Cristina Pereyra AMANDO AO INIMIGO

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2 Cristina Pereyra AMANDO AO INIMIGO 2010

3 Copyright 2010 by Cristina Pereira de Azevedo. Todos os direitos reservados incluídos os de reprodução, total o parcial. Todos os personagens deste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas, vivas o mortas, terá sido mera coincidência. I.S.B.N.: Publisher: Lulu.com Capa: ÑÇ Título original: Amando al enemigo Tradução: Cristina Pereira de Azevedo

4 Há coisas que não podem ser esquecidas. MALVINAS,

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6 CAPÍ TU LO I ENQUANTO ESQUENTAVA a água para o chá, July se aproximou da janela. O céu tinha nuvens brancas, o que significava que pela manhã não haveria chuva. Isso era bom, precisava conferir as cercas. Os vizinhos não se importavam se suas ovelhas se misturavam às deles, na tosquia os animais eram separados honestamente e seus pastos eram suficientemente grandes para que não tivessem perdas se seus poucos animais comiam ali também. Mas para ela era mais conveniente ter seus animais nas suas terras, saber quantos tinha. Inspirou profundamente. Seu rebanho contava hoje com pouco mais de meia centena de animais. Pouco. Se continuava assim não conseguiria manter a propriedade que herdara de seu pai. Tinha que conseguir arranjar dinheiro de outra maneira até que o rebanho se recuperasse. Ainda que não sabia o que poderia fazer, estava certa de que descobriria logo. Era isso ou entregar as terras ao banco. Não havia escolha. Observou o campo que teimosamente pintava de verde aquela terra hostil. Terra hostil que havia expulsado sua mãe. Depois de dois anos vivendo ali, ela voltara à Inglaterra, deixando para trás o marido e a filha. Nunca mais voltou. July e seu pai ficaram e seguiram em frente com a fazenda de ovelhas. Apesar de ter nascido na Inglaterra, July não tinha nenhuma lembrança de lá, pois tinha somente um ano e meio quando seus pais tinham partido para o Atlântico Sul sonhando em fazer fortuna. O sonho se despedaçou e sua mãe não ficou para juntar os cacos. Como os ratos que abandonam o navio quando este começa a afundar, sua mãe partiu sem olhar para trás.

7 AMANDO AO INIMIGO 7 Nesses vinte anos July nunca teve vontade de procurá-la. Sempre havia agido como se ela estivesse morta. Tampouco sua mãe tinha lhe procurado, mandado um cartão de Natal ou aniversário. Mas agora, sozinha e em dificuldades, às vezes July se perguntava se não seria momento de exigir seus direitos de filha, de buscar uma nova vida. Fazia quase um ano que seu pai havia morrido. Era o único parente que ela conhecia. O único que vivia na ilha. É verdade que July tinha amigos ali, a maioria pessoas da mesma idade de seu pai o mais velhas, mas seus amigos. Pessoas que gostavam dela como se fosse uma filha, que lhe ajudavam em tudo, mas que futuro teria ali? Nenhum se não conseguisse dinheiro de alguma maneira para pagar o banco. Devia isso a seu pai. Talvez vendesse as terras e deixasse a ilha, mas não as perderia para o banco. Isso havia prometido a seu pai e cumpriria. Ou morreria tentando. A água cantando na chaleira a trouxe de volta à realidade das coisas práticas. Não podia desperdiçar seu tempo com devaneios, precisava trabalhar. Preparou o chá e torrou várias fatias de pão, algumas para comer agora, outras para levar ao campo. Tomaria um café da manhã reforçado pois queria ficar trabalhando no campo até a tarde. Enquanto passava doce em uma torrada olhou para o cão que estava sentado em frente da porta. Passaremos todo o dia no campo, Nick, o que acha? O enorme cão branco colocou a cabeça de lado como se estivesse analisando a questão, o que a fez rir. Nick tinha esse costume de inclinar a cabeça sempre que seu pai ou ela falavam com ele. Ganharam ele ainda filhote de Mark Donald, que tinha terras na ilha Leste e costumava via à Oeste para comprar lã. Mais que criador, Donald era comerciante. Talvez o mais importante das ilhas e com o qual seu pai havia negociado todos os anos. Nick era um pastor húngaro e havia sido muito útil com as ovelhas, além de ser uma companhia na sua vida agora tão solitária. July se levantou, guardou as torradas que sobraram em um saco plástico que em seguida colocou numa bolsa de lona, pegou a garrafa térmica com chá e também a pôs na bolsa. Nick se levantou ao ver que ela se aproximava da porta com a bolsa pendurada no ombro. Vamos disse July e segurou a porta para que o cão passasse =, que hoje temos um trabalho que te agradará mais que o do jardim de ervas ou da horta. Iremos ao campo.

8 8 Cristina Pereyra O cão pulava ao redor de sua dona que foi para o galpão. "Uma pintura faria milagres aqui", pensou July, "Assim como na casa". Mas tinta era um luxo que não podia se permitir nesse momento, mesmo que se fosse vender a propriedade, uma camada de tinta aumentaria o preço. Pegou uma manta e se aproximou do cavalo. Bom dia, Roy saudou ela acariciando-lhe o pescoço, hoje vamos ao campo. Está um dia agradável, mas não é um passeio, vamos para trabalhar. July pôs a manta nas costas de Roy e foi atrás dos arreios. Assim que terminou com Roy, pegou um martelo e pregos, os guardou na bolsa, montou no cavalo e saiu. Nick corria ao lado de Roy no campo. July gostava de cavalgar, mas agora percorrer suas terras não lhe trazia alegria. Tudo que via era desolação. Por um momento pensou que era assim que sua mãe deveria ter visto aquele lugar. Ela não ficara o bastante para ver o que o marido construiu ali, para conhecer os bons tempos da fazenda. Tudo que ela havia visto era o mesmo que July via agora: desolação. Veja, Nick! falou ela ao fazer Roy parar. Traga elas para cá e vou fechar o buraco da cerca. O cão correu até as ovelhas que estavam do outro lado da cerca e fez seu trabalho de pastor, trazendo-as para o lado de cá. July havia desmontado, prendeu Roy à cerca e tirou o martelo e os pregos da bolsa. Assim que as ovelhas passaram ela foi até o buraco para prender novamente a tábua que havia caído. Terminado o conserto, montou e seguiu percorrendo a cerca atrás de outros buracos. Encontrou mais cinco pequenos, que não permitiriam que uma ovelha adulta passasse, mas se não os arrumasse, só aumentariam. Além disso, em um mês haveriam cordeiros, e esses passariam ali. Enquanto arrumava a cerca, Nick correu para a praia procurando pinguins. Era uma das coisa que seu cão mais gostava: correr atrás dos pinguins. Ainda que pudesse correr muito mais rápido que eles, o que ele gostava era de assustá-los. Os perseguia bem de perto, mas nunca havia nem sequer mordido um. Para Nick era tão somente uma brincadeira. Em outros tempos, ela teria se divertido observando o cão na praia, mas agora no podia se permitir uma distração. E também nem tinha vontade de se distrair. Toda sua atenção estava em como poderia manter a fazenda. Quando Nick começou a latir agressivamente July ergueu os olhos e viu ele correndo na direção das rochas. Seu coração começou a bater descompassadamente. Nick costumava latir daquela maneira quando

9 AMANDO AO INIMIGO 9 algum desconhecido se aproximava. Não era assim que latia para os pinguins. Com certeza alguém se aproximava. Ela se recriminou por não ter trazido a arma de seu pai. Nick continuou se afastando até parar perto de uma moita. July o havia seguido com os olhos. O cão continuava latindo. Ela fixou o olhar na direção da moita e percebeu um vulto escuro meio escondido ali. Um pinguim? Talvez fosse, apesar de que à distância parecia ter o tamanho de uma pessoa. Nick parou de latir, aproximou-se ao vulto e o farejou. Então sentou, ergueu a cabeça para o céu e uivou. Exatamente da mesma maneira que fazia quando encontrava uma ovelha ferida. Fosse o que fosse, estava vivo. E ferido. Sem pensar nos riscos July correu na direção do cão. Estancou ao olhar o vulto caído na moita. Seu coração saltou e ela perdeu o fôlego. Um homem. Um soldado. Um argentino. July levou as mãos ao peito e começou a tremer. Nick voltou a farejar o homem. "Que devo fazer?", perguntava-se ela. Sabia que deveria chamar ao exército, pois encontrara um inimigo. Quantos mais havia? Quando chegou? Por sua aparência, estava na ilha há muito tempo. Talvez desde a guerra. Olhou o homem. O rosto pálido estava cheio de feridas, seu uniforme, em farrapos, mal se via a bandeira em uma das mangas. Tinha olheiras e estava muito magro, além de desmaiado. Daquela maneira não podia ser considerado inimigo de ninguém. O homem estava à beira da morte. E se deixasse-o ali? Como se estivesse lendo seus pensamentos, Nick a fitou com ferocidade. July deu de ombros, murmurando: Foi só uma ideia. O tremor diminuiu e ela continuava olhando o homem, sem fazer nenhum movimento. Se o socorresse poderia ser acusada de traição, se o deixava ali, sua consciência a acusaria. Tinha outra opção: chamar o exército. Mas, demorariam muito a chegar e ele já teria morrido. No final das contas, as opções eram salvá-lo ou deixá-lo morrer.

10 10 Cristina Pereyra Nick se aproximou e puxou-lhe a manga do casaco. July olhou com afeto para o cão. Sim, amigo. É um homem, e todos os homens têm direito à vida. Ainda que seja um argentino, tem o direito. Até mesmo os argentinos têm direito à vida. Saindo do estado de choque em que tinha ficado ao se dar conta do que seu cão tinha encontrado, July passou à ação. Buscou Roy e depois de muito esforço conseguiu alçar o homem a seu lombo. Apesar de ficar muito magro, o homem tinha cerca de um metro e noventa, o que dificultou o trabalho dela. Enquanto conduzia o cavalo até a casa, July tentava decidir quais seriam seus próximos passos. Por suposto que deveria começar limpando as feridas e tratando-as, em seguida dar-lhe comida, mas... e depois? Chamar ao exército e dizerlhes que tinha um argentino ferido em casa e o estava cuidando? Isso seria uma total falta de juízo. Naquele fim de mundo, poderia curá-lo sem que ninguém soubesse de sua presença, mas ele não poderia ficar para sempre incógnito em sua casa. Se curava-o em segredo, como se livraria dele depois? Olhou para o cão que caminhava a seu lado em silêncio. Você me criou um problema muito pior que o do banco, Nick. Se tivesse ficado ao meu lado enquanto eu arranjava os buracos, não o teríamos encontrado. "E ele morreria", acrescentou mentalmente. Essa ideia provocou-lhe um nó no estômago. Assim que se aproximaram-se a casa o homem abriu os olhos vidrados e murmurou palavras que ela não compreendeu. Não tinha recuperado a consciência, estava delirando por causa da febre. July conduziu Roy para a porta da cozinha e ali baixou o homem. Conseguiu fazer que ele desse alguns passos e assim não lhe foi muito difícil conduzi-lo até o banheiro que tinha junto à cozinha. Deixou-o deitado no chão, apoiado na banheira, e voltou à cozinha. O fogão já estava pronto para ser aceso, só precisava encher as panelas e esquentar a água. Terminou na cozinha e voltou ao banheiro. Nick tinha ficado junto ao homem e deitado sobre seu corpo, como se quisesse esquentá-lo. July franziu o cenho ao fitá-los. O que é, Nick? Nunca gostou dos estranhos. O cão olhou-a com indiferença e lambeu a mão do homem.

11 AMANDO AO INIMIGO 11 Tudo bem! Já entendi que simpatizou com ele. Cuide dele enquanto pego o que preciso. O cão ficou junto ao homem e July foi para o quarto que tinha pertencido a seu pai. Precisava roupa para o homem e toalha, além de suas ervas. Apanhou o que precisava para o limpar e o arrumar, deixou a cama pronta para deitá-lo e voltou ao banheiro. Volto logo disse ela deixando a toalha e a roupa ali. Voltou à cozinha, sentiu a temperatura da água. Quase pronta. Passou à despensa e pegou vários potes de preparados de ervas. Eram para as ovelhas, mas podiam ser aplicados em pessoas. Aquele homem tinha mais feridas que qualquer ovelha que tinha tratado na vida. Voltando à cozinha preparou um chá feito com uma mistura de ervas que baixariam a febre do homem e verificou a água do banho. Por causa da febre o banho devia ser morno, senão a pioraria. Enquanto enchia a banheira com a água, July pensou em seu pai. Havia tido um AVC três anos antes de sua morte e ficara com o corpo parcialmente paralisado por muito tempo. Depois havia se recuperado quase completamente. Mas os sintomas voltaram nos primeiros dias desse ano e, como o médico tinha lhes pedido, foram à capital. Não havia mais tempo, outro AVC tirou a vida de seu pai. Os olhos de July encheram-se de lágrimas por causa das lembranças de como tinha cuidado a seu pai. Tinha feito todo o possível para deixar sua vida mais agradável. Agora faria o mesmo por esse desconhecido. Sai, Nick disse ela aproximando-se do homem. O cão que conhecia o ritual dos banhos que ela dava em seu pai, se afastou imediatamente, sentando à porta do banheiro. Ele não gostava de água, mas sabia que depois ela precisaria dele. July olhou aquele homem que estava em estado deplorável. Envolvido em farrapos e cheirando pior que um gambá, tinha a barba e o cabelo muito crescidos e emaranhados. Decidiu que lhe cortaria a barba e se não conseguisse desembaraçar seu cabelo com o condicionador, também o cortaria. Tirou-lhe os farrapos do uniforme e ergueu-o para a banheira. Todo seu corpo estava coberto de feridas e pouco se via de músculos. O homem estava pele e ossos. Um sentimento de compaixão invadiu-a. Ele tinha sofrido muito. Certamente havia passado fome, sentido solidão e talvez medo.

12 12 Cristina Pereyra Ela lhe limpou as feridas e quando ele gemeu de dor, murmurou um pedido de desculpas. Assim que lavou o cabelo e o desembaraçou, July ficou encantada com sua cor negra e o suave que era. Alegrou-se por não precisar cortá-lo. Seria uma pena. Esvaziou a banheira, secou o homem e o colocou sobre uma manta. Nick aproximou-se e agarrou com os dentes as pontas da manta que July segurava. Ela se levantou e olhou para o cão. Leve-o ao quarto de papai, Nick. O cão olhou-a, em dúvida. Leve-o ao quarto de papai, Nick repetiu ela. Foi o bastante. Nick começou a puxar a manta, arrastando-a para o quarto de seu antigo dono. July caminhava ao lado da manta, assegurando-se de que o homem não caísse ao solo. No piso de madeira encerada a manta deslizava facilmente. Nick parou ao lado da cama. O homem voltou a abrir os olhos e agitar-se em meio aos delírios da febre. Isso ajudou a tarefa de July de deitá-lo na cama. Ele se ergueu quase sozinho, ela só lhe deu a direção aos movimentos. Ele ficou sem fôlego, comprovando que suas forças estavam no limite da vida. Ela fixou os olhos no rosto sem cor. Nunca tinha perdido a uma ovelha que ficasse ferida e sem forças, não o perderia. Buscou as ervas e o chá que lhe tinha preparado. Fez com que ele bebesse uma caneca do chá, o que foi fácil pois ele tinha sede. Então ela pôde dedicar-se às feridas. Cobriu cada uma delas com uma grossa camada do preparado de ervas e tampou com uma gaze. Por causa da quantidade de feridas que tinha no corpo, o homem ficou parecido com uma múmia. July molhou um lenço na água e pôs na testa dele. Precisava baixarlhe a febre. Olhou para Nick e sorriu-lhe. Será uma longa noite, Nick. O cão emitiu um som rouco e deitou-se a seus pés. Algum tempo depois, antes que escurecesse, ela deixou o homem sozinho com o cão. A febre tinha baixado um pouco e os delírios tinham passado, agora ele dormia tranquilamente. July preparou um cozido para ela e seu hóspede. Ele precisava recuperar suas forças, mas no estado em que estava não suportaria uma comida mais elaborada. Talvez não acordasse essa noite, mas mesmo adormecido poderia fazê-lo beber o caldo como havia feito com o chá.

13 AMANDO AO INIMIGO 13 Antes que a noite caísse, ela foi ao galinheiro recolher os ovos do dia e alimentar as galinhas. Havia esquecido delas, bem como a Roy. Procurou o cavalo no galpão e respirou aliviada ao vê-lo deitado em seu lugar de costume. Bom garoto disse ela. Estive muito ocupada com nosso novo amigo e esqueci de você. July encheu o cocho com feno e trouxe-lhe água. Ela sabia que ficaria presa em casa pelos cuidados com o estranho nos próximos dias e assim era melhor deixar tudo pronto para alguns dias. Voltou com os ovos para casa. O cozido estava quase pronto e ela foi ao banheiro no que tinha limpado ao homem. Olhou o uniforme atirado ao solo e seu coração começou a bater loucamente. Se alguém visse aquilo estaria com problemas. E dos grandes. Tocou o tecido áspero. Certamente aqueles farrapos teriam um significado especial para o homem, mas não podia guardá-los. O melhor que poderia fazer era queimar o uniforme para que ninguém encontrasse rastro dele. Bem, talvez pudesse guardar um pedaço dele... pensou em recortar a bandeira, mas seria perigoso. Decidiu por guardar um pedaço da manga. Ninguém poderia identificar que aquele retalho era de um uniforme argentino. Ao menos era o que ela esperava. Assim que o colocou no fogo do fogão sentiu uma pontada de culpa. Mas era o que devia fazer, e o fazia sem remorsos. Serviu-se do cozido e comeu-o a toda pressa. Começava a ficar nervosa com a presença do homem ali. Além disso, tinha ficado mais de uma hora longe dele e se sentia responsável por sua vida. Pôs a ração no cocho de Nick e encheu o bebedouro. Colocou em um copo grande só o caldo do cozido. Assim que estivesse morno tentaria fazer com que o homem o bebesse. Levando um lampião de azeite na mão, caminhou pela casa escura até o quarto que tinha pertencido a seu pai. Para poupar dinheiro não costumava acender o gerador, portanto não tinha energia para as lâmpadas elétricos. Da porta viu que o homem continuava dormindo, ainda que houvesse se agitado enquanto ela esteve longe, pois tinha se descoberto. Ela ajeitou a manta e olhou carinhosamente para Nick. Vá para a cozinha, já coloquei tua ração. O cão não se moveu e ela repetiu a ordem: Vá comer, Nick.

14 14 Cristina Pereyra O cão levantou-se, farejou o homem e olhou-a. Então obedeceu e foi à cozinha atrás de sua ração. July sentou-se na cama e acariciou o cabelo do homem. Olhou o rosto pálido. Suas pálpebras tremiam, talvez fosse um pesadelo. Provavelmente os tinha, havia sofrido muito. Tinha certeza que sim. Ela podia dizer isso apenas olhando para ele. O homem se agitou ainda mais. Ela seguiu lhe acariciando o cabelo e logo o homem se acalmou. Deveria ser por causa de seus sonhos, pois a febre já tinha baixado o bastante para não produzir essas agitações. Ele abriu os olhos e a fitou. Parecia seguir sem a consciência dos fatos, mas certamente fixou os olhos nela. Anjo... morte... murmurou o homem, voltando a fechar os olhos e suspirando. Não volveu ela. Não sou um anjo. Ainda está vivo, homem. Ele não voltou a abrir os olhos, mas tinha se acalmado e ela aproveitou para tentar fazê-lo beber o caldo. Mal o ofereceu e ele aceitou com gosto, ainda que parou de beber antes da metade do copo. Tinha sido um grande esforço falar e em seguida beber, suas forças tinham se acabado. July deixou o copo no criado-mudo e o ajudou a deitar-se confortavelmente. Agora ele tinha um sono sereno, até mesmo um sorriso se desenhou em seus lábios secos. Ela tomou fôlego, como dissera ao cão, a noite seria longa. Apanhou uma manta no baú e envolveu-se nela. Não o deixaria só enquanto não estivesse sem febre, e gostaria de estar a seu lado quando ele acordasse. Bem mais tarde nessa noite ele voltou a acordar, murmurou algumas palavras que ela não conseguiu compreender e caiu no sono outra vez. Ela o fez beber um pouco mais do caldo, ajeitou a manta e lhe acariciou o cabelo até que se acalmou.

15 C APÍ TULO II JULY CONSEGUIU cochilar algumas vezes, mas passou a Major parte da noite acordada, controlando a febre do homem e planejando como agiria nos próximos dias. Mal amanheceu e July foi à cozinha. Verificou o fogão para certificar-se de que a roupa dele tivesse sido totalmente queimada e acendeu o fogo. Pôs a chaleira com água ali e foi para o jardim de ervas buscar as que precisava hoje. Não tinha o costume de utilizá-las mas agora lhe seriam muito úteis. O céu cinza prometia a garoa tão comum na ilha. July olhou para o campo onde suas ovelhas pastavam espalhadas. Quase podia contá-las dali, seu rebanho só diminuíra nos últimos anos. Sua esperança era que pudesse conservar aquelas e manter vivos os cordeiros que logo iam nascer. Se não o fizesse, sua fazenda estaria arruinada. Voltou para casa e preparou um chá com as ervas que tinha apanhado. Fez umas torradas e as comeu puras enquanto esperava que o chá esfriasse um pouco. Pegou o copo com o chá e voltou ao quarto. O homem ainda estava dormindo aquele sono tranquilo que começara na metade da madrugada, suas feições tinham se suavizado e as olheiras estavam um pouco mais claras. July aproximou-se da cama, ajudou-o a levantar-se um pouco e deulhe o chá. Ele não despertou, mas bebeu com gosto, a febre o tinha deixado com muita sede. Ela se sentiu culpada. Sinto muito, homem disse ela com doçura enquanto o deitava no travesseiro outra vez, mas você não pode acordar enquanto eu estiver fora. Preciso que durma até que eu volte.

16 16 Cristina Pereyra O chá que tinha preparado era sonífero e o manteria adormecido até as doze, talvez mais. July precisava acertar algumas coisas e queria alguns conselhos, ia sair com Roy e deixar Nick com seu hóspede. Conhecia uma pessoa que podia ajudá-la a se decidir como agir nessa situação e ia procurá-la. Olhou para o cão com expressão séria. Cuide dele disse ela apontando para o homem. Nick imediatamente subiu à cama, deitando-se junto a ele e olhando para a porta como costumava fazer com o pai de July quando esse ficava doente. A cena trouxe lágrimas aos olhos dela, no entanto balançou a cabeça para livrar-se das lembranças e se concentrou no presente. Já tinha complicações o bastante sem as más lembranças. Colocou os arreios e a sela em Roy e seguiu para a fazenda de seus vizinhos. O jipe estava estacionado ao lado da casa, o que significava que Harry voltara para casa. Isso era mau, talvez estragasse seus planos de falar a sós com a avó dele. July ergueu o queixo, tinha vindo por uma coisa, não voltaria a casa sem o que buscava. Aproximando-se mais da casa ela viu que Harry a esperava na varanda. July sempre se perguntava se ele tinha algum interesse nela ou se era só pela fazenda, pois ele nunca tinha demonstrado nada até que seu pai começou a ter perdas na fazenda. Foi então que ela passou a ser uma garota interessante a seus olhos. Tinha certeza de que não era por ela e sim pela fazenda, e isso deixava July muito aborrecida, mas hoje lhe convinha não demonstrar isso. Harry ajudou-a a descer do cavalo e a beijou na bochecha. Olá, July. Como está? Estou bem, e você? Faz tempo que voltou? Cheguei anteontem em casa, antes fiquei duas semanas na capital negociando a lã. Como estão os preços? July perguntou com interesse real no tema. Venha até a cozinha e continuamos a conversa convidou Harry. Apenas tínhamos começado o café da manhã. Vovó ficará muito contente em vê-la. July aceitou o convite e seguiram pela varanda até a porta da cozinha na lateral da casa. Como tinha dito Harry, seus pais ficaram contentes com a visita de July. Ela apertou a mão do senhor Collings, beijou as bochechas da senhora Collings e abraçou a avó de Harry.

17 AMANDO AO INIMIGO 17 Deveria vir mais com frequência, July disse a senhora Collings, a solidão não faz bem às pessoas jovens. Sim acrescentou a avó, além disso, gostamos da sua companhia. July sorriu e explicou: Se eu pudesse, viria todos os dias, no entanto agora que estou sozinha para cuidar da fazenda as coisas estão mais difíceis. Logo teremos cordeiros e o trabalho aumentará. O senhor Collings balançou a cabeça. Verdade, mas não acha que seria melhor se deixasse seu rebanho com o nosso? Pouparia trabalho e já lhe disse que nós não nos importaríamos. Agradeço sua oferta, senhor Collings, mas quero fazer o que meu pai esperava de mim se desculpou July. Ele não gostaria que sua fazenda ficasse sem as ovelhas. Fred Collings deu um sorriso e guardou consigo mesmo a opinião de que era só uma questão de tempo para que a fazenda dos Steaday ficasse sem nenhum animal e nas mãos do banco. Já contou as novidades a July, Harry? perguntou o pai. Mal cruzamos algumas palavras na varanda. Perguntava do preço da lã, não? Harry falou com July. Teremos uma má temporada, têm baixado e não acho que melhorem antes da próxima estação. July franziu o cenho. Má notícia. Muito má. Essa estação não tinha sequer começado, isto significava que teriam um ano inteiro de preços baixos. Tudo o que não poderia lhe acontecer. Não tinha todo esse tempo com o banco. Não se preocupe com isso disse Harry pegando sua mão. Tudo se arranjará. Estou certa que sim, mas eu não tenho vim por notícias do preço da lã e sim por um bom momento de distração. Muito bem, garota! exclamou a avó. Falar de negócios no café da manhã é muito aborrecido. Seguiram falando do tempo, dos vizinhos e Harry contou-lhes alguns episódios de seus meses na Inglaterra. Com isso passaram um bom tempo até que os homens se retiraram com a desculpa do trabalho, deixando as mulheres sozinhas. A avó convidou July para dar uma olhada nas rosas que Harry lhe tinha presenteado. Legítimas rosas inglesas.

