INDUÇÃO IN VITRO DA GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Oncidium flexuosum (ORCHIDACEAE) POR FUNGOS MICORRÍZICOS RIZOCTONIÓIDES (1)
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- Leonor Amorim Vilanova
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1 INDUÇÃO IN VITRO DA GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Oncidium flexuosum (ORCHIDACEAE) INDUÇÃO IN VITRO DA GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Oncidium flexuosum (ORCHIDACEAE) POR FUNGOS MICORRÍZICOS RIZOCTONIÓIDES (1) Olinto Liparini Pereira (2), Maria Catarina Megumi Kasuya (3), Christtianno de Lima Rollemberg (4) & Arnaldo Chaer Borges (5) RESUMO A germinação de sementes e o desenvolvimento de protocórmios de Oncidium flexuosum (Orchidaceae) induzidos simbioticamente são descritos pela primeira vez. As sementes de O. flexuosum foram inoculadas com dez fungos micorrízicos rizoctonióides, previamente isolados de micorrizas de dez espécies de orquídeas neotropicais do Brasil, incluindo O. flexuosum. Foram utilizados um isolado pertencente à espécie Epulorhiza repens, dois pertencentes à Epulorhiza epiphytica, seis de Ceratorhiza spp. e um de Rhizoctonia sp. Sementes inoculadas com o isolado M2 de Ceratorhiza sp., originalmente isolado do sistema radicular de O. flexuosum em habitat natural, promoveu a germinação das sementes em sete dias e em, aproximadamente, 30 % das plântulas, houve formação de folhas após 50 dias de incubação, apresentando pelotons em algumas células do protocórmio e das radicelas. Os demais isolados promoveram a germinação das sementes; entretanto, não promoveram um desenvolvimento ótimo dos protocórmios. Sementes incubadas na ausência de fungos micorrízicos não germinaram. A especificidade e a alta dependência de O. flexuosum pela associação micorrízica ficaram claras. Aspectos relativos à especificidade, anatomia da interação fungo-planta e a importância da seleção de estirpes fúngicas, previamente ao uso de fungos micorrízicos para o cultivo simbiótico a partir de sementes de O. flexuosum são discutidos. Termos de indexação: conservação de orquídeas, ecologia microbiana, interação planta-microrganismo, micologia, Ceratorhiza, Epulorhiza, Rhizoctonia. (1) Trabalho desenvolvido no Laboratório de Associações Micorrízicas, Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agropecuária, BIOAGRO, Departamento de Microbiologia, Universidade Federal de Viçosa UFV. Recebido para publicação em março de 2004 e aprovado em dezembro de (2) Mestre em Microbiologia Agrícola, BIOAGRO, Universidade Federal de Viçosa UFV. Departamento de Microbiologia, CEP Viçosa (MG). Bolsista CNPq. liparini@bol.com.br (3) Professora Adjunto do Departamento de Microbiologia, UFV. Bolsista CNPq. mkasuya@ufv.br (4) Bolsista Iniciação Científica PIBIC/CNPq. christthroll@yahoo.com (5) Professor Titular do Departamento de Microbiologia, UFV. chaer@ufv.br
2 200 Olinto Liparini Pereira et al. SUMMARY: IN VITRO SYMBIOTIC SEED GERMINATION OF Oncidium flexuosum (Orchidaceae) BY RHIZOCTONIA-LIKE MYCORRHIZAL FUNGI Symbiotic in vitro seed germination and protocorm development of Oncidium flexuosum is described for the first time. O. flexuosum seeds were inoculated with ten mycorrhizal isolates, originally obtained from the mycorrhiza of ten neotropical Brazilian orchid species, including O. flexuosum. One of the isolates belongs to Epulorhiza repens, two to Epulorhiza epiphytica, six to Ceratorhiza spp., and one to Rhizoctonia sp. Seeds inoculated with the M2 isolate of Ceratorhiza sp., originally isolated from the root system of wild O. flexuosum, promoted seed germination within 7 days and about 30% of the seedlings produced leaves after 50 days of incubation, all of which presented pelotons in some protocorm and rhizoid cells. The other isolates stimulated seed