RECOMENDAÇÃO Nº 09/2013 5º OFÍCIO CÍVEL - PR/AM

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1 ICP nº / Resumo: Apurar a omissão da FUNASA e do Ministério da Saúde na busca ativa pelo tratamento de tuberculose, malária, cirrose e tracoma entre os indígenas Mura-Pirahã, bem como na constituição de equipes específicas para atendimento em área, considerando as peculiaridades daquele povo, e fornecimento de meios adequados para o desempenho de suas funções. RECOMENDAÇÃO Nº 09/2013 5º OFÍCIO CÍVEL - PR/AM O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República signatário, com fundamento nas disposições constitucionais e legais, CONSIDERANDO a atribuição do Ministério Público Federal para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, atuando na defesa dos direitos difusos e coletivos, na defesa judicial e extrajudicial das populações indígenas, bem como a competência da Justiça Federal para processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas, nos termos do art. 5º, III, alínea e, art. 6º, VII, c, XI da Lei Complementar nº 75/93 e dos arts. 127, 129, V, e 109, XI, da CF/88; CONSIDERANDO as atribuições do 5º Ofício Cível sobre os procedimentos relativos aos direitos das populações indígenas e tradicionais e matérias afetas à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, nos termos do artigo 12, I, da Resolução PR/AM nº 01/2012; CONSIDERANDO o teor do art. 231, da Constituição Federal,

2 segundo o qual são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam; CONSIDERANDO que a Constituição enquadra o direito à saúde entre os direitos fundamentais, positivado em seu art. 196 nestes termos: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". CONSIDERANDO que, sendo a saúde direito subjetivo público de cada cidadão e consequentemente de toda a coletividade, deve ser igualmente dos indígenas, em relação aos quais reclama interpretação consentânea com o art. 231, acima referido; art. 25, itens 1 e 2: CONSIDERANDO o que determina a Convenção nº 169/OIT em seu 1. Os governos deverão zelar para que sejam colocados à disposição dos povos interessados serviços de saúde adequados [ ], a fim de que possam gozar do nível máximo possível de saúde física e mental; 2. Os serviços de saúde devem ser planejados e administrados em cooperação com os povos interessados, levando em conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como os métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais; CONSIDERANDO que, portanto, o direito de acesso à saúde reconhecido aos indígenas demanda um modelo adequado à diversidade de seus valores

3 culturais, que atenda aos princípios do controle social, da integralidade e da universalidade próprios do Sistema Único de Saúde (SUS), mas, também, de diferenciação, especificidade e tradição cultural que lhe são peculiares; CONSIDERANDO que o art. 2º, IX, do Decreto nº 3.156/99 corrobora a ideia de que o desempenho das ações e serviços de saúde aos índios, pela União, Estados e Municípios, deve observar como diretriz o reconhecimento da organização social e política, dos costumes, das línguas, das crenças e das tradições dos povos indígenas; CONSIDERANDO a instituição do Subsistema de Atenção Básica à Saúde Indígena, componente do SUS, criado pela Lei n , de 19 de setembro de 1990; CONSIDERANDO que o art. 19-F dessa lei enfatiza a necessidade de observância das especificidades da cultura dos povos indígenas: Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional. CONSIDERANDO que a execução das ações de atenção à saúde indígena consiste em serviço público, mostrando-se necessária a observância do princípio da continuidade no desempenho dessa atividade, sob pena de omissão inconstitucional da União. CONSIDERANDO que, por essa mesma razão, a assistência à saúde

4 indígena está sujeita aos princípios do dever inescusável do Estado de promover-lhe a prestação, da universalidade (indistintamente aberta à generalidade do público indígena) e da impessoalidade (inadmissibilidade de discriminações entre etnias ou indivíduos), tendo como figura principal os usuários e existindo somente em seu proveito e interesse, não no dos titulares ou prestadores 1. CONSIDERANDO o reconhecimento, por parte do Poder Judiciário, da legitimidade do Ministério Público Federal para atuar especificamente na garantia aos índios do devido acesso a políticas públicas de saúde conforme decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região nos autos da Ação Civil Pública nº , nestes termos: [...] 2. O Ministério Público Federal possui legitimidade ativa para propor ação cível pública para compelir à FUNASA às providências necessárias à contratação de equipe multidisciplinar de saúde para atendimento do povo indígena Cinta Larga (médico, dentista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agente indígena), que se encontra privado da assistência à saúde, que a todos é assegurada pela Constituição Federal, nos termos dos artigos 127 e 129 da Constituição, cabendo-lhe promover ação para fazer cessar omissão do Estado e dar efetividade a direitos constitucionais. 3. Está demonstrada a possibilidade jurídica do pedido porque o direito a saúde é assegurado a todos, como decorrência do direito à vida, ambos direitos fundamentais com aplicação imediata (CF/88, art. 5º, 1º), não se justificando a invocação do princípio da reserva do financeiramente possível, ainda mais quando há notícia de que os recursos públicos para a contratação dos profissionais da equipe multidisciplinar existem e já foram repassados. Além disso, a Lei 8.080/90 prevê um subsistema para atendimento à saúde indígena no 1 BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, p Também: Apelação na Ação Civil Pública nº (TRF1); Apelação na Ação Civil Pública nº AC (TRF1); RESP (STJ);

