parecem um par mínimo, o que sugeriria que existem dois fonemas no sistema: /t/ e /tʃ/. Note-se, no entanto, que a primeira palavra do par é um empréstimo de outra língua, e que esse contraste só ocorrem em duas ou três situações, todas envolvendo empréstimos. Variação livre Na discussão acima, afirmamos que [t] e [tʃ] estão em distribuição complementar no português falado no sudeste. Isso quer dizer que os ambientes estruturais em que um ocorre não são os mesmos em que o outro ocorre e vice-versa: [tʃ] ocorre entes de [i], mas não [t]. Por isso não podem formar par mínimo. Contudo, no português falado no Rio de Janeiro, é comum termos variação na pronúncia do R forte que não é condicionada por algo estrutural e não distingue significado. Por exemplo, carro ora é pronunciado como [ˈkahʊ] ora como [ˈkaxʊ], às vezes pela
5 mesma pessoa. Não é o ambiente fonológico que está determinando essa variação, pois só há um ambiente nas duas ocorrências. Em alguns casos, a variação livre é resultado de pressões relacionadas com o ambiente social (portanto, não é tão livre assim). Um exemplo clássico foi revelado por um estudo realizado por Labov sobre o uso do r retroflexo em Nova Iorque. Algo parecido ocorre, por exemplo, quando substituímos o s final de sílaba por um rótico como é mermo no ambiente familiar ou entre amigos, mas não o fazemos num ambiente formal, como o do trabalho. Mas é provável que não existam explicações nem sociais nem fonológicas para certas variações na língua, e talvez a alternância [ˈkahʊ]/[ˈkaxʊ] não possa ser explicada de qualquer um desses modos.
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