germination, although they did not lead to an ideal protocorm development. Seeds incubated in the absence of the mycorrhizal fungi failed to germinate. The degree of specificity and dependence of O. flexuosum from mycorrhizal fungi thus was evident. Aspects of the specificity, anatomy of the plant-fungus interaction and the importance of the fungal strain selection prior to the use of mycorrhizal fungi for the symbiotical O. flexuosum cultivation from seeds are discussed. Index terms: orchid conservation, microbial ecology, plant-microorganism interaction, mycology, Ceratorhiza, Epulorhiza, Rhizoctonia. INTRODUÇÃO As espécies pertencentes à família Orchidaceae: terrestres, epífitas ou rupícolas, associam-se com fungos micorrízicos para favorecer a germinação de sementes e o estabelecimento do protocórmio em seu ambiente natural (Arditti, 1992; Andersen & Rasmussen, 1996; Peterson et al., 1998; Zettler, 1997; Pereira et al., 2003b). As orquídeas utilizam-se da digestão de massas de hifas formadas intracelularmente (pelotons), principalmente nas células do córtex da raiz, como fonte de energia durante o estádio heterotrófico do seu ciclo de vida (Harvais & Hadley, 1967; Smith & Read, 1997; Peterson et al., 1998). Esse fenômeno, conhecido por micoheterotrofismo, não é exclusivo da família Orchidaceae, sendo também relatado em outras famílias de monocotiledôneas, a saber: Burmanniaceae, Corsiaceae, Lacandoniaceae, Petrosaviaceae e Triuridaceae e em famílias de dicotiledôneas, como: Ericaceae (Monotropoideae), Polygalaceae e Gentianaceae (Leake, 1994; McKendrick et al., 2000; Read et al., 2000; Taylor et al., 2002). Diversos métodos e meios de cultura são relatados para o cultivo assimbiótico de sementes de orquídeas in vitro (Arditti, 1992). Entretanto, plântulas cultivadas por esse processo raramente sobrevivem, quando transferidas para seu habitat natural em programas de reintrodução de espécies no campo (Clements et al., 1986; Anderson, 1991). Fungos micorrízicos de orquídeas vêm sendo isolados de seus hospedeiros naturais, visando à germinação de sementes de orquídeas in vitro, para fins de reintrodução de espécies ameaçadas de extinção em seu ambiente natural (Zettler, 1997; Zettler et al., 2000; 2001; Stewart & Zettler, 2002; Pereira et al., 2003b), multiplicação de espécies de interesse ornamental (Zettler et al., 1999; Wang et al., 2000) e medicinal (Chang & Chou, 2001). Entretanto, os poucos trabalhos sobre germinação de sementes de orquídeas por fungos micorrízicos têm sido voltados para espécies terrestres de ambientes temperados (Zettler & McInnis, 1993; Zetller, 1997; Zelmer & Currah, 1997; Zettler & Hofer, 1998; Zettler et al., 2000; 2001), bem como os trabalhos sobre o cultivo simbiótico a partir de sementes de espécies epífitas são ainda bastante incipientes (Zettler et al., 1998; 1999). As queimadas, derrubadas e desbravamentos de fragmentos remanescentes da Mata Atlântica têm levado à extinção de algumas espécies, ou tornandoas cada vez mais de difícil acesso, daí a grande dificuldade de isolar fungos micorrízicos que, durante milhares de anos, coevoluíram com seus hospedeiros naturais, considerando tais fungos de fundamental importância em futuros programas de reintrodução dessas espécies em seu habitat natural (Zettler, 1997; Pereira et al., 2003b). Além do isolamento do hospedeiro natural, fungos micorrízicos em cultura pura, previamente isolados de diferentes hospedeiros, são usualmente empregados no cultivo simbiótico da espécie de interesse, visando estudos de especificidade e seleção de isolados que promovam o melhor desenvolvimento dos protocórmios (Zettler & McInnis, 1993; Masuhara & Katsuya, 1994; Zetller, 1997; Zettler & Hofer, 1998; Zettler et al., 1999; 2000; 2001; Lekshmi et al., 2000; Wang et al., 2000; Batty et al., 2001; Stewart & Zettler, 2002).