18 18 Cristina Pereyra Deixando a senhora Collings na cozinha, as duas seguiram para o jardim de inverno que era o orgulho da avó. Ali ela cultivava plantas da longínqua Inglaterra e algumas de outros lugares do mundo que ao longo da vida seus amigos lhe tinham presenteado. Aquele era um lugar sagrado na casa, ninguém entrava sem ter sido convidado pela avó. Quando a procuravam ali, a chamavam da porta. "Que bom!", pensou July, "Está sendo mais simples do que eu tinha imaginado ficar a sós com ela.. Logo poderei voltar a casa." Ter deixado o homem sozinho em casa preocupava-lhe, particularmente o medo de que ele acordasse fazia o seu coração encolher. Como se sentiria acordando em uma casa desconhecida? Como reagiria a isso? Precisaria dela por causa de sua fraqueza? A avó mostrou a July várias roseiras recém plantados e então virouse, olhando-a nos olhos. Que lhe preocupa, menina? July empalideceu um pouco e teve que tomar ar antes de responder. Já sabe, Vovó. A fazenda. A senhora sorriu-lhe. Você está há meses preocupada com a fazenda. Há algo novo. Importante. Tão importante que lhe tirou o sono à noite. Tenho medo de não conseguir ir em frente. Se perco a fazenda, não sei o que vou fazer. Procurar sua mãe. Seria o caminho mais simples July balançou a cabeça, mas não posso fazer isso. Ela nunca se importou como eu e papai seguíamos com nossa vida, não se importará agora. Aquela mulher deixou de ser minha mãe quando abandonou a mim e papai nessa ilha. Talvez esteja certa, mas não restam muitas opções, menina. Terá que procurar um parente ou um marido. Uma coisa ou outra. July encolheu os ombros. No entanto, ela ainda é minha. Ainda a posso salvar. Ficaram um momento em silêncio. A avó não tinha engolido as desculpas de July mas sabia que a garota tinha vindo por ela, não costumava fazer visitas sociais a seus vizinhos, menos ainda quando estava a ponto de perder o trabalho de toda a vida de seu pai. Se a tinha procurado quando tinha trabalho por fazer era por coisa importante. Mais

19 AMANDO AO INIMIGO 19 cedo ou mais tarde falaria. Enquanto isso continuou mostrando à jovem as novidades em seu jardim. July não conseguia encontrar uma maneira de começar o assunto do qual precisava falar, então fez a pergunta mais direta possível e que lhe pareceu a menos comprometedora: Vovó, acha que os argentinos voltarão? A senhora lançou um olhar sereno para July. Sempre disse que viriam. E vieram. Ninguém acreditava em mim, mas assim foi. São teimosos como nós. July não soube como interpretar a resposta. Voltarão? Estou certa de que sim. Cedo? A avó apertou os olhos. Aí estava o que tinha tirado o sono da garota e a tinha trazido a sua casa essa manhã. A ansiedade de July dizia tudo. O que está acontecendo? Por que se preocupar com isso agora? Deixe, foi só uma pergunta. A senhora deu uma gargalhada suave. Espera que eu acredite em você? Nem sequer quando eles lutavam no Leste você se interessou por notícias da guerra. Diga-me, assim poderei ajudar. July tomou ar e contou para a avó os fatos de ontem. Quer dizer que você encontrou um soldado argentino em suas terras e o recolheu em casa murmurou a avó, refletindo sobre o fato. Isso mesmo. Agora não sei o que fazer. Ninguém pode saber disso. Já sei, mas não poderei ocultá-lo para sempre... Não coloque a carreta na frente dos bois disse a Vovó com determinação. Agora precisa escondê-lo enquanto o deixa são. Isso é tudo. July assentiu e voltou à carga com a pergunta que lhe tirava o sono: Estão voltando? Ele responderá. Apesar de que eu acho que não, deve ser um perdido aqui desde o outono. Foi humilhante, não voltarão antes de muitos anos. Não acho que voltem neste século.

20 20 Cristina Pereyra July suspirou aliviada. Não ia ocultar um inimigo, mas um homem ferido. E mesmo que fosse um prisioneiro de guerra, teria esse direito. A avó tocou-lhe o ombro. Manterei Harry afastado da sua casa e qualquer novidade mando uma mensagem por rádio. Cuide que tenha bateria, certo? Farei isso. Logo voltaram à cozinha. A avó presenteou July com alguns litros de leite e a jovem recusou o convite para o almoço. July prendia a sacola com o leite à sela quando Harry se aproximou. "Com certeza me espiava do galpão", pensou ela. Pensei que almoçaria conosco. Preciso voltar para casa, há muito trabalho por fazer. É primavera, July, relaxe. Harry se aproximou um pouco mais e July ficou presa entre ele e o cavalo. Quero deixar tudo pronto antes que nasçam os cordeiros se desculpou ela. Precisa de ajuda? Não, obrigada, mas se precisar, chamarei. Não esqueça dos amigos sussurrou Harry. Claro que não volveu ela muito séria. Harry fez uma careta e olhou o cavalo. O que aconteceu com Roy? Fede como um gambá. July virou-se, escondendo o rosto antes que ele percebesse suas emoções. Precisava de uma resposta rápida, assim Harry não daria nenhuma importância ao fato. É a manta. Acho que me confundi e peguei a suja explicou ela enquanto montava no cavalo. Cruzes! É melhor jogá-la no lixo, ninguém conseguirá tirar esse cheiro. Está caçando gambás? Se precisa de carne, eu dou. O cozido ficará mais gostoso com meu gado que com seus gambás. July sorriu contente com a brincadeira de Harry, ele não tinha dado importância ao fato. Me lembrarei disso antes de caçar mais gambás. Até logo, Harry. Até, July.

21 AMANDO AO INIMIGO 21 Ela esporeou o cavalo para se afastar dele. Harry costumava ser insistente quando queria algo, e nesse momento queria se aproximar dela. Enquanto cavalgava a cabeça de July dava voltas em seu problema, mas agora já estava mais tranquila: tinha uma aliada. Podia contar com a avó para arranjar tudo o que fosse necessário para o homem. Tudo o que precisava era manter Harry longe de sua casa. Além da colaboração da avó, umas visitas regulares à fazenda dos Collings seriam o bastante. Assim que seu hóspede se recuperasse um pouco, poderia fazê-las com tranquilidade. July se apressou em tirar a sela e os arreios de Roy. Jogou a manta num canto e correu para casa. Entrou e voltou a fechar a porta com a chave. De agora em diante teria que as manter fechadas sempre, ainda que não fosse o costume de ninguém ali. Foi para o quarto e, da porta, olhou o homem. Seguia dormindo na mesma posição que o tinha deixado. Nick deixou seu posto de guardião e aproximou-se a sua dona, lambendo-lhe a mão. Olá, Nick. Fez um bom trabalho disse ela acariciando o focinho do cão. O cão pôs as patas nos ombros dela e July o abraçou com força. Nestes últimos meses Nick tinha sido sua única companhia. Ainda que fosse um cão, havia sido o bastante. Ela lhe tirou as patas do ombro e lhe disse: Vá para cozinha. Em seguida eu vou. Nick voltou à cama, farejou o homem e saiu do quarto. Ela se aproximou da cama, afastou uma mecha de cabelo que tinha caído no rosto do homem e pôs a mão em sua testa. Morna. A febre não voltara, isso era um bom sinal de recuperação. Seu coração encolheu ao fitá-lo indefeso em seu sono e lembrar-se que era um homem treinado para matar. Certamente tinha deixado sua pátria sonhando que voltaria como herói, e agora ficava preso a uma cama, com sua vida dependendo da vontade de uma inimiga. July fechou os olhos. Não eram inimigos. Nem sequer se conheciam, como poderiam sê-lo? Tinham nascido em países diferentes, só isso. Tomou fôlego. Ia cuidá-lo. Tinha decidido isso ainda no campo. Seus caminhos se cruzaram pela mão de Deus. O Senhor a convidara ao perdão e ela aceitou o convite. Apesar daquele homem ser um soldado que tinha invadido seu país seria cuidado como se fosse um de seus vizinhos que a

22 22 Cristina Pereyra precisasse. Não era ele o culpado da guerra, de que homens de ambos os países tinham caído mortos no solo das Ilhas e no mar. Ele seguiria vivo. Esse tinha sido o pedido de Deus ao colocá-lo em suas terras. Ajeitou a manta sobre ele, lhe deu um sorriso e saiu. Nick estava sentado diante da porta quando July voltou à cozinha. Ela abriu a porta e ele saiu. Assobiando suavemente uma das canções que seu pai mais gostava, ela acendeu o fogão e pôs a panela do cozido no fogo. Buscou na despensa se tinha alguma garrafa de vinho. Restavam três. Seu pai sempre gostara de vinho, nunca o tinha visto bêbado mas com frequência o via bebendo um copo de vinho e olhando para o mar. Talvez pensando na mãe dela. July balançou a cabeça para clarear as ideias. Não era tempo para lembranças, senão de seguir adiante. Levou uma garrafa à cozinha. Pôs a chaleira no fogão. Prepararia chá e o deixaria na garrafa térmica para beber enquanto cuidava do homem. Separou o leite em duas porções: uma para beber e talvez preparar algum doce e outra para fazer queijo. O cozido estava quente. Separou o caldo para levar a seu doente. Serviu um prato e sentou à mesa. Sozinha. Sorriu com a ideia de que logo ele teria forças para comer na mesa e ela não faria mais as refeições sozinha. Tinha saudades de seu pai nessas pequenas coisas do cotidiano. Tinham sido só os dois e isso os tinha tornado muito unidos. Deixou o prato na pia, chamou Nick da porta e assim que ele entrou a fechou com a chave. Apanhou o copo de caldo e foi com o cão para o quarto. Fez com que o homem bebesse tudo. Levou o copo à cozinha e preparou o chá. Apanhou a térmica com o chá, bolachas, um livro e voltou ao quarto. Nick estava dormindo ao lado da cama. Colocou a velha cadeira de balanço de seu pai perto da cama e sentou.

23 C APÍ TULO II I ERAM QUASE três horas quando ele começou a se agitar. July deixou o livro no chão e ficou observando ao homem. Sua agitação não era a de um pesadelo ou da febre, mas a de quem está acordando. Respirou fundo. Temia aquele momento, quando teria que enfrentar a realidade. Se o homem ficasse inconsciente seria bem mais fácil para ela cuidar dele, mas não seria saudável... então que acordasse. Em algum momento isso teria que ocorrer. Que fosse agora. Mais alguns minutos e ele abriu os olhos, piscando algumas vezes antes de fixar o olhar nela. Um anjo disse ele em voz muito baixa e quando esboçou um movimento para se levantar perdeu o fôlego. Não sou um anjo, estamos na terra, homem. Ele fez uma careta de dor e precisou esperar um momento até que sua respiração voltasse ao normal e pudesse falar. Voltei para casa? Não. Ainda está na ilha. Olhavam-se nos olhos, mas July não tinha coragem para se aproximar e ficar ao alcance de suas mãos. Mas isso era uma estupidez, pois o homem não tinha forças sequer para afastar o cabelo do rosto. Malvinas? Gran Malvina? Na ilha Oeste respondeu ela com cautela. Ele parecia ansioso, quase desesperado. Sim, Gran Malvina. Sigo aqui.

24 24 Cristina Pereyra Ele fechou os olhos. Suas pálpebras pareciam feitas de chumbo, bem como seus braços e pernas. Seguia vivo e na ilha. Ninguém o tinha resgatado. Que foi feito de seu colega? Em um último ato de desespero tinham se separado. Não suportavam mais a fome e o frio. Não tinham mais esperanças. Deixaram a gruta e seguiram rumos opostos. Ainda que falar tirava-lhe o fôlego, precisava de respostas. Quem é você? Vivo aqui. Encontrei você em minha fazenda e esta é minha casa. Sabe quem sou? ele seguia falando com os olhos fechados. Estava com seu uniforme quando lhe encontrei. Ele abriu os olhos e a fitou. E ainda assim trouxe-me para sua casa, por que? Por que o deixaria morrer no campo? volveu ela. Ele voltou a fechar os olhos. Deus! Como lhe faltavam as forças! Há uma guerra, não sabe? O coração dela se encolheu. Ele não sabia que tudo tinha acabado há alguns meses. Isto significava que havia chegado naquela época, como ela tinha imaginado. A guerra acabou em junho disse ela com suavidade. Ele franziu o cenho. Era o que eles pensavam, que tinha acabado e que a tinham perdido. Por isso ninguém os resgatou. Nem levou-lhes provisões. Ficaram esquecidos naquele cabo. Quem ganhou? perguntou ele, ainda que já soubesse a resposta. Inglaterra. Ele ficou um momento em silêncio, avaliando as notícias, e em seguida perguntou: Que mês é? Outubro. Ele tomou fôlego. Havia se passado mais tempo do que eles tinham pensado. Não podia acreditar que ficaram tantos meses escondidos naquelas rochas. E para nada. Foram deixados ali com uma missão. Uma missão que nunca puderam cumprir. July pôs-se de pé e disse-lhe: Vou buscar um copo de leite para você, volto logo.

25 AMANDO AO INIMIGO 25 Ele assentiu com um pequeno movimento da cabeça. Enquanto ela foi à cozinha ele tentou refletir sobre o que ouvira, mas já não tinha mais forças nem sequer para pensar. Respirava com dificuldade. July voltou com o copo de leite e ajudou-o a beber. Sou July, como você se chama? ela perguntou enquanto o ajudava a se deitar confortavelmente. Pablo. Pois bem, Pablo, durma outra vez. Precisa de descanso. Ele já não tinha forças para respondê-la mas esboçou um sorriso de gratidão. Mal ele adormeceu ela se dedicou a trocar os curativos das feridas, aplicando mais dos preparados de ervas. Em seguida foi à cozinha e preparou outro cozido, se ele acordasse poderia tentar que o comesse, senão lhe daria o caldo para beber como havia feito ontem. Depois voltou ao quarto e continuou lendo. Já no fim da tarde July deixou o livro de lado e fitou o homem. Pablo seguia dormindo um sono tranquilo. Ela se pôs de pé e caminhou até a porta, chamou Nick com um sinal e foram para a cozinha. July abriu a porta para o cão que logo saiu para o campo. Deixando a porta aberta por causa do cheiro da fumaça do fogão, ela se ocupou em verificar os armários e a despensa. Agora precisaria mais comida, mas se não tivesse cuidado nos pedidos alguém poderia suspeitar das quantidades. Feito o inventário dos víveres, July saiu para recolher os ovos e alimentar as galinhas. Encheu o bebedouro de Roy, deu uma olhada nas caixas de abelhas e então voltou à cozinha, levando água para preparar um banho para si mesma. O cozido estava pronto e ela o deixou no balcão. Alimentou o fogo e pôs a água do banho para esquentar. Foi para o quarto e da porta olhou Pablo, que ainda dormia. Notou que seu rosto já tinha um pouco de cor. Sorriu e ficou ali um momento, observando-o. Voltando para a cozinha, July parou à porta observando como Nick conduzia as ovelhas ao lago para que bebessem. Enquanto o rebanho fosse pequeno ela e o cão poderiam cuidá-lo sozinhos. Mas com um rebanho pequeno não conseguiria manter a fazenda. Suspirou. Deveria levar a sério o conselho da Vovó e não pôr a carreta na frente dos bois em nenhum fato de sua vida. Viver um dia da cada vez. Fechou a porta. Depois chamaria Nick, agora prepararia o banho. Pablo percebeu que a consciência lhe voltava mais clara dessa vez. Acordava com mais facilidade, sem aquele peso nas pálpebras e a

26 26 Cristina Pereyra dificuldade em ordenar os pensamentos. Manteve os olhos fechados enquanto organizava suas lembranças. Percebeu o cheiro da fumaça misturada ao de comida. Uma comida que cheirava muito bem. Sentia os lençóis macios em seu o corpo e o cheiro de flores do travesseiro. Lembrou-se do anjo de olhos verdes que lhe salvara a vida. July... Apenas disse seu nome em voz muito baixa e ela se aproximou. Pôde sentir seu calor e o perfume de violetas. Sorriu e devagar abriu os olhos. Que bom! Está acordado. A voz dela tinha tal matiz de alívio que o fez se perguntar em que ela teria pensado que lhe preocupasse. Sim, não deveria acordar? Pensei que poderia ser a febre outra vez explicou July. Tive febre? Tinha quando o encontrei, e me deu muito trabalho baixá-la. O bom é que não voltou. Não escapou a Pablo a preocupação na face dela. Há motivo para que a febre volte? Uma de tuas feridas está infeccionada ela apertou os lábios e ainda me preocupa. Foram interrompidos por Nick que ergueu a cabeça até a cama e começou a farejar a mão de Pablo. Que é isso? perguntou Pablo arregalando os olhos e olhando o cão. July riu. É Nick, meu cão. Ele que o encontrou nas moitas perto do pasto e percebendo que você estava ferido, me chamou. Nick havia se levantado e Pablo observou-o. Tem certeza de que é um cão e não um boi? Ela riu. Um pastor húngaro, não é um cão comum nem mesmo entre os criadores de ovelhas Um cão pastor... Quem mais vive aqui? ainda que temesse a resposta que ela pudesse dar e seus desdobramentos, precisava saber sua situação.

27 AMANDO AO INIMIGO 27 Roy, que é meu cavalo, as galinhas, ovelhas, abelhas, pinguins... Ele não pôde conter o riso ao escutá-la. Você não é uma pessoa solitária caçoou Pablo. Claro que não. Vive sozinha? perguntou ele com seriedade. Sim. Vivia com meu pai, mas ele morreu em janeiro. Sinto muito. Ela se encolheu de ombros. Não queria pensar em seu pai agora. Com certeza o velho Steaday não aprovaria o que ela fazia pelo argentino. Seu pai seria inflexível em olhá-lo como inimigo. Está com fome? Fiz um cozido, talvez o queira. Sim. Antes que ele pudesse fazer um movimento para se erguer na cama, July já estava na porta. Se ainda estiver quente vou trazê-lo, senão esquentarei um pouco. Enquanto ela ia à cozinha ele tentou sentar-se na cama, mas seus membros não lhe obedeciam e o esforço lhe tirou o fôlego. Quando July voltou o encontrou suando e sem fôlego. Não precisa se cansar disse ela deixando o prato no criado-mudo. Posso ajudá-lo. Ele fechou os olhos e apertou os punhos de frustração. Não podia se conformar que ficara assim. Deixou que ela o sustentasse e apoiasse suas costas nos travesseiros. Obrigado. Não se lamente nem fique com vergonha, isso pode acontecer com qualquer um. Em um dia temos saúde, no outro já não a temos mais ela pegou o prato do criado-mudo. Cuidei de meu pai quando ele ficou debilitado depois de um AVC, posso cuidar de você também. Pablo ergueu a mão mas July o ignorou e começou a dar-lhe a comida na boca. Ele corou mas teria que concordar com ela: não tinha forças nem sequer para sustentar a colher, portanto não conseguiria se alimentar sozinho. Logo ficou muito cansado, já não podia manter os olhos abertos. Ela o ajudou a se deitar outra vez e ele dormiu. July voltou à cozinha. Limpá-la lhe acalmaria os nervos. O olhar desconsolado de Pablo havia atingido sua alma. Nesse momento era um

28 28 Cristina Pereyra homem que tinha perdido tudo: a saúde, a guerra e a pátria. E tudo que ela poderia ajudá-lo a recuperar era a saúde. Talvez a Vovó arranjasse uma maneira do ajudá-lo a voltar para a Argentina. Obviamente o que ele haveria de querer. Além disso, não poderia ficar ali. Algum dia o descobririam e em seguida sua identidade seria revelada. Limpar a cozinha não foi o bastante para lhe acalmar os nervos e July preparou um chá. Umas ervas calmantes poderiam fazer milagres quando combinadas. A Vovó tinha lhe ensinado muito sobre as ervas e depois Harry havia trazido uns livros da Inglaterra que lhe ensinaram ainda mais. Podia curar muitas doenças e feridas só com as ervas. Depois de beber o chá, July voltou ao quarto e sentou na cadeira de balanço. Apagou o lampião de azeite, mas deixou uma vela acendida. Há muito tempo que Pablo se acostumara a dormir poucas horas. Acordou menos de duas horas depois que July tinha voltado ao quarto. Abriu os olhos e viu que ela estava ali, adormecida na cadeira de balanço. Seu coração se encolheu. Aquela mulher que deveria odiá-lo velava seu sonho. Pablo ficou um longo momento observando-a. Assim, à luz da vela e dormindo, parecia mais jovem e ele se perguntou quantos anos teria. Uns vinte, calculou. Muito jovem para viver sozinha. Sentiu vontade de afastar as mechas de seu cabelo loiro que lhe caíam sobre a face e assim olhar seu rosto de anjo. Deu um sorriso amargo. Não podia nem sequer afastar o cabelo da própria cara e se punha a almejar tocá-la. Desviou o olhar para o cão deitado no chão aos pés de sua dona. Nick dormia. Pablo voltou a olhar o rosto de July. As feições tensas e os lábios apertados revelavam que ela tinha preocupações e que as levava muito a sério. Seria ele uma dessas preocupações? Essa ideia o fez sentir-se incômodo. E envaidecido. Disse a si mesmo que o melhor seria voltar a dormir. Fechou os olhos. A imagem dela seguia ali, gravada em suas pálpebras e em seu coração. Duas horas mais tarde ele voltou a acordar e dessa vez, quando abriu os olhos, encontrou o olhar de July. Ansioso. Ele ergueu as sobrancelhas e antes que pudesse lhe perguntar o motivo de sua preocupação ela lhe disse: Você estava muito agitado durante o sono July aproximou-se e pôs a mão em sua testa. Não está com febre disse com alívio. Estou bem. Foi um pesadelo.

29 AMANDO AO INIMIGO 29 Sim? Verdade. Não tinha sido um pesadelo, mas um sonho que não poderia lhe contar. E encontrar seu olhar ao acordar não lhe acalmara os nervos. Seguia com a mesma agitação. O cão ergueu a cabeça e olhou-o como se adivinhasse seus sonhos e lhe fizesse uma advertência. Está com sede... ou fome? ela perguntou com gentileza. Pablo inspirou profundamente antes de respondê-la. Gostaria de um copo de água. Ela lhe sorriu e pegou um copo cheio de água no criado-mudo. July passou-lhe um braço pelos ombros alçando-lhe o corpo e aproximou o copo de seus lábios. Pablo tremeu ao sentir seus dedos na pele. Sorveu um pouco da água que ela lhe oferecia e percebeu que tinha muita sede. Bebeu tudo. Quer mais? Não, obrigado disse ele desviando o olhar do rosto dela. July deixou sua cabeça no travesseiro e ajeitou a manta. Pablo buscou com o olhar o que lhe tinha chamado a atenção. Sim. Era o que parecia. Voltou a fitá-la e perguntou: Teu rádio funciona? Sim. Sempre o tenho pronto para usar. Chamou o exército? Não. Pablo franziu o cenho, mas antes que pudesse falar ela acrescentou: Nem vou chamá-los. Por quê? Você é assunto meu, não deles. Tem que fazê-lo, July. Tenho que fazer o que manda minha consciência. Olharam-se um instante como se estivessem duelando, então ele fechou os olhos. Não tinha forças para enfrentá-la. Como Pablo não conseguiu ocultar seu aborrecimento, ela tentou lhe explicar porque tinha decidido isso. Olha, Pablo, quando o encontrei lá no campo você estava à beira da morte. Talvez tivesse só umas poucas horas de vida se ninguém lhe

30 30 Cristina Pereyra socorresse. Se voltasse até em casa para chamar o exército não o encontrariam com vida. Desde o momento em que o trouxe até minha casa, estou ocultando um inimigo. Não posso mais chamá-los. Se tivesse feito isso naquele momento, você teria morrido. Não tinha escolha. Todo o que poderia fazer é o que fiz. Ele estremeceu com o desespero da voz dela. July, cedo ou tarde encontrarão meu rastro. E chegarão até você ele abriu os olhos e a fitou com doçura. Chame-os agora e diga que me encontrou essa noite. Ainda pode se salvar se fizer isso. Ela balançou a cabeça. Já é tarde. Qualquer um pode perceber que você recebeu cuidados, ademais, queimei seu uniforme ela pegou um pedaço de tecido na gaveta do criado-mudo e lhe mostrou. Pensei que talvez quisesse ter uma lembrança. Pablo sentiu que seus olhos se enchiam de lágrimas. Você é maluca sussurrou ele tocando o tecido. A Vovó concorda comigo e nos ajudará. Tudo sairá bem, confie em nós. Tenho escolha? Ela deu uma gargalhada. Nesse momento, não disse enquanto voltava a guardar o tecido na gaveta. Ele fechou os olhos. July... Ela o fitou. Pablo ficou em silêncio. Ela seguia olhando para ele e esperando. Estava segura de que ele queria lhe dizer algo muito importante. Tinha um companheiro comigo. E? Chegamos ao fim do que podíamos suportar e decidimos nos separar. Já tínhamos percebido que não havia mais uma guerra. Que nos esqueceram aqui. Seguimos direções opostas. Se alguém o pegar, saberá de mim. Talvez ele não diga nada sobre você.

