II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP Campus de Assis ISSN:

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1 II Colóquio da Pós-Graduação em Letras UNESP Campus de Assis ISSN: A POESIA DE GILKA MACHADO: BARREIRAS QUEBRADAS COM VERSOS Aline Gabriela Copceski (Graduanda FAFIPA PIBIC) A princípio devo salientar que esta pesquisa é parte de uma pesquisa maior, do projeto de PIBIC, financiado pela Fundação Araucária. É desenvolvida de forma ampla, sendo que visa principalmente a identificar o que é o Modernismo no Brasil, mas para chegar a essa concepção é preciso partir da antiguidade, traçando uma linha de tempo da obra de arte, passando por campos como a sociologia, a história, a filosofia, a estética, e diversos outros, para reconhecer o que foi o movimento modernista como um todo, no seu papel de modificador dos conceitos e valores artísticos vigentes. Há diversas teorias a respeito do assunto um tanto quanto divergentes, mas o que se pode afirmar, em se tratando de arte, é que há sim muita novidade na modernidade, mas também há muitas releituras de clássicos. Releituras essas que vão da ironia à cópia descarada. Mas o papel desse estudo não é dar uma concepção do Modernismo, e sim, falar de Gilka Machado, poeta brasileira ainda pouco conhecida e estudada, de grande importância para a literatura do país, e com papel fundamental na busca pela libertação da mulher em uma sociedade dominada por homens. A escolha da autora também é ponto que merece ser salientado aqui. A princípio, pensava em estudar algum dos poetas do movimento da Semana de Arte Moderna, como Mário de Andrade, ou Oswald de Andrade, mas o gosto pela literatura escrita por mulheres falou mais alto, e, levando em consideração que a poeta quase não é estudada, seus livros quase não são editados e a dificuldade de encontrar material a respeito de sua vida e obra, despertaram um interesse muito grande por essa mulher incrível, que viveu a duras penas depois de sua viuvez para criar seus filhos. Como já citado, seus livros são raros, de edições antigas e preços exorbitantes, valorizados como raridades por sebos e dificilmente encontrados em livrarias. Gilka Machado nasceu no Rio de Janeiro em 12 de março de 1893, e fala de seus pais em uma breve autobiografia que introduz suas Poesias completas (MACHADO, 1978), com todo o orgulho que uma filha pode sentir, seu pai é descrito como um homem muito culto e bonito e sua mãe como uma heroína que a muito 57

2 custo conquistou um espaço no teatro e no rádio. Orgulha-se também de seu avô, Francisco Moniz Barreto, poeta repentista, e seu tio avô, Francisco Pereira da Costa, violinista. Mas coloca todos estes, apesar de cultos e envolvidos em meios artísticos, anuviados pela pobreza da família. Iniciou na carreira literária aos 13 anos de idade, ao vencer um concurso de poesias. Sobre essa experiência, Gilka escreve na pequena bibliografia que inicia o Poesias completas: Logo depois, um crítico famoso escrevia que aqueles poemas deveriam ter sido laborados por uma matrona imoral. Quase criança, comunicativa, indiscreta e falaz, saindo de mim mesma, contando meus prazeres e tristezas, expondo os meus defeitos e qualidades, eu pensava apenas em dar novas expressões à poesia. Aquela primeira crítica (por que negar) surpreendeu-me, machucou-me, manchou o meu destino. Em compensação, imunizou-me contra a malícia dos adjetivos (MACHADO, 1978, p. ix). Casou-se com o também poeta Rodolpho Machado e teve dois filhos com ele: Hélios e Heros. Mas seu marido morreu cedo, deixando para ela nada além da responsabilidade de criar os filhos sozinha e toda a dor de não ser somente mais uma mulher no mundo. Chegou a trabalhar como diarista, mas acabou por montar uma pensão para conseguir dinheiro para criar os filhos. Passou por diversos problemas de saúde, mas teve o orgulho de ganhar um prêmio de melhor poetisa brasileira e de ver seus dois filhos bem sucedidos em suas profissões. Infelizmente, Hélios morreu por causa de uma cirurgia, o que causou muita dor a ela. Termina sua pequena autobiografia dizendo: sonhei ser útil à humanidade. Não consegui mas fiz versos. Estou convicta de que a poesia é tão indispensável à existência como a água, o ar, a luz, a crença, o pão e o amor (MACHADO, 1978, p. xi). Morreu 1980 também no Rio de Janeiro. Considerando o princípio de sua obra, a época não era ainda muito propícia ao início da libertação artística no Brasil, efetivada com a Semana de Arte Moderna. Os parâmetros da sociedade brasileira ainda estavam vinculados ao tradicionalismo e à estatificação da população no que dizia respeito à arte. O Pré-Modernismo foi marcado ainda por muito preconceito contra arte que se fazia, ainda mais quando o assunto era poesia erótica escrita por uma mulher. Gilka foi julgada como devassa e libertina, apenas por manifestar os sentimentos, os desejos; trabalho que já havia sido feito anteriormente por homens, mas que não era admissível a uma mulher. Até mesmo um grande poeta do movimento da Semana de Arte classificou-a como puta, com toda a liberdade de expressão que o Modernismo veio manifestar. 58