3 INDUÇÃO IN VITRO DA GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Oncidium flexuosum (ORCHIDACEAE) Oncidium flexuosum Sims é uma espécie de orquídea epífita, de ocorrência comum em fragmentos remanescentes de Mata Atlântica em alguns estados do Brasil, de interesse em programas de reintrodução de espécies de orquídeas, além de serem de interesse comercial para a horticultura. O objetivo deste trabalho foi avaliar a capacidade de isolados de fungos rizoctonióides, pertencentes ao banco de germoplasma de fungos micorrízicos de orquídeas do Laboratório de Associações Micorrízicas, BIOAGRO/UFV, de induzir a germinação de sementes de O. flexuosum in vitro. MATERIAL E MÉTODOS Obtenção das sementes Cápsulas maduras foram coletadas de pendões florais de O. flexuosum. As sementes foram retiradas das respectivas cápsulas e levadas para secagem em dessecador com sílica gel, à temperatura ambiente. Tais cápsulas foram embaladas em papel de filtro Whatman nº 1 e armazenadas em frascos de vidro que continham sílica gel à temperatura de 4 ºC em câmara fria, no escuro, por 30 dias. Isolados fúngicos Dez isolados (M1 a M10), pertencentes à coleção de fungos micorrízicos de orquídeas do Laboratório de Associações Micorrízicas, BIOAGRO/UFV, foram utilizados para induzir a germinação das sementes de O. flexuosum (Quadro 1). Os fungos foram isolados de orquídeas epífitas e terrestres de diferentes localidades do estado de Minas Gerais (Pereira, 2001; Pereira et al., 2001; 2003a). Os isolados, originalmente estocados em tubos de ensaio que continham água destilada esterilizada, a 4 ºC em câmara fria, foram reativados em placas de Petri com 25 ml de meio ágar-aveia (Difco) e incubados em B.O.D. a 28 ºC por sete dias. Desinfestação das sementes As sementes de O. flexuosum, colocadas dentro de seringas esterilizadas para desinfestação superficial, foram imersas em solução de hipoclorito de Na (NaOCl) com 2 % de Cl ativo por 5 min e enxaguadas três vezes sucessivas em água destilada autoclavada. Uma amostra de 2 ml da solução final, homogeneizada e que continha sementes superficialmente desinfestadas e água destilada esterilizada, foi utilizada para contagem do número de sementes, sob microscópio estereoscópico (Olympus SZH 10). Cultivo simbiótico Aproximadamente, 300 sementes foram uniformemente distribuídas em papel de filtro (Wathman n 3) com 2,3 cm de diâmetro, previamente esterilizado, dentro de placas de Petri que continham 20 ml de meio ágar-aveia modificado (Dixon, 1987). As placas foram inoculadas com blocos de 1 cm 3 de meio ágar-aveia com o micélio fúngico do isolado micorrízico, retirados das bordas das colônias resultantes do crescimento dos isolados reativados. A inoculação foi feita a uma distância de 6 cm do disco de papel filtro. As placas foram seladas com filme PVC e incubadas a 25 C, no escuro, durante duas semanas. Três repetições para cada isolado foram distribuídas aleatoriamente em câmara escura. Placas que continham sementes, porém não inoculadas, serviram de controle. A germinação foi monitorada sob microscópio estereoscópico a cada três dias, durante as duas primeiras semanas. Após esse período, as placas foram removidas do escuro e levadas para câmaras de crescimento com fotoperíodo regulado de 12 h, com temperaturas diurnas de 28 C e noturnas de 25 C. Aos 50 dias de idade, os discos foram retirados Quadro 1. Código, identificação e hospedeiro original dos isolados de fungos micorrízicos utilizados no experimento Código do isolado Identificação Hospedeiro original (1) M1 Epulorhiza epiphytica Pereira, Rollemberg et Kasuya Polystachia concreta (Jacq.) Garay & Sweet M2 Ceratorhiza sp. Oncidium flexuosum Sims M3 Ceratorhiza sp. Isochillus lineares (Jacq.) R. Br M4 Ceratorhiza sp. Maxillaria marginata (Lindl.) Fenzl M5 Epulorhiza repens (Bernard) Moore Oeceoclades maculata (Lindl.) Lindl. M6 E. epiphytica Epidendrum rigidum Jacq. M7 Ceratorhiza sp. Oncidium varicosum Lindl. M8 Rhizoctonia sp. Gomesa crispa (Lindl.) Klotzsch ex Rchb. f. M9 Ceratorhiza sp. Campylocentrum organensis (Rchb. f.) Rolfe M10 Ceratorhiza sp. Bulbophyllum sp. (1) Hospedeiro de onde os isolados fúngicos foram originalmente obtidos (Pereira, 2001; Pereira et al., 2001; 2003a).