31 AMANDO AO INIMIGO 31 Dirá. Pedirá que me procurem, por querer me ajudar. Ele não pode saber que você salvou minha vida. Mesmo assim não significa que possam encontrá-lo aqui. Ele pode dizer onde nos separamos, então seguirão meu rastro... e chegarão a você. Não vou entregar-lhe ao exército. Nem deixar que você o faça ela acrescentou ao perceber o brilho da mirada dele. Se desconfio que está pensando em fazê-lo, prepararei um chá que o fará dormir mais de um ano. Leve isso a sério. Não será necessário nenhum movimento nosso, eles chegarão aqui. Talvez cheguem, mas não o descobrirão. Você tem porão? Eles revistarão. Tenho um esconderijo muito melhor. Dou-lhe o chá e o coloco ali. Prefiro café. Não está acreditando no poder de meu chá... Mostrarei. Você é muito teimosa. Tanto quanto você. Ele riu. O cansaço já lhe vencia e logo ele adormeceu. July deu um sorriso triste. Que ele tivesse adormecido lhe convinha, se continuava acordado tentaria convencê-la a entregá-lo ao exército, mas lhe incomodava ver como lhe faltavam as forças. Era um homem alto e tinha os ombros largos, certamente sempre tinha sido bom nos esportes. Era de dar pena vê-lo sem forças nem sequer para falar por meia hora. July se recostou na cadeira de balanço, jogando a cabeça para atrás. As coisas eram mais complicadas do que tinha imaginado. Não havia motivo para que ninguém o procurasse enquanto não soubessem dele, mas se seu companheiro fosse encontrado por alguém que chamasse ao exército, mesmo que nada dissesse, procurariam outros. Sem dúvida que sim. Pablo disse que seguiram direções opostas, como ela achava que ele tinha vindo do Leste, seu colega seguira para o Oeste. Depois de sua fazenda ficava a dos Collings, e seguindo pela praia era possível chegar a Port Stephens. Se capturassem o homem e ele desse a informação de que seu colega seguira para o Leste, chegariam até sua casa. Certamente Pablo deixasse alguma pegada em seu caminho. July franziu o cenho, lembrando-se de como o socorrera no campo. As moitas pisoteadas por

32 32 Cristina Pereyra ela, Nick e Roy poderiam ser atribuídas às ovelhas. Como só o erguera ao lombo do cavalo, não havia nada que garantisse sua presença ali. Inquieta com todas essas ideias, percebeu que não dormiria nem um instante sequer se não arranjasse o esconderijo que tinha imaginado como perfeito. Levantou-se de um salto e seguiu para a biblioteca. Da porta planejou como arranjaria os móveis para dar espaço à peça de madeira que precisava. Em seguida arrastou os móveis, mudou os tapetes e alguns objetos de lugar, dispôs sobre a escrivaninha todas as fotos de seu pai que tinha em porta-retratos e acendeu algumas velas. Vasculhou a casa recolhendo todos os candelabros que tinha e pôs as velas acendidas em todos eles. Pela manhã buscaria o que faltava no galpão e no jardim. Voltou ao quarto e mal se acomodou na cadeira de balanço, dormiu.

33 C APÍ TULO I V QUANDO PABLO acordou já era manhã. Surpreendeu-se por ter dormido várias horas seguidas e perguntou-se se July lhe teria dado o dito chá. Olhou para a cadeira de balanço e viu-a vazia. Sim, já percebera da ausência dela. Era capaz de sentir sua presença perto dele. Assim que ele abrira os olhos o cão tinha se levantado e aproximado da cama. Pablo estendeu a mão para ele e lhe sorriu. Bom dia, Nick. O cão lambeu sua mão e em seguida saiu do quarto. Em um piscar de olhos voltou com July em seus calcanhares. Ela lhe saudou com um amplo sorriso. Bom dia, Pablo. Bom dia. Nick disse-lhe que eu tinha acordado? Sim respondeu ela e então riu. Sabe como são os cães, nos dizem coisas sem falar. Sei, sempre tivemos cães em casa. São boa companhia. Ela sentiu o coração se encolher ao ouvi-lo falar de sua casa. Quem o esperaria na Argentina? Namorada? Noiva? Esposa e filhos? Ou depois de tanto tempo ninguém mais o esperava? Já o davam como morto? " Não ponha a carreta na frente dos bois", soou a voz da Vovó em sua mente. "Sim", disse para si mesma, "sempre os bois na frente da carreta." Trouxe leite e bolachas ela disse se aproximando mais à cama. Acho que foi o cheiro das bolachas que me acordou disse ele sorrindo. Cheirariam mais se as tivesse queimado.

34 34 Cristina Pereyra July pôs vários travesseiros empilhados e o ajudou a erguer-se sobre eles. Como ontem à noite lhe deu a comida na boca. Em seguida vou mudar os curativos de tuas feridas e aplicar as ervas disse ela enquanto o alimentava. Já não doem, obrigado. Você é uma feiticeira com as ervas. Ela sorriu, envaidecida. Isso é conhecimento, e aqui precisamos das ervas. Para as pessoas e os animais. Você é britânica, não? Nasci na Inglaterra, mas vim para a Ilha antes dos dois anos. Não me sinto inglesa. Esse é meu lar. Por que fala espanhol? Como aprendeu? Ela deu uma gargalhada e, enquanto baixava a coberta até a cintura dele, lhe explicou: É coisa da Vovó July começou a tirar os curativos e examinar as feridas. Ela nos ensinou o espanhol dizendo que em um dia o precisaríamos. Sempre disse que vocês um dia viriam às Ilhas. E por isso precisávamos aprender espanhol, para falar com vocês. Pablo ficou sério. Muito sério para o gosto de July. Que foi? ela perguntou. O que acha das feridas? Ela não gostou da mudança de assunto, mas não fez questão de insistir no tema anterior e o respondeu: Estão sarando como eu esperava. Ainda que seja superficial. Só estarão completamente curadas quando recuperar totalmente suas forças. O que estou fazendo é estimular a cicatrização da pele para evitar infecções. Quando ela começou a afastar a coberta de suas pernas, Pablo a chamou: July. Sim. Eh... você não tem alguma roupa que eu possa vestir? Há roupa de meu pai, mas assim fica mais fácil de tratar as feridas ela explicou. July, é... é que... ele engoliu em seco. Preciso... me tampar.

35 AMANDO AO INIMIGO 35 Ela corou ao compreender seu pedido. Ah... sim... claro... July foi para a cômoda e abriu uma gaveta. Enquanto ele era um homem ferido e desmaiado o tinha olhado nu sem que isso fosse diferente de olhá-lo coberto pela manta ou se estivesse vestido. Agora ele tinha um nome, tinham conversado sobre muitas coisas, estava acordado e a fitando enquanto lhe trocava os curativos. Não poderia olhar para ele sem incomodar-se. Apanhou uma cueca de seu pai e quando começou a colocá-la em Pablo, ele protestou: Posso me ajeitar sozinho. Claro murmurou ela e se afastou da cama, aproximando-se da janela. July percebeu como ele perdeu o fôlego com o esforço, no entanto seguiu à janela, lhe dando as costas. Foram necessários alguns minutos para que ele conseguisse se pôr a peça. Já estou decente, July. Ela se virou e voltou a ocupar-se das feridas. Arrumei seu esconderijo, se vierem atrás de você, ficarás a salvo. Sabe o que penso. Sei. Bem como você o sabe de mim. O vencedor sempre é o mais forte, e nesse momento sou eu. Ele riu. Não insistiu no tema porque a viu franzir o cenho ao tirar um curativo em sua coxa direita. É essa a que lhe preocupa? Sim. Está infeccionada, mas não está piorando. Se à tarde continua assim, terei que tratar de outra maneira. Em seguida ela lhe pediu que se virasse para cuidar das feridas nas costas. Ainda se ocupava delas quando o rádio deu sinal de vida. Seu coração deu um salto e ela empalideceu. Ele não se perturbou e quando July o fitou aos olhos se surpreendeu com a frieza deles. Pela primeira vez tinha o soldado diante de si. Ela se levantou, inspirou e seguiu para o aparelho. Diga! Bom dia, July!

36 36 Cristina Pereyra A voz de Harry invadiu o quarto e ela se irritou com sua alegria. Bom dia. Harry percebeu a irritação dela. Acordei-lhe? Óbvio que não, tenho uma fazenda para salvar. Está nervosa, July? Harry perguntou com sincera preocupação. Desculpe, Harry. É por causa das dívidas. Quando o rádio chama, fico nervosa pelo medo de que seja o banco. Preciso mais tempo. É só isso? Sim, Harry. Você sabe que a ideia de perder minha fazenda me tira do prumo. Compreendo. Se fosse comigo aconteceria o mesmo. Por que me chamou? Preciso lhe dar um aviso. July sentiu que os joelhos tremiam e começou a suar frio. Há homens do exército revistando as fazendas disse Harry com tranquilidade. Por causa de que? perguntou July enquanto um calafrio percorrialhe a espinha. Encontraram um soldado argentino cerca de Port Stephens e procuram outros. Deus! Ela não precisava fingir que tinha ficado aterrorizada. Óbvio que ficara. No entanto, o motivo de seu medo era muito diferente daquele que ia demonstrar. Argentinos aqui! Outra guerra? É isso, Harry? Não, acalme-se. O que encontraram é um que ficou perdido desde o outono e que está mais morto que vivo. Nem sequer sabem se há outros, só querem revistar as cercanias para que ninguém possa dizer que não deram a devida atenção ao fato. Tem certeza de que não há outros, Harry? A voz estrangulada de July preocupou seu amigo. Você está com medo, July? Quer que eu fique com você até que revistem tudo?

37 AMANDO AO INIMIGO 37 "Sim, tenho medo", pensou ela, "mas você não pode nem imaginar de que". Não é preciso, Harry, só me diga que não há outros. Isso é o bastante para me acalmar. Lógico que não há outros, como poderiam ter sobrevivido ao inverno? Esse que encontraram é vítima de um milagre. Somente isso. Isso mesmo. Ninguém poderia ter sobrevivido ao inverno repetiu ela. Não há outros. Você se vira sozinha? Não precisa de mim? Não, Harry. Obrigada. Chamará se precisar, não? Claro, Harry. Até logo. Cuide-se, July. Até. July desligou o rádio com a mão trêmula. Rodeou o corpo com os braços, abraçando-se. Virou o rosto para Pablo. Ele seguia com as feições duras e o olhar frio. Não seria preciso falar inglês para saber que me procuram. Isso mesmo. Ela seguia tremendo. Nick aproximou-se a sua dona e esfregou o focinho na bochecha dela. Pablo continuava observando-a. July tomou fôlego e falou. Encontraram seu companheiro com vida perto de Port Stephens, agora o exército procura você. Estão revistando as casas? Harry disse as fazendas em geral. Imaginar os soldados invadindo o quarto e levando Pablo à força deu a July o ânimo que precisava para agir. Levantou-se e olhou-o nos olhos. Você é um soldado, não? Sargento esclareceu Pablo. Dá no mesmo ela se encolheu de ombros, é valente, não terá medo do esconderijo. Ele ergueu as sobrancelhas, mas ela o ignorou e saiu do quarto com o cão. Pablo fechou os olhos. Ainda que esgotado não podia deixar que ela conduzisse suas escolhas. Tinha sido treinado para não ser covarde, deveria se entregar aos soldados britânicos. July não aceitaria. Para ela a

38 38 Cristina Pereyra vida era mais importante que o orgulho. Suspirou. Ela estava demasiado envolvida para que o exército a ignorasse depois de levá-lo. Se fosse encontrado a colocaria em perigo. Estava encurralado entre dois deveres: o de proteger os civis e o de honrar sua pátria. July verificou a biblioteca de seu pai. As velas seguiam acesas e o cheiro das ervas era o bastante forte para que Nick se negasse a entrar. Olhou para o esconderijo, Pablo o aceitaria? Voltou ao quarto. Ele estava com os olhos fechados. Aproximou-se e pegou sua mão. Vamos, eles podem chegar a qualquer momento. Se você se apoiar em mim poderá caminhar um pouco. O esconderijo está perto. Não é o correto. Nesse momento, é. Pablo abriu os olhos e fitou-a. Farei por você. Se me flagram em sua casa... Ela balançou a cabeça. Sim. Ficaríamos os dois em maus lençóis Ela o ajudou a ficar em pé e, apoiado nela, Pablo a acompanhou até a biblioteca. Chegou ofegando pelo esforço de caminhar e o que viu lhe tirou o fôlego por completo. Um caixão? Meu pai comprou-o porque tinha medo de morrer aqui. Desejava ser enterrado com dignidade. Pablo piscou. Que tipo de homem compra seu próprio caixão? Que tipo de filha o guarda na biblioteca? Ninguém terá coragem para abri-lo e se tiverem cães, o cheiro das ervas os confundirá. Pablo seguia com os olhos fixos no caixão e July olhou-o divertida. Está com medo de deitar-se ali? É uma loucura murmurou ele. É a única saída que temos. Você vai piorar as coisas tentando me esconder. Isso se o descobrissem, mas não vão encontrá-lo. Pablo balançou a cabeça. Não acredito que o vou fazer isso. Ela riu.

39 AMANDO AO INIMIGO 39 Também não acredito. Com a ajuda de July, Pablo deitou-se no caixão. Ele a fitou nos olhos. Jamais a esquecerei, July. Ela engoliu em seco. Ninguém tinha olhado pra ela daquela maneira. Deu uns passos para trás. Vou arrumar o quarto disse ela com a voz estrangulada. Não vai fechá-lo? Só quando eles chegarem. July virou-se e deixou Pablo sozinho. Ele fechou os olhos. Não acreditava no que estava fazendo. Esconder-se em um caixão... não podia imaginar uma vergonha maior. Enquanto se escondiam na gruta, viver ou morrer dava no mesmo. Agora não. July havia lhe dado algo que pensava ter perdido para sempre: esperança. Voltara a ter vontade de viver. July arrumou o quarto de seu pai, verificando tudo com muito cuidado para que ninguém percebesse que alguém o tinha ocupado recentemente. Foi a seu próprio quarto e o arrumou. Guardou os preparados de ervas em seu lugar e a despensa, deixou a porta da cozinha aberta como era o costume e pôs no fogo do fogão as gazes dos curativos de Pablo que tinha trocado essa manhã. Tudo arranjado na cozinha, ela se perguntou como poderia se ocupar de maneira coerente sem afastar-se da casa. Decidiu-se por limpar os vidros das janelas, assim poderia vigiar o campo. Ainda limpava a primeira janela quando avistou uma nuvem de pó. Tomou fôlego e seguiu para a biblioteca. Nossas visitas estão chegando disse ela aproximando-se do caixão. Tem certeza de que é isso o que quer? Sim. Com um sorriso July fechou o caixão. Sobre ela pôs uma toalha de crochê, fotografias, as velas e vasos com ervas. Voltou à sala fechando a porta atrás de si. Continuou limpando os vidros até que os veículos estacionaram diante da casa. Eram dois jipes e um caminhão. Nick veio do campo e sentou-se diante da porta, latindo. Os homens de um dos jipes baixaram. July abriu a porta e ficou parada atrás de Nick. Bom dia, Senhorita Steaday.

40 40 Cristina Pereyra Bom dia, Major Foxsprint. Meu vizinho, Harry Collings, disse-me que procuram argentinos. É verdade? O Major sentiu pena ao olhar para aquela jovem, encolhida atrás do cão, com o medo estampado no rosto. Gostaria de dizer-lhe que não, mas é verdade. Procuramos um soldado argentino que teria vindo em direção a Cape Meredith. Encontramos pegadas dele perto daqui. Meu Deus! ela levou uma mão ao peito e com a outra tocou a porta. Nunca as tranco. De agora em diante é melhor que tranque. Claro ela tomou fôlego. Um argentino perto daqui. Que perigo! Não posso acreditar nisso... Podemos conversar, Senhorita Steaday? Sim ela deu alguns passos para trás, por favor me acompanhe. Mal o Major se moveu, Nick voltou a latir. O homem parou e olhou July. Vá para o quarto, Nick! ela ordenou ao cão, que não se moveu. Vá para o quarto de papai! o cão fitou-a. Vá, Nick! July ordenou olhando severamente para o cão. De má vontade Nick entrou na casa. É um cão pastor? Sim. Sempre que um estranho se aproxima ele dá o alerta, ainda que não costume ser agressivo, é útil. Claro. Percebeu algum comportamento diferente em seu cão nos últimos dias? perguntou o Major entrando na sala acompanhado de dois de seus homens. Não. Anteontem estive conferindo as cercas no Sul e arrumando os buracos. Nick reuniu as ovelhas extraviadas e em seguida desceu até a praia. Gosta muito de brincar com os pinguins, se diverte assustando-os. Isso é habitual nele. Ontem ficamos perto da casa, não percebi nada diferente em seu comportamento. Ela sentou no sofá e indicou as poltronas aos homens. O Major respirou fundo e olhou July nos olhos. Senhorita Steaday, viemos desde Port Stephens seguindo pegadas. E elas nos trouxeram até sua fazenda. Ela arregalou os olhos.

41 AMANDO AO INIMIGO 41 Isto quer dizer que há um argentino em minha fazenda? Talvez disse o Major com cautela. As pegadas dele acabam na praia de sua fazenda. Meu Deus! ela empalideceu e começou a tremer. Não posso acreditar... Um homem perigoso em minha fazenda... Senhorita Steaday, nós gostaríamos de revistar sua fazenda. Oh! Vocês fariam isso por mim? Enquanto não estiver segura de que ele não está aqui, ficarei com medo. Estamos autorizados a revistar sua fazenda? Sim. O Major e seus homens se levantaram. Vou dar a ordem a meus homens. Quer acompanhá-los? Não July levou a mão ao peito. Se o encontram e estou perto, acho que morreria. Com licença. Os três homens saíram. July tomou fôlego. Seu coração batia descompassadamente. Revistariam a casa? Seu plano salvaria a vida de Pablo? O Major e seus soldados seguiram para o galpão e o galinheiro. Ela suspirou aliviada e foi para a cozinha preparar um chá. Uma hora depois o Major parou na porta. Senhorita Steaday, revistamos tudo. E então? Não encontramos nenhum sinal dele. Pessoalmente não acho que ele tenha se aproximado de sua casa. Assim espero disse July piscando como se estivesse à beira das lágrimas. Poderíamos dar uma olhada na casa? Céus! ela começou a tremer. Acham que ele pode ter entrado em minha casa? Claro que não, Senhorita. É somente para o relatório. Oh! Por favor, façam tudo o que for necessário disse ela com um gesto que os convidava a começar a revista. O melhor é que nos mostre sua casa sugeriu o Major enquanto outros quatro homens, com fuzis na mão, entravam na cozinha.

42 42 Cristina Pereyra O banheiro e a despensa disse ela assinalando as duas portas fechadas. Os soldados dividiram-se em duplas e revistaram os cômodos indicados por ela. Em seguida passaram à sala de jantar sem que os soldados fizessem nenhum movimento de se deter ali, e à sala. O Major fixou-se na porta fechada, mas July conduziu-os para o corredor. O lavabo e meu quarto ela indicou as portas à direita e esse é o antigo quarto de meu pai. Meu cão está aí, vou chamá-lo antes que vocês entrem. Ela abriu a porta da esquerda e ordenou ao cão que fosse para a cozinha. Nick saiu para o corredor, olhou os soldados e latiu. Então virouse e cumpriu a ordem de sua dona. O Major riu. Seu cão tem personalidade, Senhorita. É um bom ovelheiro, por isso não gosta dos estranhos. Depois dos soldados revisarem a suíte de seu pai ela lhes mostrou o quarto de hóspedes que nunca havia sido ocupado, seu antigo quarto de brinquedos e o quarto onde se ocupava de tecer a lã. Uma manta inacabada no tear chamou a atenção do Major. Bonito tecido, Senhorita Steaday. Obrigada. Voltaram para a sala e ela precisou de todo sua coragem para que a voz não lhe falhasse. July aproximou-se à porta fechada e disse: Ainda falta revistar a tumba. A tumba? repetiu o Major certo de que não escutara direito. Sim disse ela abrindo a porta. Foi a biblioteca de meu pai e agora é aqui que lhe rendo homenagem o forte cheiro das velas e as ervas provocou náuseas nos soldados. Ele foi enterrado em Port Stanley e não posso ir até o cemitério mais que no Dia dos Mortos. De modo que arranjei esse lugar para fazer minhas orações por sua alma. Os homens ficaram paralisados com a cena. O caixão coberto por uma toalha muito branca, como se fosse uma mesa, as velas, fotografias e vasos com ervas, era uma visão impactante. O Major comoveu-se com a dor e a solidão dela. Meu pai comprou esse caixão se por acaso morresse aqui. Guardo-o para Nick explicou July. Já está velho para um cão e não suportarei atear fogo em seu corpo como se faz com as ovelhas. Penso em colocá-lo

43 AMANDO AO INIMIGO 43 nesse caixão. Enquanto tenho-o comigo, o caixão simboliza o corpo de meu pai. O Major revistou a habitação com o olhar. Não era preciso incomodála com uma revista de seus homens. Já terminamos anunciou ele a seus homens. Obrigado, Senhorita. Sua fazenda está em segurança, não há ninguém aqui. Muito obrigada, Major voltaram à sala. Mas havia dito... que encontrou pegadas dele na praia... em minha fazenda. Sim, Senhorita Steaday. Como ele não veio para a casa, e as pegadas acabam ali, acho que subiu às rochas e se lançou ao mar. Com certeza estava tão desesperado quanto seu companheiro que chegou a Port Stephens. Estão aqui desde o outono, já enlouqueceram. Até logo, Senhorita. Até logo, Major. Se eu perceber algum movimento diferente, posso chamar o exército? Claro, Senhorita. A segurança da ilha depende de todos nós. O Major inclinou a cabeça em sinal de despedida e subiu ao jipe que ficava mais cerca da casa. Em seguida os três veículos partiram. Ela esperou eles se afastarem umas duas milhas e então correu para a biblioteca. Rapidamente tirou as coisas de cima do caixão e abriu. Pablo sorria-lhe, piscando. Ela apoiou as mãos em seu peito e respirou aliviada. O inferno não me quis, ainda estou aqui aqui disse ele. Maldito seja! Não fale assim, isso é sério. Outra vez salvou-me a vida, July. Você é o que pensei assim que a vi: um anjo. Se os anjos fossem como eu, não existiria o céu. Quer voltar para a cama? Lógico. A próxima vez que eu me deitar em um caixão, não voltarei a me pôr de pé. Eles podem voltar, e esse é nosso único esconderijo. Com a ajuda dela, Pablo voltou ao quarto e se deitou na cama. Logo fechou os olhos e adormeceu. July sentou na cadeira de balanço, observando-o. Tinham superado a primeira prova. É verdade que teriam outras, mas nessa, que seria a mais difícil, tinham levado vantagem.

44 CAPÍ TU LO V JULY PÔS OS dois pratos na mesa e sorriu. Fazia muito tempo que naquela mesa só tinha um prato, quase havia se acostumado à solidão de sua vida sem seu pai. Isso tinha sido antes de conhecer Pablo. Fazia apenas uma semana, mas parecia toda uma vida. Talvez fosse pelo medo e a vitória que tinham compartilhado quando os soldados tinham vindo revistar a casa, ou pelo fato de ter salvado sua vida. Fosse o que fosse, a verdade era que nesses sete dias ele passou a ser a razão da vida dela. Escutou a porta do banheiro ser aberta e se virou para olhá-lo. Seu coração deu um salto. Pablo havia se barbeado como lhe dissera que faria. Ela tomou fôlego. Não tinha imaginado o bonito que ele era. O homem mais bonito que tinha visto em toda sua via. Ao se dar conta da surpresa de July, ele sorriu e tocou a própria face. A barba muda a aparência de um homem, não? disse Pablo se sentindo incômodo com o olhar surpreso dela. Com certeza. Fica melhor sem ela. Concordo, como lhe disse, nunca a tinha deixado crescer. E já percebi que não gosto. Ele caminhou devagar para uma cadeira. July observou-o sorrindo. Era incrível que uma semana antes estivesse à beira da morte. Hoje tinha uma aparência saudável, ainda que se pudesse perceber que estava muito magro. Nick aproximou-se dele e Pablo lhe acariciou antes de erguer os para ela. Você está bem, July?

