LIVRO DE REGISTRO ESCOLAR: UMA ANÁLISE PONTUAL DO ANO DE 1949 Carmo Thum DECC/FURG; PPGE/UNISINOS
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- Mirela Ventura Aranha
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1 LIVRO DE REGISTRO ESCOLAR: UMA ANÁLISE PONTUAL DO ANO DE 199 Carmo Thum DECC/FURG; PPGE/UNISINOS Resumo: O presente texto busca tecer considerações relativas a fonte primária Caderno de Registro Escolar (modelo III) do ano de 199 de uma escola particular rural do interior de Pelotas (Sul do RS). Entre os quesitos principais aponta já na capa: Matrícula, Freqüência Diária e Aparelhamento Escolar. A análise dos dados nele contido, objetivando uma interpretação pontual da situação de uma escola rural multisseriada nos quesitos que se referem a alunos e pais. Sendo uma pesquisa documental, a análise percorre os princípios da historiografia da escrituração escolar. Palavras-chave: escrituração; história; escola rural. IINTRODUÇÃO O presente texto busca tecer considerações relativas a fonte primária Caderno de registro escolar (modelo III) de uma escola rural multisseriada, particular, do ano de 199 do interior de Pelotas (Sul do RS). O referido documento destaca ser um Convênio de Estatísticas Educacionais de Entre os quesitos principais aponta já na capa: Matrícula, Freqüência Diária e Aparelhamento Escolar. Na página 3 descreve as instruções para a escrituração do Livro de Registro Escolar, definindo os parâmetros com a finalidade de para a uniformidade da escrituração. O livro é dividido em 5 partes (I, II, III, IV, V). Na parte III, subdivide-se em A e B. A parte A destinada aos alunos e a parte B destinada ao registro dos dados dos responsáveis pelos alunos, tanto para pais quanto para mãe, diferenciando-se dos documentos analisados por Werle (3: 55) quando a mesma indica que aqueles não indicavam a profissão que não fosse do pai. Werle analisa documento de 198, e este data de 199, momento em que o Brasil vivia a experiência do início da industrialização. Mesmo assim ainda nesse documento, o nome da mãe não aparece, demonstrando que seu papel no mundo público era politicamente invisível. Na parte A, destinada aos alunos, registrava-se o número da matrícula, a data, o nome do aluno,o sexo, se o mesmo tinha registro civil, a data de nascimento, a idade, nacionalidade, ano ou série que vai cursar, repetência, tempo escolar, procedência do aluno, se já sabia ler e escrever, a que distância da escola residia, aproveitamento, exclusão do aluno. Na parte B, destinada aos responsáveis pelos alunos, registra o nome do responsável, se é pai, mãe, tutor ou responsável, residência, característicos dos pais. Na parte IV, o Registro da Freqüência Diária e na parte V o Aparelhamento Escolar que buscava registrar o mobiliário, utensílios e material didático, indicando que cada um destes tivesse um
2 número de registro, solicitava ainda a caracterização de cada objeto, a propriedade, o estado de conservação, o valor, data de entrada na escola, saída ou baixa da escola. Este documento tinha formato padronizado com os quesitos descritos e com espaços em branco que aguardavam preenchimento por parte do professor responsável pela escola e- destacava que o professor não deverá leva-lo em seu poder quando transferido ou licenciado ou seja, era um documento institucional para servir de registro de longo prazo. Werle (: 89) indica que em 1965 o Conselho Federal de Educação nos Parecer CFE n 93/65 e o Conselho Estadual de Educação/RS através do parecer 1/69, definem/estabelecem normas sobre escrituração e arquivo nos estabelecimentos de ensino médio do sistema federal e estadual, sendo seguidos por outros pareceres relativos a guarda e incineração. Contudo o documento em questão trás explicito na contracapa a necessidade de guarda mesmo no caso fechamento da mesma que o mesmo deverá ser confiado à pessoa responsável pela guarda dos demais pertences, o que nos indica a necessidade de guarda ad eternum deste material. Possivelmente dado a esta razão foi possível ter chegado a nossa época intacto. Mas efetivamente, o que vem a ser esse ato de registrar e guardar? A escrituração escolar é uma forma efetiva de controle e de guarda da memória da passagem do aluno pela escola com os referentes necessários para a vida escolar, de