4 202 Olinto Liparini Pereira et al. das placas de Petri e observados sob microscópio estereoscópico para avaliação da percentagem de germinação e desenvolvimento dos protocórmios. Avaliação da germinação e do desenvolvimento do protocórmio Aos diferentes estádios de desenvolvimento dos protocórmios foram atribuídas notas de 0 a 5, adaptadas de Zettler & Hofer (1998), a saber: 0 = não ocorreu germinação; 1 = embrião bem desenvolvido dentro do envoltório; 2 = rompimento do tegumento; 3 = início de desenvolvimento das radicelas; 4 = formação da primeira folha com radicelas bem desenvolvidas e 5 = protocórmio com 0,5 cm de diâmetro, com formação da segunda folha e primeiras raízes. O valor da percentagem de germinação e de protocórmios nos diferentes estádios de desenvolvimento foi obtido por meio da média aritmética das três repetições de cada tratamento. Caracterização da associação micorrízica e anatomia da interação fungo-planta Protocórmios em diferentes estádios de desenvolvimento foram seccionados longitudinalmente, a mão livre, e observados em microscópio ótico (OLYMPUS BX 50), para verificar a formação de estruturas fúngicas intracelulares (pelotons) que caracterizam a associação simbiótica micorrízica em orquídeas (Smith & Read, 1997; Zettler, 1997). Os embriões e os protocórmios foram clareados e corados com azul de tripano, segundo método proposto por Phillips & Hayman (1970). Radicelas coradas foram também cuidadosamente montadas entre lâmina e lâmínula com lactoglicerol para observação em microscópio ótico dos sítios de infecção do fungo micorrízico. RESULTADOS E DISCUSSÃO Cultivo simbiótico Aos sete dias de idade, cerca de 90 % das sementes de O. flexuosum germinaram quando inoculadas com o isolado M2 (Ceratorhiza sp.). Somente aos 30 dias de idade, observou-se a germinação das sementes induzidas por outros isolados. Na ausência do fungo micorrízico, as sementes não germinaram, demonstrando dependência da espécie de orquídea pelo fungo micorrízico. A percentagem de germinação e de protocórmios nos diferentes estádios de desenvolvimento, para cada isolado, pode ser observada no quadro 2. Aos 50 dias de idade, protocórmios nos estádios 3, 4 e 5 foram observados somente quando inoculadas com o isolado M2 (Figura 1C), originalmente obtido do sistema radicular de O. flexuosum, indicando um possível caso de especificidade fungo-hospedeiro. Os demais isolados de Ceratorhiza, bem como os isolados de Epulorhiza e Rhizoctonia, apesar de terem provocado a germinação de sementes, desenvolveram protocórmios somente até o estádio 2 (Figura 1D). Esses resultados indicam a existência de alguma barreira ou a falta de algum estímulo nessas combinações fungo-planta, conforme foi também evidenciado em outros trabalhos de germinação simbiótica (Anderson, 1991; Zettler & Quadro 2. Percentagem de germinação em diferentes estádios de desenvolvimento dos protocórmios de Oncidium flexuosum, 50 dias após inoculação das sementes por dez isolados de fungos micorrízicos Código do isolado Estádio de desenvolvimento Germinação, % M M M M M M M M M M Controle (1) 0 = não ocorreu a germinação; 1 = embrião bem desenvolvido dentro do envoltório; 2 = rompimento do tegumento; 3 = início de desenvolvimento das radicelas; 4 = formação da primeira folha com radicelas bem desenvolvidas e 5 = protocórmio com 0,5 cm de diâmetro, com formação da segunda folha e primeiras raízes.
