Dinâmica da vegetação natural e das áreas de preservação permanente em função das ações desenvolvimentistas na paisagem.
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1 Dinâmica da vegetação natural e das áreas de preservação permanente em função das ações desenvolvimentistas na paisagem. Ângela Terumi Fushita 1 Ronaldo Tavares Araújo 1,2 José Salatiel Rodrigues Pires 1 José Eduardo dos Santos 1 1 Universidade Federal de São Carlos - UFSCar/ DHb Laboratório de Análise e Planejamento Ambiental - LAPA Rod. Washington Luís (SP-310) km São Carlos - SP, Brasil angela_fushita@yahoo.com.br; {salatiel, djes}@power.ufscar.br 2 Prefeitura Municipal de Santa Cruz da Conceição - Casa da Agricultura Rua Paschoal Ganéo, Santa Cruz da Conceição SP, Brasil rtaraujo@yahoo.com.br Abstract. The land use and occupation dynamics was not only delineated by ecological system capacity but by economic pressure and development actions. This paper describes the relation between slope and land use (natural and seminatural areas, especially) and the permanent preservation areas (determined by Brazilian legislation) in Santa Cruz da Conceição municipality landscape, São Paulo State, from 1962 to 2002, as a consequence of local development actions. It was used the topographic map (scale 1:10,000) and aerial photographic. The slope was obtained in SPRING 4.3 and the land use and occupation was made in MapInfo 7.5. Above 50% of natural and seminatural areas was settled in propitious land to agriculture in 1962n. In current time, about 50% of permanent preservation areas are without natural or seminatural vegetation. The dynamic of land use was influenced by sugar cane monoculture increase in slope below 13% and pasture decrease in slope above 45%. Palavras-chave: slope, land use and ocupation, permanent preservation areas, declividade, uso e ocupação da terra, áreas de preservação permanente. 1. Introdução As mudanças demográficas, econômicas e sociais continuam a exercer considerável pressão na redução da cobertura vegetal da paisagem (Achard et al. 2002). No Estado de São Paulo, as paisagens anteriormente cobertas por maciços contínuos de Mata Atlântica atualmente estão restritas a fragmentos (SOS Mata Atlântica, INPE e ISA 1998), dispersos entre elementos culturais representados pela agropecuária, por núcleos urbanos, mineração, reflorestamentos,, etc., sujeitos a um intenso processo de empobrecimento ecológico (Viana et al. 1997). A fragmentação e a perda dos ecossistemas naturais decorrentes das ações desenvolvimentistas na paisagem tem resultado em problemas ambientais relacionados às mudanças climáticas globais, regionais e locais (Achard et al. 2002), no comprometimento das funções ambientais em relação à descontinuidade dos bens e serviços proporcionados à sociedade (De Groot 1992; Santos et al. 2001; Millenium Ecosystem Assessment 2005) e, na perda de habitat e biodiversidade com consequências para o equilíbrio das populações da biota (Dobson et al. 1997). Os estudos da dinâmica da cobertura do solo em paisagens fragmentadas exigem domínio de métodos de trabalho bastante divergentes em sua origem, como o levantamento da vegetação, geoprocessamento, levantamentos históricos e outros (Rodrigues et al. 2003). Neste contexto, a tecnologia de sensoriamento remoto tem contribuído significativamente para melhorar a qualidade das informações, principalmente quanto ao dimensionamento das 3937
2 áreas ocupadas pelas coberturas vegetais, sejam naturais ou estabelecidas pelo homem, e a determinação de sua distribuição geográfica. As imagens obtidas por diversos sensores (os orbitais alojados em satélites artificiais e as fotografias aéreas) e os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) servem como ferramentas para auxiliar esses processos, por meio de programação das ações integradas, adequadas para a tomada de decisão, e capazes de articularem uma grande quantidade de informações georreferenciadas (Aronoff 1994; Escada e Kurkdjian 1993, Paredes 1996). Essas ferramentas auxiliam no processo de planejamento físico ambiental e