45 AMANDO AO INIMIGO 45 Estou muito contente em ver como você está se recuperando. É difícil acreditar que lhe encontrei quase morto. Mas assim foi, e se estou bem a responsabilidade é toda sua. Dedicou-se a salvar-me a vida. Já o fez, agora é melhor que cuide de si mesma. O cansaço está estampado em seu rosto. Ela suspirou observando como Nick se deitava no chão aos pés de Pablo. Não é por você, mas pelas dívidas da fazenda disse ela enquanto servia a comida nos pratos. Quanto tempo tem para pagar? Já as deveria ter pago em julho ela sorriu com amargura. O que todos acreditamos é que o banco não as cobrou por causa da guerra, mas ninguém tem uma resposta exata. Podem vir a cobrar em qualquer dia. A fazenda é muito importante para você, não? Foi o sonho de meu pai. Ele deixou seu lar para construir um novo aqui. Não posso perder a fazenda. Devo isso a ele. Vai conseguir, July. Já lhe disse: você é muito teimosa. Ela riu. Se isso é o bastante para salvar minha fazenda, conseguirei. July baixou os olhos para o prato. A intensidade do olhar dele sempre a fazia se sentir incômoda. E agora que podia ver o desenho de seus lábios carnudos sorrindo, piorara. Comeram sem falar e sem olhar aos olhos. Às vezes ela tinha a impressão de que ele também ficava incômodo perto dela. Amanhã ou depois de amanhã vou à casa de Vovó disse ela enquanto recolhia os pratos e os colocava na pia. Quero levar-lhe notícias suas. Além disso, com o rádio desligado, há o risco de que Harry venha à fazenda se fico muitos dias longe. Outra vez Pablo sentiu-se incômodo ao ouvir o nome de Harry, mas não se deteve em analisar o porque. Não acha que é melhor não envolver ninguém mais nesse problema? Não estará colocando a Vovó em risco? Precisamos dela, Pablo. A Vovó me disse no primeiro dia que pode lhe ajudar a sair da ilha. Nem sequer imagino como, mas ela pode fazê-lo. July serviu o pudim que tinha feito durante a tarde e voltou a sentar à mesa. Pablo desviou o olhar de seu rosto. O sorriso de confiança de July

46 46 Cristina Pereyra incomodava-lhe. Ele não tinha essa mesma confiança de que havia uma maneira de fugir dali. Às vezes ficava imaginando que teria que passar toda sua vida escondido naquela fazenda. Com July. E isso não lhe parecia tão mau como deveria. Assim que comeram o pudim ela se pôs em pé. Vá para o quarto, Pablo. Vou limpar aqui e em seguida tratarei suas feridas. Ainda é necessário? Claro ela riu, lembre-se que passou só uma semana. Ainda que você tenha se recuperado por duas, foi uma. Ele suspirou e fez o que ela lhe ordenara. Tirou-se a roupa e se enfiou na cama. Era isso que lhe incomodava: o fato de que ela lhe tocaria e olharia seu corpo. Tinha feridas em todo o corpo e elas saravam mais devagar do que gostaria. Em seguida ela veio, acompanhada pelo cão Pablo notou que pela primeira vez em todos esses dias July evitava olhá-lo nos olhos. Teria se arrependido de ter-lhe salvo a vida? Ficava preocupada com os riscos que isso implicava? Ele não tinha a resposta, mas estava seguro de que algo tinha mudado entre eles essa noite. Que bom! disse ela tocando a beirada de uma ferida na coxa direita. Enfim está sarando. Ainda te dói? Não. Dói sim. É feio mentir, não o faça. Essa era a ferida que tinha infeccionado. Na tarde do dia em que os soldados tinham vindo ela teve que fazer uma intervenção dolorosa para curá-la e tudo que pôde fazer por ele foi lhe oferecer um lenço para que o mordesse enquanto ela limpava a infecção. Apesar da dor ele se manteve impassível, surpreendendo-a. Não achava que alguém pudesse suportar isso sem perturbar-se. Mas assim foi e ela teve outra visão do homem duro que ele podia ser se o precisasse. Não gostava dessa faceta de Pablo. Gostava do homem divertido e sorridente que ele costumava ser. Você fala como minha mãe Pablo sorriu daquela maneira que ela tanto gostava e July corou. Não fique aborrecida, considere como um elogio. As mães sempre estão certas. Nem sempre. Ele notou que o verde dos olhos dela escurecera e um traço de dor mudou suas feições. July falava muito de seu pai, tinha fotografias dele

47 AMANDO AO INIMIGO 47 sozinho e com ela desde muito pequena, mas em nenhuma havia uma mulher. Pablo percebera que ela nunca falara de sua mãe e imaginou que a mulher havia morrido quando July ainda era um bebê. Agora percebia que não. Que é feito de sua mãe? ele perguntou com a voz carinhosa. Não sei. Foi-se daqui dois anos após ter chegado e nunca mais soubemos dela. Voltou para a Inglaterra e seguiu adiante com sua vida sem nós ela tomou fôlego e o olhou com severidade. Não preciso que sinta pena de mim, meu pai e eu levamos muito bem as coisas sem ela. July tinha-se afastado um pouco e Pablo se virou, ficando deitado de bruços. Ela voltou a se aproximar para tratar as feridas de suas costas. Não tem outros parentes, July? Tenho amigos, e isso é o bastante. Pablo compreendeu que aquele assunto era muito delicado, mas não pôde deixar de sentir pena da solidão dela. E raiva do pai de July. O homem não agira bem afastando-a da família. Certamente teriam parentes na Inglaterra e mesmo estando tão longe, poderiam ter se comunicado em todos esses anos em que viveu ali. Ele tinha morrido e sua filha estava sozinha com uma fazenda cheia de dívidas e sem ninguém para a apoiar. Pablo fechou os punhos. Belo pai aquele homem tinha sido! Terminei declarou July. Boa noite. Ela saiu antes mesmo que ele pudesse lhe responder. Boa noite, meu anjo sussurrou Pablo olhando para a porta. Nick lambeu a mão de Pablo e em seguida tomou o mesmo rumo de sua dona. Ele se virou e ficou olhando o teto. Não tinha dúvida de que a relação deles tinha mudado essa noite, e o fato de falar da mãe dela só piorara as coisas. Suspirou. Essa noite o sono demorou a vir e quando veio os pesadelos foram seu tormento. O céu exibia os primeiros raios da alvorada e July o observava da janela da cozinha. Tinha sido rude com Pablo ontem à noite, e ele não merecia. Estava arrependida. Pablo quisera ser gentil, tinha falado de maneira carinhosa porque percebera como aquilo lhe doía. Ele não podia saber que as coisas tinham sido daquela maneira. Além disso, tinha se mostrado preocupado com seu futuro. Coisa que só a Vovó havia feito.

48 48 Cristina Pereyra Avivou o fogo para preparar o café da manhã. Era um novo dia e, como dizia seu pai, cada dia trazia a possibilidade de fazer tudo melhor do que já se tinha feito. Estava coando o chá de camomila quando escutou os passos no corredor. Tomou fôlego e ergueu os olhos para a porta. Pablo entrou sorrindo. Bom dia, July. Bom dia ela mordeu o lábio e piscou. Desculpe-me por ontem à noite, Fui rude sem que você o merecesse. Ele a interrompeu com um gesto. Não precisa fazer isso, compreendo que há coisas das quais não gosta de falar Pablo se sentou à mesa. Além disso, ainda somos estranhos. Não vi Nick essa manhã, onde está? Já saiu para o campo. July pegou as canecas no armário e as colocou na mesa, cortou o pão, serviu o chá e sentou-se em frente dele. Teve uma péssima noite, não? Pesadelos disse Pablo. Ela percebeu que não tinha sido só isso, mas não perguntou nada. Talvez porque não quisesse ouvir a resposta. Comeram sem trocar mais palavras. Mal terminaram ela pôs tudo na pia e lhe disse: Vou recolher os ovos e em seguida sairei com Roy e Nick para buscar ovelhas extraviadas. Voltarei só pela tarde, aproveite minha ausência para descansar. Você precisa. Você também, July. Ele a olhava com aqueles olhos negros cheios de calor que a faziam se perguntar se esse era o mesmo homem que tinha sido treinado para matar. Não conseguia acreditar nisso, ainda que o soubesse. Não conseguia imaginar que alguém que tinha um olhar tão apaixonado fosse um assassino. Sim, tinha aprendido com seu pai: soldados são assassinos que têm uma justificativa legal para o que fazem. Têm ordens para matar. Ela tremeu. Se ainda estivessem em guerra, teria ele ordens para matá-la? O faria? Pablo percebeu que ela empalideceu e começar a tremer. Levantou-se e a segurou pelo braço. O que foi? a preocupação fez sua voz sair mais alta que o normal. July balançou a cabeça.

49 AMANDO AO INIMIGO 49 Nada ela se apoiou com a mão livre na mesa. É que não gosto de lembrar que você é um soldado. Um homem do exército da Argentina. Não importa de onde... Mas eu sou, July. Nenhum de nós dois pode mudar isso. É o que sou e você sabia quando me trouxe para sua casa. Sim ela inspirou profundamente. Já estou bem. Ele compreendeu que devia se afastar. Soltou seu braço e deu uns passos para trás. July voltou a tomar fôlego e em seguida saiu da cozinha fechando a porta com a chave. Pablo precisou de alguns minutos para acalmar-se depois de ter ficado tão perto dela, inalando seu perfume de violetas. Essas flores sempre o fariam lembrar-se do anjo que salvara sua vida. Um sorriso amargo desenhou-se em seus lábios. Teria um futuro no qual pudesse se lembrar dela? Que tipo de futuro seria esse? A recordaria na prisão ou sob o céu de sua pátria? July caminhou rapidamente para o galinheiro, precisava se afastar da casa... de Pablo. As batidas de seu coração seguiam aceleradas enquanto ela examinava os ninhos para recolher os ovos. Como só um olhar dele podia fazer seus joelhos tremerem? Os mesmos olhos capazes do olhar mais frio que ela tinha visto eram também os que lhe fitavam com todo aquele calor que lhe chegava até a alma. Gostava dele e o temia ao mesmo tempo. Confiava em Pablo, por mais absurdo que isso pudesse ser, confiava em um soldado da Argentina e tinha medo dos da Inglaterra. Suspirou. Com certeza estava ficando louca. Deveria ser por causa da solidão em que vivia depois da morte de seu pai. Pablo se deitou no sofá da sala. Ainda que exausto, já estava aborrecido de passar os dias no quarto. Não fazia muito que July saíra de casa quando ele ouviu o motor de um carro se aproximando. Só um. Aproximou-se à janela e espiou: era um jipe civil. Quando o carro estacionou pôde ver que tinha somente um ocupante. Um homem. Sem dúvida que aquele era Harry. Harry estranhou as janelas fechadas. July costumava deixá-las abertas de par em par quando fazia um dia ensolarado como hoje. Preocupou-se. Desceu do carro e aproximou-se da porta da cozinha. Franziu o cenho quando tentou a abrir e percebeu de que estava fechada com a chave. Ninguém o fazia ali se não fosse viajar por muitos dias. July ele chamou enquanto batia na porta, sou eu, Harry.

50 50 Cristina Pereyra Não obteve resposta e começou a ficar muito preocupado. Chamou outra vez. Nem sequer Nick lhe respondeu. Bateu na porta com força e em seguida os latidos de Nick lhe chegaram, vindos do campo. Virou-se e viu que July vinha a seu encontro. Percebeu que ela havia estado no galinheiro pela cesta de ovos que trazia nas mãos e também percebeu que ela estava muito assustada Olá, Harry. Olá, July. Parece estar muito assustada. Claro, faz menos de uma semana que os homens do Major Foxsprint vieram aqui procurando um argentino. Como quer que não me assuste ao ouvir Nick latindo para um estranho? Não sou um estranho volveu Harry, rindo. Para Nick é. O cão aproximara-se de sua dona e estava parado a seu lado. Não precisa se preocupar, July, o Major revistou tudo e não encontrou o homem, isto significa que ele não existe. Se havia outro, já morreu. July tinha o coração descompassado. Mesmo que Pablo houvesse se escondido, haviam sinais de sua presença por toda a casa. Se Harry entrasse, perceberia que ela não estava sozinha. Sei disso, mas o medo não é uma coisa racional. Claro. Fiquei assustado ao encontrar a porta fechada. Ninguém faz isso por aqui. Foi um conselho do Major. Mesmo depois de revistar a fazenda? surpreendeu-se Harry. Sim. Por que veio? Chamei ontem pelo rádio e não houve resposta. Como tínhamos combinado que você manteria o rádio ligado nas quintas-feiras, fiquei preocupado. July suspirou. Havia esquecido. Ocupada em cuidar de Pablo, não percebeu que era dia de ligar o rádio. Sinto muito, Harry ela sorriu. Estava certa de que hoje era o dia de ligá-lo. Isto quer dizer que hoje é sexta-feira, não? Achava que era quinta-feira. Harry deu uma gargalhada.

51 AMANDO AO INIMIGO 51 Agora tenho certeza de que está trabalhando demais. Precisa de um dia de folga. Assim que pague as dívidas, o terei. Por que não vem passar o domingo conosco? Lembre-se que é o dia do Senhor. Acho que já tenho um lugar garantido no inferno disse ela pensando em Pablo, não preciso mais ter cuidado. Harry inclinou a cabeça e olhou para ela muito sério: Está muito amarga, July, e é jovem demais para isso. Ela encolheu os ombros. Quando tudo se arranjar, isso passará. Harry estendeu as mãos para ela e disse: Dê-me os ovos, se tentar abrir a porta com a cesta na mão talvez derrube tudo no chão. July entregou-lhe a cesta com os ovos, pegou a chave no bolso do casaco e abriu a porta. Nick foi o primeiro a entrar e desapareceu no interior da casa. Certamente tinha ido atrás de Pablo. July entrou e Harry seguiu-a. Ela apontou a mesa para que ele deixasse a cesta ali. Enquanto ela pegava as canecas no armário e a garrafa térmica com o chá de camomila, ele sentou à mesa. Donald vem na segunda-feira. Por isso te chamei ontem. Ele quer falar com você. Ela estremeceu. Ele sabe algo do banco? Acho que não. Donald não costuma se envolver nessas coisas, já tem o bastante com seu negócio. Falaram por meia hora das ovelhas, da tosquia e de seus negócios com Mark Donald enquanto bebiam o chá e comiam bolachas. Tem certeza de que não quer passar no domingo conosco? perguntou Harry pondo-se de pé. Obrigada, Harry. Mas se vou sair na segunda-feira, é melhor que faça do domingo um dia de trabalho. Venho buscá-la segunda-feira às dez. Não é preciso.

52 52 Cristina Pereyra Um dia de descanso fará bem a Roy, você o utiliza no trabalho, não? Sim. Está bem, espero por você às dez. July acompanhou-o até o jipe e entrou na casa somente quando ele já ficava longe. Fechou a porta com a chave e apoiou as costas nela, fechando os olhos e tomando fôlego para se acalmar. Depois de uns minutos percebeu a presença de Pablo na porta da sala de jantar. Abriu os olhos devagar e sorriu. Escapamos outra vez. Se você ficar nervosa a cada visita, cedo ou tarde alguém saberá que as coisas não vão bem aqui disse ele muito sério. Não fui treinada para mentir e me esconder volveu ela com raiva, não pode exigir isso de mim. Sei disso, July, mas se quer levar isso adiante, terá que aprender a ficar calma diante do perigo. Sei que pode, é corajosa. Ele lhe sorria e July não podia resistir àquele sorriso. Percebeu que não tinha sido uma crítica, mas uma advertência. Voltou a sorrir. Harry me fez perder um tempo precioso e bebeu o chá que tinha deixado para você. Não se preocupe, me arranjo na cozinha. Vá ao campo cuidar de sua fazenda. Estarei bem aqui. Ela lhe sorriu e em seguida saiu com Nick. July passou todo o dia no campo, verificando cercas, consertando buracos e reunindo ovelhas com o auxílio do cão. Quando voltou para casa já começava a escurecer. Enquanto ela levava Roy para o galpão Nick seguiu para a casa e sentou à porta da cozinha. Assim que saiu do galpão July olhou para a casa. Sentiu um extraordinário calor na alma ao perceber a fumaça que saía da chaminé. Alguém a esperava em casa... mais uma coisa da qual tinha saudades. July abriu a porta. Nick entrou. Ela ficou parada, surpreendida pelo agradável cheiro de comida que lhe chegou junto com o sorriso de Pablo. Ele estava sentado em uma cadeira junto à mesa acariciando Nick sem o fitar, pois tinha os olhos fixos no rosto dela. Olá, July. Ela engoliu em seco. Estava emocionada com o fato de que Pablo tinha cozinhado para eles.

53 AMANDO AO INIMIGO 53 Olá disse ela piscando para conter as lágrimas. Virou-se e fechou a porta. Costuma passar todo o dia trabalhando no campo sem voltar para comer? Sim, levo bolachas e torradas, além de água ou chá em uma térmica ela se aproximou do fogão. Essa comida cheira ao céu. Acho que é porque está faminta. Verdade que estou, mas não é isso que a faz cheirar tão bem. Ele sorriu satisfeito. Tinha cozinhado desejando agradá-la. Pensei que já que sabe falar espanhol e é capaz de acolher um argentino em sua casa, pode comer nossa comida sem que morra. Ela lhe sorriu e ele percebeu que os lábios dela tremiam como se estivesse à beira do pranto. July engoliu em seco outra vez antes e disse com a voz muito baixa: Já faz uns quinze anos que ninguém faz uma comida para mim. Obrigada, Pablo. Se tivesse trazido a água pela manhã, teria também um banho pronto. Não quis desobedecer-lhe e por isso não saí para buscar água. Vou lembrar disso amanhã. A ideia de chegar e encontrar a água do banho já quente é muito tentadora. A comida está pronta? Sim. Sente-se que eu lhe sirvo. Que me diz de suas ovelhas? July falou-lhe do trabalho que teve com as cercas, de como Nick a ajudava a reunir as ovelhas, do vento que prometia em alguns dias ensolarados. Falaram da visita de Harry pela manhã, ela lhe contou quem era Mark Donald e sua importância no negócio de lã nas Ilhas. Comeram o pudim que ela havia feito ontem, July limpou a cozinha enquanto ele se deitava e em seguida ela lhe cuidou das feridas. Conseguiram falar muito sem chegar a um tema pessoal. Talvez os dois se lembrassem da tensão de ontem à noite e não quisessem que se repetisse. Na manhã seguinte Pablo conseguiu convencer July a deixar a água do banho na cozinha, assim ele podia esquentá-la antes que ela voltasse. Conseguiu também convencê-la a levar algo mais nutritivo que bolachas e torradas para comer durante o dia. Enquanto comia a salada que ele lhe tinha preparado, sentada no campo e olhando Nick brincar com os pinguins e Roy mascar a grama, ela avaliou as mudanças que Pablo estava produzindo em sua vida. Ele lhe ensinava costumes que nunca tinha tido e

54 54 Cristina Pereyra que se mostravam muito adequados à vida na fazenda. Sim, Pablo parecia conhecer muito bem o trabalho em uma fazenda. Que fazia antes de ser soldado? Tinha crescido em uma fazenda como ela? No fim do dia ela voltou para casa e sentiu a mesma emoção de ontem. Outra vez Pablo tinha feito a comida e hoje esperava-lhe com a água quente para o banho. Ainda que soubesse que se alguém observava a casa com muita atenção logo perceberia que o fogo era acendido antes que ela voltasse do campo, não teve coragem para dizer isso a Pablo. Compreendia que lhe fazendo a comida e lhe deixando o banho pronto, ele se sentia útil, diminuía a sensação de derrota que carregava. E na verdade era um homem derrotado: seu país perdera a guerra e ele estava nas mãos do inimigo. Mais uma vez essa ideia de que eram inimigos a incomodou. No domingo ela trabalhou como se fosse um dia de semana. Como dissera a Harry, se ia sair na segunda-feira, precisava fazer o trabalho no domingo. Na segunda-feira ela se ocupou de coisas próximas à casa até que Harry veio buscá-la. July não gostou de ter que deixar Pablo sozinho em casa, com Nick. Na prática, não fazia diferença se ela ficava no campo ou em casa dos Collings, mas não pôde evitar que seu coração se encolhesse assim que se afastavam de sua fazenda. E sabia que era por Pablo.

55 C APÍ TULO VI ENQUANTO ALMOÇAVAM, Mark Donald esclareceu os motivos de sua visita: assinar os contratos de compra da lã e fazer uma proposta a July. Ele tinha pressa com os contratos, mas sobre o negócio de July lhe deu um tempo para avaliar e se decidir. Logo depois do almoço, Donald foi com o senhor Collings e Harry para o campo, pois queria dar uma olhada nos rebanhos. Assim que os homens saíram, a Vovó chamou July ao jardim. Como ele está? Recuperando-se. As feridas estão cicatrizando muito bem e ele já fica um bom tempo de pé sem que lhe faltem as forças. Você fez um bom trabalho observou a Vovó. Acho que sim. A Vovó percebeu no fundo dos olhos de July um brilho que há muito tempo tinha desparecido dos seus. Sorriu. Vocês estão se entendendo bem? Sim respondeu July. Ele é muito gentil e quase sempre está de bom humor. July contou para a Vovó que Pablo a esperava com a comida e o banho prontos todos os dias. Mas às vezes põe-se muito sério e tem um olhar tão frio que me provoca calafrios acrescentou a jovem. Tenho certeza de que ele se sente muito incômodo com a situação. Os argentinos costumam ser muito orgulhosos.

56 56 Cristina Pereyra Já percebi. O sorriso carinhoso que se desenhou nos lábios de July atingiu seus olhos. Você gosta desse homem, de menina. Gosto de ter companhia. É muito triste olhar a mesa com somente um prato, não ter ninguém a quem saudar pelas manhãs. Sem dúvida, por isso é que lhe disse que deveria procurar sua mãe. Não vou atrás de alguém que nunca me quis protestou July. A Vovó deu um sorriso paciente. Tudo que sabemos de sua mãe é o que seu pai nos contou. Um homem que tinha sido muito ferido por essa mulher. Seja cautelosa em seu julgamento, July. A jovem fitou-a surpreendida. Não morava aqui quando meus pais chegaram da Inglaterra? Não. Morava com meu John e os meninos maiores em Stanley para que eles fossem à escola. Quando voltei, sua mãe já tinha partido. Fred só conhecia a versão de seu pai e Kim não havia tido muito contato com ela, pois estava muito ocupada com Harry. Você sabe que ele foi uma criança com a saúde muito delicada. July assentiu e segurou uma rosa entre os dedos. Inclinou-se e inalou seu doce perfume. Seja lá como for, não vou embora. Minha vida está aqui. Se você não vai se afastar dessa solidão, precisa encontrar companhia. Já tenho companhia. Ele não vai ficar avisou a Vovó. Sei disso, mas agora está ali. Terá que partir logo, não pode passar outro inverno na Ilha. Não. Até quando podemos tirá-lo daqui? Devemos fazê-lo até março. O coração de July encolheu-se. Sabia que a presença de Pablo em sua casa e sua vida era temporária, mas ter uma data para sua partida lhe deu a sensação de perda. A Vovó passou o braço pelos ombros de July.

57 AMANDO AO INIMIGO 57 Não pode se envolver dessa maneira nos problemas dele. Vocês têm vidas muito diferentes. Acho que é natural que isso ocorra quando você salva a vida a alguém. A Vovó poderia dizer a July que o fato da lembrança daquele soldado fazer com que seus olhos brilhassem mais não tinha nenhuma relação com isso. Talvez tivesse dito se a senhora Collings não houvesse chegado. Parece triste, July. Está se sentindo muito sozinha na sua casa? Sinto saudades do meu pai, senhora. Ainda acho que o melhor seria que viesse morar conosco. Fred e Harry cuidariam de sua fazenda como fazem com a nossa. Certamente, mas não estou preparada para deixar meu lar contestou July. Ninguém nunca está disse a avó. Não é assim, Kim? A senhora Collings sorriu. Oh! July, foram terríveis em meus primeiros meses aqui. Mas nunca me arrependi de ter deixado a casa de meus pais para viver ao lado de Fred. July inspirou profundamente. Talvez quando me apaixone deixe a fazenda sem dar sequer uma olhada para trás. As três mulheres se calaram. A Vovó já sabia. July também, apesar de que antes de conhecer Pablo pensava de que a amizade poderia transformar-se em algo mais. A senhora Collings foi pega de surpresa com a declaração não dita de que July não estava apaixonada por seu filho. Se Harry se casasse com a vizinha, ficaria na Ilha. Seus outros filhos já tinham partido. Assim que os homens voltaram do campo, a senhora Collings serviu o chá. July lamentou não poder levar para Pablo um pedaço de alguma das tortas deliciosas que foram servidas. Ele gostaria. Ela já percebera que ele gostava de doces. Assim que Donald deixou a casa dos Collings July pediu a Harry que a levasse para casa. Harry estacionou na frente da casa e antes que ele desligasse o motor, ela já havia descido. Até logo, Harry disse July fechando a porta do carro.

58 58 Cristina Pereyra Ele ignorou sua atitude e desceu, se aproximando dela. Precisamos conversar, July. É urgente? Estou cansada. É muito importante, mas pode ser um outro dia. Que bom. Ela estava incomodada com o olhar dele. July sabia que seu pai e os Collings davam como certo seu casamento com Harry até que ele foi para a Inglaterra. Seu pai achava que ele não voltaria, assim como os irmãos de Harry não tinham voltado depois de estudar na Inglaterra. Mas ele voltou. Houve um tempo em que July também achou que Harry seria seu marido e que isso seria bom. Agora já não pensava assim. Gostaria de conversar longe de meus pais, posso vir na quintafeira? Sim. Às três da tarde. Obrigado, July. Harry subiu no carro, ligou o motor e enquanto começava a andar, disse-lhe: Nos vemos na quinta-feira, até. Ela lhe fez um aceno de despedida e esperou ele se afastar um pouco mais para entrar na casa. Mal abriu a porta da cozinha percebeu de que o fogão estava apagado. Pablo surgiu na porta da sala de jantar. Olá saudou ela sem ocultar a alegria de vê-lo. Olá. Não o acendi porque ele sabia que você ficou todo o dia fora de casa. Ah! Sim. Você foi prudente. A expressão séria dele e o olhar impessoal fizeram seu coração se encolher. Para ocultar sua desilusão, July deu-lhe as costas e caminhou para o fogão. Acendeu-o, pôs a chaleira perto do fogo e pegou uma panela no armário. Há comida no forno. Se fizer um bom fogo, ficará pronta em vinte minutos disse Pablo. Obrigada. Pablo sentou-se à mesa e continuou observando July enquanto ela tirava mais um punhado de mato seco da caixa de lenha para alimentar o fogo. Consciente dessa observação atenta, ela se pôs nervosa.