5 INDUÇÃO IN VITRO DA GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Oncidium flexuosum (ORCHIDACEAE) McInnis, 1992; Zelmer & Currah, 1997; Zettler & Hofer, 1998; Zettler et al., 1999). A especificidade da associação micorrízica em orquídeas é ainda fonte de controvérsia, visto que, enquanto alguns trabalhos demonstram a existência de especificidade entre fungo e planta (Warcup, 1971; 1973; 1981), outros demonstram a baixa ou, até mesmo, a inexistência de especificidade (Hadley, 1970; Deutsch, 2001; Stewart & Zettler, 2002). Além da dificuldade de identificação das espécies de fungos rizoctonióides comumente isolados de raízes micorrizadas de orquídeas, a avaliação de trabalhos sobre especificidade é ainda dificultada pela variabilidade de métodos de isolamento empregados, pelos diferentes estádios de desenvolvimento dos hospedeiros estudados e pela não-correspondência entre experimentos de germinação de sementes em condições naturais e in vitro (Andersen & Rasmussen, 1996). Analisando o cultivo simbiótico de Platanthera clavellata, Zettler & Hofer (1998) observaram que um isolado de Epulorhiza inquilina, originalmente obtido do sistema radicular de P. clavellata, promoveu o desenvolvimento significativamente superior de protocórmios em relação a outros isolados de E. inquilina, originalmente obtidos do sistema radicular de Platanthera ciliares, Platanthera cristata e Platanthera integrilabia. O mesmo foi observado neste experimento em relação ao desenvolvimento de protocórmios de O. flexuosum, comparando-se os resultados obtidos pelo isolado M2, originalmente isolado de O. flexuosum, e o isolado M7, originalmente isolado de O. varicosum. Apesar de terem sido os isolados obtidos do sistema radicular de hospedeiros pertencentes ao mesmo gênero, o isolado M2 promoveu o desenvolvimento de protocórmios até o estádio 5, enquanto o isolado M7 promoveu o desenvolvimento de protocórmios somente até o estádio 2 (Quadro 1). Entretanto, resultados contraditórios são observados em experimentos em que isolados, originalmente obtidos do sistema radicular de seus hospedeiros naturais, promovem menor desenvolvimento de protocórmios em relação a isolados originalmente obtidos de outros hospedeiros não relacionados (Zettler et al., 1999), ou mesmo pertencentes ao mesmo gênero (Zettler et al., 2000). Fungos rizoctonióides fitopatogênicos podem formar associações simbióticas micorrízicas com membros da família Orchidaceae (Masuhara & Katsuya, 1994), assim como fungos rizoctonióides em associação simbiótica, sob determinadas condições, podem estabelecer associação fitopatogênica (Zelmer et al., 1996; Wang et al., 2000). Os isolados M3 e M4 de Ceratorhiza, apesar de levarem à germinação de sementes, estabeleceram associação fitopatogênica com os protocórmios de segundo estádio de desenvolvimento. Esses isolados, M3 e M4, foram originalmente obtidos, respectivamente, de I. lineares e M. marginata, sendo possível que algum mecanismo molecular essencial ao estabelecimento da associação simbiótica entre a planta e o fungo não tenha sido expresso ou reconhecido. Caracterização da associação micorrízica e anatomia da interação fungo-planta Todos os isolados foram capazes de levar à germinação das sementes de O. flexuosum, porém o isolado M2 foi o único capaz de promover o desenvolvimento completo dos protocórmios (Figura 1C). Inicialmente, as hifas penetram por poros localizados nas extremidades das sementes, infectando as células suspensoras. Posteriormente, as hifas penetram pela parede celular das células do córtex, localizadas adjacentes às células suspensoras, ramificando-se entre a parede celular e a membrana citoplasmática. Após a ramificação, as hifas enovelam-se, dando origem aos pelotons (Figura 1E), estruturas que caracterizam a associação micorrízica orquidóide. Formados os pelotons, o embrião desenvolve-se (Figura 1F) por meio dos produtos advindos da digestão enzimática do fungo simbionte (Figura 1G), dando origem aos protocórmios. Somente para o isolado M2 observou-se a capacidade de infectar radicelas de O. flexuosum. Dois padrões de infecção das radicelas puderam ser observados: um interno, por meio de hifas localizadas no interior do protocórmio, e outro externo, por meio de hifas localizadas no substrato de crescimento. Hifas originárias de pelotons localizados nas células mais externas do córtex infectam as radicelas por suas células basais. Essas hifas penetram pela parede da radicela jovem, colonizando toda a sua extensão, até à extremidade apical, atravessando novamente a parede celular, entrando novamente em contato com o meio de cultura (Figura 1H). Já hifas originadas diretamente do micélio em crescimento podem também infectar as radicelas, lateralmente, penetrando através da parede celular (Figura 1I). Antes da formação das raízes verdadeiras, a colonização das radicelas a partir das células mais externas do córtex alcançam novamente o substrato de crescimento e talvez seja o principal fator responsável pela estabilidade do protocórmio de orquídeas epífitas na natureza. Por outro lado, a colonização a partir do substrato de crescimento alcança o interior das radicelas e atua, possivelmente, na estabilidade do protocórmio em condições naturais, além de ser um indicativo "anatômico da possibilidade de micorrização" de protocórmios cultivados assimbioticamente in vitro, em condições de laboratório. Radicelas infectadas, em estádio mais avançado de desenvolvimento, apresentavam-se bastante colonizadas por cordões de hifas, permitindo a visualização de cerca de 5-7 hifas individualizadas por cordão, as quais se
6 204 Olinto Liparini Pereira et al. Figura 1. (A) Células monilióides de Ceratorhiza sp., isolado M2 e (B) de Epulorhiza epiphytica, isolado M1; (C) Protocórmios de Oncidium flexuosum formados em cultivo simbiótico com o isolado M2 e (D) com o isolado M1; (E) Presença de pelotons intactos nas células do córtex do embrião de O. flexuosum em cultivo simbiótico com o isolado M2 de Ceratorhiza sp. corado com azul de tripano 0,05 %; (F) Embrião de O. flexuosum em desenvolvimento após inoculação com o isolado M2; (G) Presença de pelotons intactos e degradados nas células do córtex do protocórmio de O. flexuosum em cultivo simbiótico com o isolado M2; (H) Hifas vegetativas do isolado M2 saindo pela extremidade apical da radicela de O. flexuosum; (I) Infecção lateral e colonização da radicela de O. flexuosum pelo isolado M2 e (J) Radicela em estádio mais avançado de desenvolvimento, colonizada por diversas hifas, mostrando o enovelamento na região da extremidade apical da radicela. Barras: (A) e (B) = 20 µm; (C) e (D) = 15 mm; (E) e (G) = 2,5 µm; (F) = 10 µm; (H), (I) e (J) = 1,0 µm.
7 INDUÇÃO IN VITRO DA GERMINAÇÃO DE SEMENTES DE Oncidium flexuosum (ORCHIDACEAE) enovelavam na extremidade apical da radicela (Figura 1J), provavelmente dando origem aos pelotons das células do córtex da raiz primária. Padrões similares de infecção da semente, desenvolvimento do embrião e colonização da radicela são relatados para Pterostylis spp. em associação com Ceratobasidium spp. na Austrália (Clements, 1988). CONCLUSÕES 1. O sucesso na germinação das sementes, assim como o estabelecimento de protocórmios in vitro por meio do método cultivo simbiótico, utilizando fungos micorrízicos em cultura pura, é relatado, pela primeira vez, para O. flexuosum. 2. Oncidium flexuosum parece estabelecer associação específica com seu simbionte micorrízico, pelo menos no que diz respeito à germinação simbiótica de sementes e estabelecimento do protocórmio in vitro. 