de análise ambiental (Pires 1995; Lima 1997), permitindo identificar quais os tipos de usos compatíveis de uma paisagem, na perspectiva de incorporar e aumentar o seu valor social e o seu conhecimento, apresentando, dessa forma, diversas possibilidades de utilização com base em suas características relacionadas à estruturação de seus componentes (solo, hidrografia, relevo). O presente trabalho verificou a dinâmica dos fragmentos de vegetação natural e seminatural e as áreas de preservação permanente, previstas por lei, em função da declividade, como resultado das ações desenvolvimentistas implementadas na paisagem local do município de Santa Cruz da Conceição, Estado de São Paulo, durante o período de Materiais e métodos A área de estudo compreende o Município de Santa Cruz da Conceição, Estado de São Paulo, (Figura 1). Sua área corresponde a 149,43 km² (IBGE 2000) e pertence à Bacia Hidrográfica do Rio Mogi-Guaçu. A vegetação florestal caracteriza-se por transição entre o cerrado e a mata semidecídua. A principal atividade econômica do município está associada ao setor primário com destaque para o cultivo de cana-de-açúcar e laranja, além de pastagens para criação extensiva de gado. O setor secundário está em fase inicial de expansão, existindo pequenas instalações de comércio e serviços essenciais de saúde. No setor terciário, destacamse as olarias e uma indústria tecnológica de aviões do tipo ultraleve. Figura 1 Localização geográfica da área de estudo representada pela paisagem do Município de Santa Cruz da Conceição, Estado de São Paulo. 3938
3 As informações analógicas de hidrografia e hipsometria das cartas topográficas (escala 1:10.000) do Instituto Geográfico e Cartográfico do Estado de São Paulo foram digitalizadas e analisadas no Laboratório de Análise e Planejamento Ambiental da Universidade Federal de São Carlos. Com base nas cotas hipsométricas foi elaborada a carta de declividade, em escala 1:10.00 no SPRING 4.3 e as áreas classificadas quanto a aptidão à agricultura (Tabela 1). Tabela 1 Classes de declividade e suas características e aptidões para agricultura (EMBRAPA 1995 modificado por Fushita 2006). Classes Característica Aptidão à agricultura 0 a 3% Plano Apto 3 a 8% Suave Ondulado Apto 8 a 13% Moderado Ondulado Apto 13 a 20% Ondulado Depende de práticas intensivas de controle à erosão 20 a 45% Forte Ondulado Controle à erosão é dispendioso 45 a 100% Montanhoso Deve ser mantida com cobertura vegetal de preservação ambiental Acima de 100% Escarpado Deve ser mantida com cobertura vegetal de preservação ambiental As Áreas de Preservação Permanente (APP), definidas no Código Florestal de 1965, alterado pela Medida Provisória nº de 14/12/2000, e regulamentadas pela Resolução CONAMA nº 303, de 20 de março de 2002, foram delimitadas no software MapInfo 7.5 com base nas cartas da hidrografia e da hipsometria, e identificada a distribuição, daquelas condizentes com a legislação, em relação à declividade, para os anos de 1962, 1972 e Para a classificação dos usos e ocupação da terra em 1962, 1972 e 2002 foram utilizadas fotografias aéreas verticais, fornecidas pela Prefeitura Municipal de Santa Cruz da Conceição em escala 1: e escanerizadas no Laboratório de Análise e Planejamento Ambiental LAPA/UFSCar, com resolução de 600 dpi. As fotografias aéreas foram tratadas no software Adobe Photoshop 7.0 e foram georreferenciadas no software MapInfo 7.5, com base em pontos de controle obtidos em campo com auxílio de GPS (Global Positioning System) e tiveram identificadas as classes de usos e ocupação da terra por meio do método visual de digitalização em tela (on screen digitalizing), conforme a tonalidade (cor ou ao brilho dos objetos que compõem o cenário), a textura (conjunto de todas as pequenas feições que compõem a área na imagem) e o contexto (detalhes de tons, texturas e padrões localizados em relação aos atributos conhecidos da área de estudo) (Crosta 1992). A distribuição dos fragmentos de vegetação natural e semi-natural em relação a declividade da paisagem do Município de Santa Cruz da Conceição nos anos de 1962, 1972 e 2002 foi obtida com o uso do software SPRING 4.3 por algoritmo LEGAL, enquanto que a dinâmica dos usos e ocupação da terra foi analisada no software IDRISI Resultados O Município de Santa Cruz da Conceição apresenta 16,30% de sua área total em relevo plano; 29,81% em suavemente ondulado; 23,51% em moderado ondulado; 17,26% em ondulado; 12,24% em fortemente ondulado; 0,87% em montanhoso e 0,01%, em escarpado (Figura 2). 3939
