MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Maranhão 2º Ofício Cível

Transcrição

1 Procedimentos Administrativos nº / PR/MA e / RECOMENDAÇÃO PR/MA/ASS nº 02/2009 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, através do Procurador da República subscrito, no regular exercício de suas atribuições institucionais, com base nos artigos 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal e nos artigos 5º, incisos I, alínea h, inciso II, alínea c, e inciso III, alíneas b e e, e 6º, inciso XX, ambos da Lei Complementar n.º 75/1993, bem como com esteio nos artigos da Lei federal n.º 7.347/1985, e CONSIDERANDO o que consta dos Procedimentos Administrativos em epígrafe, instaurados com base em declarações de integrantes das comunidades indígenas Taboquinha, Tiririca, Planaltina, Três Pedras, Pedra, Planície, Planalto, Olho D'água, Pedra Grande e Lagoa Comprida, da etnia Guajajara, noticiando as deficiências do atendimento à saúde da população da Terra Indígena Bacurizinho, no que tange à atenção básica e ao abastecimento de água e saneamento; CONSIDERANDO que o fornecimento de água potável nessas aldeias é realizado de modo deficiente, ocasionando inúmeras denúncias quanto à qualidade da água consumida e à irregularidade do atendimento da situação pela FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE FUNASA. CONSIDERANDO que a situação descrita é de conhecimento da Fundação Nacional de Saúde FUNASA, tendo sido, inclusive, objeto de anterior recomendação por parte desta Procuradoria, a qual, consoante, declarações atuais dos indígenas, não adotou providências definitivas para a solução do problema, em especial quanto ao abastecimento local com água potável;

2 CONSIDERANDO que, malgrado a Recomendação PR/MA/LC nº 07/2007 tenha determinado a adoção de medidas emergenciais, como o abastecimento por caminhão-pipa e a disponibilização de uma viatura para atendimento à saúde nas aldeias desprovidas de assistência, a FUNASA deixou de cumprir o compromisso firmado, não solucionando, entrementes, as carências básicas das aldeias retro citadas (P.A. nº / PR/MA); CONSIDERANDO que a Fundação Nacional do Índio - FUNAI informou que Aldeia Sussuyapara, da mesma etnia, encontra-se igualmente desprovida saneamento básico e ações de saúde por parte da FUNASA, muito embora tenham sido procedidas diversas reuniões no âmbito do Distrito Sanitário Especial Indígena DSEI/MA; CONSIDERANDO que os indígenas denunciam a ausência de comparecimento de profissionais integrantes das equipes de saúde nas aldeias, bem como o não atendimento pelo Pólo Base da região, deixando-os sem atenção médica e farmacêutica. CONSIDERANDO que a falta de água e a carência de atenção básica à saúde - além de remédios, vacinas e alimentação - têm levado à dispersão das comunidades da T.I. Bacurizinho, através da migração de seus integrantes para os centros urbanos mais próximos; CONSIDERANDO a renitente omissão da autarquia federal em cumprir as suas atribuições legais na aludida região, notadamente as consolidadas no Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema Único de Saúde, conforme atual redação da Lei 8.080/90; CONSIDERANDO a necessidade atual de reestruturação imediata dos serviços de atenção básica à sáude a serem implementados pela FUNASA na região da T.I. Bacurizinho, a fim de se evitar, outrossim, a propositura de Ação Civil Pública com este objetivo; CONSIDERANDO que é dever do Estado Brasileiro, por meio dos entes federativos, garantir a assistência e o respeito às especificidades indígenas, respeitando a identidade das diversas etnias existentes no seu território, em seus modos de criar, fazer e viver, além das suas formas de expressão (art.216 da CF/88); CONSIDERANDO os termos do artigo 231, caput da Constituição Federal de 1988, que reconhece em favor dos povos indígenas, a preservação de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

3 tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens; CONSIDERANDO os termos previstos na Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, onde se estabelece que os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, ação coordenada e sistêmica, com vistas à proteção dos direitos dos povos indígenas e garantia do respeito à sua integridade (art. 1, caput), devendo Estado brasileiro fazer o que estiver ao seu alcance para evitar qualquer discriminação entre os trabalhadores índios e não índios, especialmente quanto a assistência médica e social, segurança e saúde no trabalho, todos os benefícios da previdência social e demais benefícios, bem como habitação (art. 20, 2., b); CONSIDERANDO que a atenção à saúde indígena é encargo da União, a ser desempenhado em consonância com a Constituição Federal e as prescrições da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, objetivando a universidade, a integralidade e a equanimidade dos serviços; CONSIDERANDO que o modelo adotado para atenção à saúde indígena deve contemplar, dentre outros aspectos, a assistência à saúde, o saneamento básico, a nutrição, a educação sanitária e a integração institucional (Lei nº 8.080/90, com redação alterada pela Lei nº 9.836/99); CONSIDERANDO que, nos termos da Portaria MS nº 254, de 31 de janeiro de 2002, a implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas requer a adoção de modelo complementar diferenciado de organização dos serviços voltados para proteção, promoção e recuperação da saúde -, que garanta aos índios o exercício de sua cidadania nesse campo; CONSIDERANDO que o Sistema Único de Saúde - SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, cabendo precipuamente aos Distritos Sanitários (DSEI) prestar assistência médica contínua e de menor complexidade aos indígenas, inclusive por intermédio de pólos base, instância incumbida dos serviços de atendimento básico no âmbito das aldeias (art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 3.156/99); CONSIDERANDO que a responsabilidade sanitária e a promoção da saúde indígena, notadamente através do estabelecimento, manutenção e supervisão dos Distritos