3. Fungos rizoctonióides podem estabelecer não só associação micorrízica em diferentes níveis, mas também associação fitopatogênica, em alguns casos. 4. Isolados que promovam o desenvolvimento adequado devem ser selecionados a depender da espécie de orquídea a ser propagada em cultivo simbiótico. AGRADECIMENTOS Ao Instituto Estadual de Florestas (IEF) pela concessão de registro para coleta de orquídeas e sementes em áreas de conservação biológica do estado de Minas Gerais. Este trabalho faz parte integrante do estudo da biodiversidade de fungos micorrízicos associados ao sistema radicular de orquídeas brasileiras, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (FAPEMIG), registro 708/02. Ao CNPq, pela concessão de bolsas de pós-graduação, de produtividade e de iniciação científica dos autores. À Sociedade Brasileira de Orquidófilos (OrquidaRio) e ao Ph.D. Larry Peterson, University of Guelph (Canadá), pelo constante apoio e incentivo. LITERATURA CITADA ANDERSEN, T.F. & RASMUSSEN, H.N. The mycorrhizal species of Rhizoctonia. In: SNEH, B.; JABAJI-HARE, S.; NEATE, S. & DIJST, G., eds. Rhizoctonia species: taxonomy, molecular biology, ecology, pathology, and disease control. Dordrecht, Kluwer Academic Publishers, p ANDERSON, A.B. Symbiotic and asymbiotic germination and growth of Spitanthes magnicamporum (Orchidaceae). Lindleyana, 6: , ARDITTI, J. Fundamentals of orchid biology. 2.ed. New York, John Wiley & Sons, p. BATTY, A.L.; DIXON, K.W.; BRUNDRETT, M. & SIVASITHAMPARAM, K. Long-term storage of mycorrhizal fungi and seed as a tool for the conservation of endangered Western Australian terrestrial orchids. Aust. J. Bot., 49: , CHANG, D.C.N. & CHOU, L.C. Seed germination of Haemaria discolor var. dawsoniana and the use of mycorrhizae. Symbiosis, 30:29-40, CLEMENTS, M.A.; MUIR, H. & CRIBB, P.J. A preliminary report on the symbiotic germination of European terrestrial orchids. Kew Bull., 41: , CLEMENTS, M.A. Orchid mycorrhizal associations. Lindleyana, 3:73-86, DEUTSCH, G. In vitro-annzucht von Nitritella (Orchidaceae- Orchideae) aus Samen, mit Hilfe von symbiotischen Pilzen. Phyton., 41: , DIXON, K. Raising terrestrial orchids from seed. In: HARRIS, W.K., ed. Modern orchid growing for pleasure and profit. Adelaide, Orchid Club of South Australia, p HADLEY, G. Non-specificity of symbiotic infection in orchid mycorrhiza. New Phytol., 69: , HARVAIS, G. & HADLEY, G. The relation between host and endophyte in orchid mycorrhiza. New Phytol., 66: , LEAKE, J. The biology of myco-heterotrophic ( saprophytic ) plants. New Phytol., 127: , LEKSHMI, S.N.; TAN, T.K. & LOH, C.S. Effects of mycorrhizal infection on different stages of tissue-cultured Dendrobium sonia. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON RHIZOCTONIA, 3., Taichung, Anais. Taiwan, International Society of Plant Pathology (Rhizoctonia Committee), MASUHARA, G. & KATSUYA, K. In situ and in vitro specificity between Rhizoctonia spp. and Spiranthes sinensis (Persoon) Ames. var. amoema (M. Bieberstein) Hara (Orchidaceae). New Phytol., 127: , MCKENDRICK, S.L.; LEAKE, J.R.; TAYLOR, D.L. & READ, D.J. Symbiotic germination and development of mycoheterotrophic plants in nature: ontogeny of Corallorhiza trifida and characterization of its mycorrhizal fungi. New Phytol., 145: , PEREIRA, O.L. Caracterização morfológica e molecular de fungos micorrízicos de sete espécies de orquídeas neotropicais. Viçosa, Universidade Federal de Viçosa, p. (Tese de Mestrado) PEREIRA, O.L.; ROLLEMBERG, C.L.; BORGES, A.C.; MATSUOKA, K. & KASUYA, M.C.M. Epulorhiza epiphytica sp. nov. isolated from mycorrhizal roots of epiphytic orchids in Brazil. Mycoscience, 44: , 2003a.