4 Figura 2 Declividade, em porcentagem, da paisagem do Município de Santa Cruz da Conceição, SP. A dinâmica dos usos e ocupação da terra para a área total da paisagem do município de Santa Cruz da Conceição nos anos de 1962, 1972 e 2002 está representada na Figura 3. Em 1962 e 1972 a classe pastagem apresenta-se como o uso prevalecente, correspondendo a 61,89% e 66,47%, respectivamente da área total do município. Em 2002 o cenário da paisagem destaca a pastagem e o cultivo da cana de açúcar como usos prevalecentes, correspondendo a 29,94% e 20,90%, respectivamente da área total do município (Tabela 2). As principais mudanças ocorridas na paisagem no período de 1962 e 2002 (Figura 3) foi o aumento de área (3122,84 ha) utilizada para o cultivo da cana-de-açúcar e a redução de área de pastagens (4773,03 ha); esta última principalmente associada, para o período de 1972 e 2002, à implantação de culturas perenes (citricultura) e de cana-de-açúcar (Tabela 2). As mudanças observadas no período em questão, embora no contexto da paisagem local, refletem a política governamental com incentivo na expansão agrícola, em áreas de cerrado, emergindo no estado e no país em consentâneo com a crise energética mundial e com as práticas de ordenamento territorial do estado. Embora o ano de 1962 seja o marco inicial do acompanhamento da dinâmica do uso da terra da paisagem em estudo, com um remanescente de 2667,46 ha de áreas naturais (Tabela 2), deve ser ressaltado que as maiores alterações quantitativas para esta classe de uso ocorreram em período que antecede esse ano. Aparentemente não se observa diferenças significativas em relação as área de vegetação natural e semi-natural entre os anos analisados. Os remanescentes existentes em 1962 foram, em grande parte, substituídos por áreas 3940
5 Figura 3. Mapeamento de uso e ocupação da terra do Município de Santa Cruz da Conceição, Estado de São Paulo, para a) 1962, b) 1972 e c)
6 agrícolas, em especial por áreas de pastagem em Entretanto, entre 1972 e 2002 deve ser ressaltado um incremento 141,41 ha no tamanho de áreas naturais e semi-naturais. (Tabela 2). Em 1962 e 1972, mais de 50% da vegetação natural e semi-natural estava localizada em áreas com declividade até 8%, consideradas aptas à agricultura, enquanto que em 2002, quase 35% encontrava-se em áreas com declividade que necessita de práticas para o controle da erosão (acima de 13%) (Tabela 3). No período entre observa-se a substituição de pastagens por vegetação natural (1421,12 ha) em áreas nas classes de declividade acima de 13%, bem como a substituição de vegetação natural por cana de açúcar e pastagem em áreas consideradas aptas à agricultura com declividade de 0 a 13%. Tabela 2 Valores de área (ha e %) das diferentes classes de usos e ocupação da terra para a paisagem do município de Santa Cruz da Conceição, SP, para os anos de 1962, 1972 e Classes de uso e ocupação da terra Área (ha) % Área (ha) % Área (ha) % Área natural 2667,46 17, ,97 17, ,51 17,98 Área urbana 23,95 0,16 40,95 0,27 249,33 1,67 Cana-de-açúcar 0,00 0,00 0,00 0, ,84 20,90 Culturas anuais 820,13 5,49 429,72 2,88 166,13 1,11 Culturas perenes 395,88 2,65 633,72 4, ,36 18,43 Estradas 261,19 1,75 269,83 1,81 345,63 2,31 Industrias 0,00 0,00 0,00 0,00 8,49 0,06 Infra-estrutura rural 174,22 1,17 160,16 1,07 331,44 2,22 Mineração 5,31 0,04 9,08 0,06 63,87 0,43 Pasto 9247,57 61, ,86 66, ,54 29,94 Pasto sujo 689,49 4,61 705,00 4,72 464,87 3,11 Reflorestamento 251,11 1,68 201,38 1,35 55,74 0,37 Represamento 1,89 0,01 7,26 0,05 175,16 1,17 Solo exposto 404,80 2,71 8,08 0,05 45,08 0,30 Tabela 3 Área (ha) e porcentagem de