Alexei Bueno. Lira das Crianças

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Catarina Barreiro Brezinski
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1 Alexei Bueno Lira das Crianças

2 Copyright B4 editores 2012 Segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) Capa: Rodrigo Rojas Revisão: Luís Fernando Quaresma Ilustrações: Vera Basile Diagramação: Sandra Reis Oliveira CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B94L Bueno, Alexei, Lira das crianças / Alexei Bueno ed. - São Paulo : B4 Ed., p. : il. ; 23 cm. ISBN Poesia infantojuvenil brasileira. I. Título CDD: CDU: Serviço de Atendimento ao Consumidor SAC tel: Rua Vítor Ângelo Fortunato São Paulo Telefone: (11)

3 Introdução Para os gregos antigos, que sabiam das coisas e nos ensinaram quase tudo, Apolo era o deus da poesia, e também o Sol. Seguiam-no as nove musas, protetoras das grandes realizações do engenho e da arte, enquanto o luminoso deus recitava ao som da lira, instrumento de cordas que acompanhava a voz do poeta, ou do deus-poeta. A partir desse quadro, a lira se transformou em símbolo da poesia, às vezes da música, assim como de recolhas, de antologias de poemas. Na presente Lira das crianças, selecionamos poemas de alguns dos maiores mestres da língua portuguesa que podem ser lidos e apreciados por qualquer criança com sensibilidade para os versos, alguns deles escritos especialmente para os pequenos, outros não. O importante é que eles cobrem um vasto perídodo de nossa língua, cinco séculos, do anônimo cancioneiro do povo até alguns dos maiores poetas do século XVI, chegando ao XX. Se há algumas palavras menos conhecidas neste livro- na verdade não muitas -, não são elas barreira para o contato infantil com o encantatório dos versos, antes incentivo para a obtenção de um maior vocabulário, através dos dicionários em papel ou virtuais. O que é inegável é que o presente volume cumpre como poucos a missão de abrir as portas, para as crianças de língua portuguesa, do imenso tesouro expressivo, emocional e sapiencial que esse mais requintado dos gêneros literários reuniu, desde muitas gerações, dos dois lados do Atlântico. A. B. 3

5 A Nau Catrineta (cancioneiro popular) Lá vem a nau Catrineta Que tem muito que contar! Escutai-me bem atentos, Que esta história é de pasmar. Passava mais de ano e dia Que iam na volta do mar, Já não tinham que comer, Já não tinham que manjar. Deitaram sola de molho Para o outro dia jantar; Mas a sola era tão rija Que não puderam tragar. Deitam sortes à ventura Qual se havia de matar; Logo foi cair a sorte No capitão-general. Sobe, sobe, marujinho, Àquele mastro real, Vê se vês terras de Espanha, Areias de Portugal. Não vejo terras de Espanha, Nem praias de Portugal; 5

6 Vejo sete espadas nuas, Que estão para te matar. Acima, acima, gajeiro, Acima, ao tope real! Vê se vês terras de Espanha, Areias de Portugal. Alvíssaras, capitão, Meu capitão-general! Já vejo terras de Espanha, Areias de Portugal. E lá vejo três meninas Debaixo dum laranjal: Uma sentada a coser, Outra na roca a fiar, A mais formosa de todas Está no meio a chorar. Todas três são minhas filhas, Oh quem mas dera abraçar! A mais formosa de todas Contigo a hei de casar. A vossa filha não quero, Que vos custou a criar. Dar-te-ei tanto dinheiro Que não o possas contar. Não quero o vosso dinheiro Que vos custou a ganhar. Dou-te o meu cavalo branco, Que nunca houve outro igual. 6

7 Não quero o vosso cavalo Que vos custou a ensinar. Dar-te-ei a nau Catrineta, Para nela navegar. Não quero a nau Catrineta, Que não a sei governar. Que queres tu, meu gajeiro, Que alvíssaras te hei de dar? Capitão, quero a tua alma Para comigo a levar. Renego de ti, demônio, Que me estavas a tentar! A minha alma a Deus pertence, O corpo dou eu ao mar. Tomou-o um anjo nos braços, Não o deixou afogar. Deu um estouro o demônio, Acalmou-se o vento e o mar E à noite a nau Catrineta Estava em terra a varar. 7

8 Gil Vicente A adoração de Abel Adorai, montanhas, Adorai, verduras, O Deus das alturas! Adorai, desertos E serras floridas, O Deus dos secretos, O senhor das vidas! Ribeiras crescidas, Louvai nas alturas Deus das criaturas! Louvai, arvoredos De fruto pesado; Digam os penedos: Seja Deus louvado! E louve o meu gado, Por estas verduras, O Deus das alturas! 8

11 Luís de Camões Redondilhas (voltas a mote alheio) Menina formosa, Dizei de que vem Serdes rigorosa A quem vos quer bem. Não sei quem anela Vossa formosura, Que quem é tão dura Não pode ser bela. Vós sereis formosa, Mas a razão tem Que quem é irosa Não parece bem. A mostra é de bela, As obras são cruas. Pois qual destas duas Ficará na sela? Se ficar irosa, Não vos está bem; Fique antes formosa, Que mais força tem. 11

12 O Amor formoso Se pinta e se clama. Se é Amor, ama, Se ama, é piedoso. Diz agora a glosa Que este texto tem, Que quem é formosa Há de querer bem. Havei dó, menina, Dessa formosura; Que, se a terra é dura, Seca-se a bonina. Sede piedosa, Não veja ninguém Que por rigorosa Percais tanto bem. 12

15 Bocage O papagaio e a galinha Loquaz papagaio Secava a goela, Soltando mil gritos A uma janela. Olhou para a rua Por onde vagava Galinha de popa Que depinicava. Na língua das aves Co um ar superior Lhe deu estes chascos O vão palrador: Deveras, vizinha, Que podes campar Co a prenda galante De cacarejar! Deixando ironias, Sempre és coisa pouca, Não tens outro chiste Senão essa touca. 15

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