8 206 Olinto Liparini Pereira et al. PEREIRA, O.L.; ROLLEMBERG, C.L. & KASUYA, M.C.M. Association des mycorhizies dans les orchidees perspectives d utilisation dans les programmes de propagation symbiotique. Orchidees, 55:24-27, 2003b. PEREIRA, O.L.; ROLLEMBERG, C.L.; PEIXOTO, H.T.M.; ARAÚJO, E.F.; BORGES, A.C. & KASUYA, M.C.M. Epulorhiza repens: a orchid mycorrhizal fungus of Oeceoclades maculata. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MICROBIOLOGIA, 21., Foz do Iguaçu, Anais. Foz do Iguaçu, Sociedade Brasileira de Microbiologia, p.259. PETERSON, R. L.; UETAKE, Y & ZELMER, C. Fungal simbiosis with orchid protocorms. Symbiosis, 25:29-55, PHILLIPS, J.M. & HAYMAN, D.S. Improved procedure for clearing roots and staining parasitic and vesiculararbuscular mycorrhizal fungi for rapid assessment of infection. Trans. Br. Mycol. Soc., 55: , READ, D.J.; DUCKETT, J.G.; FRANCIS, R.; LIGRONE, R. & RUSSELL, A. Symbiotic fungal associations in lower land plants. Phil. Trans. R. Soc., 355: , SMITH, S.E. & READ, D.J. Mycorrhizal symbiosis 2.ed. San Diego, Academic Press, p. STEWART, S.L. & ZETTLER, L.W. Symbiotic germination of three semi-aquatic rein orchids (Habenaria repens, H. quinquiseta, H. macroceratilis) from Florida. Aquatic Bot., 72:25-35, TAYLOR, D.L.; BRUNS, T.D.; LEAKE, J.R. & READ, D.J. Mycorrhizal specificity and function in myco-heterotrophic plants. Ecol. Studies, 157: , WANG, C.L.; CHU, J.N.; CHEN, C.Y. & CHAO, Y.C. Influence of orchid mycorrhizal fungi Rhizoctonia spp. on the growth of Oncidium Goldiana X Onc. Guiena Gold seedlings. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON RHIZOCTONIA, 3., Taichung, Anais. Taiwan, International Society of Plant Pathology (Rhizoctonia Committee), WARCUP, J.H. Symbiotic germination of some Australian terrestrial orchids. New Phytol., 72: , WARCUP, J.H. The mycorrhizal relationships of Australian orchids. New Phytol., 87: , WARCUP, J.H. & TALBOT, P.H.B. Perfect states of rhizoctonias associated with orchids. II. New Phytol., 70:35-40, ZELMER, C.D.; CUTHBERTSON, L. & CURRAH, R.S. Fungi associated with terrestrial orchid mycorrhizas, seeds and protocorms. Mycoscience, 37: , ZELMER, C.D. & CURRAH, R.S. Symbiotic germination of Spiranthes lacera (Orchidaceae) with a naturally occurring endophyte. Lindleyana, 12: , ZETTLER, L.W. Orchid-fungal symbiosis and its value in conservation. McIvainea, 13:40-45, ZETTLER, L.W.; BURKHEAD, J.C. & MARSHALL, J.A. Use of a mycorrhizal fungus from Epidendrum conopseum to germinate seed of Encyclia tampensis in vitro. Lindleyana, 14: , ZETTLER, L.W.; DELANEY, T.W. & SUNLEY, J. Seed propagation of the epiphytic Green-fly orchid, Epidendrum conopseum R. Brown, using its endophytic fungus. Selbayana, 19: , ZETTLER, L.W. & HOFER, C.J. Propagation of the little clubspur orchid (Platanthera clavellata) by symbiotic seed germination and its ecological implications. Environ. Exp. Bot., 39: , ZETTLER, L.W. & MCINNIS, T.M. Symbiotic germination and development of Spiranthes cernua and Goodyera pubescens (Orchidaceae: Spiranthoideae). Lindleyana, 8: , ZETTLER, L.W.; STEWART, S.L.; BOWLES, M.L. & JACOBS, K.A. Mycorrhizal fungi and cold-assisted symbiotic germination of the federally threatened eastern praire fringed orchid, Platanthera leucophaea (Nuttall) Lindley. Am. Midl. Nat., 145: , ZETTLER, L.W.; SUNLEY, J.A. & DELANEY, T.W. Symbiotic seed germination of an orchid in decline (Platanthera integra) from the Green Swamp, North Carolina. Castanea, 65: , 2000.
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