forma a assegurar a identificação de cada aluno em particular e da escola como um todo, sua existência, seu tempo de exercício público. Livros e registros, sejam em atas solenes, em cadernos de anotações do professor, em cadernos de alunos, são documentos que retratam a vida escolar na sua formalidade e no seu processo cotidiano que ao sofrerem a análise do pesquisador permitem um entendimento dos processos vividos em cada época histórica. DA PARTE DESTINADA AOS RESPONSÁVEIS PELOS ALUNOS O documento apresenta como forma de orientação ao professor um quadro denominado Indicador das principais profissões descrevendo possíveis profissões. Quanto aos pais, dado que a referida escola era rural, tinha-se agricultor como profissão central, mas poderia ser também se fazer presente capinador, colono, lavrador, oleiro, lenhador, trabalhador rural entre as profissões diretamente vinculadas ao processo da agricultura. Faz-se esse destaque porque na descrição das profissões, o professor que preencheu o documento definindo a profissão central como agricultor e não como colono. Porque este destaque? Porque se trata de uma escola situada em zona de imigração, a Serra dos Tapes, colonizadas por Jacob Reingantz a partir de 1857, e são portanto
3 colonos, mas assim não foram descritos. Ao total os pais são (vinte e dois) agricultores, (quatro) comerciantes, (dois) oleiro, 1(um) Pedreiro e 1 (um) construtor de casas. Profissões estas cabíveis ao mundo rural da época. Contudo, ao diferenciar o Pedreiro de Construtor de Casa, agricultor de colono faz uma distinção de valor ou de competência? GRÁFICO 1: Característico dos Pais 3 ANO 199 Característicos dos Pais (Pais) Nacionalidade Brasileiro Outros Comerciante Agricultor Oleiro Construtor de casas Negociante Pedreiro Analfabeto OBS:Curso secundário 1(um) comerciante 1(um) agricultor Superior Protestante Nacionalidade Brasileiro Outros Profissão Comerciante Agricultor Oleiro Construtor de casas Negociante Pedreiro Instrução Analfabeto Primária Secundária Superior Religião Protestante Católico Na descrição da profissão das mães, entre as 7 (sete) profissões claramente femininas destacadas no quadro indicador das principais profissões, 9 (vinte e nove) são Donas de casa e duas são modista (fazia roupas e costurava). No quesito Instrução, 9 (vinte e nove) pais possuem instrução primária e (dois) secundária. As mães todas com instrução primária. Portanto, pais e mães eram alfabetizados, diferenciando-se profundamente dos índices nacionais e regionais de analfabetismo. (TAMBARA, 1995) No quesito quanto à responsabilidade pelo aluno, 3 (trinta) são pais e 1 (um) é padastro, indicando um padrão de família. Quanto à questão religiosa 3 declaram-se Protestante e 1(um) Católico, quando se verifica o grupo cultural claramente o único católico é de um grupo não imigrante, conforme podemos visualizar no gráfico 1.
4 DA PARTE DESTINADA AOS ALUNOS De uma totalidade de 3 alunos registrados, 16 são masculinos e 16 femininos, dando mostra da presença de turmas mistas mesmo em zona rural. Quanto ao tempo escolar, ou seja, aos anos correspondente à presença do aluno na escola, o gráfico nos demonstra que os ingressantes são (dez alunos), e que a maioria dos alunos está há 3 anos na escola. Isto não quer dizer que estejam na terceira série. GRÁFICO : Tempo escolar ANO-199 Tempo Escolar Na mesma Escola Em outra Escola ingressante 1 ano anos 3 anos anos Tempos atrás a idéia de seriação seqüencial não era tão presente quanto hoje, por se tratar de escola multisseriada, tinha se por costume relatar o tempo de escola em anos em que nela se estivesse, independente de em que estágio de aprendizagem se encontrava o referido aluno, dizendo-se então que fulano tem X anos de escola. Essa questão fica clara quando se cruza os dados de relação idade/série como vemos no próximo gráfico: No gráfico 3 temos visualizado que na 1ª série o ingresso de alunos se dava em idades tendencialmente maiores que 7 (sete) anos. Destaca-se esta tendência na 3ª série onde todos tem anos ou mais, o que indica entrada tardia ou repetência. No que se refere a ª série há uma diminuição drástica do número de alunos, e isto indica que a permanência a partir do quarto ano de escolaridade não era algo comum. De um modo geral, três anos de escolas bastavam.