4 Sanitários Especiais Indígenas, são atribuições da FUNASA, que, nesse mister, deve respeitar a pessoa do índio e as instituições e comunidades tribais (Lei nº 8.080/90, Decreto nº 3.156/99 e Portaria MS nº 1.163/99); CONSIDERANDO é igualmente atribuição da FUNASA garantir a disponibilização de recursos humanos em quantidade e qualidade necessárias para fins de desenvolvimento das ações de atenção à saúde indígena, de ordem a possibilitar a organização da rede de serviços dos Distritos Sanitários, prestada por equipe profissional composta por médicos, enfermeiros, odontólogos, auxiliares de enfermagem e agentes indígenas de saúde, contando, ainda, com a participação sistemática de antropólogos, educadores e engenheiros sanitaristas e outros especialistas técnicos; CONSIDERANDO que, ex vi do inciso II, do art. 49, da Lei /2007, proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental aos povos indígenas e outras populações tradicionais, com soluções compatíveis com suas características socioculturais, constitui escopo da Política Federal de Saneamento Básico; CONSIDERANDO que a implantação, manutenção e operação dos sistemas de saneamento nas reservas indígenas, e seus respectivos custos, são de responsabilidade da FUNASA, e que as diretrizes para elaboração de projetos de estabelecimentos de saúde, de abastecimento de água, melhorias sanitárias e esgotamento sanitário, em áreas indígenas, constam dos anexos da Portaria interna nº 479, de 13 de agosto de 2001; CONSIDERANDO que cabe ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a defesa dos povos indígenas (art.129, III, da CF/88 e art. 6º, VII, c, da LC 75/93); RESOLVE RECOMENDAR à Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde CORE/FUNASA e ao Distrito Especial de Saúde Indígena do Estado do Maranhão DSEI/ MA que, no prazo de 30 (trinta) dias: 1. Promovam o efetivo atendimento à saúde dos indígenas da etnia Guajajara residentes nas aldeias Taboquinha, Tiririca, Planaltina, Três Pedras, Pedra, Planície, Planalto, Olho D'água, Pedra Grande e Lagoa Comprida, mediante a prestação de serviços de atenção básica nos locais por equipes de profissionais multidisciplinares, em visitas periódicas, bem

5 como no pólo base relativo à área, assegurando-lhes ainda a devida assistência farmacêutica e o encaminhamento à rede de unidades do Sistema Único de Saúde SUS, quando necessário; 2. Providenciem o abastecimento de água nas aldeias aldeias Taboquinha, Tiririca, Planaltina, Três Pedras, Pedra, Planície, Planalto, Olho D'água, Pedra Grande e Lagoa Comprida, que compõem a Terra Indígena Bacurizinho, mediante implementação das obras necessárias ao seu fornecimento contínuo e de qualidade, e, entrementes, através do fornecimento de água por caminhões-pipa, enquanto não solucionado o problema em definitivo; 3. Adotem as medidas administrativas adequadas para evitar seja dispensado, no âmbito dos Pólos Base, tratamento discriminatório quanto às aldeias atendidas, zelando pela observância do princípio da impessoalidade, mediante a apuração administrativa dos casos noticiados e adoção das providências de controle pertinentes. A presente recomendação presta-se para dar ciência inequívoca acerca dos fatos aqui apresentados, advertindo e constituindo em mora os seus destinatários, quanto ao solicitado, com a possibilidade de implicar, em caso de não atendimento do seu conteúdo, a adoção de providências administrativas e judiciais cabíveis, em sua máxima extensão. Demais disso, requisita-se que seja informado, em 10 (dez) dias, ao MPF o acatamento ou não da presente recomendação. Após o prazo de 30 dias concedido, deverá ser encaminhado a esta Procuradoria da República relatório circunstanciado sobre as providências adotadas em virtude desta Recomendação. São Luís, MA, 14 de abril de ALEXANDRE SILVA SOARES Procurador da República no Estado do Maranhão