5 seu capítulo V. CONSIDERANDO que a responsabilidade pelo serviço em questão, embora permaneça no âmbito federal, passou da FUNASA à Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde, instituída para esse fim. CONSIDERANDO que, para concretizar o atendimento diferenciado já referido, o Subsistema de Saúde Indígena a cargo da SESAI é organizado na forma de Distritos Sanitários Especias Indígenas (DSEIs), que devem contar com uma rede de serviços articulada com o Sistema Único de Saúde para garantir a assistência médica de alta complexidade. CONSIDERANDO a competência dos DSEIs definida na Estrutura Regimental do Ministério da Saúde, aprovada pelo Decreto nº 7.797/2012, nos termos seguintes: Art. 48. Aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas compete: I - planejar, coordenar, supervisionar, monitorar, avaliar e executar as atividades do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS, nas suas respectivas áreas de atuação, observando as práticas de saúde e as medicinas tradicionais; e II - desenvolver as atividades de execução orçamentária, financeira e contábil relativas aos créditos sob a gestão específica de cada Distrito Sanitário Especial Indígena. CONSIDERANDO que a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, aprovada pela Portaria nº 254/2002 do Ministério da Saúde, prevê um sistema de atuação coordenada entre os DSEIs, nos seguintes termos: As características excepcionais da assistência à saúde dos povos indígenas determinam a necessidade de uma ampla articulação em nível intra e intersetorial, cabendo ao órgão executor desta política a responsabilidade pela promoção e

6 facilitação deste processo. A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas prevê a existência de uma atuação coordenada, entre diversos órgãos e ministérios, no sentido de viabilizar as medidas necessárias ao alcance de seu propósito. Deverão ser definidos mecanismos de articulação intersetorial que possam fazer frente aos diferentes determinantes envolvidos nos processos de saúde e doença que afetam essas populações. O órgão executor das ações de atenção à saúde dos povos indígenas buscará, em conjunto com o órgão indigenista oficial, parcerias para a condução desta política, principalmente no que diz respeito a alternativas voltadas para a melhoria do nível de saúde dos povos indígenas. Do ponto de vista da articulação intra-setorial, é necessário um envolvimento harmônico dos gestores nacional, estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde - SUS, por meio de um planejamento pactuado nos Distritos Sanitários Indígenas que resguarde o princípio da responsabilidade final da esfera federal e um efetivo Controle Social exercido pelas comunidades indígenas. CONSIDERANDO o papel a ser desempenhado pelas Secretarias Municipais de Saúde na execução dessa mesma política, resumido no seguinte parágrafo: As Secretarias Estaduais e Municipais devem atuar de forma complementar na execução das ações de saúde indígena, em articulação com o Ministério da Saúde [ ]. É indispensável a integração das ações nos programas especiais, como imunização, saúde da mulher e da criança, vigilância nutricional, controle da tuberculose, malária, doenças sexualmente transmissíveis e aids, entre outros, assim como nos serviços de vigilância epidemiológica e sanitária a cargo dos gestores estaduais e municipais do SUS. Deverá se dar atenção, também, às doenças crônico-degenerativas (como o

7 câncer cérvico-uterino; diabetes etc.) que já afetam grande parte da população indígena no país. CONSIDERANDO a reunião realizada com representantes da etnia pirahã em 06 de junho de 2013, em que se discutiu, entre outros assuntos, a prestação do serviço de saúde indígena àquele povo; CONSIDERANDO que o povo Pirahã se distribui em agrupamentos distintos no território que segue a extensão do rio Maici, conforme se trate de estação seca ou chuvosa 3. CONSIDERANDO que as alterações na ocupação da região (seminomadismo), em virtude de traços peculiares ao povo indígena Pirahã, reclama um tratamento diferenciado e coordenado entre os DSEIs de Porto Velho e Manaus. CONSIDERANDO a necessidade de que apenas um distrito sanitário se responsabilize pelo atendimento da totalidade da população do grupo indígena Pirahã, conforme se manifestou o Coordenador da FUNAI Madeira: [...] parte da população Pirahã é atendida pelo DSEI Porto Velho e parte pelo DSEI Manaus, inclusive devido à alta mobilidade da população Pirahã, o que ocasiona relevantes problemas de assistência, como as deficiências no controle da vacinação, por exemplo, ou no tratamento de tuberculose, que também é feito de forma parcial, de acordo com a equipe que está em área. CONSIDERANDO que, em reunião deste signatário com indígenas Pirahã realizada em 6 de junho de 2013, denunciou-se que o DSEI Manaus não realiza atendimento na área indígena Pirahã sob sua responsabilidade. 3

8 RESOLVE: I RECOMENDAR ao DSEI MANAUS e ao DSEI PORTO VELHO que estabeleçam, no prazo de 15 (quinze) dias, as bases de um atendimento de saúde contínuo e periódico ao povo indígena Pirahã, remetendo cópia de suas conclusões ao MPF e levando em consideração, quando da elaboração do plano: a) população, área geográfica e perfil epidemiológico; b) disponibilidade de serviços, recursos humanos e infraestrutura; c) condições de acesso à terra indígena e vias de acesso aos serviços instalados em nível local e à rede regional do SUS; d) distribuição demográfica tradicional do povo Pirahã; e) necessidades específicas para o controle das principais endemias. II RECOMENDAR ao DSEI MANAUS e ao DSEI PORTO VELHO que, de acordo com o plano base estabelecido, elaborem cronograma de atendimento permanente à região mencionada, remetendo quinzenalmente o relatório de visitas ao MPF. Fixa-se o prazo de 10 (dez) dias para que o DSEI MANAUS e o DSEI PORTO VELHO informem ao Ministério Público Federal o acatamento da presente recomendação, encaminhando descrição detalhada do planejamento das ações necessárias para o cumprimento, com o respectivo cronograma. Encaminhe-se cópia à Coordenação Regional da FUNAI no rio Madeira, às Prefeituras Municipais de Manicoré e Humaitá e à Secretaria Especial de Saúde Indígena SESAI. Manaus, 18 de julho de Julio José Araujo Junior Procurador da República