5 GRÁFICO 3 Relação Idade/Série 8 6 ANO 199 Relação Idade/Série Anos 8 Anos 7 Anos 6 Anos 9 Anos 7 1 Anos Anos 1 Série 9 Anos 8 Anos 7 Anos 6 Anos Série 9 Anos 3 Série 1 Anos Série 1 Anos No quesito aproveitamento, há somente a indicação de um aprovado sem menção de grau de aprovação. Percebe-se que as aulas iniciaram em 1/5/199 e acabaram em 15/1/199 pois nessas datas inicia-se e encerra-se o registro de freqüência e indicam a transferência de 5 (cinco) alunos. POR UMA INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURAÇÃO ESCOLAR Como vemos esse documento, em sua totalidade, é um banco de dados manuscritos, com intuito de ser uma fonte permanente de registro e de informação organizado estruturalmente a partir de dados específicos. A legislação escolar brasileira, a partir de dados do INEP (7) define como registro escolar 1. a anotação sistemática de atos e fatos relativos de um estabelecimento de ensino.. Conjunto de documentos de que a escola deve obrigatoriamente dispor, a fim de assegurar e facilitar a verificação da identidade do aluno, a regularidade e a autenticidade de sua vida escolar., portanto, a idéia de registro enquanto perspectiva de documento indica outra, a de escrituração escolar, ou seja, registro da totalidade dos fatos que envolvem a escolas e os sujeitos e os objetos a ela vinculados. Estes registros necessitam de uniformização, seriação e catalogação que permitam localização e consulta. Este documento previa espaços a serem preenchidos, e isto ocorria dentro de uma uniformidade pura, não havendo rasuras, evitando-se ao máximo, erros de grafia e localização de um dado. A grafia era do próprio professor responsável, pois dele é que demandavam as informações registradas, e ser escrito pelo próprio punho dava (dá) maior validade a informação registrada. Esse documento era exclusivo da gestão escolar. Não circulava entre os pares. A escrituração escolar guardava seus segredos de modo a fazer dele um poder. Contudo, ao se ter acesso ao mesmo,
6 uma história oficial está nele descrita, e nos dá indícios pistas de interpretação da situação vivida pela escola. Quando trata do Aparelhamento Escolar descreve a precariedade material do estabelecimento, declarando a existência de 1 obras (livros escolares e literários). Uma quantidade insignificante para uso geral. Eram livros serviam ao professor, para serem usados no ensino, para cópia, ditado e leitura. Quanto aos objetos, declara haver Sineta niquelada, é o primeiro objeto a ser relacionado, demonstrando sua função central no processo de ensino da época. 13 carteiras. 1 bancos. Uma mesa, uma cadeira, um armário, um tambor, um armário, cortinas e uma estante para livros. Descreve seus estados de conservação e informa a data de entrada dos objetos na escola, ficando claro que foi a partir do ano de 199 que a escola foi mobiliada. Todos os objetos relacionados pertencem à comunidade, do poder público somente um livro denominado Programa de Ensino para Escolas Primárias, demonstrando assim a presença do Estado determinado o processo de ensino, mesmo nos lugarejos mais longínquos. De que tempo estamos tratando? Do Pós-guerra. Do momento de agravamento do processo de nacionalização do ensino em comunidades imigrantes. Diante disso, podemos perceber claramente a importância da escrituração escolar, que mesmo registrando uma história oficial, deixa indícios possíveis de serem interpretados dentro de uma conjuntura mais ampla que o próprio objeto. A vida nessa comunidade rural, por esses tempos, era muito vigiada, e a escola era um instrumento de vigilância pública com vistas às práticas de nacionalismo e brasileiridade. Como podemos afirmar isso? Pela presença de Escrituração que exigia a discriminação pormenorizada. Para além disso, as atas das reuniões (que não são objetos deste artigo) e de momentos comemorativos deixam claro essa perspectiva. Concluímos, portanto, que o processo de registro se faz demarcado dentro dos ditames da época e nos revelam as contradições presentes nos contextos sociais vividos. No caso específico, a descrição do documento e sua análise possibilita depreender dimensões do mundo do trabalho, da não existência de pais/mães analfabetos(as), de se tratar de uma comunidade étnica específica, do tempo de permanência na escola e do ingresso tardio. Para além disso, retrata a precariedade material presente nas escolas rurais da época. BIBLIOGRAFIA
7 TAMBARA, Elomar. Introdução à história da educação no Rio Grande do Sul. Pelotas, RS: Ed. Universitária, UFPel, WERLE, Fávia Obino Corrêa. Documentos escolares: impactos das novas tecnologias. História da Educação. ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas (11):77-96, abr. WERLE, Fávia Obino Corrêa. Memória da Administração Escolar: modelos históricos de conservação, matrícula e aproveitamento. VII Congresso Internacional de Historia de la Cultura Escrita, sección 1ª, Alcalá de Hernares 3, pp Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educativas Anísio Teixeira. Registro Escolar. 7. disponível em: acesso em /98/7.
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