59 AMANDO AO INIMIGO 59 Por que você usa capim e não lenha? perguntou Pablo. Quase não há árvores aqui, portanto a lenha é muito cara. Não posso pagá-la. Nem pela turfa. Pelo capim não preciso pagar. Como foram os negócios? Ela se sentou à mesa em frente a ele. O preço da lã está baixo e não há previsão de alta. Isso é mau. Antes que piore, assinamos o contrato. Não há risco que melhore e você perca a oportunidade de ganhar mais? Quase impossível, o mercado não vai bem há alguns anos e meu rebanho não tem a melhor das lãs nesse momento. Já teve. Sim. Tínhamos ovelhas premiadas, um rebanho muito bom. E que é feito de esses animais? Perdemos. De muitas maneiras. Sem cuidado, o rebanho encolheu e perdeu qualidade. Leva tempo resgatar isso. E dinheiro. Então, foi um dia de más notícias. Por isso vejo esse ar de cansaço em seu rosto. Ela riu. Estou cansada, por isso o cansaço que você percebeu. Há boas notícias. Sim? No verão Donald levou algumas mantas para a Inglaterra. Sua irmã tem uma loja de artesanato. Agora há gente que as quer e ele me fez uma proposta que preciso avaliar. July explicou para Pablo todos os termos do contrato que Donald lhe havia oferecido e pediu uma opinião. Nunca fui um homem de negócios, July, acho que não posso lhe ajudar. Mesmo que não seja um homem de negócios, conhece mais coisas do que eu. Não estou buscando a opinião de um expert, mas a de um amigo. Pablo desviou o olhar e a palavra ficou pairando entre eles de maneira incômoda. Amigo. Poderiam ser muitas coisas, mas amigos não. Ele era seu inimigo, July e ele estavam em lados opostos dessa batalha.

60 60 Cristina Pereyra July percebeu do incômodo que Pablo sentiu ao ser chamado de amigo e também desviou o olhar. Suspirou, levantou-se e pegou a comida no forno. Enquanto servia os pratos, perguntou: E então, qual sua opinião? Mesmo que isso vá tirar tempo do cuidado com o rebanho, acho que você vai ganhar mais do que perder. Além disso, nem todos os dias você pode sair ao campo, quando o tempo se põe de chuva, precisa ficar em casa. No seu lugar, eu aceitaria. Obrigada disse ela sorrindo. Não disse nada que você não soubesse volveu Pablo se encolhendo de ombros. Disse, sim. Desde que Donald apresentou-me a proposta de fazer as mantas que sua irmã quer, só tenho pensado que para fazê-las teria que deixar de trabalhar com as ovelhas. Nem por um segundo fixei-me que poderia aproveitar os dias em que não fosse possível sair ao campo para isso. Seguiram falando das mantas e como July tingia a lã somente com suas ervas até que terminaram de limpar a cozinha juntos e ela cuidou das feridas. Pablo gostou de vê-la assim, contente e olhando adiante. Preocupava-lhe a solidão dela e seu futuro. Não queria nem sequer imaginar o que ela passaria se perdesse a fazenda. July vivia para salvar aquele pedaço de terra. Na terça-feira eles seguiram a rotina de July sair pela manhã e voltar só ao fim da tarde. Assim que ela voltou, chamou Donald pela rádio e lhe disse que aceitava a proposta das mantas. A quarta-feira foi mais em um dia de trabalho no campo. July achava que terminaria de revisar as cercas na próxima semana. Então bastaria fazer pequenos consertos com frequência, cuidar para que nunca mais ficassem em tão mau estado. O trabalho na fazenda tinha que ser feito todos os dias. Na quinta-feira ela se dedicou aos jardins, o de flores em frente da casa e o de ervas na parte de trás, e à horta. Estes também precisavam cuidados constantes e não os tinha feito desde que tomara a resolução de arrumar as cercas. Pablo espiou pela janela e viu July ajoelhada no jardim tirando as ervas daninhas. Era linda. Sim. July era linda. E valente. Valente como nenhuma mulher que havia conhecido. Quando ele e seus colegas chegaram à conclusão de que ninguém viria buscá-los, começaram a lutar

61 AMANDO AO INIMIGO 61 pela sobrevivência. Era um tempo para ser esquecido. Mas July não. Ela era inesquecível. E não apenas pelo fato de salvar-lhe a vida. Assim que escutou o carro ainda longe da casa, seu coração deu um salto. July ergueu a cabeça e viu que era Harry. Vinha no dia e a hora que tinham marcado. Como sempre fazia. Harry não era um homem de surpresas. Antes isso gostava. A vida ordenada e sem surpresas, os dias todos iguais, os anos todos iguais... assim era a vida na Ilha. Até o outono. Os argentinos tinham invadido as Ilhas e mudado a vida em todo o arquipélago. July suspirou. Ela e Pablo tinham arrumado tudo para ocultar os sinais da presença dele ali, mas ainda assim tinha medo de que Harry o descobrisse. Pablo também tinha percebido a chegada de Harry e se escondeu onde haviam combinado: o quarto de July. Não tinha gostado da ideia, mas os argumentos dela foram convincentes. Se Harry quisesse chamar alguém pelo rádio iria ao quarto do pai de July, que Pablo agora ocupava. Se falavam das mantas, poderia querer dar uma olhada nos teares e lãs. Ela não teria uma desculpa plausível para proibir sua entrada na biblioteca. De fato, o único cômodo que Harry não entraria seria o quarto dela. Harry estacionou e desceu sorrindo para July. Olá! Olá saudou-lhe ela limpando as mãos no avental. Vamos para a cozinha. Nick estava sentado em frente à porta e latiu para Harry. Pensei que seu cão já tivesse se acostumado comigo. Você ficou muito tempo longe, Harry. Não foi tanto assim, menos de dois anos. Para um cão, é muito tempo July olhou o cão. Entra, Nick. O cão olhou para Harry, entrou na cozinha e sentou-se em frente à porta da sala de jantar. Harry e July também entraram e ela foi ao banheiro se lavar as mãos. Harry sentou à mesa, olhando Nick de esguelha. Era um cão muito grande para ser ignorado, ainda que July fizesse questão de dizer que não era agressivo. Ela voltou à cozinha, serviu o chá e bolachas. Harry fitou-a muito sério. Não se sente sozinha aqui? Às vezes respondeu ela sorrindo, mas essa é minha casa.

62 62 Cristina Pereyra Pensa em viver aqui toda sua vida? Sim. Nunca teve vontade de sair de aqui? De conhecer outros lugares? Você sabe que essa é uma terra muito hostil. Esse é meu lar, Harry. Mas não é o seu, não? Harry tomou fôlego antes de responder. Gosto da Ilha. Sim, gosto de muito. Mas aqui nunca poderei fazer o que quero para minha vida. Que quer para sua vida? Quero ser médico. Os dois ficaram calados um momento. Ele nunca havia lhe falado disso e July ficou surpresa com a revelação. Muitas vezes tinham feito planos para o futuro, quando meninos e também já adolescentes. Planos que eram de cuidar de suas fazendas, criar seus filhos na Ilha. Nenhum dos dois nunca tinha falado de deixar a Ilha, nem sequer quando os irmãos dele se foram. Pode estudar na Inglaterra e voltar, Harry. As Ilhas precisam de um médico. Harry deu um sorriso amargo. Quem precisa um médico? As ovelhas? As pessoas. Ainda que sejam poucas, há pessoas que vivem aqui e precisam ser cuidadas. Quero salvar vidas, July, não cuidar de uma dúzia de pessoas. Imagine o que é salvar a vida de uma pessoa. É isso o que quero. "Não preciso imaginar, Harry", pensou ela, "Sei o que é salvar uma vida. E por isso o compreendo". O coração de July encolheu-se com a lembrança do dia em que havia encontrado Pablo, da primeira noite, do momento em que ele recobrou a consciência... Compreendo, Harry. Seus pais também vão compreender. Não. Já falou com eles sobre isso? Não é preciso. Você sabe o que eles esperam: que eu fique aqui... com você. Imaginaram isso toda a vida. Sou o único que ainda está na fazenda, meus irmãos se foram. Não posso deixar meus pais sozinhos. Acho que deveria estudar o que quer e voltar. O tempo ajeita tudo.

63 AMANDO AO INIMIGO 63 Harry deu uma gargalhada. Falas como a Vovó. Ela é uma mulher sábia. Já falou com ela? Não. Deveria. É a única que pode ajudar com seus pais. Além disso, saberá conduzir a situação sem que ninguém saia ferido. Outra vez ficaram calados. July não tinha nada mais a dizer. Isso era uma coisa que Harry teria que acertar com sua família, e ela não fazia parte da família dele. Ela não tinha uma família. Sua família era seu pai, e ele já não vivia nesse mundo. July piscou, não queria chorar perto de ninguém. Suas lágrimas eram algo muito íntimo, uma dor que só Nick compartilhava com ela. Você está se arranjando bem sozinha disse Harry assinalando as bolachas. Mamãe disse que você está mais contente nessa primavera, e agora eu a creio. Se você tem disposição para fazer bolachas é porque está de bem com a vida. Costumava fazer bolachas somente quando estava feliz. Sim. Quando alguém tem raiva é melhor que faça um pão. Pode bater nele o quanto quiser. Os dois riram juntos. Como faziam desde pequenos. Sentado no chão, as costas apoiadas na parede, os olhos fechados, Pablo fazia um imenso esforço para ignorar o perfume de violetas. Ficar ali, sentindo o perfume de July e olhando sua cama era um convite a pensamentos que não deveria ter. Não podia olhar pra ela como mulher. Ela salvara-lhe a vida e oferecera sua casa mesmo correndo o risco de ser acusada de traição. O mínimo que lhe devia era respeito. Se pudesse oferecer-lhe um futuro, talvez... Não! Ele balançou a cabeça. Nada de ficar imaginando coisas impossíveis. Viviam em mundos diferentes, que nunca se encontrariam. Nem sequer agora estavam no mesmo lugar: July vivia nas Falklands e ele estava nas Malvinas. Essa era a realidade. Pablo July chamou à porta. Harry já se foi. Pablo levantou-se e abriu a porta que tinha fechado com a chave como ela lhe havia pedido que fizesse. July estava no corredor, com Nick a seu lado. Pablo fitou-a com os olhos sem expressão, daquela maneira dura que fazia o coração dela se encolher de medo. Não percebeu que você já não vive sozinha?

64 64 Cristina Pereyra Não, ele tem seus próprios problemas para se ocupar. O único que percebeu é que estou mais contente, superando a perda de meu pai. Pablo não pôde evitar o prazer que sentiu em pensar que era ele quem vivia com July naquela casa e não Harry. Esse pensamento trouxe a seus olhos a emoção que ia em sua alma e July sorriu quando a frieza desapareceu de sua face. Pablo desviou o olhar de seu sorriso para o cão. Você precisa um cão de guarda, July. Nick é um cão de guarda. Pablo riu. Tanto quanto sou o pinguim que um dia você pensou que eu era. Ela caiu no riso com a lembrança. Tinha contado a Pablo, com todos os detalhes, como o tinha encontrado e tudo o que tinha pensado até se decidir a salvar sua vida. Ainda que a decisão havia sido rápida, muito passou por sua mente. Contou-lhe tudo e os dois riram com gosto aquela noite. Uma das muitas que já tinham compartilhado e ainda teriam juntos antes que ele partisse. É sério, Pablo. Nick é um cão de guarda por natureza. Tem um grande sentido de proteção para o rebanho e a casa. Escutou ele latindo para Harry? Pablo assentiu. Isso que o conhece há anos, Harry sempre veio a nossa casa. E por que ele não o faz para mim? Nick não latiu nem sequer nos primeiros dias, pelo contrário, se portou como se eu fosse seu dono também. Havia se dado conta disso? Sim. Não tenho a resposta. Talvez seja porque o encontrou ferido ou somente gostou de você. É a primeira pessoa para quem ele não late. Seja o que for, é bom. Não gostaria de ter um cão latindo para mim o dia inteiro. E isso alertaria que você não está sozinha. July arregalou os olhos. Não tinha pensado nisso. Ainda vai trabalhar no jardim hoje? perguntou ele incomodado com a proximidade entre eles no corredor estreito. Não, estou com preguiça. Vamos à sala. Ela se virou e caminhou pelo corredor. Pablo demorou um momento em segui-la. Acariciou o focinho de Nick, suspirou e então foi para a sala. July estava ocupada em acender o fogo na lareira. Pablo percebeu que o fazia com capim, como no fogão. Ela sentou no tapete em frente ao fogo.

65 AMANDO AO INIMIGO 65 Ele fez o mesmo. Ficaram em silêncio, olhando as chamas. Em poucos minutos um suave perfume invadiu a sala e Pablo fitou-a sorrindo. Nesse fogo não há somente capim, não? Ela deu um daqueles sorrisos que o encantavam e que jamais esqueceria. Ervas relaxantes para encerrar um dia de trabalho e ter um sono tranquilo A única que trabalha nessa casa é você disse ele com amargura. Ah! Sim.. A casa nas últimas semanas tem começado a limpar-se sozinha, o meu banho fica pronto sozinho só de pensar nele e Nick tem cozinhado que é uma maravilha. Ele sorriu. Não é trabalho de homem. O que faço não é trabalho de mulher July se encolheu de ombros. Há trabalho a ser feito e o fará quem estiver por perto. É assim que se toca em frente nos tempos difíceis. Voltaram a ficar em silêncio. Mas tinha uma coisa incomodando Pablo e ele não pôde se conter. Harry trouxe más notícias? Não ela o fitou surpreendida com a pergunta. Por que pensou isso? Você está mais séria que de costume. Há sinais de preocupação no seu rosto, July. Ela sorriu e olhou para o fogo. De fato estou preocupada. Com Harry. July contou-lhe o que Harry lhe dissera essa tarde. Também lhe falou sobre os outros irmãos Collings, que agora viviam na Inglaterra. Harry está certo disse Pablo, não há lugar para um médico em uma fazenda. Os médicos são homens para as cidades. July fitou-o muito séria. Às vezes me parece que você conhece muito bem o trabalho e a vida em uma fazenda. Talvez seja porque nasci e fui criado em uma. Meus pais têm uma fazenda de gado na Pampa. Ali vivem com meus irmãos, cunhados e cunhadas. Ao contrário dos Collings, só um dos filhos se foi de casa.

66 66 Cristina Pereyra Tem uma família grande? Oito irmãos. A careta de espanto de July o fez rir muito. Ele falou de seus irmãos e irmãs, de como era a vida naquela fazenda, um lugar com muito mais vida que aquele pedaço de terra rochosa que pertencia a July, e de sua entrada ao exército. Seus pais queriam? Sim, tinham muito orgulho de que seu filho servisse à pátria. Quando você voltar ficarão ainda mais orgulhosos. O rosto de Pablo revestiu-se de uma dor que fez o coração de July falhar uma batida. Será um retorno vergonhoso. Voltarei fugindo. Escapando. É diferente. Ele se encolheu de ombros. July, meus pais, ao fim da guerra, devem ter recebido uma mensagem de condolências por seu filho "desparecido em combate". Sou um homem morto. Como assim? Ele riu do desconcerto dela. July era inteligente, teimosa, generosa e valente, mas ingênua sobre as coisas da vida. Houve uma guerra. Os homens que não voltaram para casa é porque caíram diante do inimigo. Aquele que não volta é porque está morto. Mas você veio com uma missão, não? Sabiam que você estava aqui, e nessa Ilha não houveram combates. Era uma missão secreta, poucos homens sabiam dela. Esqueceramnos, July. Essa é a verdade. E se algum dia se lembraram de nós foi para dizerem a si mesmos que já havíamos morrido pela fome e pelo frio. Ninguém acreditaria que pudéssemos sobreviver. Nem mesmo eu acredito que foi possível. Se volto, será um susto para todos eles. Voltará. Não voltaria se não quisesse, mas sei que você quer voltar.

67 CAPÍ TU LO VII OUTRA SEMANA se passou, e dessa vez July não esqueceu do dia de ligar o rádio. Harry chamou-a à noite, perguntou pelo trabalho na fazenda e insistiu para que ela fosse à casa dos Collings no domingo. Ainda que ela não gostasse de deixar Pablo sozinho, se não aceitasse mais os convites de seus vizinhos eles poderiam suspeitar de que em sua casa havia algo diferente. Ou vir visitá-la de surpresa. Frequentar a casa deles era uma maneira de mantê-los afastados da sua. No domingo Harry veio buscá-la pela manhã e trazer-lhe à tarde. July teve pouco tempo para falar a sós com a Vovó e tudo que pôde lhe dizer foi que seu hóspede estava muito bem. A senhora Collings acompanhou-as toda a tarde e se mostrou mais interessada em falar com July que nas outras vezes. O pai de Harry manteve uma longa conversa de negócios enquanto tomavam o chá da tarde. Mal Harry estacionou, July o fitou muito séria. Falou com seus pais? Sim. E? Obviamente que não gostaram, mas não disseram uma palavra em contrário. Não é preciso. Falam com ações. Ela ergueu as sobrancelhas. Claro que você se deu conta do comportamento deles hoje, July. Mamãe nunca teve tanta vontade de falar com você e papai falou da fazenda todas as vezes que pôde. Você é a esperança deles para me fazer ficar na fazenda.

68 68 Cristina Pereyra July ignorou o sentido do que seu amigo tinha dito e abriu a porta para descer do carro. Se estão de acordo para que você vá estudar na Inglaterra, já está bom. O que virá depois se arranjará como for o melhor para todos. Até logo, Harry. Ele percebeu que ela não queria falar de coisas pessoais. Vai a nossa casa no próximo domingo? Falamos sobre isso na quinta, Harry. Ele inclinou a cabeça, fez um aceno e pôs o carro em movimento. July abriu a porta da cozinha e surpreendeu-se quando Nick não veio a seu encontro. Passou à sala de jantar e em seguida à sala. Começou a tremer. Não havia nenhum sinal de Pablo ou Nick. Seguiu para o corredor e deu uma olhada ao quarto. Ninguém. Verificou seu quarto, o de hóspedes e os outros dois. Não encontrou nem Pablo nem o cão. Voltou à sala. Sua última esperança, "a tumba", também estava vazia. A chave seguia na porta de entrada. Experimentou-a. Fechada. July franziu o cenho. A porta estava fechada por dentro, ninguém saíra por ela. As janelas também estavam fechadas. Como havia sido não era importante, dava no mesmo, o fato era que ele se fora e talvez Nick o tivesse acompanhado. Tomou fôlego. Não fazia sentido sair a sua procura. Fizera o que podia fazer por ele. July entrava na cozinha quando a porta do banheiro foi aberta. Ela levou as mãos ao peito e ficou sem fôlego. Pablo passou à cozinha e então a viu. Pego de surpresa pela presença dela, ele demorou um instante para perceber que July chorava. Nick saiu do banheiro e parou ao lado de sua dona, fitando-a com atenção. Pablo aproximou-se e tocou-lhe o rosto molhado. O que foi? É por Harry? Ela não deu atenção às palavras dele. Nesse momento não pensava, só sentia. Sentia uma alegria imensa porque ele não tinha partido. Pablo havia ficado com ela. Por que chora? ele insistiu na pergunta. Pensei que você havia partido. E isso lhe preocupa? Sim ela sorriu. Muito.

69 AMANDO AO INIMIGO 69 Pablo suspirou. As coisas estavam saindo de seu controle. July não podia sentir saudades. Ele não fazia parte de sua vida. Ela não podia sentir por ele o que ele já sentia. Não. Não podia ser assim. Vou-me, um dia. Mas não sem lhe dizer que estou partindo. Ficaram olhando-se nos olhos sem nada dizer. O calor daqueles olhos negros tirou-lhe o fôlego e fez seus joelhos fraquejarem. July baixou o olhar e encontrou o peito nu que subia e baixava com a respiração dele. Ela corou e antes que ele pudesse fazer um movimento para se afastar um forte chamado cortou o silêncio. Senhorita Steaday! Ela tremeu e disse em voz muito baixa: Major Foxsprint. Acabou, July. Não. Sim. Fomos descobertos. Acabou. Senhorita Steaday! o Major repetiu o chamado na porta da cozinha. Vá para o meu quarto disse July e feche-o como quando Harry veio. Eu me arranjo com o Major. Pablo fitou-a com os olhos ainda cheios daquele calor que a fazia ficar sem fôlego. Depressa, preciso abrir essa porta antes que ele a derrube. Pablo balançou a cabeça desconsolado mas obedeceu-a. Ela demorou um pouco e então abriu a porta, chorando com vontade. Olá, Major. Más notícias? O que aconteceu, Senhorita? perguntou o Major assustado com o pranto dela. Brigas de namorados ela fez um gesto para tirar a importância ao fato. Costuma acontecer quando passamos o dia juntos na casa de seus pais. Ele quer voltar para a Inglaterra. Eu preciso ficar. Essas coisas tontas que fazemos quando estamos apaixonados de alguém. Sinto muito. Por que me chamou, Major? Só para saber se está bem. A casa está escura e não há fumaça.

70 70 Cristina Pereyra Ah! Esqueci-me de tudo. Mal cheguei e desatei a chorar. Obrigada pela preocupação. Quer alguma ajuda? ofereceu o Major. Não, obrigada. Boa noite, Major. Boa noite. Ela ficou à porta o observando se aproximar do jipe, ligar o motor e, com um último aceno, partir. Ela fechou a porta e se perguntou como nem ela nem Pablo tinham percebido a chegada do carro. Teriam que ter ouvido o motor no silêncio do campo. Sentiu a presença de Pablo e se virou. Não foi uma visita ao acaso. Ele tinha um motivo para lhe buscar disse Pablo enquanto abotoava a camisa que havia vestido. Acha que já sabem de você? Talvez saibam. Nesse caso, por que ele não pediu para entrar? Por causa do seu pranto. Certamente acreditou na desculpa que lhe deu. July começou a rir e contou-lhe o que dissera ao Major. Uma desculpa muito boa. Acho que conseguiu comovê-lo. Precisamos ser mais cuidadosos. Falhamos em algum ponto, não? Talvez com o fogo. Acendi antes que você voltasse do campo algumas vezes. Ela acendeu as velas e o fogo. Comeram sem trocar mais que uma dúzia de palavras, estavam tensos com a visita do Major Na manhã seguinte, antes da aurora, os dois estavam na cozinha diante de um café da manhã do qual não tinham comido nada. Em seus rostos o cansaço de uma noite insone fazia-se presente. Preciso partir, July. Você está em perigo por minha causa. Se vou embora, ninguém poderá provar que você cuidou de mim e assim estará livre de uma acusação de traição. Para onde vai? Ficará andando por aí, ocultando-se em grutas, passando fome e frio outra vez July não pôde evitar o choro. Não vou permitir que faça isso. Ainda sou um homem livre, posso ir onde queira.