3 Escreveu poemas dedicados a seu irmão, a seus filhos, a lugares que marcaram sua vida. Seu último poema foi dedicado ao filho que havia perdido, intitulado Meu menino. Sua obra passa por distintas fases. Em um primeiro momento é bem característica do simbolismo, carregada de sinestesia, aliterações, com sonetos bem construídos, e passa para uma fase de versos mais livres, mas o tema é sempre o mesmo, o inconformismo diante da sociedade repressora, manifestado através da eroticidade reprimida. Demonstra muito bem também suas fases espirituais, sendo que passa por momentos de extremo erotismo e revolta pela libertação da condição feminina, momentos altamente espirituais, e o último momento de prelúdio à morte, em que escreve sobre a velhice, as saudades, as vivências que já não existem. Sobre a poesia de Gilka, Nádia Battela Gotlib diz: Como se pode perceber a partir dos títulos de seus livros, sua poesia se detém nas experiências de uma intimidade sensível, que manifesta, explicitamente, suas sensações, emoções e desejos eróticos. Aliás, lembre-se que em 1916 faz conferência sobre A revelação dos perfumes... Para expressar tais sensações, usa nos poemas um vocabulário inusitado: emprega, por exemplo, a palavra cio. E mostra a mulher esvaída em sensualidade, numa poesia que se constrói tanto segundo a rigidez formal de tradição parnasiana quanto dando vazão às ondas de languidez que atravessam o seu verso à moda simbolista. Daí uma reação dupla por parte do público, pois causa tanto a admiração, por parte de uns, em que se incluem as mulheres que encontram aí uma porta-voz na representação de experiências da intimidade, até então proibida, quanto a rejeição severa por parte de uma crítica moralista conservadora. Para os que a defenderam, como Henrique Pongetti, Humberto de Campos, Agrippino Grieco, foi preciso separar a Gilka dos domínios da arte (a poeta) da Gilka dos domínios da vida (mãe virtuosa), com o intuito de inocentá-la de uma sensualidade pecadora. Em muitos poemas, ela coloca o erotismo e o amor como uma condição platônica, como no poema a ser analisado aqui Pelo telefone (MACHADO, 1978, p. 198): aonde irás; amo-te pelo enigma pertinaz que em ti me atrai e me intimida, por essa música mendaz de tua voz que alvoroçou minha audição e me vem desviando a vida de seu destino de solidão. aonde irás... Fala-me sempre, mente mais; 59

4 não te posso exprimir o pavor que me invade, as aflições que me consomem, ao meditar na triste realidade de que deve ser feita essa tua alma de homem. aonde irás, audaz desconhecido; tua palavra mente ao meu ouvido, mas não mente essa voz que me treslouca! Ela é o amor que me chama por tua boca, num apelo tristonho, de saudade; é a exortação do sonho à minha rara sensibilidade. aonde irás: amo a ilusão que tua voz me traz. a falsidade em que procuro crer. Fala-me sempre, mente mais, que de mim só mereces tanto apreço, ó nebuloso, porque desconheço as humanas misérias de teu ser! Mas nesta solidão a que me imponho, quando quedo em silêncio a te aguardar a voz, como se torna teu enigma atroz, que ânsia de estrangular este formoso sonho, de transpor os espaços, de bem te conhecer, de me atirar depressa, inteira, nos teus braços, de te possuir só para te esquecer!... O poema é parte do livro Sublimação, publicado em Demonstra bem a situação de uma mulher vencida pelos encantos de um homem, mesmo com todos os mistérios que o homem pode conter, sempre dando ênfase aos versos Ignoro quem tu és,//aonde irás, demonstrando assim também a ousadia do amor. Podemos comparar o poema às relações virtuais que se estabelecem hoje através da internet, nas quais as pessoas conhecem das outras apenas o que convém dizer, mas mesmo assim o ambiente é propício para o despertar de paixões tórridas, sem ao menos se conhecer verdadeiramente a pessoa que está do outro lado da tela. No poema o uso é o do telefone, e o que se conhece, o agente despertador do desejo e da curiosidade em possuir, é a voz. Hoje, temos uma relação mais avançada, na qual é possível ver as imagens, ter uma noção de como a pessoa é, mas o desejo é igualmente platônico. 60

5 O platonismo se define no último verso de te possuir só pra te esquecer!..., que salienta a efemeridade dessa paixão inventada. O verso ainda termina com um ponto de exclamação seguido de reticências, o que nos leva ao sentimento de um desejo muito persistente e ao mesmo tempo confuso. O platonismo se deve ao fato de o eu-lírico acreditar que, possuindo o objeto de desejo, poderá enfim se livrar dessa paixão, pois na paixão platônica a efusividade do sentimento se dá pelo fato de não poder possuir o ser desejado, e que, se acaso o desejo se realizar, se tornará inútil. Temos ainda que salientar a forma do poema, que é composto de versos livres, métrica desconstruída, e nem sempre possui rimas. Nessa fase a autora já superou os modelos estritamente simbolistas ao construir seus poemas. Voltando ao objetivo do projeto, o grande ponto, o que leva a poesia de Gilka a ser uma poesia nova, quebradora de barreiras? O principal indício é o fato de ter sido marginalizada até mesmo pelos marginais, de nunca ter conseguido ser uma das queridinhas entre as poetisas brasileiras, e, mesmo assim, ser considerada até hoje como uma das maiores entre elas. Referências bibliográficas GOTLIB, Nádia Battela. Disponível em < acessado no dia 13 de maio de MACHADO, Gilka. Poesias completas. Brasília: Editora Cátedra, SILVA, Soraia Maria. Poemadançando: Gilka Machado e Eros Volúsia. Brasília: Editora UNB, SOARES, Angélica. A paixão emancipatória: vozes femininas da libertação do erotismo na poesia brasileira. Rio de Janeiro: DIFEL,