vegetação natural e semi-natural e das áreas de preservação permanente da paisagem do município de Santa Cruz da Conceição (SP) em relação às classes de declividade definidas por EMBRAPA (1995) modificado por Fushita (2006). Os valores de Áreas de Preservação Permanente (APP) em relação à declividade da área de estudo totalizam 1.083,58 ha, em Embora tenha ocorrido um aumento significativo no valor em área de APPs condizentes com a legislação entre 1962 e 2002 (Tabela 3), o cenário para 2002 é bastante preocupante, uma vez que demonstra que apenas 49,27% da APP conceitual apresentam cobertura de vegetação natural (condizente com a legislação). 3942
7 4. Considerações finais O presente estudo explorou aspectos relativos à análise e o diagnóstico da condição quantitativa das áreas de naturais e semi-naturais e das APPs do município de Santa Cruz da Conceição (SP), como resultado das ações desenvolvimentistas no contexto da paisagem local no período entre A análise da variação temporal dos usos da terra mostrou que as mudanças significativas para os componentes naturais da paisagem ocorreram em período anterior a A partir deste ano as mudanças mais significativas estão associadas com a substituição das áreas de pastagem por áreas de uso agrícola e a implantação do cultivo da cana-de-açúcar na paisagem local, do que com a redução das áreas com vegetação natural e semi-natural. Essas mudanças expressivas nos usos da terra refletem a história e a velocidade do processo de desmatamento basicamente associado à política governamental com incentivo na expansão agrária, relatando condições similares às anteriormente apresentadas para o estado de São Paulo (Fiorio et al. 2000) e para outras regiões do país (Missio et al. 2004). Refletem a prática de uma política direcionada ao aumento da produção e fluidificação técnica do espaço agrário, sem o acompanhamento de estratégias conservacionistas na perspectiva da sustentabilidade ecológica. Nesses casos, os incentivos governamentais são elencados como um dos principais responsáveis por mudanças expressivas no uso da terra. A dinâmica de substituição do tipo de uso da terra relacionada com os dados de declividade e áreas naturais, torna evidente que estas mudanças acorreram em função da implantação da cana-de-açúcar em áreas planas e pela substituição das pastagens por vegetação natural e semi-natural em relação ao período de estudo. É importante ressaltar que cerca de 35% das áreas naturais e semi-naturais mapeadas em 2002, estão relacionadas à áreas com necessidade de controle da erosão, enquanto que 62,73% corresponde as áreas de preservação permanente previstas por lei. Mesmo para o ano de 1962 o cenário observado se apresentou bastante diferente, com mais de 50% das áreas naturais e semi-naturais assentadas em áreas aptas à agricultura, enquanto que 41,13% correspondia as áreas de preservação permanente. Apesar do aumento e maior atenção conferida às Áreas de Preservação Permanente a partir de 1965, ainda é preocupante a ocupação da terra em áreas próximas aos corpos de água, como demonstra o presente trabalho, uma vez que pouco mais de 50% das APPs conceituais não apresentam vegetação natural ou semi-natural condizente com a lei, mascarando a importância da conservação dos remanescentes florestais que não estejam incluídos nas APPs Referências Achard, F.; Eva, H.D.; Stibig, H.J.; Mayaux. P.; Gallego, J.; Richards, T.; Malingreau, J.P. Determination of deforestation rates of the world s humid tropical forests. Science, v. 297, p , Aronoff, S. Geografic Information Systems : A management perpective. WDL Publications. Ottawa, Canadá p. Crosta, A. P. Processamento Digital de Imagens de Sensoriamento Remoto. IG/UNICAMP p. De GROOT, R. S. Functions of Nature. Wolters-Noordhoff, Amsterdam p. Dobson, A P; Bradshaw, A D & Baker, A J M. Hopes for the future: Restoration Ecology and Conservation Biology. Science, v. 277, p , EMBRAPA. Sistema de Avaliação da Aptidão Agrícola das Terras. 3 ed. rev. Rio de Janeiro: EMBRAPA- CNPS, p. 3943
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