71 AMANDO AO INIMIGO 71 Pablo tinha nos olhos aquele olhar frio que aterrorizava July e as feições duras, sem nenhuma expressão. Ela ignorou o próprio medo e o enfrentou: Sei muito bem para onde quer ir: a tua casa. E não o conseguirá se não ficar comigo. A face seguiu sem expressão, mas os olhos de Pablo adquiriram um brilho de diversão. Prefiro enfrentar o Major que você. Ela sorriu em meio às lágrimas. Falo sério, Pablo. Não permitirei que vá. Não há como me impedir, July. Sabe disso. Vai chamar o exército apenas eu saia? Vou buscar-lhe pessoalmente. Os dois se encararam em silêncio. Ambos sabiam que se ele se decidisse a partir, ela não conseguiria impedi-lo e nem trazê-lo de volta. Mas a determinação das palavras de July traduziam suas convicções: a responsabilidade que sentia para com a vida dele. Já não eram dois, senão um. Você é teimosa até a morte. July sorriu. Ele capitulara. Vou esquentar o chá. July pegou a chaleira com o chá e levou-a para o fogão. Virou-se e quase se chocou com Pablo, que se aproximara. Não irá embora? Ele sorriu, olhando-a nos olhos. Você consegue que eu faça coisas que não quero fazer ele emoldurou o rosto dela com as mãos e acariciou as bochechas com os polegares, recolhendo as lágrimas. Ficarei com você, mesmo que isso a coloque em perigo. É o que quer, não? July não pôde falar, em sua garganta havia um nó. Sorriu. Ela podia sentir a respiração dele tocar seu rosto. Tremeu. Pablo inspirou. Ontem à noite estivera tão perto de beijar July como agora. O chamado do Major impediu-lhe de fazer essa tolice. Não podia beijá-la. Não ficaria satisfeito com apenas beijar July. E jamais poderia fazer mais que isso: beijá-la. Por essa razão não devia beijar July. Se tivesse um pouco de dignidade se afastaria agora. Mas dignidade era uma

72 72 Cristina Pereyra coisa que já perdera há muito tempo. E agora perdia a cabeça por uma britânica. Os dois olhavam-se nos olhos. Ele inclinou a cabeça e ela sustentou seu olhar. Pablo aproximou seus lábios aos dela e o desejo que sentia se refletiu nos olhos de July. Ele sentiu no peito uma alegria que lhe aqueceu a alma. Mas ainda havia algo de dignidade nele. Sabe que eu quero lhe beijar, não? Sei. Você e Harry... têm algum compromisso? Não. É verdade? Não posso levá-la a trair. Nós somos amigos. Nunca fomos outra coisa. Não deveríamos fazer isso. Nós dois queremos. Vivemos juntos nessa casa... não sei o que posso lhe fazer se seguimos adiante... você é linda e eu a quero... ainda que não possa lhe oferecer um futuro. Hoje estamos aqui. É isso o que importa disse ela em tom decisivo. Pablo tocou os lábios dela com suavidade. July apoiou as mãos espalmadas no peito dele, sentindo os fortes batidos de seu coração. Sem pressa ele explorou os contornos daqueles lábios suaves com a língua e sentiu ela estremecer. Buscando forças em seus duros treinamentos, ele manteve o controle de si mesmo e não se deixou levar pela emoção. Sabia que se a atraísse contra seu corpo não poderia mais parar. Seria só um beijo. Nada mais que um beijo. Sem fôlego, separaram as bocas, mas ele seguiu emoldurando o rosto de July, e ela não afastou as mãos de seu peito. Depois de um instante de silêncio, ele falou: Isso não pode acontecer outra vez. July ficou em silêncio. Assim como Pablo, sabia que se beijariam outras vezes. Ele poderia lutar contra seu próprio desejo, mas não ganharia. Talvez fosse hoje mesmo, ou demorasse alguns dias, mas voltariam a se beijar. E com mais paixão. Nesse dia e nos próximos três seguiram com a vida de antes. Ocuparam-se das mesmas atividades de sempre, falaram de muitas coisas

73 AMANDO AO INIMIGO 73 do passado, mas não houve uma palavra sobre o futuro de seus sentimentos. Agiam como se não tivessem trocado aquele beijo. Na quinta-feira à noite Harry chamou pelo rádio e disse que a Vovó quereria visitar July. Combinaram a visita para o sábado. Por causa disso, na sexta-feira July voltou cedo do campo e preparou a comida para o dia seguinte. Pablo não conseguiu esconder seu nervosismo, o que divertiu July. Um soldado com medo de uma idosa. Incrível! Não precisa ficar nervoso, Pablo disse July tirando do forno os legumes gratinados que jantariam. Se eu não tivesse total confiança na Vovó, não teria falado de você para ela. Me arranjaria sozinha. Sei disso. Mas é incômodo. Você vai gostar dela. Estou certa de que vem para conhecê-lo, mas talvez tenha alguma novidade sobre a sua viagem. Pablo demorou um momento em compreender o que ela tinha chamado de viagem. Quando alguém esteve doente, precisa da autorização de seu médico para viajar. Tenho-a? Não, você ainda precisa de alguns cuidados e não está forte o bastante para uma viagem longa e perigosa como essa será. Não poderá viajar antes de um mês. Era novembro. Começo de novembro. Isto significava que poderia partir na época das festas. "Não", pensou Pablo,"não posso deixá-la sozinha no Natal. Será o primeiro ano que o passará sozinha." Encolheuse de ombros, quem já estava ali há tanto tempo, poderia ficar algumas semanas mais. Apesar de que cada dia que passava com July lhe fazia mais dolorosa a ideia de deixá-la. Essa noite deitaram cedo. Falar da partida de Pablo da Ilha deixara os dois tensos. E tristes. Um sabia que teria saudades do outro. Os dois sabiam que jamais esqueceriam o tempo que tinham ficado juntos e tudo o que viveram nesses dias de medo. Não havia futuro para eles. Bem como não havia esquecimento. O sábado exibia o céu cinza tão característico da ilha. Pablo tinha saudades dos dias ensolarados de céu muito azul de sua pátria. Nem sequer o azul da bandeira havia ali. Ele se lembrou daquele primeiro gesto de carinho de July para ele e abriu a gaveta do criado-mudo. Pegou o pedaço de tecido de seu uniforme que ela havia guardado e ficou um longo tempo com ele na mão, recordando seu passado no exército. Voltou

74 74 Cristina Pereyra a guardar o tecido. Ninguém vive do passado. Sempre se deve olhar para frente. Às dez Harry estacionou o carro diante da casa, desceu e deu a volta. Abriu a porta e estendeu a mão para ajudar a Vovó a descer. July já saíra da casa e se aproximou deles. Olá, Harry disse July aproximando-se da Vovó e abraçando-a. Bom dia, Vovó. Bom dia, menina saudou a Vovó retribuindo o abraço. Harry ficou uns minutos e trocou algumas palavras com July, então subiu no carro e foi-se. As duas ficaram no jardim, olhando o carro desaparecer no horizonte. Como está seu homem? Bem. Acho que poderá viajar antes do Natal. Pois bem, agora que temos uma data poderei arranjar isso. Há uma família esperando por ele disse July, ainda que diga que eles já não tenham mais esperanças de que volte, sei que têm. Uma mãe sente em seu coração que seu filho ainda está vivo, não, Vovó? Sim, minha menina. É só uma mãe que o espera? July percebeu o sentido oculto da pergunta e sorriu. Acho que sim. Ele falou muito de sua família, de tudo o que fazem na fazenda deles, contou coisas de sua infância, de sua opção pelo exército... Não falou de uma mulher ou filhos. Acho que não os tem. A Vovó ficou em silêncio. Nem todos os homens que não falam de esposa e filhos é porque não os têm. July e a Vovó caminharam para a porta da cozinha. Mal entraram, July a fechou com chave. Seguiram para a sala. A idosa sorriu ao olhar o homem alto, magro, pálido e muito nervoso que estava de pé diante de uma poltrona. Olá, Pablo. Olá, senhora Collings. Vovó, por favor ela sorriu. Senhora Collings é Kimberly, minha nora. Vejo que July fez um bom trabalho ao cuidar de você. Com certeza. A Vovó sentou no sofá e olhou para July. Menina, acho que você precisa dar uma olhada nas galinhas, senão elas se põem a comer seus próprios ovos.

75 AMANDO AO INIMIGO 75 July franziu o cenho e então, compreendendo o que a Vovó quereria, deu um sorriso zombeteiro e saiu da sala. Ela me disse que poderá sair daqui perto do Natal. É o que pensa, mas não gosto da ideia da deixá-la sozinha nas festas disse ele sentando em uma poltrona. Pela primeira vez as passará sem seu pai. A Vovó tomou ar. O que temia já tinha ocorrido: estavam apaixonados. Arranjaremos teu escape para janeiro, mas lembre-se de que quanto mais tempo passar aqui, mais difícil será partir. Pablo compreendeu que o sentido do "mais difícil" era pessoal e não dificuldades em tirá-lo da Ilha. Desde que recobrei a consciência e compreendi o que ela tinha feito por mim soube que partir seria uma coisa muito difícil. Assim que eu tiver novidades sobre sua 'viagem', como diz July, aviso vocês. A Vovó fez perguntas a Pablo sobre sua família e era disso que falavam quando July voltou. A jovem surpreendeu-se com a habilidade da Vovó em conseguir informações. Comeram na cozinha. Em seguida, cumprindo as ordens das duas mulheres, Pablo deitou-se para uma siesta. Depois de limpar a cozinha, as duas mulheres seguiram para a sala. Você havia esquecido de dizer que ele é muito bonito reclamou a Vovó. De fato, é um homem bonito. Muito atraente. Só se beijaram ou foram além disso? Houve um beijo disse July corando. Um? Sim. Foi somente um. Sabe que haverão outros, não? Acho que sim. Menina, a única coisa que vou lhe dizer é: pense no que quer para o seu futuro antes de se deixar levar pelos sentimentos. Não tenho um futuro, avó. Tem. Terá o futuro que procurar.

76 76 Cristina Pereyra Em seguida as duas falaram de Harry. De seu sonho de tornar-se médico e das expectativas do pai dele. Já no fim da tarde, quando Pablo se juntou a elas, July preparou um chá para acompanhar bolo que tinha feito para recepcionar a Vovó. Comiam na cozinha quando escutaram o chamado. Senhorita Steaday! July levou as mãos ao peito e encolheu-se. Pablo olhou para a porta e balançou a cabeça com ar desconsolado. A Vovó recolheu a caneca e o prato de Pablo enquanto ele se levantava. Sim. Quem é? respondeu July ao chamado, tentando ganhar tempo, pois sabia quem chamava à porta. Major Foxsprint. A Vovó já tinha ocultado os talheres e Pablo já havia passado ao interior da casa. July abriu a porta. Olá, Major. Olá, Senhorita. Vim paraa ver se está bem. Como vê, estou. Hoje a Vovó Collings veio ficar comigo. Estou muito contente. A Vovó estava sentada à mesa observando o Major. Foi só uma fração de segundo, em seguida ele se recuperou, mas ela viu. Ele olhou para o interior da cozinha e a saudou. Quis me certificar de que está bem, Senhorita. Fiquei preocupado com seu nervosismo no domingo. Oh! Obrigado. Agora tudo está bem, já nos acertamos. Como July não lhe convidou a entrar, o Major se despediu das duas, subiu no carro e se foi. A Vovó aproximou-se de July e passou o braço por seus ombros. Vamos ao jardim disse a jovem. Saíram e July fechou a porta com a chave. Caminharam até o jardim de ervas. July ergueu os olhos para o rosto da idosa. Um olhar de dor. Pablo acredita que a Major suspeita ele está na minha casa. July contou para a Vovó os fatos de domingo e segunda-feira, a discussão com Pablo e sua promessa de ficar com ela. Não posso deixar que se arrisque por aí nem que passe outra vez o que já passou concluiu July.

77 AMANDO AO INIMIGO 77 Percebendo a expressão séria da Vovó, a jovem perguntou: Não concorda, Vovó? As feições da avó suavizaram-se. O amor é um sentimento maravilhoso. É uma pena que ele não possa ficar com você e ajudá-la a salvar a fazenda. Não quero pensar no futuro. Pela primeira vez na minha vida vou viver o hoje como se não houvesse a manhã. Voltaram à cozinha. July fechou a porta e assim que se virou, encontrou o olhar de Pablo. Aquele olhar feroz que agora já não lhe assustava. Sabe porque ele veio disse Pablo com a voz dura e fria como o aço. July encolheu-se de ombros. Não conseguirá nos pegar. Sim. Cedo ou tarde o fará. As duas vezes não o ouvimos chegar. Só percebemos sua presença quando chamou à porta. Sente ordenou a Vovó apontando a cadeira a seu lado. De má vontade Pablo sentou ao lado da Vovó, olhando-a com a mesma frieza que tinha olhado para July. Não é por você que o Major tem vindo, mas por July disse a Vovó sustentando o olhar de Pablo. Por mim? espantou-se a jovem. Como assim? perguntou Pablo, ainda que já imaginava uma resposta. A Vovó olhou muito séria para July. Eu já havia lhe prevenido sobre ele e penso que seu pai tenha feito o mesmo. Esqueceu disso porque agora tem preocupações concretas. Assim é murmurou July. Ainda que sejam apenas rumores, é melhor levá-los a sério a Vovó pegou a caneca e, sem desviar o olhar do rosto de July, bebeu o chá. Pablo começava a impacientar-se com essa conversa de meias palavras, mas conseguiu falar com tranquilidade. Que tipo de rumores são esses? Corre o boato de que o Major costuma visitar as mulheres sozinhas explicou a Vovó. Creio que saiba para que.

78 78 Cristina Pereyra Claro. Nesse caso, por que ele não veio antes? Faz meses que July está sozinha. Certamente esteve ocupado. Houve uma guerra, rapaz. Não preciso que me contem. Estive nela. A Vovó sorriu com a reação dele. Você é orgulhoso e altivo como qualquer argentino. Isso me agrada. Pablo apertou os olhos, olhando muito sério para a Vovó. Quantos argentinos aquela senhora tinha conhecido para falar daquela maneira? Ou seria só uma observação de senso comum? Precisamos de algo para manter o Major afastado disse a Vovó olhando para July. A jovem sorriu carinhosamente. Imagino que já tenha uma solução, Vovó. Harry é a solução. July ergueu as sobrancelhas, curiosa. Pablo franziu o cenho, demonstrando que não gostava da ideia de que Harry se envolvesse naquilo. Se o Major pensar que você tem um compromisso com Harry, não se atreverá a procurá-la explicou a Vovó. Sim, mas Harry não aprovaria... July não concluiu a frase. Não era necessário. Todos sabiam o que Harry não aprovaria. Obviamente que Harry saberá apenas sobre o Major, menina disse a Vovó. Ninguém mais pode saber que nosso amigo está em sua casa, senão dificultará o escape que planejo. Amigo. A palavra fez os olhos de Pablo se nublarem. Não era um amigo que tinha vindo visitar July. Era um soldado inimigo ao qual ela salvara a vida. Assim eram as coisas e não podia esquecer. Não devia. Porque se o fizesse perderia a vontade de voltar para casa. July vivia na Ilha. Só a poderia ter se ficasse na Ilha. E ele não podia ficar. Nem agora, nem depois. Nunca poderia. Voltou a se concentrar no que as duas mulheres falavam. Isso é conveniente para Harry disse a Vovó. Enquanto eles pensarem que há um compromisso entre vocês, o deixarão em paz. Harry veio passar o verão aqui, é o tempo que precisamos. Ele estará de acordo em lhe ajudar e você o estará ajudando. Os dois sairão ganhando.

79 AMANDO AO INIMIGO 79 E depois? A Vovó virou-se para Pablo, surpreendida com o tom cortante da pergunta. Como assim? Como ficará July? Eu me vou, Harry também. Ela ficará aqui, sozinha. E creio que o Major também seguirá na Ilha. A Vovó sorriu e pegou a mão dele. Não coloque a carreta diante dos bois, rapaz. Tudo se arranja em seu tempo. Pablo teria insistido no tema se não fosse pela chegada de Harry. A Vovó despediu-se dele e, com July, deixou a cozinha.

80 CAPÍ TU LO VII I PABLO E JULY não falaram nem do Major, nem de Harry. Ambos sabiam que estavam em desacordo nos dois temas e que se falavam disso, discutiriam. E isso era algo que nenhum deles queria. Na quarta-feira à tarde, quando voltava do campo, July avistou um carro estacionado em frente à casa. Seu coração disparou, mas logo acalmou-se, pois reconheceu o carro: era Harry. Levou Roy ao galpão e seguiu até a casa. Harry já a esperava à porta da cozinha. Olá, Harry. Olá, July. Preferia quando você não trancava a porta. Teria feito um chá. As últimas palavras de Harry desapareceram com os latidos de Nick. Ao perceber que Harry estava perto da porta, o cão se colocara diante dela e taria ameaçadoramente. Harry franziu o cenho. Seu cão está muito agressivo. Não costumava ser assim. Como July sabia a causa dos latidos de Nick, se aproximou e abriu a porta. O cão entrou, mas ela não. Talvez seja porque percebeu que fiquei sozinha disse ela ainda parada à porta. Ou talvez enquanto perseguia os pinguins tenha encontrado o rastro do soldado argentino que o Major Foxsprint procura. Como assim? Do que está falando? Ninguém lhe disse? O Major continua por aqui. Acho que ainda procura o homem. A Vovó me falou do Major. Não é um soldado que ele procura agora.

81 AMANDO AO INIMIGO 81 July entrou. Certamente que Pablo já estava escondido e Nick já verificara que ele estava bem. Harry entrou e como era seu costume, deixou a porta aberta. July fechou-a com a chave. Ele franziu o cenho. Você está levando a sério essa instrução. Bem ela se encolheu de ombros, agora já não sei quem é mais perigoso, se é o argentino ou o Major. O Major disse Harry muito sério. O argentino está morto. July se virou com a desculpa de acender o fogo. Sentiu que empalidecia, não gostava de ouvir falar assim de Pablo. Estaria morto se ela não o tivesse recolhido a sua casa e lhe cuidado. Se não o tivesse conhecido, não se importaria em falar da morte de um soldado desconhecido, mas não era assim. Toda vez que se referiam ao soldado que o Major não conseguira encontrar, em sua mente se formava a imagem de Pablo. Do homem ferido que encontrara e do homem bonito com quem compartilhava sua casa. Gostei da sugestão da Vovó disse Harry. Serve a nós dois. Assim podemos nos arranjar com nossos problemas. Se acertamos um compromisso, meus pais se acalmarão e o Major não terá coragem de se aproximar de você. É o que a Vovó pensa. É assim, July. Além disso, sempre estivemos perto disso. Era o sonho de nossos pais. Sim. Os Collings dominariam todas as terras ao sul do Monte Young. Os olhos cinzas de Harry escureceram adquirindo a cor do chumbo. July Harry a censurou, sabe que sempre gostei de você. Não falava de você, Harry, mas de seu pai. Conhece-o melhor que eu. Seu pai também queria. Claro, assim ficaria garantida minha permanência na Ilha. Os Collings vivem aqui há gerações demais para que deixem a Ilha. Dessa maneira ele não perderia seu sonho de que sua família vivesse na Ilha. Harry balançou a cabeça e tomou fôlego. Nunca falou assim de seu pai. Ele me deixou sozinha. Seu pai não partiu porque quis. Ninguém morre porque quer.

82 82 Cristina Pereyra Não falo de sua morte, Harry, mas de que ele não me preparou para viver. Às vezes sinto-me uma Gata Borralheira que saiu do livro. Ele deu uma gargalhada. Vejo que você está precisando de companhia e diversão. A solidão deixou-lhe amarga, você é muito jovem para isso. July inspirou profundamente e aproximou-se da pia. Não havia sido a solidão que lhe fizera olhar as coisas assim. Foi Pablo. Ele lhe mostrou o quanto seu pai tinha sido negligente em sua educação, como não lhe ensinara as coisas da vida. Mas não podia contar isso a Harry. Então calou-se e começou a preparar o chá. Concorda com o plano da Vovó? perguntou Harry. Acho que não há escolha. Se isso afastar o Major da minha casa, ficarei contente. Harry levantou-se de pé e se aproximou dela. Não vai ser nenhum sacrifício. Já estivemos bem perto de um namoro. Mas já sabemos que não é o que queremos. Isso não impede ninguém de desfrutar um pouco mais da companhia do outro. July estremeceu. Já havia beijado Harry algumas vezes, inclusive houve um tempo em que gostava. Mas agora já não mais. Não queria que ninguém lhe beijasse. Isto é, ninguém que não fosse Pablo. Queria seus beijos, seu carinho. E por isso mesmo não poderia deixar que ninguém outro se aproximasse dela. Nem mesmo pela segurança deles. Harry, é só um acordo. Não é de verdade. Ninguém se convencerá de que somos um casal se não há beijos e carinhos. Sem beijos. Por que não? Você gostava... Não gosto mais. Como podes saber se não o experimenta? Um. Se não gosta, não terão de outros. Não. July estava presa entre a pia e Harry. Se de fato ele tentasse beijá-la, não conseguiria escapar sem que ele protestasse aos gritos. Conhecia seu

83 AMANDO AO INIMIGO 83 amigo: Harry não suportava ser recusado. Não se importaria em escutar seus gritos ou enfrentar-lhe se não fosse pelo medo de que Pablo viesse à cozinha para ajudá-la. Teria que se arranjar sem barulho. Harry passou o braço por seu cintura e atraiu July para junto de seu corpo. Um. Se não quiser, não haverão outros disse ele inclinando a cabeça para buscar os lábios dela. July apertou os punhos e fechou os olhos. Sentia raiva. De Harry. De Pablo. Do Major. De se mesma. Um latido cortou o silêncio da cozinha e os dois foram ao chão, derrubados por Nick. Ao cair, Harry soltou-a e July imediatamente se levantou, colocando-se atrás do cão. Sentado no chão, Harry começou a rir. Isso é que é um verdadeiro cão de guarda. Um homem não pode nem sequer beijar sua dona. É melhor você ir embora, Harry. E nosso acordo? perguntou ele se levantando. Em meus termos ou nada. Como queira disse ele levantando as mãos em rendição. Tenho uma entrega para você. Vim por causa dela. Uma entrega? Donald enviou-lhe lã. Ah! Isso é bom, daqui para frente haverá menos trabalho com as ovelhas e terei tempo para tecer. Harry descarregou os três fardos de lã que Donald tinha enviado e fez questão de levá-los até o quarto do tear. Despediram-se e ela ficou observando o carro se afastar, sem se importar com a garoa que lhe encharcava. Sua vida e seu coração estavam de pernas para o ar. Compreendeu a preocupação da Vovó. Deu as costas para a estrada e entrou na cozinha. Pablo esperava por ela sentado à mesa. Você está bem? Ela piscou antes de responder. Sim July deu-lhe as costas para fechar a porta e também para não enfrentar o olhar dele. Por que não estaria? Ele se encolheu de ombros, mas ela percebeu em seus olhos um brilho zombeteiro.

84 84 Cristina Pereyra O que está escondendo, Pablo? Ele não a respondeu. Levantou-se e caminhou até ela, parando bem perto. July sentiu as batidas de seu coração acelerarem-se, bem como sua respiração, antecipando o próximo movimento dele. Como naquele outro dia, Pablo emoldurou o rosto dela com as mãos e se inclinou para beijar seus lábios. Dessa vez não fez nenhuma pergunta, apenas a beijou. July agarrou-o pelos ombros, mas Pablo manteve aquela pequena distância entre eles. Foi um beijo longo, suave e terno. Um beijo que traduzia os sentimentos dele: desejo e respeito. July já tinha recebido beijos mais ardentes, mas nenhum havia acendido nela a paixão que Pablo lhe provocava com um beijo inocente. Ele se aprumou, sem se afastar dela. Deslizou as mãos para os ombros de July, olhando-a nos olhos com paixão. Você está encharcada disse ele com a voz rouca, precisa de um banho quente e roupa seca. Pablo ajudou-a a tirar o casaco. July sentia vontade de chorar. Desde que deixara de ser uma criança, ninguém cuidava dela como ele fazia. Seu pai não se preocupava com essas coisas, era um homem que vivia para o trabalho. Pablo sabia como cuidar de uma mulher. Esse pensamento trouxe a July a mesma dúvida que a Vovó tinha. Pablo... Sim. Há... há alguém esperando por você? Ele sorriu. Só minha mãe. Não seria capaz de fazer isso com você. Ela deu um pequeno sorriso e baixou o olhar, envergonhada. Vá tirar essa roupa molhada antes que fique com uma pneumonia. Enquanto isso vou colocar a água do banho para esquentar. July entrou no banheiro, tirou a roupa molhada e pôs o robe de lã que pertencera a seu pai. Ficava-lhe grande, mas não tinha outra coisa para pôr agora. Voltou à cozinha. Por que assim que entrei você me perguntou se eu estava bem? Pablo suspirou. Não queria lhe contar, mas July não merecia que lhe mentisse. Fiquei na sala de jantar enquanto você conversava com Harry. Percebi que estavam em desacordo e vim até a porta espiar.

85 AMANDO AO INIMIGO 85 Você é maluco July balançou a cabeça. Ele poderia te flagrar. Pablo deu um sorriso zombeteiro. Não quero ofender teu amigo, mas é necessário alguém mais inteligente que ele para conseguir me apanhar. Por que fez isso? Fiquei preocupado com você. Ele não é indiferente a você, July, acho que já sabia. Sim ela estreitou os olhos. Que aconteceu com Nick? É um cão muito obediente. Pablo... Mandei-o atacar vocês. Por quê? Fico revoltado quando um homem usa sua força para submeter uma mulher a sua vontade. Os olhos de Pablo diziam algo mais que suas palavras, mas July não teve coragem para obrigá-lo a dizer. Ficou satisfeita em identificar a paixão em seu olhar e sua voz. No dia seguinte July voltou cedo do campo, queria trabalhar com a lã e pouco poderia fazer à noite, pois precisava de claridade. Pablo ofereceuse para ajudá-la e não foram necessárias muitas instruções para que ele pudesse manejar a roca. Enquanto trabalhava no tear, terminando a peça que tinha começado antes de Pablo entrar em sua vida, ela o olhava de esguelha. Concentrado na roca, ele parecia não notar essa observação. "Não parece um soldado", pensou July, "mas um homem comum". Trabalharam quase quatro horas trocando poucas palavras e somente sobre o que faziam. A manta estava quase pronta, faltavam-lhe somente uns trinta centímetros, apesar de que eram os mais trabalhosos, pois tinham intrincados desenhos. Assim que olhou a quantidade de lã que Pablo tinha fiado, July se surpreendeu. Muito bem! Eu não teria feito melhor disse ela aproximando-se da roda. Ele se levantou e parou diante dela, falando em voz muito baixa: Quero ser útil enquanto estiver aqui. Faz-me companhia, já é o bastante. Você salvou minha vida, ainda está em vantagem.

86 86 Cristina Pereyra Ela sorriu. Isso era um fato e não tinha resposta, se tivesse sido ao contrário pensaria da mesma maneira que ele. Como Pablo costumava dizer, era tão teimosa e orgulhosa como ele. Pablo deu um passo para frente e segurou os ombros dela com gentileza. Também sorria e tinha nos olhos aquele brilho que ela já conhecia. July sentiu os joelhos fraquejarem e seu coração começou a bater aceleradamente. Foi pouco mais que um roçar de lábios, mas teve o calor de um beijo. Era como se ele estivesse dizendo "você é minha". E ela se sentia sua. Pablo aprumou-se. Manteve as mãos nos ombros dela, mas suas feições agora eram muito sérias. Fica ofendida quando eu a beijo? Você já sabe que não. Antes que ela pudesse dizer algo mais ele pôs o dedo sobre seus lábios e disse: Há coisas que um coração diz e o outro escuta. Nada mais. Em seguida foram para a cozinha preparar o jantar. Depois do jantar July ligou o rádio. Ainda que Harry havia estado ali no dia anterior, esse era o dia combinado e não ia mais deixar de cumprir o acordo. Às nove seu amigo chamou-a e July marcou uma visita aos Collings no domingo. Não podia evitar isso se ia fingir um compromisso com Harry. No sábado, assim como havia feito na sexta-feira, July voltou cedo e dedicou-se ao tear, conseguindo terminar a manta que começara há muitos meses. Cada vez que Pablo se aproximava seu coração começava a bater violentamente na expectativa de ser beijada, mas isso não ocorreu nem na sexta-feira nem no sábado até que jantaram. Depois de limpar a cozinha ocuparam-se de tingir a lã no banho. Pablo surpreendeu-se com os conhecimentos de July, que utilizava plantas e rochas em variadas misturas para obter os tons que desejava. Mal terminaram ela se aproximou dele, apoiou as mãos em seu peito e ergueu o olhar para seu rosto. Pablo balançou a cabeça e segurou-a pelos ombros. Isso é uma loucura disse ele com a voz rouca. Nós dois queremos. "Sim", pensou ele, "nós dois queremos muito." Tinha percebido o desejo dela desde ontem, mas conseguiu se controlar. Enquanto ela não aproximou como agora. Podia sentir o calor das mãos dela em seu peito. O tecido da camisa a impedir o contato direto só aumentava seu desejo. Chegara a seu limite. Mais cedo ou mais tarde July seria sua mulher.

87 AMANDO AO INIMIGO 87 Quanto mais tarde, melhor para os dois. Com certeza o ciúme que sentia de Harry ia acelerar o processo, mas ainda podia se controlar um pouco. Inclinou-se para ela. July fechou os olhos esperando aquele suave roçar que fora o outro beijo deles e foi surpreendida pela língua quente desenhando o contorno de seus lábios antes que ele os cobrisse com os seus. O contato delicioso a fez estremecer e deslizou as mãos pelo peito de Pablo até chegar a seus ombros para agarrar-se com força, por medo de que suas pernas se dobrassem. Foi um beijo de posse e ela se entregou. O domingo na casa dos Collings foi longo para July, estava preocupada com Pablo. Não gostava de deixá-lo sozinho em casa, mas teria que se acostumar pois agora que ela e Harry tinham "revelado" o compromisso não poderia deixar de vir à fazenda vizinha nos domingos. Como supunham os jovens e a Vovó, os pais de Harry ficaram muito contentes com a novidade. A senhora Collings quis celebrar o compromisso de maneira formal, com bolo e um brinde, e por causa disso a visita foi mais longa do que July tinha desejado. O sol já baixava no horizonte quando Harry e ela deixaram a fazenda dos Collings. Mal avistou sua casa, July sentiu seu coração se encolher. Engoliu em seco e fechou os olhos. Não podia acreditar no que via... estivera nervosa todo o dia, com certeza pressentindo isso. Começou a tremer e Harry pegou sua mão. Acalme-se, July. Já veremos o que o Major quer dessa vez. "Ele quer Pablo ", pensou ela, "e seguramente já o tem. Com certeza ficou nos vigiando e aproveitou a oportunidade para o pegar. Maldito seja, Major!" Lágrimas corriam por suas faces enquanto Harry acelerava para aproximar-se mais rápido da casa. Assim que Harry parou o carro July arregalou os olhos fitando aterrorizada os dois carros do exército estacionados perto da porta da cozinha. Harry tinha parado na frente da porta principal e logo desceu do carro, dando a volta para abrir a porta para ela. July desceu já olhando para o Major, que se aproximava. O que está acontecendo aqui? perguntou Harry ao Major enquanto segurava July pela mão. Olá, jovem Collings. Senhorita Steaday saudou o Major sem responder a pergunta de Harry.

88 88 Cristina Pereyra O que está acontecendo em minha casa? insistiu July. A cada segundo ficava mais aterrorizada. Não é preciso que fique nervosa, Senhorita. Não é nada importante. O que aconteceu? ela ergueu a voz. Harry abraçou-a, sussurrando ao ouvido em seu ouvido "acalme-se". Como podia se acalmar se aquele estúpido do Major não lhe respondia? Como se acalmar sem saber nada de Pablo? Meus homens perceberam um movimento em seu galpão enquanto faziam a ronda. July começou a tremer violentamente e Harry a estreitou contra seu peito encarando o Major com raiva. Está deixando minha noiva muito nervosa, Major, diga de uma vez o que se passa nesta fazenda. Não se passa nada respondeu o Major de má vontade. A Senhorita deixou um pouco de lã estendida no galpão e o vento a balançou, enganando meus homens. O movimento ali levou-os a revistar o galpão, mas não há nada. Tem certeza que não? insistiu Harry. Sim. Revistaram todo o galpão e o galinheiro. Não há ninguém escondido nem rastros de que alguém tenha passado por ali. Só encontramos suas pegadas, Senhorita Steaday. Revistaram o galpão? ela ergueu o olhar para o Major. Roy não se assustou? Costuma se assustar quando alguém entra no galpão. Roy... é seu cavalo? Sim. Assim que meus homens chegaram se escapou para o campo. Ainda não o encontraram? July perguntou preocupada pois já escurecia. Não saímos para procurá-lo. O que? Harry voltou a estreitá-la contra seu peito, pedindo-lhe calma. Senhorita, meus homens estavam ocupados buscando um possível invasor em seu propriedade. Aquela lã estendida no galpão não o invadiu, fui eu mesma que a pôs ali depois de tingi-la ontem à noite July balançou a cabeça e se

89 AMANDO AO INIMIGO 89 soltou dos braços de Harry. Preciso procurar Roy, ele não está acostumado a passar a noite no campo. Harry segurou sua mão. Vamos entrar e chamarei os homens da fazenda para procurá-lo. July assentiu e ele se virou para o Major. Já terminaram? Sim. Boa noite. July ainda tremia e Harry tirou a chave de sua mão para abrir a porta. July entrou e Nick saltou sobre ela. July abraçou seu cão com força. Se Nick não estava latindo como um louco, significava que Pablo estava bem. Antes que ela percebesse, Harry já tinha passado ao interior da casa, atrás do rádio. Ela soltou Nick e foi atrás de Harry. Ele tinha entrado no quarto que havia sido de seu pai e ligava o rádio. July tremia, agora pelo medo de que Harry pudesse perceber que alguém usava o quarto. Enquanto ele falava com seu pai, contando-lhe o encontro com o Major e pedindo homens para procurarem Roy, July revisava com os olhos o cômodo. Pablo sempre mantinha tudo em perfeita ordem, ninguém conseguiria notar sua presença naquela casa. Assim que Harry terminou de falar com seu pai, os dois voltaram à cozinha e ela acendeu o fogo. Harry ficou com ela, para a acalmar. Não era isso que July precisava para se acalmar. Precisava que ele se fosse para poder falar com Pablo. Os homens dos Collings precisaram de três horas para encontrar Roy e trazê-lo de volta a casa. Em seguida Harry foi-se. July fechou a porta e ficou parada, esperando Pablo surgir na porta da sala de jantar como sempre fazia. Olá ele a saudou. Como foi seu dia? Pablo! Depois de todo isso você fala como se não tivesse acontecido nada. Não posso acreditar... Roy já está no galpão e nós estamos aqui, o que mais você quer? Tudo está bem, July ele se aproximou e a abraçou. Já falei que é necessário um homem muito inteligente para me apanhar. Ela tomou fôlego. Tinha estado nos braços de Harry e não sentira nada do que sentia agora, nos de Pablo. Seu coração batia descompassado, o ar lhe faltava, os joelhos fraquejavam. Passou os braços pelo pescoço

90 90 Cristina Pereyra dele e ergueu o queixo para fitá-lo. Pablo tomou seus lábios em um beijo selvagem que tirou o fôlego dos dois e em seguida se afastou. July deu um sorriso triste. Sabia porque ele se afastara. Deixou-se cair em uma cadeira, exausta. Por que não se permite desejar-me? Ele passou os dedos pelo cabelo em um gesto de desespero. Não posso fazer mal a quem me salvou a vida disse ele em voz muito baixa. Você não é tonta, sabe como isso terminaria. Ela não continuou a conversa. Era inútil. Ele era tão teimoso como ela. E era um homem com um imenso senso de honra. July suspirou e mudou de assunto: Acha que o Major veio atrás de você? Não. Vi como eles chegaram. Tomaram seu galpão de assalto. De fato estavam certos de que tinha alguém ali. Sério? Sim. Não fosse pelo risco de que fizessem o mesmo com a casa eu teria morrido de tanto rir. Fiquei aterrorizada ao vê-los aqui. Vejo em seus olhos. Se me disser onde guarda aquelas suas ervas mágicas para os nervos, faço um chá para você. Não precisa ela sorriu e se levantou. Eu mesma o faço. Conseguiram convencer os pais de Harry de que há um compromisso entre vocês? Sim, a mãe dele quis até mesmo fazer um brinde com bolo. Parece incômoda, July. Não gosto de mentir. E desde que me encontrou o faz com frequência Por minha causa. Nesse caso não é por você. Teria que fazê-lo mesmo que você não estivesses aqui. Se eu não estivesse aqui, esse brinde poderia ser verdadeiro, não? Ela demorou um momento em contestar. Talvez. Deveria pensar seriamente nisso, July. O que?

91 AMANDO AO INIMIGO 91 A ideia de ter um compromisso com Harry. É alguém que poderá ficar a seu lado. Ela lhe deu as costas para que ele não visse as lágrimas. Não preciso de ninguém a meu lado. Posso arranjar-me sozinha. Inclusive com o Major? Inclusive com ele. Se não fosse porque você está aqui, enfrentaria ele sozinha. O farei assim que você for embora. Leve a sério a possibilidade de um compromisso com Harry, July. Seria o melhor para você. Pablo saiu da cozinha deixando-a sozinha com suas lágrimas e Nick. Ainda que tentassem se portar com naturalidade nos dias seguintes, havia uma tensão que não conseguiam afastar de sua relação. Não falaram de Harry até a quarta-feira pela manhã, quando July lhe avisou que ele viria pela tarde. Também não tinham voltado a se beijar. Um não se aproximava do outro o suficiente para que isso ocorresse. Pablo pelo medo de perder o controle, July por medo de sofrer uma humilhação. Não suportaria ser recusada por ele quando o queria como a ninguém antes dele, e tinham tão pouco tempo para ficarem juntos. A quarta-feira foi um dia longo para Pablo. Dizer a ela que deveria pensar seriamente em um compromisso com Harry quando ele estava longe era fácil, difícil era saber que em poucas horas July ficaria conversando e tomando o chá com Harry. Ciúmes, sim, tinha ciúmes de July. Balançou a cabeça. Nunca quisera ninguém como a queria, e nunca poderia tê-la. Não da maneira que de fato a queria: a seu lado para sempre. Por sugestão de July, Pablo ocultou-se na "tumba" e ocupou-se estudando os mapas do pai dela. Não podia deixar sua mente vazia enquanto ela estava com Harry, os ciúmes lhe consumiriam. Pensou na missão que lhe tinham designado ao enviá-lo à Ilha. A missão que nunca cumpriria. Pela primeira vez em sua vida adulta falhara. Doía assumir, mas tinha falhado. Dedicou um longo tempo a estudar um mapa geológico da Ilha. O senhor Steaday tinha investido uma pequena fortuna naqueles mapas, pois eram de grande qualidade e precisão, ainda que antigos. Provavelmente os tinha trazido da Inglaterra quando veio há mais de vinte anos, mas as Ilhas seguiam no mesmo lugar do Oceano, ou seja, os mapas ainda tinham utilidade.

92 92 Cristina Pereyra Quando chamou à porta pela quarta vez, July já começava a chorar e tinha vontade de bater com força. Nick começou a latir e em seguida Pablo abriu a porta, olhando o cão com curiosidade. July abraçou-o, surpreendendo-lhe e preocupando-lhe ao mesmo tempo. O que foi? Eu o chamei quatro vezes antes que você abrisse essa maldita porta. Percebendo a voz chorosa dela, ele a estreitou contra seu corpo. Já lhe prometi que não me vou assim, sem dizer adeus. Eu sei ela deu um pequeno sorriso, mas não posso controlar esse medo. Eu lhe assustei, sinto muito disse ele acariciando-lhe as costas. Sou uma estúpida. Pablo tomou fôlego. Como resistir quando a tinha nos braços? O suave perfume de seu cabelo chegava-lhe ao nariz. Perfume de violetas. Sentia o calor das mãos dela em suas costas, repetindo as mesmas carícias que ele lhe fazia. Suas mãos agora seguiam o mesmo ritmo, acariciavamse da mesma maneira, com a mesma ternura. Queriam-se da mesma maneira. Desejavam-se com a mesma intensidade. July... Ela compreendeu aquele chamado. Ergueu o queixo e não esperou que ele a buscasse, lhe ofereceu os lábios para um beijo que foi cheio de carinho e paixão. Sem fôlego, as bocas separaram-se, mas seguiram abraçados por um longo tempo. Dessa vez foi ela quem interrompeu os carinhos. Vou acender o fogo na sala disse July, afastando-se dele. Pablo ficou ali, apoiado no batente da porta, observando-a. Um anjo. Talvez não fosse a mulher mais bela que havia conhecido, mas era muito bonita. Seu rosto refletia sua alma: inocência e generosidade. Também algo de determinação. Um conjunto muito atraente. O cabelo loiro de um anjo e os olhos verdes de uma gata selvagem. Um sorriso capaz de fazer qualquer um perder o juízo. July foi para a cozinha e quando voltou trazia uma bandeja com a comida. Deixou a bandeja na mesinha de centro e sentou no tapete. Com um gesto convidou Pablo a sentar-se ao seu lado. Nick foi para a cozinha, com certeza para comer sua ração.

93 AMANDO AO INIMIGO 93 Harry quer que eu leve minhas ovelhas para seus campos disse ela enquanto comiam. Acha que é muito trabalho para mim ocupar-me da casa, das mantas e dos animais. O que você pensa disso? perguntou Pablo com cautela. Ela tomou fôlego antes de contestar. Seria o melhor. Mas a ideia não me agrada. A mim também não. O tom decidido de Pablo a fez erguer o olhar para seu rosto, curiosa. Pablo suspirou, talvez fosse um bom momento para abrir os olhos de July. Você me disse que tinham ovelhas premiadas, que aconteceu com elas? Onde estão suas crias? Não sei disse July, se encolhendo de ombros. Assim que papai pode ficar de pé outra vez e sair para cuidar do rebanho, não estavam aí. Apenas isso. Apenas isso... desapareceram no ar enquanto seu pai estava doente e você o cuidava. O gado precisa do olho do dono, acho que acontece o mesmo com as ovelhas. Falaram mais um pouco do trabalho na fazenda e em seguida deitaram-se. Essa noite foi difícil para Pablo adormecer, a análise que tinha feito dos mapas do pai de July lhe trouxera de volta à mente sua missão. Tinha muito do que precisava ali, mas que utilidade teriam aquelas informações se tinham perdido a guerra? Agora havia menos trabalho no campo e July voltava cedo, ficando a tarde inteira em casa, ao tear. Toda a lã enviada por Donald já estava pronta para ser usada e não tinha mais nada em que Pablo pudesse a ajudar senão nos afazeres domésticos. E os fazia muito bem, surpreendendo a July. Era sábado, já começava a anoitecer e July seguia ao tear. Pablo parou na porta do quarto e fitou-a, sorrindo. Ela percebeu de sua presença e ergueu o olhar para ele, também sorrindo. Acho que ficarão prontas antes do prazo que Donald me deu disse ela apontando a peça no tear. Ele pagará mais por isso? Não. Então deixe o trabalho e venha convidou ele lhe estendendo a mão.

94 94 Cristina Pereyra July se aproximou e pegou sua mão. Esperava um beijo, mas Pablo apenas segurou sua mão e assim seguiram para a sala. Ele havia acendido o fogo e arrumado a mesinha para jantarem ali. O vinho é para celebrar que seu trabalho vai bem disse Pablo enchendo os copos. Comeram conversando sobre o trabalho com a lã. July estava muito animada e isso aliviava a consciência de Pablo. Todas as vezes que pensava em deixá-la sozinha outra vez seu coração protestava. Ele voltaria para casa, para uma família, amigos... ela ficaria no lugar que tinham compartilhado, e sozinha. Talvez o trabalho para Mark Donald lhe amenizasse a solidão... Talvez se decidisse a aceitar um compromisso com Harry Collings... July quis ajudá-lo a recolher as coisas, mas Pablo não aceitou e pediu que ela ficasse na sala. July virou-se para o fogo, olhando as chamas. Pensou no calor do olhar de Pablo, no que se acendia nela com esse olhar. Se o resultado da guerra tivesse sido outro, ele poderia ficar. Nesse caso, ficaria com ela? Ou seria ela quem teria que ir embora da Ilha rumo à terra em que tinha nascido e não conhecia? Pablo ficou um instante parado na porta da sala de jantar, fitando-a. July estava cansada, tinha trabalhado muito no tear essa semana. Aproximou-se. Você está tensa disse ele se ajoelhando por trás dela e começando a massagear os ombros dela. Fica muitas horas seguidas ao tear. Ela suspirou e fechou os olhos, queria desfrutar ao máximo daquela sensação maravilhosa das mãos dele deslizando em suas costas. Levou um bom tempo até que ela estivesse relaxada. Pablo encheu um copo com o vinho e compartilharam a bebida. Está muito séria, July. Você não parece um soldado. De fato, falta-me o uniforme. Falo sério, Pablo protestou ela. Pois bem, por que não pareço um? Como deveria ser para que parecesse um soldado? Não tem a aparência de um homem que mata. Claro que não, sou um homem do exército, não um assassino. Soldados matam.

95 AMANDO AO INIMIGO 95 Se há guerra, há morte. Isso é inevitável. Mas você não pode confundir homens que lutam por aquilo em que acreditam com pessoas que matam sem motivo. Com ou sem motivo, matar é matar. E vocês passam a vida treinando para isso. Pablo tomou fôlego. Estava certo de que essa visão do exército ela tinha aprendido com seu pai, que havia visto a Segunda Guerra de perto segundo o que a própria July lhe contara. Mais uma das próprias más experiências que aquele homem passara para sua filha. As Ilhas são pequenas, ainda que hostil, a natureza poupou-as dos grandes desastres, July. Assim, você não sabe o que o exército pode fazer pelas pessoas. Terremotos, inundações, furacões... todo isso deixa um rastro de destruição inacreditável. Não há bombeiros o bastante para atender a todos, as pessoas comuns não têm equipamentos nem treinamento para atender feridos ou buscar por desaparecidos. Quem o faz são os soldados. Quando as estradas ficam intransitáveis, só os tanques de guerra conseguem cruzar as terras assoladas pela desgraça para levar a comida e os remédios que a população precisa. Isso faz o exército de meu país. July encolheu-se depois desse discurso tão cheio de paixão e de argumentos. Sinto muito, Pablo. Não se desculpe. Não pode conhecer o que não lhe ensinaram. Ela inclinou a cabeça e o fitou com atenção. Continuo achando que você não pareces um soldado. Ele a segurou pelos ombros. Talvez seja porque você não goste da ideia de beijar um soldado. Ela sorriu e passou os braços por seu pescoço. De fato não gosto nem um pouquinho de beijar um soldado. Não? Não. Ele ergueu as sobrancelhas, sem compreender o sentido do que ela dizia. July riu aproximando seu rosto do de Pablo. Mas beijar um sargento é uma coisa que eu gosto. E muito.

96 C APÍ TULO I X JULY FECHOU a porta da cozinha e suspirou. O domingo com os Collings tinha sido longo, além disso, Harry tinha entrado para tomar uma caneca de chá e ficara mais de uma hora falando. A companhia dele ainda lhe agradava, mas queria ver Pablo assim que chegasse em casa, e se Harry ficava com ela, não podia fazê-lo. Esperou um momento, mas ele não apareceu à porta da sala de jantar como era seu costume. July ficou séria. Acariciou a cabeça de Nick sem fitá-lo. Assim que chegou, o cão tinha vindo à cozinha e latido para Harry como costumava fazer. Enquanto falava com seu amigo, Nick tinha ficado na porta da sala de jantar como fazia desde que Pablo estava em sua casa. July achara que ele estava escondido no quarto. Por que não viera a seu encontro agora que Harry já tinha partido? Pablo inspirou profundamente. Não podia se deixar levar pelos ciúmes. Além de não ser sua, de não poder oferecer nenhum futuro a ela, July precisava do disfarce do compromisso com Harry para ficar em segurança. Principalmente quando ele a deixasse. Essa ideia causava-lhe uma dor no peito, mas era a dura realidade. Teria que deixá-la. Controlando sua ansiedade, tinha ficado na "tumba" mesmo depois de ouvi-la entrar na casa. July sorriu. Pela primeira vez não ficou em pânico. Sabia que ele não iria embora nem se deixaria pegar. Pablo não ia deixá-la a não ser no momento de voltar para casa. Agora estava certa disso. O jantar romântico de ontem não tinha sido uma despedida, mas uma promessa. Não havia um futuro para eles, mas havia o amanhã, e era isso que importava.

97 AMANDO AO INIMIGO 97 Pablo ergueu o olhar do mapa e girou a cabeça lentamente para a porta. Tinha percebido a presença dela e que estava tranquila, mas a serenidade no rosto de July lhe surpreendeu. Enfim acreditou na minha palavra. Ela sorriu e se aproximou dele. Acho que compreendi que você é capaz de desaparecer sem deixar rastro e assim mesmo seguir aqui. Ele a abraçou e July enterrou o rosto no seu peito. Algo de mim sempre seguirá aqui, bem como levarei algo de você quando deixar a Ilha. Isso não deveria ter acontecido... mas foi inevitável. Você é um anjo. Um anjo solitário. Ela lhe acariciou as costas e ergueu o olhar para seu rosto. Há muitas coisas em nossa história que não deveriam ter ocorrido, mas não fomos nós que as fizemos assim. Ninguém consegue fugir de seu destino. Ele acariciou a face de July. Soubera desde o começo que a teria em seus braços, mas não sabia que ia ficar apaixonado dessa maneira. July era a mulher com a qual tinha sonhado toda sua vida. E a tinha conhecido por causa da guerra. Da guerra que tinham perdido. Quanto sangue havia sido derramado nesse solo onde ele tinha encontrado a felicidade? Não tinha números, pois estava isolado desde que chegara ali, mas estava seguro de que muitos dos seus tinham perdido a vida. E ele só não a tinha perdido porque July o salvou. A estreitou ainda mais nos braços. Terça-feira à tarde July trabalhava no tear quando Pablo a avisou de que um carro tinha estacionado perto da casa. Antes que ela chegasse à cozinha escutou o chamado. July fez uma careta de aborrecimento ao reconhecer a voz do Major. Suspirou e abriu a porta sorrindo. Olá, Major. Percebeu algo errado em minha propriedade? O Major notou a ironia dela. Sabia o motivo e estava envergonhado pela atitude de seus homens. Sinto muito pelo que aconteceu outro dia, Senhorita. O fato de ter encontrado aquele inimigo na Ilha deixou os homens um pouco nervosos. Ninguém esperava por isto. Certamente que não concordou July. Ela compreendia como eles tinham se sentido, pois também tinha encontrado um e foi uma imensa surpresa. Além do medo.

98 98 Cristina Pereyra Senhorita, precisamos conversar. Fale. O Major baixou o olhar para o chão, tomou fôlego e voltou a olhar para o rosto dela. É particular. Muito particular. July teve vontade de dizer não, mas não podia se arriscar em uma discussão com o homem responsável pela segurança da Ilha. O homem que poderia levar Pablo à prisão. Conseguiu controlar-se, além disso tinha Nick a seu lado. O Major não poderia se aproximar dela sem ser atacado pelo cão. Entre disse ela dando alguns passos para trás. O Major entrou na cozinha e sentou-se na cadeira indicada por July, que se sentou em frente a ele. Senhorita, o que vamos falar é confidencial. Nem sequer seu noivo pode saber que eu lhe disse. "Bem", pensou July, "já está considerando Harry como meu noivo. Isso é bom." Por quê? ela perguntou. Tenho ordens para não dizê-lo a ninguém. Nesse caso, por que vai dizer para mim? Porque estou preocupado com sua segurança. Só por isso? Bem o Major parecia incômodo, também porque talvez possa nos ajudar. Verdade? ela apertou os olhos. Problemas, Major? Argentinos? Um. Aquele que procuravam outro dia em minha fazenda? ele assentiu. Havia me garantido que ele não estava mais por aqui. Revistaram tudo e me disseram que ele se lançara ao mar. Continua vivo? O Major tomou ar. Não sei. O outro, aquele que encontramos em Port Stephens, está no hospital de Stanley e disse que seu companheiro não ia se lançar ao mar. Insiste que ele segue vivo na Ilha. O Comando deu-nos ordens para procurá-lo.

99 AMANDO AO INIMIGO 99 E como os últimos rastros dele estavam em minha fazenda, veio buscá-lo em minha casa. Acha que estou ocultando-o. Não, Senhorita se apressou o Major em dizer. Claro que não. Ela lhe sustentou o olhar e pensou que se Pablo a visse nesse momento ficaria orgulhoso de seu sangue frio e coragem para enfrentar o Major. Então, Major, por que veio a minha casa? O prisioneiro contou que eram um grupo de seis homens e só os dois sobreviveram. Esse outro, um sargento, era o chefe do grupo, um homem determinado e valente. Além disso, muito inteligente. Palavras de seu companheiro. Ainda não percebi onde entro nessa história já que não veio procurar esse homem em minha casa. Como o rastro dele desaparecia em sua fazenda, para o Leste, voltei a procurar a partir deste ponto. E? Verifiquei cada gruta que ele pudesse usar como esconderijo. Mas não o encontrou. Não. O homem parece ter desaparecido no ar. Tudo que encontrei foram seus rastros. July ficou pálida. Onde? No farol. July começou a tremer. Sinto muito por assustá-la, Senhorita. Refleti muito antes de vir lhe contar isso, mas é melhor que saiba o perigo que ronda sua fazenda. Lógico murmurou ela. Sua cabeça dava voltas, como poderia o Major ter encontrado o rastro de Pablo no farol se ele estava em sua casa? Revistei o farol essa tarde e há pegadas recentes, talvez da noite passada. Por isso decidi avisá-la. Ele pode se aproximar da casa. Obrigada, Major. Vou levar a sério sua advertência. Enquanto não sabemos o que está acontecendo nessa Ilha, Senhorita, é melhor que não saia sozinha pelo campo. Eles já nos surpreenderam uma vez...

100 100 Cristina Pereyra July perguntou-se quem eram eles, os dois infelizes que tinham ficado esquecidos ali ou os que invadiram a outra Ilha e começaram a guerra? Não restava dúvida de que tinham sido duas surpresas para a Inglaterra. Não posso prometer que não irei ao campo, Major, mas o evitarei. Por favor, Senhorita Steaday, não vá sozinha. Se precisar ir ao campo, chame seu noivo ou a nós. E que direi se o tema é confidencial? O medo senta bem em uma mulher, ninguém lhe condenará se ainda está impressionada com os fatos anteriores. Bem, que posso dizer dessa visita de hoje? É melhor que conte sobre ela a Harry antes que alguém o faça. Sempre há quem saiba e diga por aí. Um pedido de desculpas pelos fatos do outro dia e detalhes para meu relatório oficial. Está bem. O Major despediu-se e ela lhe acompanhou até o carro. July ficou um instante observando o jipe avançar pela campo, afastando-se de sua casa, e refletindo sobre as coisas que tinha ouvido. Em sua cabeça as perguntas davam voltas e em seu peito crescia o medo das respostas. Mal entrou, Pablo veio para a cozinha. Ao perceber a confusão e o medo na face dela, os olhos dele adquiriram um brilho feroz. O que fez esse homem para que esteja assim? Ela se aproximou dele e pôs as mãos espalmadas em seu peito. Ergueu o olhar para o rosto dele e percebeu toda a preocupação que havia por trás daquele semblante feroz. Você mentiu para mim alguma vez? Que disse o Major?, perguntou-se Pablo. Mas July queria respostas dele, o melhor que podia fazer era ouvi-la e responder. Teria tempo para esclarecer os fatos da visita do Major. Tudo o que lhe disse é verdade. Há detalhes do que fizemos para sobreviver que não lhe contei nem nunca contarei. Não precisa saber de todos os horrores da vida, July ele a segurou dos ombros e fitou com doçura aquele rosto de anjo. E da missão à qual me enviaram nada direi. É segredo de Estado, não posso trair meu país.

101 AMANDO AO INIMIGO 101 Claro volveu ela tomando fôlego. Olha, Pablo, quero a verdade, seja o que seja. Estamos juntos nisso, lembre-se. Pergunte, July. Não posso adivinhar o que quer saber. Saiu da casa alguma vez? Não. Haviam outros, além de você e do que o Major já capturou? Haviam outros quatro homens, mas morreram. Só nós dois seguimos vivos. Que aconteceu, July? O Major encontrou pegadas perto do farol. Recentes. Se não são suas nem há outro na Ilha, de quem são? Não tenho a resposta, estou preso nessa casa. Podem ser de qualquer um, inclusive dos homens dos Collings quando saíram atrás do seu cavalo. São mais recentes. O Major continua lhe procurando porque seu companheiro garantiu que você não cometeria suicídio, e assim as encontrou. Pensa que são suas e me pediu que não saia sozinha para o campo. Ele pediu, eu lhe proíbo. Ela sorriu. Quem você pensa que é para me proibir alguma coisa? Você me proibiu um montão de coisas, acho que posso proibir-lhe uma. Talvez... July, isso é muito sério. Há alguém rondando na Ilha e não sabemos quem é. Não sou eu, como acredita o Major, você diz que não são os homens dos Collings, pode ser alguém que não tenha boas intenções. Se as tivesse, teria se aproximado das fazendas, não? Claro ela ficou em silêncio um instante. Tem certeza de que seus homens estão todos mortos? As feições dele se endureceram. Morreram diante de meus olhos sem que eu pudesse fazer nada para lhes salvar a vida. Ela ergueu a mão e tocou seu rosto, lhe acariciando. O Major disse que você era o comandante da missão, sentia-se responsável pela vida deles, não?

102 102 Cristina Pereyra Era o responsável, e não pude salvá-los. Salvou um. Além de você mesmo. Perdi quatro. Quatro famílias perderam seus filhos porque eu falhei. Ela balançou a cabeça. Não havia nada mais a dizer diante de tal dor. Nada que dissesse aliviaria o peso que Pablo carregava, isso era algo com o qual ele teria que se arranjar sozinho. July abraçou-o e afundou o rosto em seu peito. Não podia apagar suas más lembranças, mas poderia lhe oferecer boas lembranças da Ilha. Como tinham combinado fazer para que os pais dele não percebessem que o compromisso entre eles era falso, Harry veio na quarta-feira. Assim que July contou-lhe da visita do Major ele ficou furioso. Não posso acreditar que ele continua se aproximando de você! Harry, não precisa ficar irritado com o Major, ele apenas veio se desculpar. Você é ingênua, July disse ele estendendo a mão sobre a mesa e segurando a dela, e ele pode se aproveitar disso. Não se preocupe, me arranjo bem sozinha disse ela retirando a mão da dele. Além disso, em pouco tempo estarei novamente sozinha Harry franziu o cenho e ela se deu conta de que tinha dito algo que não devia. Você desistiu dos seus planos? Pensei que voltaria para a Inglaterra para estudar. É o que quero, mas não sei se poderei fazê-lo. Por que não? Ele se agitou na cadeira, desviou o olhar do rosto dela e então a respondeu: Não gosto da ideia da deixá-la desprotegida aqui. Não sou de vidro, Harry. O tom de irritação da resposta dela fez com que Harry mudasse de assunto. Falaram dos tempos de escola, das festividades em Port Stanley que costumavam assistir juntos e da tosquia. Ao fim da tarde ele se foi. July foi atrás de Pablo na "tumba" e encontrou-o estudando um dos mapas de seu pai. Aproximou-se dele sorrindo. Planejando fugir de mim? Ele ergueu o olhar para ela e percebeu o sorriso de troça. Deu um passo adiante e passou o braço pela cintura dela.

103 AMANDO AO INIMIGO 103 É o que eu deveria fazer, feiticeira disse ele antes de beijá-la. Foi um beijo suave e curto, como costumavam ser os beijos dele, mas July conseguia perceber toda a paixão que Pablo mantinha sob controle. Assim como ele, ela sabia que um dia não poderiam mais se controlar e os sentimentos prevaleceriam. E aguardava por esse dia com ansiedade. Queria Pablo e não se censurava por isso. July sabia que nunca mais sentiria isso. Pablo seria o único homem que amaria em sua vida e por isso queria desfrutar com ele de tudo que um homem e uma mulher desfrutam juntos. O beijo terminou, mas seguiram abraçados. Você aprecia estes mapas, não? Seu pai tinha uma coleção valiosa. Se os vendesse, July, talvez pudesse saldar tuas dívidas. Têm tanto valor assim? Sim. São muito bons, antigos e raros. Fariam a felicidade de qualquer colecionador. "E a de seu exército", pensou ela com amargura. Não podia ignorar o abismo que os separava. Lágrimas correram por sua face. Pablo ficou sério, mas antes que ele pudesse lhe fazer alguma pergunta, ela se escapuliu para a cozinha. Pablo suspirou. Haviam coisas entre eles que não podiam ser mudadas por nenhum dos dois. Coisas que os afastavam, que se interpunham entre os sentimentos que cresciam em seus corações. Pensou em seu companheiro. Sim, ele tivera mais sorte, pois estava em um hospital onde lhe tratavam sem nenhum vínculo emocional. Talvez tivesse sido melhor seguirem juntos e ter esse destino. Não teria conhecido July, não estaria apaixonado por ela. Pablo deu um sorriso amargo. Não lhe agradaria nem um pouquinho ter sido capturado pelo exército das Ilhas. Talvez logo enviassem seu companheiro paraa casa. Talvez não. Assim como para ele, não haviam garantias de voltar para casa. Ao menos agora sabia que ele estava bem, ia recuperando a saúde e não perdera a lucidez. Esse tinha sido o medo deles naqueles dias terríveis. Na quinta e na sexta July e Pablo trocaram poucas palavras, mesmo ela ficando em casa como lhe tinha recomendado o Major. Pela primeira vez estavam incômodos um com a presença do outro. Pablo sabia que a causa disso era o que conversaram na quarta-feira depois que Harry se foi.

104 104 Cristina Pereyra Alguma coisa havia magoado July, mas ele não conseguia descobrir o que tinha sido. A única coisa que lhe ocorreu foi que ela estaria imaginando que seu interesse pelos mapas era com a intenção de fugir. Havia tomado o comentário dela como uma brincadeira naquela tarde, agora já achava que July falara a sério quando lhe perguntou se planejava fugir. Sábado à tarde Pablo teve coragem para enfrentar July e seus fantasmas. Não suportava mais o silêncio entre eles nem a dor nos olhos dela. Fosse o que fosse, precisavam esclarecer. Buscou-a no quarto do tear. July, precisamos conversar. Sim disse ela sem tirar o olhar do tecido que fazia. Ele se aproximou e pôs as mãos nos ombros dela. É sério. Deixe o trabalho. July fechou os olhos. Por que o queria tanto? O calor das mãos dele fazia seu sangue correr mais rápido e seu coração bater loucamente. Ela o queria, mas que queria ele? Queria a ela ou ao que podia obter dela? Era uma relação temporária, mas não suportaria ser só um objeto nas mãos dele. Estremeceu. Venha até a sala e conversaremos, July. Não suporto mais essa dor em seu olhar. Ela tomou fôlego e sem o fitar, foi até a sala. Pablo seguiu-a. July sentou no sofá, a cabeça abaixada e as mãos no colo. Pablo ficou de cócoras a sua frente e tomou-lhe as mãos. O que está acontecendo? Nada. Há algo, sim. Você está diferente desde quarta-feira, e não é por causa Harry. É por causa dos mapas de seu pai? Sim murmurou ela. Deveria ter dito que não gosta que eu os olhe. Claro que não me ocuparia com eles. Não é isso, é... July não tinha coragem de lhe dizer a verdade. Soltou suas mãos das dele e levantou-se. Caminhou até a janela e olhou o céu cinza. Pablo seguiu-a com o olhar. O que é? Tolices de mulher, nada mais.

105 AMANDO AO INIMIGO 105 Pablo suspirou. Não ficaria satisfeito com meias verdades. Nunca menti para você. July estremeceu e rodeou o corpo com os braços. Aqueles mapas interessam ao seu exército. Obviamente. Vi os melhores mapas que temos das Ilhas e não chegam nem sequer aos pés dos seus ele franziu o cenho. Não vou roubá-los, July. Não pensei isso! July se deu a volta para fitá-lo e seus olhos refletiam a sinceridade de suas palavras. Pablo sorriu. Então, por quê? Porque me fez lembrar de tudo o que nos separa. Ele balançou a cabeça. Levantou-se e aproximou-se dela. Tocou sua face. Tinha nos olhos a mesma tristeza que via nos dela. Você sabia de tudo isso quando me trouxe para sua casa. Sim, mas não sabia o muito que ia te querer. Não pensei que me apaixonaria por você. Ele a abraçou. Também te quero, mas não posso mudar o homem que sou. Não quero que mude, somente... às vezes é difícil pensar em quem você é, no que vocês vieram fazer aqui. Está julgando sem conhecer os fatos, July disse ele lhe acariciando as costas. Se eu tivesse vindo para fazer o que pensa, teria estado em Soledad com os outros. Se vim para outra Ilha, certamente é porque tinha uma missão diferente. Uma missão que eu não posso saber. Sim. E os mapas têm algo a ver com sua missão. Um pouco admitiu ele. Veja, July, a guerra acabou, não completei minha missão e nem há tempo para fazê-lo. Tudo isso acabou. Ainda sou um homem do exército, mas não há nada mais para eu fazer aqui. Nesse momento é como se estivesse de férias aqui. Ela riu e assim que ergueu o olhar para ele, Pablo a beijou. Um beijo ardente, muito diferente dos que costumava lhe dar. A paixão que ele

106 106 Cristina Pereyra sempre continha veio à superfície e July soube que era a ela que ele queria. Toda a tensão que tinha passado em sua relação com Pablo se refletia em seu rosto e a Vovó ficou preocupada. Assim que July chegou à casa dos Collings no domingo pela manhã, arranjou uma maneira de ficar sozinha com ela. Está com problemas com seu homem? Tolices, Vovó. Ele está bem, continua sendo gentil e me ajudando em todas as coisas. Mas as coisas não vão bem. July suspirou. Não imaginei que me apaixonaria dessa maneira. E não gosto de pensar que ele é um soldado. Então não pense. O coração não precisa da razão. É o que estou tentando fazer, quero desfrutar desse tempo que tenho com ele. Já temos uma data para sua partida? Tudo está arranjado, logo terei a data. Acho que será no começo de janeiro. July deu um sorriso triste. Um mês e alguns dias. Esse era todo o tempo que teriam juntos. Assim que se separassem nunca mais voltariam a se encontrar. Não pôde conter as lágrimas. Menina, você sabia que seria assim disse a Vovó, abraçando-a. Ele não pertence a essa Ilha, a vida dele está lá. Eu sei. Sempre o soube. Esqueça que ele vai partir, tudo se arranjará a seu tempo. July poderia ter respondido a Vovó dizendo que esse era um fato que não tinha arranjo. Pablo iria embora e seu coração ficaria em pedaços. Nenhuma das duas coisas poderia ser diferente. A jovem ficou calada porque a senhora Collings se aproximava delas. Não está bem, July? perguntou a mãe de Harry com sincera preocupação. Falávamos de meu pai, senhora Collings. Às vezes não é fácil viver sem ele. Claro a senhora Collings pegou a mão dela, não houve ninguém mais por você em sua vida. Sempre vai ficar uma lembrança doída no peito, mas tão logo tenha uma nova família, isso não mais lhe machucará.

107 AMANDO AO INIMIGO 107 July sorriu. Em seguida almoçaram e o tema da conversa foram as festividades na Capital. Na próxima semana seria a comemoração da batalha de 1914, e os Collings costumavam ir à Stanley nesse dia. July sempre os tinha acompanhado. Este ano não vou disse July. Por que não? perguntou Harry. Não estou com disposição para comemorações. Seu pai não gostaria que de você ficasse tanto tempo triste por sua morte disse a senhora Collings. Mamãe está certa, July Harry pegou a mão de ela. Além disso, você precisa de um descanso. Se fica na fazenda, trabalha bem mais do que seria conveniente. Se não está com as ovelhas, está no tear. Um passeio será bom para você. Talvez July precisava de uma desculpa, não poderia ir a Stanley e deixar Pablo ali. Mas há Nick. Antes, quando eu ia a Stanley, papai cuidava dele. Agora não há ninguém para cuidá-lo. Poderia deixá-lo aqui sugeriu Harry. Ele não ficaria, não gosta de pessoas estranhas. Eu poderia ficar em sua casa cuidando de seu cão. Todos olharam para a Vovó. Não sei murmurou July, acho que ficaria muito nervoso. Pelo contrário, acho que nós dois nos entenderíamos muito bem. July tomou fôlego, já percebera que a Vovó falava de Pablo, assim como ela. Conheço-o, isso não vai lhe agradar. Ele não tem escolha e você precisa de uns dias longe dele. Cruzes! Vocês duas parecem falar de uma pessoa. Nick é só um cão protestou Harry. É um cão, mas tem tamanho para ser uma pessoa disse a Vovó. Além disso, não se esqueça que ele é a única companhia de sua noiva naquela casa. Que seja disse Harry erguendo as mãos em rendição. Ficarei na sua casa, July, cuidando de Nick, enquanto estiver em Stanley disse a Vovó com um tom que não admitia contestação. Quando voltar na quarta-feira o encontrará melhor do que o deixou.

108 108 Cristina Pereyra "Assim espero", pensou July. Seu medo era de não encontrar Pablo ao voltar. Com certeza ele não gostaria da ideia da Vovó ficar com ele na casa e ela temia que ele decidisse fugir. Se recriminou. Ele já lhe havia dado a palavra de que não o faria, e ela continuava sem confiança nele. Em seguida combinaram os detalhes da viagem. O desfile seria na terça-feira, então viajariam na segunda pela manhã. Ficariam na casa dos Collings em Stanley e voltariam na quarta-feira. A senhora Collings acompanharia os jovens. Já passava de sete quando Harry a levou a casa. Ele não entrou, se despediram no jardim e mal Harry partiu, ela entrou. July nem tinha fechado a porta com a chave e Pablo já entrava na cozinha. Ela se virou e lhe sorriu. Olá. Pablo continuou aproximando-se dela. Sorria e seus olhos tinham aquele calor que fazia July estremecer de desejo. Olá disse ele com a voz rouca. Pablo passou o braço pela cintura dela e a beijou. July soltou um suave gemido de prazer contra a boca dele e passou os braços por seu pescoço. Queria desfrutar ao máximo dos carinhos que ele lhe oferecia. Havia pouco tempo para eles e queria aproveitá-lo todo, para que no futuro não houvesse arrependimento. Pablo tomou fôlego, a entrega de July fez com que seu corpo se incendiasse de desejo. Apertou-a contra seu corpo e deslizou a boca por seu pescoço, fazendo-a gemer de prazer. July tinha a sensação de que ia derreter, se agarrou aos ombros dele pois seus joelhos já não lhe sustentavam mais. Quando ele mordiscou sua orelha, July sussurrou seu nome com paixão. Isso foi o bastante para que Pablo recuperasse a razão. Com firmeza afastou July e fitou-a com paixão. Ela sorriu. Compreendia porque ele agia assim. Não posso fazer isso com você. Não quer disse ela. Não posso. Ainda me resta um pouco de dignidade. A dor no olhar dele a comoveu. Sabia que quando Pablo falava de dignidade, se referia a sua situação ali e não só à relação deles. Era um homem orgulhoso e que acreditava que era sua obrigação dar a vida pela

109 AMANDO AO INIMIGO 109 pátria. O fato de estar escondido em sua casa era para ele uma imensa vergonha. Ela lhe tocou a face com carinho. Estou certa de que você ainda possui a mesma dignidade que sempre teve, apenas está agindo conforme os fatos lhe exigem. Costumamos acreditar naquilo que nos convém. Ela encolheu os ombros e se virou para acender o fogo. Já tinha aprendido que não adiantava discutir com Pablo. Cada um deles tinha sua visão das coisas e nenhum dos dois estava disposto a mudar a sua. Poderiam conviver com essas diferenças por algum tempo. E para eles não existia mais que "algum tempo". Um mês. Esse era o prazo que a Vovó lhe dera. Um mês para ser feliz. Não desperdiçaria nem um dia sequer. Tenho novidades disse ela. Pablo sentou-se numa cadeira e esperou que ela continuasse falando. A Vovó já acertou sua viagem, logo terá a data. Será no começo de janeiro. Pablo deu um sorriso triste. Talvez a Vovó tivesse lembrado que ele gostaria de estar com July nas festas. July... Ela se virou e o fitou. A tristeza que viu em seu rosto a surpreendeu. Preciso ir embora disse Pablo. Eu sei. Se estivesse no seu lugar, também gostaria de voltar para casa. Além disso, não pode ficar, nem que quisesse. Não há escolha. Se tivesse... Ele não terminou a frase e ela não teve coragem para lhe perguntar se ele ficaria com ela. Temia a resposta, pois ele amava sua pátria. Se a invasão argentina tivesse sido um sucesso e as Ilhas agora pertencessem a eles, talvez Pablo ficasse com ela. Mas com as Ilhas sob o domínio da Inglaterra, jamais ele ficaria. Mesmo que pudesse. Isso ela sabia. Na manhã seguinte July acordou com o delicioso aroma do café da manhã invadindo seu quarto. Sorriu. Já não se lembrava mais de como era ser cuidada por alguém, sempre havia sido ela que cuidava de seu pai, desde que era apenas uma menina. Seu coração encolheu-se ao pensar que em pouco tempo Pablo partiria. Balançou a cabeça para afastar esse pensamento. Haveria tempo para tristeza, mas agora era tempo de desfrutar da companhia dele.

110 110 Cristina Pereyra Assim que July entrou na cozinha, Pablo veio a seu encontro. Bom dia disse July. Ele sorriu, passou o braço pela cintura dela, atraindo-a para perto de seu corpo e a beijou. Bom dia disse Pablo acariciando a face dela. Hoje é um dia especial? perguntou ela deslizando as mãos pelo peito dele. Ao seu lado, todos os dias são especiais volveu Pablo, beijando-a outra vez. Está com fome? Um pouco. Ele a levou até a mesa e segurou a cadeira para que ela sentasse. Serviu o chá e as tortillas que havia feito. Pablo sentou à frente dela. Sorria, e esse sorriso chegava-lhe aos olhos. July quase não podia acreditar que aqueles mesmos olhos pudessem ter aquele olhar frio que lhe aterrorizava. Por quê? e la perguntou assinalando a comida. Pablo encolheu-se de ombros. Vivo sozinho há alguns anos. Gosto de ter companhia. Eu também ela piscou para conter as lágrimas. Sempre soubemos que teria um fim. Sim. Preocupa-me pensar em como você ficará depois. Ficarei bem, minha vida seguirá como sempre. Pablo suspirou. Sabia que a vida de nenhum dos dois seguiria como antes depois de tudo que viveram naquela casa. Era muito mais do que estarem apaixonados, tinham compartilhado o medo, o triunfo e afastado a solidão que sentiam. Tudo havia sido intenso demais para ser esquecido. Os fatos que compartilharam tinham mudado os dois, não eram as mesmas pessoas de antes. Então, suas vidas não poderiam seguir os caminhos de antes. À noite, depois de jantarem, ficaram na sala e compartilharam um copo de vinho. Sentaram no tapete, mas em seguida Pablo a fez deitar com a cabeça em seu colo. Ele soltou seu cabelo e se pôs a acariciá-la. July fechou os olhos e ficaram em silêncio por um longo tempo. Nick deitou-se ao lado de sua dona e sua presença fez July lembrar que tinha coisas importantes para dizer a Pablo.

111 AMANDO AO INIMIGO 111 Na próxima semana haverão festividades em Port Stanley. E você costuma participar delas. Com os Collings. Sim. Então dever ir este ano também. Não quero. July, posso arranjar-me bem sozinho. E me encontrará aqui quando voltar, já lhe dei minha palavra. Não gosto de ficar longe de você. A declaração de July pesou entre eles e ficaram em silêncio. Quero que vá disse Pablo. Tenho que ir, tentei utilizar Nick como uma desculpa para ficar, mas não tive sucesso. Obrigaram-me a acompanhá-los. Ele riu. Alguém é capaz de lhe obrigar a fazer o que não quer? Achava que não existia essa pessoa. July sorriu com carinho. A Vovó. Ela se ofereceu para cuidar de Nick enquanto vou para Stanley. Pablo ficou sério e franziu o cenho. A Vovó vai ficar aqui? Sim. Sei que não lhe agrada, mas ficaria preocupada se o deixasse sozinho. Talvez esteja certa. É melhor que sempre haja alguém para responder ao exército. Se meu companheiro continua pedindo que me procurem e o Major encontra mais pegadas, voltarão a revistar tua casa. Se eu pudesse avisar seu companheiro... Nem pense em fazer isso! ele lhe tocou a face. Já está envolvida nesse problema bem mais do que devia, mas aqui posso lhe proteger. Se você se coloca em risco em Puerto Argentino, não poderei fazer nada por você. Ela ergueu a mão e lhe tocou o peito, à altura do coração. O pior, Pablo, é que se me flagram falando com seu companheiro no hospital e você fica sabendo disso, iria até Stanley para me resgatar. Ele cobriu a mão dela com a sua.

112 112 Cristina Pereyra Claro que sim. E saiba que eu teria sucesso. Ela riu. Como diz a Vovó: você é muito orgulhoso e altivo. Ele balançou a cabeça. Nesse caso não é nada disso. Então, o que é? Ele a fitou, exibindo nos olhos toda a paixão que sentia no peito, e apertou a mão de July contra seu peito. É que o amor faz milagres. O livro completo tem 216 páginas, e está disponível em:

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